Política

FHC e a revolta islâmica


03/03/2011

Nivaldo Cordeiro

www.nivaldocordeiro.net

De todos os artigos tolos que o ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso escreveu o que foi publicado hoje no Estadão
(Silêncios que falam) é dos mais notáveis, tentando analisar a revolta ora em
curso em alguns países islâmicos. Primeiro, por tentar ver analogia entre os
acontecimentos atuais com os de maio de 1968. Segundo, por achar que no meio
islâmico há um anseio por democracia, projeção pueril dos valores ocidentais
para sociedades que vivem ainda em estágio tribal. Por fim, por não propor, na
condição de um ex-presidente da República, uma política consistente com os
interesses nacionais, que seja exeqüível.

FHC vê também um elemento de destaque para as
novas tecnologias de comunicação na fermentação e eclosão das revoltas. Aqui a
primeira contradição. Os novos meios de comunicação não existiam em 1968, fato
que não impediu o alastramento da sublevação que aconteceu. Podemos dizer então
que os meios de comunicação são “neutros” ou que, ao menos, não formam
rebeliões nem as antecipam, podendo acentuá-las apenas. Cabe aqui também um
reparo à visão fernandista sobre 68: aquele movimento dependeu de
circunstâncias específicas: a Guerra do Vietnam, a revolução gramsciana em curso,
que fez da ordem capitalista um anátema, a manipulação dos partidos comunistas
controlados pela ex-URSS, sincronizando as sublevações. Por fim, dentro da
revolução gramsciana tivemos o destacado papel da Escola de Frankfurt e seu
movimento contra-cultural.

Nada disso acontece no meio islâmico, muito ao
contrário. Vemos o cúmulo do reacionarismo em curso, tentando acabar com o que
existe de ordem laica nos países que cooperam com o Ocidente. Gadaffi foi
contestado porque perdeu seu ímpeto terrorista e se ajustou ao comércio
internacional. Mubarak porque fez a paz com Israel e se alinhava com os EUA. Na
Tunísia, algo semelhante. Na sombra, manipulando a insurreição, irmandades
muçulmanas e movimentos religiosos extremistas que querem nada menos o extermínio
do Ocidente, a começar por Israel. Em muitos países islâmicos sequer podemos
dizer que vige uma ordem capitalista. As categorias de análise de FHC são
inteiramente inadequadas para aquela realidade.

O artigo de FHC não cita esses fatos capitais.
Sua cegueira é digna de dicionários: “Talvez seja este o enigma a ser decifrado
pelas correntes que desejem ser ‘progressistas’ ou ‘de esquerda’. Enquanto não
atinarem ao ‘novo’ nas circunstâncias atuais – que supõe, entre outras coisas,
a reconstrução do ideal democrático à base da participação ampliada nos
circuitos de comunicação para forçar maior igualdade -, não contribuirão para
que a cada surto de vitalidade em sociedades tradicionais e autocráticas surjam
de fato formas novas de convivência política. Agora mesmo, com as
transformações no mundo islâmico, é hora de apoiar em alto e bom som os germens
de modernização, em vez de guardar um silêncio comprometedor.”

Falar em ideal democrático em países islâmicos
é se submeter ao ridículo. O clero islâmico apóia qualquer poder constituído e
agora quer ele mesmo ser o poder, como no Irã. Imaginar que ele quer democracia é delírio, descolamento do real. Ideal
de igualdade? Os países islâmicos, como a Arábia Saudita, foram os últimos a
abolirem a escravidão jurídica e muitos apontam que nesses países ela subsiste
sob um véu de leis que ninguém cumpre. A palavra igualdade, essa que está na
boca dos jacobinos como FHC, não passa pela cabeça dos que fazem a subversão no
mundo islâmico.

A única coisa que se salva no artigo é a
crítica à política externa do governo Lula, por se alinhar automaticamente com
tiranos como Fidel, Armadinejad e Gaddafi. Mas não falou da China, o
totalitarismo comunista que Lula reconheceu como economia de mercado, em
prejuízo do Brasil. E pensar que FHC é o farol teórico da social-democracia
brasileira. Estamos carentes de estadista, no governo assim como na oposição.

* José Nivaldo Cordeiro, Executivo, nascido no Ceará. Reside atualmente
em São Paulo. Declaradamente liberal, é um respeitado crítico das idéias
coletivistas. É um dos mais relevantes articulistas nacionais do momento,
escrevendo artigos diários para diversos jornais e sites nacionais. É Diretor
da ANL – Associação Nacional de Livrarias.

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Como citar e referenciar este artigo:
, Nivaldo Cordeiro. FHC e a revolta islâmica. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/politica/fhc-e-a-revolta-islamica/ Acesso em: 29 jul. 2025