Judiciário

O Direito no limiar do novo século

O Direito no limiar do novo século

 

 

Maria Berenice Dias*

 

 

O Poder Judiciário, como os demais Poderes constituídos, tem sido alvo de um grande desprestígio. A mídia não cansa de denunciar irregularidades, noticiar corrupções e levantar suspeitas contra tudo e todos.

 

A clássica divisão dos Poderes idealizada por Montesquieu embaralha-se no momento em que se defere ao Executivo o direito de legislar, como ocorre com a edição excessiva de medidas provisórias. Atribuir ao Legislativo a faculdade de instalar CPIs transforma-o em órgão julgador.

 

O que dizer a respeito do Poder Judiciário? Deseja-se reformá-lo, mas sem a sua participação. Fala-se em controle externo e súmula vinculante como remédios para a cura de todos os males. Esses males que, no entanto, assolam a Justiça em todo o mundo. Deve-se diagnosticá-los, curá-los, preveni-los. Mas, querer impor a Lei da Mordaça, em conseqüência de uma CPI, que de forma espalhafatosa tentou macular a imagem de todo o Poder Judiciário, acaba por comprometer o último baluarte de credibilidade de que o cidadão necessita para ter a certeza da garantia de que vive em um estado democrático de direito.

 

O exacerbado aumento das demandas, que congestiona foros e tribunais, decorre da vitalidade da cidadania, incentivada pela Carta Constitucional, que despertou a consciência do direito de buscar e obter a inclusão social. À Justiça cabe fazer o seu papel. Não se pode dizer que se furta dessa missão. Ao invés de crise no Judiciário, é de reconhecer-se que a decantada morosidade não resulta da inércia ou da ineficiência de seus membros. Aí estão os Juizados Especiais, a Justiça Instantânea e mecanismos outros para a rápida solução dos conflitos. Porém, isso não basta. É preciso, também, reformar a estrutura do processo, agilizar os procedimentos legais e rever o sistema recursal.

 

O Direito redimensiona-se com a evolução da sociedade. Desdobram-se os direitos humanos em gerações. Passou-se dos direitos individuais para os direitos sociais, que exigem a participação ativa do Estado, chegando aos direitos de solidariedade, os nominados direitos de terceira geração. A criação de organismos supra-estatais dão relevo de forma mais saliente aos chamados direitos à cidadania. A internacionalização norteia as relações econômicas entre os povos.

 

Nesse panorama, é mister que se visualize o nascimento de uma nova Ciência do Direito. Indispensável que se deite um distinto olhar às relações jurídicas, atentando muito mais nos seus aspectos subjetivos do que na sua objetividade.

 

O surgimento de novos paradigmas leva à necessidade de rever os modelos preexistentes. A liberdade e a igualdade como pilares do Direito permitem o reconhecimento da existência das diferenças.

 

Essa nova sociedade, no entanto, ainda se encontra regida pelo Código Comercial, que data de 1850, e por um Código Penal editado em 1940, sendo que o Código Civil, que vige desde 1916, é alvo de uma reforma que já se arrasta há mais de um quarto de século.

 

Necessário que se resgate a crença na Justiça e se acredite em um Direito mais legítimo, mais sensível, mais voltado à realidade social. Certamente é nos ombros dos juízes que se depositam as esperanças de que se devolva a credibilidade às instituições do Estado.

 

No limiar deste novo século, em que se vive um momento de profundas transformações, é necessário pensar e repensar a relação entre o justo e o legal.

 

 

* Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM

                                                                                     

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Como citar e referenciar este artigo:
DIAS, Maria Berenice. O Direito no limiar do novo século. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2002. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/judiciario/o-direito-no-limiar-do-novo-seculo/ Acesso em: 21 dez. 2024