Processo Civil

A anomalia do indiscriminado duplo grau de jurisdição

 

A Revista Consultor Jurídico, na edição de 03/01/2006, publicou um excelente artigo de MARIA FERNANDA ERDELYI intitulado Justiça em obras: Reforma começa a mudar o Judiciário por dentro.

 

Um dos muitos pontos que me chamou a atenção foi a afirmação da repórter de que o juiz federal ERIK FREDERICO GRAMSTRUP propugna pela redução significativa do número de instâncias.

 

Realmente, esse é um dos problemas mais graves do nosso sistema processual.

 

Graças a uma tradição arraigada, achamos que todo e qualquer processo deva ter o privilégio de chegar aos Tribunais Superiores.

 

Vejo casos do Juizado Especial Cível baterem às portas do Supremo Tribunal Federal através de agravos de instrumento quando rejeitados liminarmente recursos extraordinários pelos presidentes de Turmas Recursais.

 

Outros processos chegam à 2ª instância, para tanto bastando a vontade da parte vencida de ver corrigida uma injustiça cometida na 1ª ou de simplesmente ganhar tempo.

 

Isso sem contar a anomalia que representa o duplo grau de jurisdição obrigatório nos casos em que é vencida a Fazenda Pública.

 

O direito dado às partes de recorrer de forma tão ampla é altamente prejudicial por 2 motivos:

 

1) abarrota os Tribunais (chegando mesmo a inviabilizá-los); e

 

2) desacredita a própria Justiça (que não consegue resolver nem os casos mais simples, a não ser através de acordo das partes).

 

Qualquer reforma que se fizer, dentro da nossa mentalidade de liberalismo recursal, significará muito pouco em termos práticos.

 

É necessária uma mudança mais forte nesse aspecto.

 

Temos que investir na 1ª instância, acreditar nela, melhorá-la.

 

A 2ª instância deve ficar encarregada apenas dos processos mais complexos.

 

Não se pretende dizer que as causas de valor menor sejam insignificantes e não mereçam atenção. Mas sim que é um verdadeiro absurdo ocupar-se os Tribunais com essas causas, em detrimento daquelas que devem ser obrigatoriamente tratadas por eles.

 

O sistema processual francês me parece excelente, uma vez que não admite recurso para causas cíveis, criminais, trabalhistas etc. em que o quantum determinado na sentença não ultrapasse determinado teto.

 

É preciso nos conscientizarmos de que ou evoluímos de verdade, assumindo atitudes corajosas de modernidade, mesmo que desagradem a alguns setores conservadores (que tiram proveito da morosidade) ou decretaremos a falência da Justiça…

 

 

* Luiz Guilherme Marques, Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora (MG).

Como citar e referenciar este artigo:
MARQUES, Luiz Guilherme. A anomalia do indiscriminado duplo grau de jurisdição. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/processo-civil/a-anomalia-do-indiscriminado-duplo-grau-de-jurisdicao/ Acesso em: 26 dez. 2024