Reintegrações de posse não cumpridas. Qual a solução?
Francisco César Pinheiro Rodrigues*
A mídia tem, com razão, censurado a inércia “da justiça” — na verdade a culpa não é dela — em tornar efetiva, real, concreta, suas decisões liminares contra invasões de terras promovidas pelo MST. Desnecessário enfatizar que sem a força estatal para fazer cumprir, prontamente, o que a justiça determinou, esta última torna-se mera abstração. Uma espécie de conto de fadas, enfeitado com latinório refinado, fruto de uma cultura jurídica milenar mas de significado próximo do zero no mundo real. E tal inércia não prejudica apenas o dono da área invadida e a confiança na justiça: estimula novas invasões. Olhos e ouvidos de interessados em ganhar uma terrinha — sem a aborrecida necessidade de comprá-la —, estarão atentos ao “o que acontecerá?”. Se nada acontece, a conseqüência óbvia é que outros e mais outros — mesmo nunca tendo pegado no cabo de uma enxada — queiram também possuir um lote, melhorando seu exíguo patrimônio.
Por que tais decisões não são cumpridas, ou prontamente cumpridas? Porque existe o receio, paralisante, de alguns governadores ou outras autoridades do Executivo, de que, havendo tenaz resistência por parte dos invasores — estimulados por líderes confortavelmente distantes —, possa surgir um cadáver. Se o morto for um policial, a repercussão política não será alta — “risco da profissão…” —, mas se o morto for um sem-terra o fato terá imensa repercussão.
Ao “medo político” do governador soma-se o “medo de processo criminal” dos policiais militares. No entrevero da troca de pancadas, ameaças, gás lacrimogêneo e até disparos de armas de fogo, podem ocorrer mortes de invasores, que resultam em processo criminal contra policiais militares e seus oficiais comandantes. O cumprimento de um mandado judicial — algo que deveria ser rotineiro —, acaba se transformando em pesadelo vitalício. Apurando-se “eventual abuso”, militares tornam-se réus em processos criminais, com julgamentos pelo tribunal do júri e outros Tribunais, que só terminam vários anos depois, infernizando a vida desses militares. Como se vê, com o atual sistema, de “juiz decidir” e “polícia cumprir” — aguardando ordens do Executivo —, o resultado é uma desmoralização da justiça e estímulo a novas invasões.
Como “consertar” tal estado de coisas?
Uma solução — que me parece pouco prática — estaria
Qual, então, a melhor solução?
Instituir um corpo de policiais militares especialmente designado para o cumprimento de mandados judiciais. O juiz que concedeu a liminar, ou a decisão definitiva, daria, ele mesmo, a ordem de cumprimento do mandado ao oficial militar. Algo automático, como teria que ser. Em vez de se aguardar a boa-vontade do governador, ou outra autoridade do Executivo — que pode até nutrir imensa simpatia pelo MST — deixar ao próprio juiz a responsabilidade de cumprir sua própria decisão. Se ele preferir usar uma certa cautela ou diplomacia, na desocupação, que o faça, por sua conta e risco moral.
A sistemática aqui sugerida provavelmente será encarada com alívio pelos governadores, ou autoridades do Poder Executivo com a incumbência de fazer cumprir tais mandados. Não existirá mais, para eles, o risco político inerente à ocorrência de alguma morte quando da desocupação da área. “Alguém morreu? Não tenho nada com isso. Procurem explicações do juiz!”, dirá o governador aos repórteres que o procurarem. O risco moral de alguma tragédia será transferido ao magistrado. O que será bom, porque sabendo dos riscos inerentes a tais desocupações, o juiz tentará, tanto quanto possível, minimizar algum possível excesso.
Caso, nas polícias militares, haja receio, da tropa, de aumento de desocupações por ordem judicial — com os riscos profissionais acima referidos — uma pequena melhoria no salário de tais servidores estimularia a aceitação voluntária de integrar tais unidades especiais. E poderia também, haver um especial treinamento desse pessoal para lidar em essas difíceis atribuições.
As dificuldades legais e administrativas para por em prática a presente sugestão — a criação de um corpo de policiais militares destacados para cumprir ordens judiciais, sem depender da boa-vontade do Executivo — certamente não serão incontornáveis. Se o forem, isso provará que nosso Direito está envenenado, ou combalido por uma espécie de anemia mental, enterrando a lenda de que o “brasileiro é muito criativo”. Só se for em desfile de escola de samba.
O que foi dito até aqui não invalida o fato de que houve muito abuso, em tempos passados, no que se refere ao usucapião de terras no Brasil, permitindo a formação de latifúndios improdutivos. Havendo interesse, leia, o leitor, meu artigo “Um desvirtuamento do usucapião de terras”, no meu site WWW.franciscopinheirorodrigues.com.br Esse abuso passado, no entanto, não será corrigido “na marra”, fora da lei, porque isso também afronta o Estado de Direito. O atual dono da área invadida talvez a tenha comprado regularmente. Pele-vermelhas americanos, não obstante injustiçados pelos colonos brancos, nos séculos passados, não estão autorizados a retomar, na força, as terras que eram suas antes da chegada do homem branco. Isso instalaria a completa anarquia. Falhas passadas, da legislação brasileira sobre o usucapião, serão corrigidas com desapropriações fundamentadas na improdutividade, não com ocupações violentas. Os atuais invasores não foram, pessoalmente, vítimas de uma injustiça. Não eram, nem seus ancestrais, proprietários da áreas invadidas. Apenas rebelam-se contra uma ordem social que consideram injusta. Mas tudo tem o seu tempo. A pior solução é a anarquia e a banalização das decisões judiciais, como ocorre com os mandados de reintegração não cumpridos. Com a inércia lega, os fazendeiros prejudicados sentem-se autorizados a revidar, contratando seguranças ou “jagunços”. A convivência social não tolera “vácuos” por muito tempo.
Invasores que desprezam as decisões judiciais precisam lembrar-se de que poderão, um dia, precisar delas. Nada, neste mundo, é perene.
(27-2-09)
* Escritor – Desembargador aposentado
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