É bastante difícil fazer afirmações sobre os impactos da Covid-19 na vida das pessoas. O que dirá, então, na Previdência Social, que é um assunto bastante específico. Não apenas porque ainda estamos vivendo o âmago da pandemia, mas, acima de tudo, porque vive-se uma era de muitas incertezas. Isso não impede, entretanto, que algumas hipóteses possam ser alinhavadas, visando justamente construir um clima de reflexão.
É muito provável que os sistemas previdenciários serão impactados com tudo o que se está vivendo atualmente. Não apenas no Brasil como no mundo. Um primeiro provável impacto da pandemia na Previdência diz respeito ao desemprego e ao trabalho informal. Com as dificuldades impostas pelas medidas de isolamento, para conter o aumento de internações em hospitais, muitas empresas encerraram as suas atividades e muitas pessoas perderam seu emprego.
Havendo desemprego e trabalho informal, o nível de proteção previdenciária invariavelmente será reduzido, pois, sem a contribuição previdenciária e esgotados os períodos em que o cidadão segue vinculado aos sistemas de previdência, não será possível o reconhecimento do direito às prestações.
Outro reflexo importante diz respeito à expectativa de vida da população brasileira. Considerando que, desde os anos quarenta, segundo o IBGE, os brasileiros têm vivido mais, fica o questionamento se poderá haver diminuição desta expectativa, nos próximos anos, em face da quantidade expressiva de óbitos ocorridos, bem como em razão dos sintomas das doenças que poderão advir após o controle da pandemia.
A idade mínima como requisito de aposentadoria no regime geral e regimes próprios de Previdência Social, por exemplo, está diretamente ligada a tudo isso. E o contexto da expectativa de vida/sobrevida é sempre um dado relevantíssimo nestes sistemas, não apenas no Brasil como no mundo. Deverá haver alterações nesses dados após a pandemia? Eles serão levados em consideração pelos órgãos responsáveis por formular e gerir as políticas públicas? No âmbito da previdência privada, haverá equilíbrio na gestão dos planos e uma específica preocupação com o nível de proteção das pessoas envolvidas?
Outro aspecto fundamental são as fórmulas utilizadas pela Previdência e que possuem na sua estrutura a expectativa de vida/sobrevida como critério. É o caso do fator previdenciário que, mesmo após a reforma de 2019, ainda tem aplicabilidade nas regras de transição, as quais incidirão sobre os proventos de aposentadorias de milhões de pessoas nos próximos anos.
Com relação às prestações em si, cujos dados estatísticos sobre requerimentos, deferimentos e indeferimentos deverão ser apresentados pelo INSS em seus boletins e anuários, merecem as prestações de risco especial atenção. No caso, os auxílios por incapacidade temporária e permanente, o auxílio-acidente e a pensão por morte.
Os auxílios por incapacidade são devidos às pessoas que se encontram impossibilitadas de trabalhar em razão de doença, com prognóstico de recuperação (temporárias) ou não (permanentes). O auxílio-acidente é devido quando, após cessada a incapacidade total para o trabalho, em razão de doenças, ainda restem sequelas que reduzam a capacidade para a atividade habitualmente desenvolvida. E, por fim, a pensão por morte é devida aos dependentes do segurado que vier a falecer.
Os dependentes, no caso da pensão por morte, são o cônjuge, os filhos e equiparados e os irmãos até 21 anos ou, se maiores, se forem inválidos ou deficientes, além dos pais. As demais prestações não deverão sofrer impactos maiores da pandemia, tais como o auxílio-reclusão, o salário-maternidade, o salário-família, e as aposentadorias programadas.
A atenção aos benefícios de risco deve se dar não apenas em face da contaminação da Covid-19 e seus sintomas, mas também em razão das eventuais sequelas, a nível populacional, que a pandemia poderá ocasionar. Inúmeras instituições estão investigando o que está sendo denominado de síndrome pós-covid.
Entre os sintomas prolongados mais comuns estão fadiga intensa, fraqueza, dor no corpo e déficits cognitivos. Problemas emocionais e psicológicos também, os quais podem persistir por muitos anos. Quais serão os impactos destas doenças no nível de requerimentos de prestações de benefício por incapacidade e morte?
Aliás, outro provável impacto da pandemia na Previdência diz respeito à gestão dos processos nos órgãos públicos e privados. Dentro de um contexto de restrição de convivência, medida imposta à população, em face do controle da contaminação, deverão os órgãos desenvolverem ferramentas digitais para a análise e a tramitação dos pedidos. A perícia indireta, já praticada em alguns órgãos, como no INSS, é um exemplo ilustrativo nesse sentido.
Por fim, cabe referir acerca do acidente de trabalho. Não há ainda dados uniformes sobre o reconhecimento do acidente de trabalho em face da pandemia. Deverá haver responsabilização dos empregadores pela contaminação dos empregados pela Covid-19? Haverá ajuizamento de ações regressivas por parte da Previdência Social? Quais os reflexos da pandemia no reconhecimento da natureza acidentário dos benefícios de risco?
Todas as questões retratadas no presente artigo ganham relevância quando se constata que os impactos da pandemia nunca atingem apenas as pessoas individualmente envolvidas, mas a sociedade como um todo. Por isso que a reflexão sobre este assunto é de fundamental importância por parte dos órgãos governamentais, pelos institutos voltados ao estudo do tema e pelos organismos internacionais.
Não se deve perder tempo na investigação dos reflexos da pandemia na Previdência, garantindo-se, assim, a antecipação de riscos e das soluções para questões que serão enfrentadas num futuro próximo. Este artigo tem como objetivo chamar a atenção para este aspecto, em especial para que sejam incrementados os debates e estudos sobre o tema.
Mais informações: https://www.youtube.com/watch?v=7Lh4jW3UpYg
Alexandre Triches
Advogado e professor universitário
http://www.alexandretriches.com.br/
@alexandretriches