Ação de esbulho é a de reintegração de posse, de rito especial (v. art. 554 do novo CPC). Qualquer dos interditos segue o procedimento especial, dando margem a liminar se a turbação ou o esbulho datar de menos de ano e dia. Se esse prazo foi ultrapassado, o legítimo possuidor não perde o direito de se valer das possessórias; só que nesse caso o procedimento a ser observado para a ação é o comum, diretamente, sem oportunidade para liminar. Se ele provar que tinha posse, que ela foi molestada em determinada data anterior, à evidência, sem que tenha transcorrido o prazo de usucapião poderá seu direito ser reconhecido e restituída a posse que se propõe a demandar.
O art. 554, § 1º, do novo CPC determina o seguinte:
“Art. 554. A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela cujos pressupostos estejam provados.
“§ 1º. No caso de ação possessória em que figure no polo passivo grande número de pessoas, serão feitas a citação pessoal dos ocupantes que forem encontrados no local e a citação por edital dos demais, determinando-se, ainda, a intimação do Ministério Público e, se envolver pessoas em situação de hipossuficiência econômica, da Defensoria Pública.”
Essa disposição colocada em meio à vacuidade jurídica, à guisa de complemento ideológico, à evidência, para que haja infindável procrastinação do curso do processo com violação do alegado propósito anunciado com ênfase por juristas, determina que, se no pólo passivo da ação possessória figurar grande numero de pessoas, sem indicar o critério para se apurar que o número de invasores seja grande, e sem explicitar de que natureza o grupo e razões, obriga-se intimação ao Ministério Público, e se houver algum réu hipossuficiente economicamente, também a defensoria pública.
Trata-se, ao que se vê, de uma imitação do «petitório» concebido no possessório, contra toda a sistemática jurídica historicamente concebida e aperfeiçoada.
Essas providências vêm repetidas no art. 565 e parágrafos do mesmo CPC-2015.
Reza, então o art. 565, § 4º, do novo CPC:
“Art. 565. No litígio coletivo pela posse de imóvel, quando o esbulho ou a turbação afirmado na petição inicial houver ocorrido há mais de ano e dia, o juiz, antes de apreciar o pedido de concessão da medida liminar, deverá designar audiência de mediação, a realizar-se em até 30 (trinta) dias, que observará o disposto nos §§ 2º e 4º.
(…)
§ 4º. Os órgãos responsáveis pela política agrária e pela política urbana da União, de Estado ou do Distrito Federal e de Município onde se situe a área objeto do litígio poderão ser intimados para a audiência, a fim de se manifestarem sobre seu interesse no processo e sobre a existência de possibilidade de solução para o conflito possessório.”
Ao que se deduz dos textos, essa parte do Código trata do possuidor esbulhado como incapaz, e com seu direito coartado por armas legais que mancham o brilho de quantos participaram das discussões preparatórias da elaboração do novo CPC, que oficializa a chicanagem para esses casos especiais.
De fato, à luz do regulamento de todas as outras demandas previstas no sistema jurídico, cuida-se, especialmente nesta estação, de tratamento legal diferenciado, discriminatório e em desalinho com a Constituição da República.
Depois, aparecem disposições idênticas, confirmatórias, com igual resultado, no parágrafo 4º, do art. 565 do mesmo CPC, acrescido de determinação de intimação a órgãos responsáveis pela “política agrária” e pela “política urbana” da União, de Estado ou Distrito Federal e Município, para audiência e para manifestarem “seu interesse” na causa, bem como sobre a “existência de possibilidade de solução para o conflito possessório.”
A expressão do novo CPC, equivocadamente alça, de forma a generalizar, a busca da proteção possessória contra invasores de terra, à condição de “conflito”.
Da leitura do texto percebe-se, além do que já foi indicado, que a demanda possessória será uma exposição de penduricalhos; entre eles a injurídica autorização para terceiros pretensamente interessados “opinarem” sobre “possibilidade” de solução da lide.
Trata-se da mais evidente imposição legal do compartilhamento da jurisdição entre o Judiciário e terceiros, à míngua de autorização constitucional.
“O princípio da indelegabilidade resulta do princípio constitucional segundo o qual é vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições. Como os demais Poderes, a CF fixa o conteúdo das atribuições do Poder Judiciário, e não pode a lei alterar a distribuição feita pelo legislador constituinte. Nem mesmo pode um juiz, atendendo a seu próprio critério e talvez à sua própria conveniência, delegar funções a outro órgão. É que cada magistrado, exercendo a função jurisdicional, não o faz em nome próprio e muito menos por um direito próprio, mas o faz em nome do Estado, agente deste que é.” (JACKSON AGUIAR, A Jurisdição e da ação: conceito, natureza e características; das condições da ação e Institutos Fundamentais do Processo Civil: Jurisdição, Ação, Processo (9/7/2013), Apud Wikipédia, Enciclopédia Livre).
Não padece dúvida de que soa esquisito no caso, o sujeito intimado a suscitar interesse na demanda litigiosa inter alios e ao mesmo tempo garantir possibilidade de solução da lide, inda mais prevendo a lei caso de “solução”, e não de “composição”.
O § 5º desse artigo 565 do novo Código determina que ao litígio sobre propriedade de imóvel (sic) tais disposições têm o efeito também, de comprimir, de vez, o direito do titular de domínio sobre imóveis.
“§ 5º. Aplica-se o disposto neste artigo ao litígio sobre propriedade de imóvel.”
Nesse ponto aliás, surpreendentemente o Novo Código esqueceu-se de que a ação reivindicatória já é, por natureza, com todo o teor de abrangência, real, e de efeito erga omnes caracterizando a disposição referida, impropriedade singular.
Trata-se, ao que se pode vislumbrar, de texto específico, particular, inserido no projeto amplo do Código de Processo Civil visando a criar uma situação particular para determinados grupos de invasores de terra.
Além disso, afigura-se necessário lembrar que há estados no Brasil, que sob regime do CPC de 1973, através de seus tribunais de justiça expediram resoluções incrementando ilegitimamente a lei processual, adotando regras como estas aqui lembradas, que vieram integrar o sistema processual civil, como se viu demonstrado.
Mas «a experiência» tem revelado que a obrigação, e não a faculdade de se conclamar ex officio, além de outros órgãos, promotores de justiça, se não há razões outras fora das já previstas no CPC de 2015, não melhora em ponto algum o curso do processo relativo à possessória, pois, ao contrário, tem piorado, já que, em razão da forte incidência de forças ideológicas, torna-se iterativa a criação de meios que retardam o curso da ação, ao ponto de, nós mesmos estarmos patrocinando interesses em causa dessa natureza, com mais de três anos de liminar deferida e não cumprida em razão dos múltiplos incidentes amiúde descabidos provocados pela arma legal em autos respectivos.
(Obs.: o conteúdo deste trabalho não é influenciado pelo coronavirus
e nem guarda pertinência com seus efeitos).
Eulâmpio Rodrigues Filho
Graduado pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU
Doutor e Pós-Doutor em Direito
Advogado