Política

Golpe e contragolpe, senso e contra-senso

Golpe e contragolpe, senso e contra-senso

 

 

Mario Guerreiro *

 

 

Até onde me é dado ver, há ao menos duas formas de golpe de Estado: (1) O que é dado por alguém de fora do Poder liderando um grupo ou vários, que o toma de assalto apeando quem está no Poder.

 

(2) O que é dado por alguém que, tendo chegado democraticamente ao Poder, num belo dia sentiu-se insatisfeito com os limites impostos pela Constituição e pelo Poder Legislativo e deu um golpe de modo a obter o Poder totalitário.

 

Há também dois tipos de contragolpe: (1) O que é dado por alguém que tomou o Poder liderando vários grupos participantes de um golpe, que estabeleceu um breve regime democrático, mas deu um contragolpe juntamente com um desses grupos, alijando os demais e assumindo um Poder totalitário.

 

(2). O que é dado por alguém de fora do Poder liderando um grupo ou vários, que o toma de assalto apeando quem estava no Poder em virtude de um golpe.

 

O tipo (2) de golpe se aplica a Hitler e a Mussolini. Se não, vejamos: Primeiramente, Hitler tentou dar um golpe do tipo (1) numa cervejaria em Munique – o Punch da Cervejaria – mas fracassou e foi para a prisão onde escreveu Mein Kampf (Minha Luta), onde dizia claramente as atrocidades que pretendia fazer e quando pôde, realmente fez.

 

Anos depois, já formado o Partido Nacional-Socialista (Partido Nazista), ele foi eleito Primeiro-Ministro e gozava de maioria no Parlamento. Foi aí então que Hitler fez outra tentativa de golpe, mas desta vez sem armas na mão e tropa de assalto.

 

Pediu ao Parlamento uma mudança na Constituição instituindo uma Lei Habilitante (Ermachtigungsgesetz), que lhe permitia governar com poderes absolutos e sem limite de mandato. Como o Parlamento atendeu seu pedido antidemocrático, pode-se dizer que Hitler foi bem sucedido ao dar um golpe do tipo (2).

 

Mas, se considerarmos que isso foi um golpe, teremos que admitir que ele foi dado pelo Primeiro-Ministro e por um Parlamento que, eleitos democraticamente pelo povo, romperam o compromisso assumido para com esse próprio povo de governar com uma Constituição democrática. E uma Constituição que confere tais poderes a um governante está muito longe de ser democrática!

 

Mussolini também foi eleito Primeiro Ministro de Vitor Emmanuele, rei da Itália e, uma vez no Poder, deu um golpe assumindo o poder totalitário.

 

Na revolução russa em 1917, se passou algo diferente. Uma aliança de várias facções: bolchevistas, menchevistas, socialistas democráticos, socialistas cristãos e anarquistas – idiotas úteis a quem Lenin costumava chamar de “companheiros de viagem”- derrubaram o Czar e o fuzilaram, juntamente com seus filhos e filhas, seguindo fielmente a recomendação de Maquiavel, o maquiavélico, endereçada ao Príncipe que destrona outro.

 

Derrubado o regime czarista, foi instaurado um governo provisório em que Kerenski era o Primeiro-Ministro e governava juntamente com a Duma (Parlamento Russo). Mas alegria de pobre dura pouco…

 

Foi aí então que os bolchevistas liderados por Vladimir Uliánov (vulgo Lenin) deram um contragolpe e implantaram o regime socialista totalitário de uma “ditadura do proletariado”, tida como etapa necessária para o advento miraculoso de uma sociedade comunista, i.e  sem classes e sem Estado. Pura Utopia! O que se firmou e durou uns 70 anos foi uma ditadura sobre o proletariado.

 

Recentemente em Honduras, havia um governante eleito democraticamente pelo povo, Manuel Zelaya; mas que num dado momento desejou ter poderes absolutos. Assim sendo, fez uma tentativa semelhante a de Hitler: pediu ao Parlamento uma Ermachtigungsgesetz como Hitler e – depois dele e inspirado por ele  Hugorila Chávez pediu – ao Parlamento da Venezarzuela, porém o de Honduras não quis ser coadjuvante de um golpe.

 

Aí então, Zelaya pediu à Corte Suprema de Honduras que modificasse a Constituição concedendo-lhe poderes ilimitados, mas os ministros hondurenhos, como eram verdadeiros guardiões da lei e da ordem democrática, recusaram tal proposta indecorosa.

 

E como o referido governante insistia em se manter no Poder, dando claros indícios de que deseja exercê-lo de forma totalitária, os militares – com o apoio da maioria da população – deram um golpe apeando o candidato a ditador do Poder.

 

Obama, Lula, a OEA, tout le monde et son père disseram que se tratava de um golpe dado em um governo democraticamente eleito pelo povo. Nada disto! Perderam uma boa oportunidade de ficar calados e não dizer besteira de caráter meramente politiqueiro.

 

Eleito pelo povo democraticamente é verdade. Mas que ao ser assim escolhido, assumiu o compromisso de governar juntamente com o Poder Legislativo e o Poder Judiciário. Porém, desde o momento em que esse compromisso foi claramente descumprido, o governo democraticamente eleito não deixou de ser um governo eleito, mas deixou de ser democrático.

 

Na Declaração de Independência, disse Thomas Jefferson: “Toda vez que qualquer forma de governo tornar-se destruidora dessas finalidades, é direito do povo alterá-la ou aboli-la e instituir um governo novo alicerçando seus fundamentos em tais princípios”.

 

Com isto, justificaram-se posteriormente o instituto do impeachment e, em casos mais contundentes, um contragolpe dado num governante golpista que, mesmo tendo sido democraticamente eleito, acabou se transformando num ditador.

 

Por má informação ou por má fé, é deveras impressionante a maneira como se formou um consenso, incluindo a mídia e vários chefes de governo, em torno da idéia de que Zelaya foi vítima de um golpe e que este ameaça a democracia em Honduras e em toda a América Latina.

 

 

* Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Ex-Pesquisador do CNPq. Ex-Membro do ILTC [Instituto de Lógica, Filosofia e Teoria da Ciência], da SBEC [Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos]. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Autor de Problemas de Filosofia da Linguagem (EDUFF, Niterói, 1985); O Dizível e O Indizível (Papirus, Campinas, 1989); Ética Mínima Para Homens Práticos (Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1995). O Problema da Ficção na Filosofia Analítica (Editora UEL, Londrina, 1999). Ceticismo ou Senso Comum? (EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999). Deus Existe? Uma Investigação Filosófica. (Editora UEL, Londrina, 2000) . Liberdade ou Igualdade? ( EDIPUCRS, Porto Alegre, 2002). Co-autor de Significado, Verdade e Ação (EDUF, Niterói, 1985); Paradigmas Filosóficos da Atualidade (Papirus, Campinas, 1989); O Século XX: O Nascimento da Ciência Contemporânea (Ed. CLE-UNICAMP, 1994); Saber, Verdade e Impasse (Nau, Rio de Janeiro, 1995; A Filosofia Analítica no Brasil (Papirus, 1995); Pré-Socráticos: A Invenção da Filosofia (Papirus, 2000) Já apresentou 71 comunicações em encontros acadêmicos e publicou 46 artigos. Atualmente tem escrito regularmente artigos para www.parlata.com.br,www.rplib.com.br , www.avozdocidadao.com.br e para www.cieep.org.br , do qual é membro do conselho editorial

Como citar e referenciar este artigo:
, Mario Guerreiro. Golpe e contragolpe, senso e contra-senso. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/politica/golpe-e-contragolpe-senso-e-contra-senso/ Acesso em: 22 dez. 2024