23/11/2010
Não votei em Dilma. Votei em Serra. Não gostei de sua postura – nem da do Presidente Lula – durante a campanha, parecendo mais uma marionete produzida pelos marqueteiros do Presidente. Não a via como pessoa ou como líder, mas como um boneco que reagia puxada pelos cordéis de seu manipulador.
Foi, portanto, com todas as restrições possíveis, que me preparei para ouvir o seu primeiro pronunciamento como presidente eleita.
Fui surpreendido pela sua tranquilidade, coerência e propostas para seu futuro governo. De rigor, não discordei de nenhuma delas.
De início, impressionou-me a segurança com que falou sobre a guerra cambial, a necessidade de manter o câmbio flutuante, de fortalecer o empreendorismo – sempre falou em ” empreendedor ” antes de ” trabalhador ” , em clara sinalização de que não tem vocação para o que Chávez está fazendo na Venezuela -, de manter o crescimento do PIB, de tornar eficiente a esclerosada máquina pública – o termo esclerosada não foi por ela utilizado – de prestigiar relações internacionais, principalmente com os parceiros mais importantes, com altivez, abrindo espaços para o desenvolvimento nacional. Não deixou de manifestar-se sobre a questão social, erradicação da miséria, sem, todavia, referir-se às preconceituosas teses das 521 proposições do PNDH3 . Ao contrário , reiterou que a liberdade de imprensa é sagrada , em oposição ao referido plano.
Mostrou, por outro lado, sensibilidade . Comoveu-se , como qualquer pessoa sinceramente grata, ao falar do Presidente Lula, demonstrando que já não era um produto de marqueteiros, mas um ser humano consciente de suas responsabilidades , em face do apoio recebido de pouco mais de metade dos eleitores brasileiros (teve 55 milhões de votos contra 43 milhões de seu opositor).
Em duas entrevistas , no dia seguinte, reiterou o mesmo tom calmo e humano e as mesmas idéias , em duas entrevistas para a TV Globo e TV Record.
À evidência, causou-me – e a muitos dos que não votaram nela – excelente impressão, uma sensação de alívio e fundadas esperanças de que faça um governo competente, severo com a corrupção e com o fisiologismo, abrindo perspectivas de crescimento para o povo brasileiro.
Não se referiu aos fracassos econômicos dos aliados bolivarianos , até porque seu discurso não seria encampado pelo histriônico Presidente Chávez, especialista em destruir a economia venezuelana, ao eliminar empreendedores, gerar inflação, queda do PIB, descumprir contratos, promover desapropriações e um início de caos social no país. A omissão pode ter sido sinalização de que o Brasil , para ela , é mais importante do que acariciar o ego de aprendizes de ditadores.
Falou em redução de tributos e de juros, em simplificação do sistema, razão pela qual tenho eu a esperança de que não ceda ao retorno da CPMF – principalmente levando-se em consideração que , apesar de a arrecadação ter subido duas CPMFs, desde a extinção desse tributo, não houve qualquer implemento para a saúde, mas sim dos benefícios destinados aos detentores do poder (burocratas e políticos) , em nível de subsídios e aposentadorias. O déficit da aposentadoria oficial federal ( mais ou menos 950.000 servidores) é de 47 bilhões de reais , contra 43 bilhões dos 23 milhões de aposentadorias do setor não governamental!!!
Por outro lado, o inchaço da máquina foi uma das maiores características dos últimos tempos, não através da porta constitucional dos concursos públicos, mas dos cargos em comissão para acomodar políticos e amigos.
Neste ponto, foi muito clara a mensagem : nada de compadrio ou ineficiência no serviço público, seja de aliados ou opositores. Aliás, a queda dos juros só será possível , se houver uma redução sensível do custo da máquina administrativa, pois uma das maiores causas da inflação é o “déficit público”.
Aos 75 anos de idade, 53 de advocacia e magistério –sou apenas advogado e professor, nunca aceitei qualquer cargo público, nem quando convidado para cargos de relevo – confesso que fiquei bem impressionado com as primeiras manifestações, apesar de ser um cético em relação aos efeitos que produz o exercício do poder, como escrevi no meu livro “Uma breve Teoria do Poder”. E entendo que todos os brasileiros “não governamentais” devem dar um voto de confiança à nova presidente, sem abdicar do direito, sagrado em uma democracia, de criticar tudo aquilo que entendam não dizer respeito aos interesses do País.
* Ives Gandra da Silva Martins, Advogado. Doutor em Direito. Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Centro de Extensão Universitária.