Agravo: alguns pontos controvertidos
Maria Berenice Dias*
Das reformas a que foi submetido o estatuto processual, após 20 anos de sua entrada em vigor, foi o recurso de agravo o que mais profundas alterações sofreu. Na busca da agilização do procedimento, que dispunha do mais demorado tramitar, foi modificada a sede do seu juízo de interposição, possibilitando-se a duplicação dos seus efeitos. Para atingir tal desiderato, transferiu-se ao procurador da parte uma série de encargos, dentre os quais prepará-lo independentemente da feitura de cálculo e providenciar em sua tempestiva remessa ao órgão julgador.
A significativa aceleração do processamento do recurso e a imediata apreciação do pedido liminar despertou tal euforia, que todo e qualquer provimento judicial passou a ser objeto de irresignação, levando ao desprestígio das decisões monocráticas e aumentando em muito o volume de trabalho dos tribunais. Processando-se no segundo grau de jurisdição, o agravo acaba sendo compulsado mais de uma vez pelo relator, que, primeiramente, aprecia a liminar, comunica ao juiz a decisão, intima o agravado, pede informações, determina a ouvida do agente do Ministério Público. Eventualmente responde a pedido de reconsideração ou julga o recurso interposto contra a manifestação proferida, para só depois levá-lo a julgamento. Evidentemente dobrou o trabalho no juízo ad quem; mas, ainda assim, é imperioso concluir que o resultado da reforma foi positivo, podendo-se dizer, sem margem de erro, que – usando-se uma linguagem moderna – o destinatário final está bem atendido.
É inquestionável que tão significativas alterações trouxeram alguns impasses, ensejando inclusive decisões díspares sobre alguns pontos, que merecem ser objeto de maior atenção.
1. Do preparo
A determinação de preparo do agravo de instrumento posta no § 1º do art. 525 do CPC não reproduz com a mesma clareza o que diz o art. 511 do mesmo estatuto quanto ao momento de sua efetivação para os recursos em geral. Pela dicção legal, a indispensabilidade do preparo, de condição de admissibilidade, passou a pressuposto à sua interposição. Porém, postura mais benevolente tem sido adotada por alguns órgãos fracionários do Tribunal gaúcho, principalmente face à dissintonia entre o horário de funcionamento da rede bancária e o término do expediente forense[1].
No entanto, há que se socorrer do princípio da preclusão consumativa, segundo o qual, protocolizado o recurso, preclui para a parte a possibilidade de prepará-lo ou de juntar documentos faltantes, descabendo possibilitar eventual complementação.
Nelson Nery Júnior lembra que a preclusão consumativa ocorre ante um ato complexo, isto é, quando mais de um ato processual deve ser praticado simultaneamente, havendo a perda da faculdade de praticá-lo. Já tendo ocorrido a oportunidade para exercer a faculdade, não pode tornar a fazer [2].
Majoritária a posição que sustenta essa linha argumentativa[3], afinando-se com o STJ: “Segundo dispõe o artigo 511 do CPC, com a redação da Lei nº 8.950/94, no ato da interposição do recurso, o recorrente deverá comprovar o respectivo preparo, sob pena de deserção”[4].
Ainda com relação ao preparo, questiona-se sobre os efeitos do recolhimento de importância a menor, situação que tem gerado decisões dissonantes, inclusive no próprio STJ. O Ministro Ruy Rosado de Aguiar Jr. já decidiu que “o preparo efetuado a tempo, mas com valor insuficiente, pode ser em atendimento a determinação da Presidência do Tribunal local”[5]. Já o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, um dos artífices da reforma, decidiu: “O pagamento insuficiente do preparo se iguala ao seu não-pagamento, impondo-se, em igual circunstância, o reconhecimento da deserção”[6].
O mesmo dissenso se verifica na Corte local. A Quinta Câmara Cível decide que “Não há deserção no preparo da apelação onde é recolhida importância insuficiente, pois a sanção somente se aplica a falta de preparo”[7]. A Sétima Câmara Cível, por seu turno, assim se posiciona: “O preparo efetuado a menor equivale a não-pagamento, implicando a deserção do recurso”[8].
2. Da comunicação ao juízo de origem
Tem gerado divergência a identificação das seqüelas decorrentes do inadimplemento da determinação do art. 526 do estatuto processual, que impõe ao agravante o encargo de, no prazo de três dias, juntar ao processo originário cópia e comprovante da interposição do recurso. Ainda que o dispositivo utilize o verbo requerer em seu tempo futuro, o que, em termos de técnica legislativa, significa uma imposição cogente, não atribui qualquer sanção para a hipótese de não-atendimento da determinação.
A partir de posicionamento pioneiro do magistrado e processualista Araken de Assis[9], a Justiça gaúcha tem-se inclinado em não conhecer do recurso[10], sob o fundamento de que o ônus implica um juízo desfavorável ao agravante.
“Do contrário, realmente, a norma é inútil e sua inobservância produzirá as seguintes conseqüências: primeira, o órgão judiciário de primeiro grau não tomará conhecimento da interposição, exceto se o Relator solicitar informações, o que é facultativo; segunda, o agravado não terá como responder, pois desconhecerá os fundamentos da minuta e dos documentos, talvez novos, que a acompanharam”.[11]
Ambos os argumentos são facilmente respondíveis. Como não dispõe, o agravo, de efeito suspensivo, desacolhido o pedido de recebimento do recurso com esse efeito, despiciendo que dele tenha ciência o juízo monocrático, já que de nenhuma influência a decisão no andamento do processo. Ao depois, intimado o agravado, a ele compete inteirar-se dos termos do recurso, para respondê-lo, sem que possa alegar eventuais prejuízos pela omissão do agente.
O STJ não tem o mesmo direcionamento, assim decidindo: “A providência do artigo 526 do CPC foi prevista no interesse do agravante, para que possa implementá-la nas hipóteses em que lhe pareça possível obter um juízo de retratação; não sendo esse o caso, está dispensado de comunicar ao Juiz da causa a interposição do recurso. Recurso especial não conhecido”.[12]
Também essa é a posição de Nelson Nery Júnior: “Embora o texto da norma sugira imperatividade (“requererá”), é faculdade do agravante requerer a juntada, perante o juízo a quo, dos documentos de que fala o texto legal. Como é ônus e não obrigação, caso não providencie a juntada, o agravante terá contra si o fato de que o juízo recorrido não poderá retratar-se, modificando a decisão agravada. Não pode ser apenado pelo não conhecimento do recurso, quando não requerer a juntada dos documentos mencionados no texto comentado. Além de esse requerimento ser faculdade, a lei não prevê expressamente essa pena, de sorte que não é lícito ao intérprete criá-la”. E conclui o tratadista: “É ilegal, contra o sistema do Código, não conhecer-se do agravo, porque não houve a comunicação de que trata a norma comentada.” [13]
Como fundamento derradeiro, há que se lembrar que, em sendo decisão liminar o objeto da irresignação, contra ela insurgindo-se o autor, ninguém, além dele, sofre o prejuízo da indigitada decisão. Assim, desarrazoada a postura jurisprudencial no sentido de não conhecer do recurso, nela se visualizando, tão-só, a intenção de punir o desatendimento de uma determinação legal.
3. Da apreciação liminar
Sensível o reformador do Código ao impasse que existia em decorrência do efeito único de que dispunha o agravo de instrumento e da impossibilidade de se lhe agregar efeito suspensivo. Tal situação impunha que, após sua interposição, fizesse uso o agravante do mandado de segurança a fim de sustar os efeitos da decisão recorrida. Ainda que o recebimento do agravo em um só efeito não se revestisse de ilegalidade, o fundamento dessa engenhosa solução era que a própria decisão hostilizada violara a lei ao não atender à pretensão da parte, configurando, por via de conseqüência, afronta a direito líquido e certo do recorrente. Dito mecanismo acabou por duplicar a via impugnativa contra uma única manifestação decisional, transformando-se em fonte geradora de desnecessárias demandas.
Tal situação é que levou o art. 527, II, do CPC, com sua atual redação, a outorgar ao relator a possibilidade de agregar efeito suspensivo ao recurso quando visível a probabilidade da ocorrência de lesão, nas hipóteses elencadas no art. 558 do CPC. Assim, pela nova sistemática legal, quando, da decisão do juízo, possa resultar lesão grave e de difícil reparação, possível ao relator suspender seus efeitos. Indispensável, no entanto, que o pronunciamento disponha de conteúdo decisional positivo, para ensejar manifestação paralisante dos seus efeitos no juízo ad quem, pois inócuo o efeito suspensivo na ausência de deferimento da liminar.
Muitas vezes, porém, o recurso persegue provimento judicial substitutivo do decisum denegatório proferido na origem. É o que a doutrina vem chamando de efeito suspensivo ativo, expressão que encerra uma contradição intrínseca, pois não há como suspender o que inexiste. Em verdade, o que se busca na hipótese é, simplesmente, em sede recursal, o acolhimento do pedido indeferido no juízo monocrático.
O agravo vem sendo amplamente utilizado com tal desiderato, quer sob o fundamento de buscar-se tutela antecipada, quer invocando o poder geral de cautela, o que tem levado o segundo grau de jurisdição a reapreciar liminarmente as pretensões rejeitadas na origem. O certo é que, em não se admitindo esse alargamento do âmbito de abrangência da esfera de cognição do relator, ter-se-ia de voltar ao uso do mandado de segurança. Ainda que o agravo não seja uma ação, mas um recurso, indispensável que se encontre uma solução que realize, em sua plenitude, o princípio do duplo grau de jurisdição também quanto ao juízo liminar. Mister, pois, que se assegure um caminho por meio do qual se possa provocar a jurisdição recursal não só quando o primeiro grau tenha exarado manifestação deferitória geradora de insatisfação, mas também quando rejeite o pedido formulado na origem.
4. Do recurso contra a decisão liminar
O relator pode, liminarmente, negar seguimento ao agravo (art. 527 do CPC) nas hipóteses elencadas no art. 557 do CPC, ou seja, quando manifestamente inadmissível, prejudicado, improcedente ou contrário à sumula do respectivo ou de superior tribunal. Inquestionavelmente baralha, o dispositivo legal, duas condições de admissibilidade com duas outras que dizem com o próprio objeto do recurso, a ensejar, de forma surpreendente, um julgamento singular do relator sobre o mérito da irresignação, ferindo toda a sistemática recursal.
Somente nesta hipótese em que é estancado in limine o recurso, faculta, o parágrafo único do mesmo art. 557, o uso de recurso nominado singelamente de agravo[14].
Apesar de a lei determinar que o relator peça dia para o julgamento, vem-se adotando o procedimento do agravo regimental, sendo levado o recurso pelo relator à mesa julgadora, para apreciação colegiada, sem prévia inclusão na pauta.
O relator, mediante manifestação singular, pode, de outro lado, agregar ou não efeito suspensivo ao recurso, na dicção do inc. II do art. 527 do CPC. Já assente o entendimento de que igualmente é cabível buscar-se efeito suspensivo ativo, ou seja, possível o relator rever a decisão judicial denegatória do pedido e substitutivamente outra proferir.
Nessas duas hipóteses, a jurisprudência vem considerando tal manifestação como irrecorrível, sob o fundamento de que, tendo a lei, modo expresso, declinado os casos em que a decisão do relator abre a via recursal, o silêncio nos demais casos evidencia que a eles não quis outorgar possibilidade revisional, cabendo tão-só o julgamento colegiado do recurso. Além de vedado o uso do agravo inominado do parágrafo único do art. 557 do CPC, nem de agravo regimental se pode cogitar, por não ter o legislador estadual legitimidade legiferante supletiva.
Esse é o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “…quando a decisão do relator limita-se a negar o efeito suspensivo ao recurso, trata-se de algo de bem menor relevo e assente em manifesto caráter de transitoriedade, desaconselhando-se a introdução de tumultuário recurso, que somente retardará o julgamento do próprio agravo de instrumento. Não por outra razão, o legislador da reforma, sempre minudente, não cuidou de prever qualquer recurso contra tal decisão. Omissão esta de caso pensado e que desautoriza estender-se o agravo regimental contra tais decisões, sob pena de lançar-se fora a brevidade procedimental que o rito do recurso propicia e, notadamente, obter-se, desde logo, a manifestação do órgão colegiado sobre o próprio recurso.”[15]
5. Forma da interposição e da resposta
Transferiu a lei processual ao legislador estadual a possibilidade de gerar modalidades outras de interposição do agravo, não as restringindo exclusivamente às formas indicadas pelo § 2º do art. 525 do CPC, ou seja, ao protocolo diretamente no tribunal ou à postagem no juízo de origem. Não se tem atentado para a delegação de competência levada a efeito, nada justificando não estarem os tribunais estaduais sensíveis à atual tecnologia para admitir a interposição do recurso, por exemplo, via fac-símile ou até pela internet.
Diante da liberdade conferida nesse artigo, é possível admitir-se que também a intimação para resposta seja feita por modalidade diversa da posta no inc. III do art. 527 do CPC. Paradigmático é o exemplo do Estado do Rio Grande do Sul. Como todas as Comarcas são atendidas pelo órgão de publicação oficial, possível o uso dessa modalidade cientificatória a fim de intimar o procurador do agravado para responder.
6 . Da procuração
O legislador reformista deslocou determinadas condições de admissibilidade do recurso para considerá-las pressupostos indispensáveis ao seu recebimento. A ausência da cópia das procurações na formação do instrumento configura, segundo a doutrina, motivo para, liminarmente, negar-lhe seguimento.
É mister reconhecer a possibilidade de sua posterior juntada quando o recorrente protestar por sua apresentação. Cabível a aplicação da regra insculpida no art. 37 do estatuto processual, já que, eventualmente, se justificam as mesmas possibilidades da busca urgente da jurisdição, podendo figurar como exemplo o recurso que esgrime decisão liminar. Mas, sem expresso requerimento de juntada, está-se frente a recurso inexistente, sendo cabível a negativa de seguimento.
Com referência à procuração do agravado, mesmo estando expresso no inc. III do art. 524 do CPC que deva o agravante indicar o nome e o endereço completo dos advogados, tal requisito tem sido dispensado pelo STJ[16], se instrui o recurso cópia das procurações. Inclusive há decisão daquela Corte que entende desnecessário até o endereço do advogado quando se trata de comarca na qual a intimação é feita pela imprensa .[17]
7. Da intimação do agravado
Determina o inc. III do art. 527 do CPC, em sua atual redação, que seja intimado o agravado, por intermédio de seu procurador, para responder ao recurso. A intimação é do agravado, mas na pessoa de seu advogado, por isso a necessidade de se indicar o nome e endereço completo dos advogados constantes do processo (inc. III do art. 524 do CPC), bem como obrigatória a juntada da procuração outorgada aos advogados do agravante e do agravado (inc. I do art. 525 do CPC).
Não estando, porém, o agravado representado nos autos, descabe a intimação pessoal da parte para responder ao recurso. Se sua ausência decorre de revelia, a fluência dos prazos independe de intimação, conforme dispõe o art. 322 do CPC. De outro lado, interposto o recurso antes da citação – como, por exemplo, quando o juiz indefere pedido liminar -, não havendo procurador para intimar, igualmente não é de citar o agravado para responder ao agravo. Mister aplicar-se analogicamente a diretriz posta no art. 296 do CPC, cuja atual redação indica o procedimento recursal – que não se confunde com apelação, a qual não admite juízo de retratação – quando indeferida a petição inicial. Nessa hipótese, em não revertendo o juízo monocrático sua decisão, o recurso é imediatamente remetido ao segundo grau de jurisdição. Como a nova normatização dispensa a citação do réu para acompanhar o recurso, não se pode deixar de adotar postura similar quando o juiz profere decisão interlocutória initio litis, que gera o direito ao uso do agravo. Dispensada a presença do réu para responder ao recurso quando indeferida a petição inicial, conforme redação originária do dispositivo, despicienda a cientificação de quem ainda não integra a relação processual para responder ao agravo de instrumento.
8. Do julgamento
O art. 528 do CPC, ao estabelecer um prazo programático para o relator levar o recurso à apreciação do colegiado, com evidente preocupação com o princípio da celeridade, acabou gerando uma causa injustificável de retardo do julgamento. A expressão pedirá dia para o julgamento pressupõe a necessidade de prévia publicação de edital. Nada justifica a determinação de que tome o relator tal providência, que compete ao revisor, nos precisos termos do § 2º do art. 551 do CPC. Inexistindo revisão no agravo e descabendo sustentação oral, não há necessidade de sua editalização, como ocorre, aliás, nos embargos de declaração e no agravo regimental, em que não se publiciza o julgamento pela via editalícia. Assim, possível, mesmo ante a ordem legal, que o relator simplesmente leve o agravo à mesa, dispensando desnecessária dilação temporal para o julgamento. Tal postura, a par de agilizar em muito a apreciação do recurso, nenhum prejuízo acarreta às partes, nada podendo ser suscitado sobre a higidez da decisão.
9. Da duplicidade de recursos
Não atentou o legislador reformista em indicar uma solução para a hipótese de o provimento judicial despertar a irresignação de ambas as partes, dispondo as duas da faculdade de recorrer. O exemplo mais corrente é o da decisão que fixa liminarmente alimentos provisórios aquém do pedido pelo autor, mas, para o réu, além de suas possibilidades.
Afigura-se facilitada a solução quando ambos os recursos aportam ao mesmo relator, que, ao flagrar a duplicidade, determina a apensação e promove a apreciação conjunta dos recursos, como já ocorreu em julgamento do qual fui relatora[18].
Mais delicada se mostra a questão face à possibilidade de o prazo recursal ser diferente para as partes. Para o autor, flui da ciência da decisão, enquanto para o demandado, na hipótese figurada, inicia-se da citação, tornando possível a ocorrência de um distanciamento temporal tão significativo a ponto de haver o julgamento de um recurso antes mesmo da interposição do outro.
É de atentar, além do mais, na hipótese de o julgamento ocorrer sem o conhecimento do réu, pois eventualmente ainda não citado. Cabe questionar se possível novo julgamento sobre a mesma questão, face ao recurso da outra parte, ou se, pelo princípio do ne bis in idem – que impede dupla manifestação judicial sobre o mesmo fato -, é de ter-se por prejudicado o segundo recurso, solução, no entanto, que permite se questione eventual infringência ao direito de recorrer.
Mister, portanto, socorrer-se dos limites subjetivos da demanda, não se podendo alijar uma parte nem submetê-la a um julgamento do qual não participou. Faz-se imperioso, assim, o reexame da matéria, sem que se possa votar infringência à coisa julgada ou afronta ao princípio da singularidade decisional.
10. Do recurso nos incidentes processuais
Em tema de recorribilidade dos provimentos judiciais, apóia-se o estatuto processual na existência de gravame. Assim, o ato de mero expediente, denominado de despacho (art. 162, § 3º, do CPC), não desafia qualquer recurso (art. 504 do CPC). Se a manifestação apresenta algum conteúdo decisório – atingindo a esfera jurídica de alguma das partes ou eliminando eventual faculdade processual -, denomina-se decisão interlocutória (art. 162, § 2º, do CPC), sujeitando-se ao recurso de agravo (art. 522 do CPC).
Para a sinalização do recurso cabível, mister identificar se a decisão é um despacho interlocutório agravável ou uma sentença (art. 162, § 1º, do CPC), ato que põe termo ao processo independente de sua potencialidade de apreciar ou não o mérito da demanda.
Quando a lei defere agravo contra decisões que não põem fim ao processo é porque, modo evidente, não quer interromper sua marcha. Diante desse panorama, assentou-se, sem maiores dificuldades, que a decisão que aprecia os incidentes processuais, por seu caráter interlocutório, desafia agravo de instrumento, ainda que tramitando em procedimento apartado.
Assim, nas exceções de incompetência relativa, impedimento e suspeição, na impugnação ao valor da causa e no incidente de remoção de inventariante restou estabelecido, modo seguro, que a palavra judicial, ainda que terminativa do procedimento, desafia agravo de instrumento, posto que inexista possibilidade suspensiva do recurso.
O fato de os incidentes tramitarem em apenso já revela a preocupação da lei em não obstaculizar a marcha da demanda. Igual raciocínio deve orientar a identificação do recurso cabível. Nada, em termos práticos ou de ordem sistemática, impede que o recurso seja veiculado nos mesmos autos do incidente, sem a necessidade de extrair-se dispendioso e desnecessário traslado, quando os autos do incidente permanecerão, certamente, parados na origem, sem qualquer utilidade.
Não há como deixar de ter como pouco prática a simplista indicação do recurso de agravo para essas hipóteses, principalmente agora em que houve a alteração do juízo de interposição. Despiciendo gerar um instrumento, para a parte manifestar sua irresignação diretamente no segundo grau, com todos os transtornos que pode causar, tanto pelos custos, quanto, eventualmente, pela distância da comarca em que tramita a demanda matriz.
Assim, mais pragmático seria facultar o uso de apelação, postura que em nada compromete a agilidade do julgamento que a lei quer imediato. Além de dispensar-se eventual – ainda que desnecessário – pedido de informações, suprimem-se despesas com o correio e o custo do traslado das peças para formar o instrumento. Mais, tal permissão aliviaria a sobrecarga da instância recursal com o processamento do recurso, sem onerar o juízo monocrático.
Nada obsta tal solução, merecendo lembrar que, no procedimento que envolve o benefício da assistência judiciária, a Lei nº 1.060/50 prevê expressamente o cabimento da apelação das decisões proferidas em conseqüência de sua aplicação (art. 17). A natureza da manifestação judicial, nessa hipótese, em nada difere da dos demais incidentes que dispõem de tramitação apartada do processo principal.
De qualquer forma, ainda que se não queira cristalizar a solução ora preconizada, imperioso, ao menos, não considerar o manejo da apelação como erro grosseiro a ponto de não admitir o conhecimento do agravo, conforme já tem decidido esta Corte[19].
[1] “Processual. Se a interposição do recurso ocorrer no último dia do prazo recursal e o expediente bancário já tiver encerrado, a possibilidade de preparo prorroga-se para o primeiro dia útil subseqüente. Agravo provido.” Agr. Instrumento nº 596061770, Rel. Des. Élvio Schuch Pinto. Segunda Câmara Cível. Julgado em 13/11/96.
[2] Código de Processo Civil Comentado, Ed. RT, 3ª ed., p. 483.
[3] “O recolhimento do preparo deve ser comprovado no ato de interposição do remédio recursal e não no seu prazo, de maneira que com a protocolização do recurso dá-se sua preclusão consumativa.” Agr. Regimental nº 597098631, Rel. Des. CELESTE VICENTE ROVANI. Primeira Câmara Cível. Julgado em 11/6/97.
[4] REsp. nº 106.012-0 – TO. Rel. Min. HÉLIO MOSIMANN. Segunda Turma. Unânime. Julgado em 10/02/98.
[5] REsp. nº Rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR.
[6] REsp. nº 0109511 – RJ. Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. Quarta Turma. Unânime. Julgado em 24/06/97.
[7] Ap. Cível nº 596191395 – RS. Rel. Des. ARAKEN DE ASSIS. Quinta Câmara. Unânime. Julgado em 27/3/97.
[8] Agr. Instrumento nº 597229939 – RS. Relª. Desª. MARIA BERENICE DIAS. Sétima Câmara Cível. Julgado em 18/02/98.
[9] “É inadmissível o agravo, pelo descumprimento de pressuposto extrínseco de admissibilidade, se o agravante não junta, no 1º grau, cópia da minuta e dos documentos que a acompanham ( CPC, art. 526) 2. Agravo não conhecido” ( Agr. Instrumento nº 597125822, Quinta Câmara Cível, Rel. Des. ARAKEN DE ASSIS, DJ 31/10/97, p. 22).
[10] Agr. Instrumento nºs 597122563, 597126945, 597163146, 597239409 e 597162288.
[11] Agr. Instrumento nº 596208546, Rel. Des. ARAKEN DE ASSIS, Quinta Câmara Cível. Julgado em 26/11/96.
[12] REsp nº 162.261-0 – RS. Rel. Min. ARI PARGENDLER. Segunda Turma. Unânime. Julgado em 31/3/98.
[13] Código de Processo Civil Comentado, Ed. RT, 3ª edição, p. 770.
[14] Apesar de a lei determinar que o relator peça dia para o julgamento, vem-se adotando o procedimento do agravo regimental, sendo levado o recurso pelo relator à mesa julgadora, para apreciação colegiada, sem prévia inclusão na pauta.
[15] Agr. Instrumento nº 598002707. Rel. Des. ARMÍNIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA, Câmara de Férias Cível. Julgamento: 21/01/98.
[16] “Agravo de instrumento. Ausência dos nomes e endereços dos advogados na petição. Procurações outorgadas aos advogados constantes do recurso. Inteligência do art. 524 do CPC. Deve-se ter em mente o fim prático do processo, razão pela qual, constando do recurso, cópia das procurações outorgadas aos advogados, a falta deles na petição, não deve ser óbice à análise do mérito do mesmo (art. 524 do CPC). Recurso provido, para que se analise o mérito do agravo”. – REsp nº 147.889-0 – PR. Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA. Quinta Turma. Unânime. Julgamento: 18/11/97.
[17] REsp nº 162.251-0 – SP. Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO, Quarta Turma. Unânime Julgamento: 05/5/98.
[18] “PRINCÍPIO DO NE BIS IN IDEM. Hostilizando ambas as partes decisão judicial por meio de recursos autônomos, impõe-se a apreciação conjunta dos agravos”. Agr. Instrumento nº 598072247, Relª. Desª MARIA BERENICE DIAS, Sétima Câmara Cível. Julgado em 24/6/98.
[19] “Processual Civil. Impugnação ao valor da causa. Decisão. Interposição de apelação. Erro grosseiro. 1. Constitui erro grosseiro, a afastar a aplicação do princípio da fungibilidade, interpor apelação contra a decisão que julga o incidente de impugnação ao valor da causa (CPC. art. 261). 2. Apelação não conhecida”.
* Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM
Compare preços de Dicionários Jurídicos, Manuais de Direito e Livros de Direito.