Ana Rebeca dos Santos da Silva
A escolha deste tema justifica-se em razão da relevância e atualidade do assunto – Reforma da Previdência – no cenário político e normativo brasileiro. A Proposta de Emenda Constitucional de nº 287/2016, mais conhecida como PEC 287, apresentada pelo presidente da República, Michel Temer, tem sido motivo de diversas opiniões, sobretudo pela grande exposição dada pela mídia, causando temor à população do Brasil, a qual pressupõe uma possível perda de direitos.
Primeiramente, faz-se necessário expor sinteticamente acerca do objeto da referida PEC. A ementa da propositura assim dispõe: “altera os arts. 37, 40, 42, 149, 167, 195, 201 e 203 da Constituição para dispor sobre a Seguridade Social, estabelece regras de transição e dá outras providências.” Logo, essa Proposta de Emenda à Constituição é uma medida relacionada à reforma do sistema previdenciário.
A previdência, junto à saúde e à assistência social, integram a chamada seguridade social, prevista nos arts. 194 a 204 da Constituição brasileira de 1988. E, quanto a isso, é importante destacar que o financiamento da seguridade social é feito, de acordo com o art. 195, da Constituição, por toda a sociedade, tendo como fontes os recursos dos orçamentos de todos os entes da federação, além das contribuições sociais feitas pelo empregador, empresa, ou entidade equiparada; pelo próprio trabalhador e demais segurados; pelas receitas de concursos de prognósticos; e pela contribuição do importador de bens ou serviços do exterior, ou do equiparado a este por lei.
A PEC 287 vem, justamente, alterar a forma como é utilizada a receita da seguridade social, mais especificamente no que tange à previdência social, a fim de contornar um possível déficit e assegurar a aposentadoria para as futuras gerações. O poder executivo brasileiro, autor de tal proposta, alega que só através dessa reforma a previdência tornar-se-á sustentável.
Ocorre que o suposto déficit da previdência é questionado, inclusive pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil – ANFIP, que aduz, pelo contrário, a existência de um superávit na receita previdenciária[1]. Eis, então, o primeiro questionamento acerca da necessidade ou não da aludida reforma.
A razão pela qual há diferença entre os cálculos realizados pelo governo federal e os realizados pela ANFIP são as considerações/desconsiderações quanto a quesitos analisados na parte da receita e na parte dos gastos. De acordo com o Movimento Brasil Livre – MBL, que inclusive organizou um projeto próprio de reforma da previdência, a diferença consiste no fato de que a ANFIP excluiu de sua tabela os gastos com servidores públicos e incluiu a receita advinda da Desvinculação das Receitas da União – DRU, diversamente dos critérios adotados nos relatórios da Lei Orçamentária Anual de 2015. Desse modo, haveria, sim, um rombo no sistema previdenciário.
Considerando que exista um saldo negativo, é essencial que haja uma reforma, uma vez que a manutenção do sistema atual pode gerar uma situação ainda mais grave. Alguns motivos levam a esta conjuntura, como o aumento no número de idosos e a diminuição da taxa de natalidade, conforme projeção do IBGE[2].
Vários países já realizaram a reforma em seu sistema de previdência social, como a França, a Alemanha, a Grécia e o Japão. A Grécia, por exemplo, passava por séria crise na dívida pública e, após, estabelecer a idade mínima para aposentadoria em 67 anos para homens e mulheres, e tempo mínimo de contribuição de 40 anos para aposentadoria integral a situação mudou de quadro. Todavia, é bem de ver que este país contava com uma expectativa de vida de aproximadamente 81, 28 anos em 2014, e que mais de 20% de sua população já tem mais de 65 anos, o que aumenta os gastos no sistema previdenciário.
No Brasil, a situação é diferente, tendo em vista que, de acordo com dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, apenas 8% da população é considerada idosa. Contudo, à medida que os anos passam, a população envelhece, e aumentam-se, consequentemente, os gastos com a previdência.
Assim, uma vez que, conforme relatórios divulgados pelo governo, há um déficit no sistema previdenciário do Brasil, ou – minimizando-se a validade de tais relatórios – há possibilidade de ocorrer num futuro próximo – o que é admissível –, é cabível a reforma da previdência. Contudo, progressivamente como fizeram França e Alemanha[3], e não exatamente nos moldes da proposta de Emenda nº 287, que drasticamente eleva os requisitos existentes, tornando-os quase inalcançáveis, como se verá a seguir.
Dentre as principais mudanças pretendidas, segundo a proposta original da emenda, de iniciativa da presidência da República, estão a idade mínima de 65 anos para homens e mulheres aposentarem-se, com o tempo de contribuição de, no mínimo, 25 anos. Atualmente, mulheres podem aposentar-se por idade já aos 60 anos, e o tempo de contribuição exigido para ambos é de 15 anos.
A justificativa para tal mudança seria a de que a expectativa de vida da mulher é maior que a do homem, ou mesmo a igualdade em direitos e obrigações entre homens e mulheres prevista no art. 5º, I, da Constituição Federal do Brasil. Ocorre que, neste caso, deve-se levar em consideração o princípio da isonomia, ou da igualdade material, que considera as desigualdades reais. Desse modo, deve haver uma diferenciação nos critérios de aposentadoria para a mulher. Conforme lição de Uadi Lammêgo Bulos[4],
Essa exceção em favor da mulher possui fundamento, porque às mulheres incumbem os serviços do lar, no mais das vezes sem nenhuma ajuda do marido. Sua sobrecarga de trabalho justifica a aposentadoria com menos tempo de serviço e menor idade.
O tratamento isonômico entre homens e mulheres proporciona a tutela constitucional contra o discrímen sexual (CF, arts. 7º, XVIII e XIX; 143, §§ 1º e 2º; 202, I e II).
Assim, vê-se que as mulheres restariam prejudicadas com tal mudança. Ademais, outros fatores que justificam a permanência da diferenciação da idade para a aposentadoria feminina são a defasagem no salário em relação aos homens, que, por vezes, recebem mais pela mesma função, e as interrupções na contribuição previdenciária da mulher, por motivos, como desemprego e afastamento do trabalho para cuidar dos filhos[5].
Outra novidade trazida pela reforma da previdência contida na PEC 287 é a exigência de contribuição de trabalhadores rurais. Atualmente estes são segurados especiais, desde que o trabalhador mencionado cumpra alguns requisitos, presentes no art. 12 da Lei 8.212/91, quais sejam: pessoa física, residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, de forma individual ou em regime familiar na condição de produtor que explore atividade agropecuária em área de até 4 módulos fiscais ou de seringueiro ou extrativista vegetal nos termos da lei; de pescador artesanal que faça da pesca principal meio de vida; ou de cônjuge, companheiro ou filho maior de 16 anos que trabalhem com o grupo familiar respectivo.
Por serem segurados especiais, nos moldes da legislação atual os trabalhadores supracitados recebem o benefício previdenciário sem ter que contribuir, e tal se dá pelo fomento à essas atividades no país, que são indispensável na produção de alimentos. Além disso, considera-se a condição, muitas vezes, precária do trabalhador do campo.
Alegando possíveis fraudes existentes em relação aos segurados especiais, além do próprio fator redução de gastos, o governo, na proposta original, instituiu a contribuição para essa classe sem, contudo, definir a alíquota. Ademais, propôs a exigência de idade mínima de 65 anos para a aposentadoria do trabalhador rural.[6]
Ora, tais mudanças feitas da forma como foram propostas inicialmente oneram em demasiado o rural, que nem sequer contribui atualmente. Cabe, portanto, uma instituição de contribuição de valor irrisório, ou mesmo de forma progressiva, a fim de que sejam supridos os gastos com a previdência na esfera ruralista e, do mesmo modo, não seja o trabalhador prejudicado em grande proporção, a fim de que não abandone o trabalho do campo, que possui tanta relevância para a sobrevivência do país.
Por outro lado, os servidores públicos, que também entram nos gastos que tem a previdência, não sofrerão mudanças tão extremas como os trabalhadores rurais com a proposta de emenda 287. A idade mínima também aumentará para 65 anos, quer homens, quer mulheres, contudo, o tempo de contribuição reduzirá de 35 e 30 anos, para homem e mulher respectivamente, para 300 contribuições, o que equivale a 25 anos.
Ora, se as mudanças propostas para os servidores públicos não foram tão abruptas, também não deveriam o ser para os que trabalham no campo, que acabam por envelhecer mais rápido devido aos serviços braçais.
Porém, cabe ressaltar que para os servidores públicos não estão previstas as regras de transição previstas para as outras classes de trabalhadores, que deveriam ser previstas para todos, a fim de minimizar o impacto das reformas.
Vê-se, pois, que considerando-se os números emitidos pelo Ministério da Fazenda como válidos, há, de fato, um déficit no sistema previdenciário brasileiro. Mesmo que assim não o fossem considerados, certamente futuramente esse déficit ocorrerá se forem mantidas as regras atuais para aposentadoria, principalmente devido ao envelhecimento da população e a diminuição da população jovem ativa.
Assim, torna-se salutar uma reforma no sistema da previdência, a fim de manter o sustento das futuras gerações. Entretanto, a Proposta de Emenda à Constituição nº 287 que dispõe sobre tal reforma no Brasil contém algumas violações a direitos fundamentais, como o direito à isonomia no caso da aposentadoria feminina. Desse modo, o projeto de reforma deve ser, também reformado, com proporcionalidade, a fim de garantir, na medida do possível, a estabilização econômica e a proteção aos direitos da população.
Referências Bibliográficas
ANFIP. Reforma da previdência: o que pode mudar na sua vida? Disponível em: <www.anfip.org.br/doc/publicacoes/Livros_16_03_2017_09_06_51.pdf> Acesso em 14 mai. 17 as 20h22
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
BRUNO ANDRÉ BLUME. 5 países que fizeram reforma da previdência. Disponível em: <http://www.politize.com.br/reforma-previdenciaria-paises-que-fizeram/> Acesso em 16 mai. 17 as 09h12
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011.
IBGE. Projeção da população do brasil e das unidades da federação. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/> Acesso em 15 mai. 17 as 21h24
INGRID FAGUNDEZ. O que muda na reforma da previdência – e o que isso significa para o trabalhador. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/brasil-39636724> Acesso em 16 mai. 17 as 11h08
MARIANA BRANCO. Mulher trabalha 5,4 anos a mais que o homem, diz estudo do ipea. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-03/mulher-trabalha-54-anos-mais-que-homem-diz-estudo-do-ipea> Acesso em 16 mai. 17 as 10h15
MINISTÉRIO DA FAZENDA. Tesouro nacional: Relatório resumido da execução orçamentária do governo federal e outros demonstrativos. Disponível em: <http://tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/352657/RROdez2016.pdf/19a25934-21d9-4e40-9304-a488555c8dbf > Acesso em 15 mai. 2017 as 21h
[1] ANFIP. Reforma da previdência: o que pode mudar na sua vida? Disponível em: <www.anfip.org.br/doc/publicacoes/Livros_16_03_2017_09_06_51.pdf> Acesso em 14 mai. 17 as 20h22
[2] IBGE. Projeção da população do brasil e das unidades da federação. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/> Acesso em 15 mai. 17 as 21h24
[3] BRUNO ANDRÉ BLUME. 5 países que fizeram reforma da previdência. Disponível em: <http://www.politize.com.br/reforma-previdenciaria-paises-que-fizeram/> Acesso em 16 mai. 17 as 09h12
[4] BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 544.
[5] MARIANA BRANCO. Mulher trabalha 5,4 anos a mais que o homem, diz estudo do ipea. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-03/mulher-trabalha-54-anos-mais-que-homem-diz-estudo-do-ipea> Acesso em 16 mai. 17 as 10h15
[6] INGRID FAGUNDEZ. O que muda na reforma da previdência – e o que isso significa para o trabalhador. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/brasil-39636724> Acesso em 16 mai. 17 as 11h08