Judiciário

Como os Juízes são Realmente

 

A recente avalanche de informações distorcidas sobre o Judiciário quase que obriga os magistrados a esclarecerem as pessoas em geral sobre como somos e o que se pode esperar de nós.

 

Em www.pensador.info/autor/Francois_Rabelais encontrei uma referência simples e direta a FRANÇOIS RABELAIS:

 

François Rabelais (La Devinière, perto de Chinon, França, aprox. 1494 – Paris 9 de Abril 1553) foi um escritor francês do renascimento. Rabelais é o modelo perfeito do humanista do renascimento, que lutava com entusiasmo para esquecer a influência do pensamento da Idade Média, inspirando-se nos ideais filosóficos e da antiguidade clássica.

Desse texto, extraio dois pontos para breves comentários:

 

1) o modelo perfeito do humanista do renascimento;

 

2) lutava com entusiasmo para esquecer a influência do pensamento da Idade Média.

 

Quanto ao ítem 1, o Humanismo Renascentista foi uma corrente cultural que surgiu na Europa no final da Idade Média e que procurou despertar as pessoas para o conhecimento de si próprias e do mundo que as cercava.

 

Quanto ao ítem 2, deve-se esclarecer que o pensamento medieval foi dominado pela ditadura religiosa, que impediu o progresso da civilização européia por cerca de oito séculos, com incalculáveis prejuízos para a humanidade.

 

Pois bem, RABELAIS e milhares de outros europeus esclarecidos mudaram a triste realidade européia daqueles tempos, incentivando o desenvolvimento das Ciências e trabalhando pela libertação do pensamento humano das trevas da ignorância, mantida propositadamente pelos tiranos, que auferiam grandes proveitos com o clima reinante de desinformação das massas.

 

A desinformação é uma cegueira terrível.

 

Há quem lucre com ela e procure manter a escravidão mental das pessoas em todos os tempos.

 

Pois bem, depois do Renascimento europeu, outro grande movimento desempenhou papel importantíssimo no despertamento humano para as grandes reflexões: o Iluminismo.

 

A respeito desse movimento esclarece a WIKIPÉDIA (http://pt.wikipedia.org/wiki/Iluminismo):

O Iluminismo ou esclarecimento (em alemão Aufklärung, em inglês enlightenment), foi um movimento e uma revolta ao mesmo tempo intelectual surgido na segunda metade do século XVIII (o chamado “século das luzes”) que enfatizava a razão e a ciência como formas de explicar o universo. Foi um dos movimentos impulsionadores do capitalismo e da sociedade moderna. Foi um movimento que obteve grande dinâmica nos países protestantes e lenta porém gradual influência nos países católicos.

 

Outros movimentos surgiram posteriormente, mas quero destacar um dos mais recentes: o Hippismo.

 

Sobre ele diz a referida Enciclopédia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Hippie)

 

Os “hippies” (no singular, hippie) eram parte do que se convencionou chamar movimento de contracultura dos anos 60. Adotavam um modo de vida comunitário ou estilo de vida nômade, negavam o nacionalismo e a Guerra do Vietnã, abraçavam aspectos de religiões como o budismo, hinduísmo, e/ou as religiões das culturas nativas norte-americanas e estavam em desacordo com valores tradicionais da classe média americana. Eles enxergavam o paternalismo governamental, as corporações industriais e os valores sociais tradicionais como parte de um establishment único, e que não tinha legitimidade.

Todos esses movimentos trabalharam inclusive para derrubar uma das piores aliadas da ignorância: a hipocrisia.

 

O DICIONÁRIO ELETRÔNICO MICHAELIS define:

 

Hipocrisia: s. f. Manifestação de fingidas virtudes, sentimentos bons, devoção religiosa, compaixão etc.; fingimento, falsidade.

 

Pois bem, feita essa longa introdução, conheçamos melhor os juízes.

 

Não se deve querer exigir deles que sejam criaturas sobre-humanas.

 

Na minha monografia A Justiça e o Direito da Índia cito uma frase de DAVID ANNOUSSAMY:

 

Tem-se uma abundante literatura em sânscrito e tamul mostrando o perfil do juiz como era concebido na Índia antiga. É antes de tudo aquele que descobre a verdade.

 

Para os indianos antigos, os juízes deveriam ser, então, sobretudo, descobridores da verdade…

 

Transplantada essa crença para a realidade forense de hoje, temos de reconhecer que nem sempre os juízes conseguem descobrir a verdade, inclusive porque há testemunhas e partes que mentem e advogados que procuram obscurecer a verdade em defesa dos seus clientes, considerando correta essa conduta, pois entendem que o que interessa é a vitória…

 

Além de tentar descobrir a verdade, ou seja, tomar conhecimento da realidade dos fatos, os juízes têm de julgar com a maior justiça possível, ou seja, dar ganho de causa a quem tem razão.

 

Aí se encontra outra grande questão.

 

Fazer justiça é decidir de acordo com o que? Com as leis?

 

O que dizer-se das leis injustas, quais sejam as que desrespeitam direitos importantes, como acontece nos regimes autoritários que já vivemos no Brasil, isso sem contar as leis dos períodos fascista da Itália e nazista da Alemanha? Os juízes devem aplicá-las mesmo assim?

 

Os juízes, com o dever de procurar descobrir a verdade e decidir com justiça, é transformado num titã de inteligência e força, com a incumbência de impor suas decisões até a bandidos perigosíssimos, capitalistas frios e homens do governo, tendo como única arma somente sua pena.

 

Realmente, os juízes não são super-homens nem dotados de recursos superiores aos das demais pessoas de carne e osso.

 

Num universo de milhares de profissionais da magistratura brasileira, não há como querer que todos sejam idênticos ou, sequer, parecidos: cada um tem seu perfil.

 

Aliás, é salutar que assim seja.

 

Há algum tempo atrás escrevi um artigo intitulado Juízes bouche de la loi e Juízes à la Paul Magnaud, do qual transcrevo os últimos parágrafos:

Tenho visto, nestes anos de trabalho no Judiciário, juízes de todos os tipos psicológicos.

 

Observados os dois extremos (bouche de la loi e à la Paul Magnaud), existiria uma gradação, digamos, de 0 a 100.

 

Todavia, excluídas as hipóteses de conduta absurda, parece-me que a contribuição de cada um é importante.

 

Não se pode pensar em juízes bouche de la loi X juízes à la Paul Magnaud, mas sim juízes bouche de la loi e juízes à la Paul Magnaud.

 

Desculpem-me a comparação, se parecer imprópria: num time de futebol tanto valem o goleiro e os jogadores da defesa, quanto os do meio do campo e os atacantes… Imagine-se uma equipe composta somente por jogadores de defesa ou somente por atacantes…

 

Pois bem, há juízes extrovertidos e juízes introvertidos; juízes que lêem muito e juízes que lêem menos; juízes que conversam abertamente sobre seus entendimentos (inclusive antes dos julgamentos) e juízes extremamente reservados no desempenho do seu ofício; juízes que levam vida reclusa e juízes que vivem intensa vida social; juízes que têm amizade aos advogados e com eles conversam até sobre processos em andamento e juízes de quem ninguém consegue se aproximar; etc. etc.

 

Presumir que um juiz seja honesto simplesmente por ser avesso ao contato humano e outro seja desonesto simplesmente por ser amigo dos advogados é analisar superficialmente.

 

Achar que alguém seja mais preparado que outro para julgar simplesmente porque tenha lido mais livros é desconhecer que a perspicácia para descobrir a verdade dos fatos e o bom senso para decidir com justiça são coisas que os livros não ensinam.

 

E assim por diante.

 

É necessário que se tratem desses assuntos para que as pessoas não formem juízos equivocados, conduzidas, muitas vezes, por articulistas tendenciosos, que, sem conhecer a realidade da magistratura em profundidade, escrevem cheios de empáfia e vazios de conteúdo…

 

 

* Luiz Guilherme Marques, Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora (MG).

Como citar e referenciar este artigo:
MARQUES, Luiz Guilherme. Como os Juízes são Realmente. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/judiciario/como-os-juizes-sao-realmente/ Acesso em: 22 nov. 2024