Processo Civil

A execução e a equivocada aplicação do art. 746 do CPC/73

O Código de Processo Civil de 1973, por vezes aplicável às execuções em curso ajuizadas ao tempo de sua vigência determina no seu art. 746:

“Art. 746. É lícito ao devedor oferecer embargos à arrematação ou à adjudicação, fundados em nulidade da execução, pagamento, novação, transação ou prescrição, desde que supervenientes à penhora.

Parágrafo único: Aos embargos opostos na forma deste artigo, aplica-se o disposto nos Capítulos I e II deste Título.”

A parte muitas vezes traz à baila cópias de acórdãos apropositados, que à evidência não têm ascendência sobre o julgamento a provir.

De fato, a ciência jurídica tem estabelecido que cópias de Acórdãos não guardam relevância, se utilizadas como “documentos” instrutórios da causa, vez que o profissionalismo consagra, para efeito de “leading case”, aquilo que vem empregado pelas estrelas das Plêiades que habitam o Universo jurídico através de jurisprudência “em tese”, e não, por “hipótese”.

A idéia da irrelevância da exibição de cópias de julgamentos dos tribunais é extraída de decisão proferida pelo Egr. TJSC, Apel. 251268 SC2007.025126-8, Rel. Des. JACÓ BRUNING – 2011/09/21, “apud”Jusbrasil, in web, bem como do Comentários ao CPC, de NERY JÚNIOR e MARIA A. NERY, RT, ed. 2015, pág. 1.057.

No que se refere ao “mérito”da questão trazida a exame, observa-se que a preferência tem recaído sobre o raciocínio de que nota promissória expressamente vinculada a contrato com terceiros caracteriza-se por si, abstratamente como título executivo, com desprezo a todo o sistema jurídico do país.

Sim, mas, diante disso será desprezível para efeito contrário, a alegação pelo executado de ausência do contrato vinculado à promissória? Acredita-se que não.

Demais disto, a eiva, no caso em debate decorre de inabilidade do exeqüente, diante do que não competiria ao executado discutir sobre o contrato subjacente ocultado exatamente por ele, que deixa de provar eventual cumprimento das obrigações que contraiu.

A Lei Uniforme de Genebra determina:

“Art. 75. A nota promissória contém:

I – […]

II – Promessa pura e simples de pagar uma quantia determinada;”

“Art. 76: O título em que faltar algum dos requisitos indicados no artigo anterior não produzirá efeito como nota promissória…”

Relativamente aos efeitos do título não determinado, isto é, que não reflita promessa PURA E SIMPLES de pagamento de quantia certa, como aduz o Egr. TJRJ:

“Note-se que o parágrafo único do art. 804 do NCPC, expressamente, dispõe que a nulidade de que cuida o art. 803 (nulidade da execução, por não corresponder o título a uma obrigação liquída, certa e exigível) SERÁ pronunciada pelo juiz, de ofício ou a requerimento da parte, independente de embargos à execução” (Ac. TJRJ, Agr. Instr. 0026856-69.2018.8.19.0000, Rel. Des. JUAREZ FERNANDES FOLHES).

Ademais, além de outros tantos juristas, o Min. DEMÓCRITO REINALDO FILHO, citando a culta Ministra NANCY ANDRIGHI, sustenta in Jusbrasil.com:

“A jurisprudência do STJ, representada pela Súmula 258, deve ser recepcionada no sentido de que pode existir formalmente um título de crédito, mas que não seja apto a propiciar um processo de execução. Em outras palavras, além de se enquadrar em algumas das figuras predispostas nos incisos do art. 585 do CPC, para adquirir força executiva é necessário que o documento (representativo da dívida ou obrigação) ainda apresente as características de certeza e liquidez ( como exigido pelo art. 586). ‘Destarte, há que se ver não se constituir o título executivo tão-somente com o documento que contenha a denominação e aqueles requisitos formais estabelecidos em lei. Na verdade, o documento somente poderá autorizar a execução forçada quando se tratar de título certo, líquido e exigível ( art.586 do CPC)’ ( Ministra NANCY ANDRIGHI). Em suma, podemos nos deparar com um documento que satisfaça os pressupostos formais de um título de crédito, mas que, por não fornecer nele próprio os elementos para que se possa aferir a liquidez do débito, não pode ser tido como título executivo.”

Empós, vê-se que o Egr. STJ, sobretudo através do Egr. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO e a Egr. Turma raciocinam de forma diferente da idéia utilizada amiúde, como se vê:

“Assim, conforme já decidiu o E. STJ, o ‘artigo 586 do Código de Processo Civil exige três requisitos substanciais para que o título possa embasar uma pretensão executiva, quais sejam: a certeza, a liquidez e a exigibilidade’. Os títulos de crédito, ainda, sujeitam-se por princípios específicos, dentre os quais se incluem o da autonomia, da abstração, e o da inoponibilidade de exceções. É cediço que a nota promissória é título de crédito autônomo e abstrato, não vinculado à causa que lhe deu origem. Mas, uma vez vinculada ao contrato perde sua autonomia e abstração e, assim, não se reveste de força executiva. (…) Conclui-se, desta forma, que deverá a embargada requerer o recebimento dos valores cobrados nos títulos por meio de ação de conhecimento, via adequada, pois não dispõe de título certo, líquido e exigível” ( AgRg no REsp n. 1.486.285/MA, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, 4ª T., j em 28/4/2015 – Dje 5/5/2015)

Doutra parte, nota-se que o exequente, talvez adotando alguma opinião equivocada, formula interpretação igualmente equivocada ao art. 746 do CPC/73, vez que põe em destaque a idéia de que no caso sub examine a nulidade (confessada ?) só poderia ser argüida se superveniente à penhora, e que na hipótese ora aventada tal teria ocorrido anteriormente à constrição.

Em primeiro lugar há a argüir que a nulidade, de fato, nesse caso teria antecedido a penhora, vez que junto à petição inicial,sua propositura sem título hábil para o desígnio executório.

A nulidade teria vindo, assim, já no protocolo da inicial!

Fosse procedente a tese em contrário, esse artigo (746 – CPC – 73) seria representação de uma rasoura a desbastar toda a sistemática processual com relação à nulidade absoluta, às condições de procedibilidade, etc.

Realmente, o que o artigo 746 – CPC/73 oportuniza, é a argüição de “nulidade da execução”, isto é, dos atos executórios gerados empós da penhora, mas não regula, não veda a demanda que reclama decretação da invalidez ou da inexistência de título executivo para amparar a pretensão executória, pois, pensamento ao contrário desnatura mesmo o Direito Cambial existente desde antes do Século XV, passando por relevante aperfeiçoamento em 1930, pela concepção universal da Lei Uniforme, não regulada pelo CPC.

Parece que descabe confundir execução, com títulos executivos.

O CPC de 1973 não regulava a matéria assim, evidentemente.

Daí por que, se não há título abstrato, ou vinculados a contrato exibido, no caso, a embasar EXECUÇÂO, esta não existe, o que leva a entender que o artigo em destaque, do CPC/73 regulava os atos puramente processuais, não intervindo na Lei Cambial, e seria contrasenso vedar argüição de nulidade levantada relativamente à compleição do título objeto da executória “sem cabeça, sem pernas e sem braços”.

Isto, à evidência porque não afigura-se razoável imaginar que a penhora realizada em processo de execução venha desnaturar a exigência legal (CPC) e a exigência cambial (LUG), da liquidez, certeza e exigibilidade do título levado à execução, mesmo porque o ato constritivo praticado em processo natimorto não tem força para convalidar, para convalescer o título desprovido não só de saúde, mas de vida, e mesmo o procedimento executório que o albergue.

Poder-se-ia até condescender com a idéia que concebe a palavra “penhora” no texto (art. 746 referido) através de mera exegese literal como limite anterior para a alegação de nulidades supervenientes, mas afigura-se adequado o entendimento no sentido de que ao fixar tal “limite”, a lei presume “penhora válida”.

E, parece não existir penhora hígida e eficaz em autos de execução desprovida de título líquido, certo e exigível.

A propósito do tema, vem a lição expendida pelo Dr. HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, a expor sua costumada lucidez:

“A nulidade é vício fundamental e, assim, priva o processo de toda e qualquer eficácia. Sua declaração, no curso da execução, não exige forma ou procedimento especial. A todo momento o juiz poderá declarar a nulidade do feito tanto a requerimento quanto ex oficio. Não é preciso, portanto, que o devedor utilize dos embargos à execução. Poderá argüir a nulidade em simples petição, nos próprios autos da execução.” (HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, Curso de Direito Processual Civil, vol. II, 7ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1991, pág. 864).

Em igual senso, a tese da Prof.ª LUCIANA HADDAD, no site AMORIM & LEÃO:

“A carga de executividade de que o autor trata na doutrina supra citada, é aquela que a lei confere ao título extrajudicial quando se reveste dos requisitos que lhe são inerentes. Mesmo se a inicial da execução, merecedora de indeferimento, por nula, for recebida e prossegue, poderá o juiz, de ofício, decretar a nulidade, posteriormente, pois não haverá preclusão. A nulidade (art.618, I a III) propondera sobre qualquer instituto jurídico. Em consequência, desnecessários os embargos”. (LUIZ PEIXOTO DE SIQUEIRA FILHO, opus citatum).

“Tribunal de Alçada Civil do Rio Grande do Sul;

PROCESSO DE EXECUÇÃO-Ausência de condições da ação-Título executivo sem certeza, liquidez e exigibilidade-Nulidade da ação intentada. Quando o título que embasa a ação executiva não representa dívida certa, liquida e exigível, acarreta nulidade do processo que pode ser decretada de ofício e a pedido do executado em qualquer tempo do processo. A anulação imprescinde de embargos, bastando seja alegada a nulidade absoluta”. (Ap.Cível 1850037405, 3ª Câmara do TARS, Rel. Juiz CELSO VICENTE ROVANI).

“Nesse sentido: RT 511/88; Revista do Tribunal de Justiça do Espírito Santo 43/228-1998; RT 71/187; AI 305.619-SP, 4ª CC do 1° TAC Cível/SP, Rel. Juiz JOSÉ BEDRAN”.

De sorte que, pela contextura jurídica, a nulidade por decorrência da “inexistência” da execução impõe a extinção desta.

Finalmente, considera-se que antes do trânsito em julgado da sentença que julgue a execução, os vícios apontados, todos, ostentam-se francamente sujeitos à invocação e oportunamente reconhecíveis.

EULÂMPIO RODRIGUES FILHO

Alma Mater: Universidade Federal de Uberlândia

Professor titulado de Direito Processual Civil

Pós-Doutor pela Universidade (pública) de Messina – Itália

Como citar e referenciar este artigo:
FILHO, Eulâmpio Rodrigues. A execução e a equivocada aplicação do art. 746 do CPC/73. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2020. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/processo-civil/a-execucao-e-a-equivocada-aplicacao-do-art-746-do-cpc73/ Acesso em: 21 nov. 2024