O Controle do Judiciário
Fernando Machado da Silva Lima*
23.02.2004
A insatisfação pública, causada pela lentidão e pelas mazelas do Judiciário, levou à proposta de criação de um controle externo, há muito discutida no Congresso Nacional, e que tem sido ardentemente defendida pela Ordem dos Advogados, pelo Presidente da República, pelo Ministro da Justiça e pelo futuro Presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim. O novo Presidente da Ordem, Roberto Busato, reagindo às críticas do atual Presidente do Supremo, Maurício Correa, referentes à falta de controle das contas da OAB, disse, muito “sutilmente”, que o controle externo do Judiciário é necessário “justamente para que certo tipo de magistrado cumpra com sua função de julgar e não de detratar”.
Aliás, recorda-se que, no dia 29 de outubro do ano passado, um grupo de 12 juristas e advogados, dentre eles Dalmo Dallari e Fábio Konder Comparato, solicitou providências da OAB contra o Ministro Nelson Jobim, ex-constituinte de 1988, que depois de 15 anos revelou uma fraude contra a Constituição, dizendo que nela foram incluídos dois artigos que não haviam sido votados pela Constituinte. O Ministro estaria sujeito, portanto, a um pedido de impeachment, por falta de decoro e crime de responsabilidade, e não poderia integrar o órgão de cúpula de nosso Judiciário, se havia participado dessa fraude. O Ministro Jobim é favorável à criação de um controle externo para o Judiciário, e não se ouviu mais falar sobre o assunto, e nem a Ordem se manifestou a respeito, ao que se saiba, ao menos para exigir a apuração dos fatos.
Sabe-se agora, através de pesquisas na biblioteca da Câmara, que a Constituição teve vários artigos enxertados e suprimidos, após a votação, e que sofreu até mesmo “emendas de gráfica”, quando o relator Bernardo Cabral acrescentou um inciso ao art.
Os juízes e os advogados – e também o Ministério Público, as Defensorias, e outros órgãos relacionados com o sistema judicante -, costumam legitimar o seu poder através de um discurso dissimulatório relacionado com a defesa dos direitos constitucionais do povo. Os advogados alegam defender esses direitos, preocupados apenas com a defesa da ordem jurídica e com a realização da Justiça. No entanto, não se pode negar que a advocacia se transformou em um grande negócio, no qual a realização da Justiça nem sempre é o único objetivo.
Embora os juízes, os advogados, e tantos outros operadores jurídicos, jurem defender a Constituição e as leis, em muitos casos outros interesses podem prevalecer. Muitos juízes e advogados atuam corretamente, mas outros, infelizmente, estão preocupados, apenas, com os seus interesses corporativos, com o aumento do seu poder, e com os seus rendimentos, prejudicando assim as partes litigantes, ou o interesse público, e desperdiçando os tributos que o contribuinte paga para manter o sistema. Evidentemente, não é desses advogados, nem desses juízes, que o País precisa. Todos devem ter as suas atividades controladas, para que se evitem os abusos, porque ninguém pode estar acima de qualquer suspeita.
Mas seria realmente possível aperfeiçoar o nosso sistema, conforme se pretende, através da criação de um Conselho Nacional de Justiça, para fiscalizar o Judiciário, e de um outro Conselho, para fiscalizar o Ministério Público? Pela proposta já aprovada na Câmara, esses Conselhos seriam integrados por 15 membros cada, sendo dois advogados indicados pela Ordem. Não causaria um desequilíbrio entre os Poderes, a atuação desses Conselhos? Não seriam necessários mais três Conselhos, para fiscalizar o Executivo, o Legislativo, e os Tribunais de Contas? E talvez um Super-Conselho, para fiscalizar a todos os outros?
De acordo com o ordenamento jurídico vigente, já existem diversos mecanismos de controle dos órgãos judiciais, pelas partes, pelos seus advogados, e pelos membros do Ministério Público. Até mesmo no momento do ingresso na magistratura, através do concurso público, existe a fiscalização da OAB, conforme previsto no inciso I do art. 93 da Constituição Federal, o que é muito interessante, quando se observa que os advogados não estão sujeitos a semelhante controle, e que a Ordem, há mais de cinqüenta anos, defende a tese de que não está sujeita a qualquer controle, nem mesmo o controle administrativo, do Tribunal de Contas da União.
Se o juiz é um bacharel em Direito que foi aprovado em um concurso público, o advogado é também um bacharel em Direito, aprovado no Exame de Ordem, que pode ser eleito conselheiro, ou Presidente, de uma das Seccionais, às vezes com o auxílio de campanhas milionárias, custeadas pelas grandes empresas de advocacia, isso na melhor das hipóteses. Como seria possível justificar, assim, a presença de dois advogados nos órgãos que irão controlar o Judiciário e o Ministério Público? Não seria o caso de se criar também um Conselho Nacional da Advocacia, integrado por nove advogados, dois magistrados, dois membros do Ministério Público e dois cidadãos, à semelhança do que se propõe para os outros Conselhos?
Verifica-se, portanto, que o controle é necessário, mas que não é possível controlar apenas o Judiciário e o Ministério Público. É preciso controlar todos aqueles que exercem, em nome do povo, uma parcela de poder, para que se evitem os abusos, os privilégios, o corporativismo, e a corrupção. É preciso controlar, também, o Executivo, o Legislativo, os Tribunais de Contas, e a própria OAB.
Não se pode negar que os atuais controles são insuficientes, especialmente em razão do espírito de corpo do Judiciário, mas o perigo é a interferência indevida na atividade jurisdicional, atingindo a independência do Judiciário, sem a qual não poderá haver a correta distribuição da Justiça. É preciso manter a independência e harmonia dos poderes, porque a concentração em um só órgão levará aos abusos e à tirania, como dizia Montesquieu. O único controle verdadeiro, do Judiciário e de todos os outros detentores de qualquer parcela do poder, seria o controle feito pelo maior interessado, o povo.
* Professor de Direito Constitucional. Site: www.profpito.cjb.net
Compare preços de Dicionários Jurídicos, Manuais de Direito e Livros de Direito.