Rodrigo Benedet Naspolini*
1. Introdução
As primeiras faculdades de Direito surgidas no Brasil foram institucionalizadas pela aprovação do projeto de 31 de Agosto de 1826 – convertido em lei em 11 de Agosto de 1827 – que primava pela instalação de dois centros dedicados ao estudo jurídico em nosso país.
Desta forma, São Paulo e Olinda foram as localidades escolhidas para abrigar esta nova vanguarda no ensino, devido principalmente à situação geográfica – uma para atender o sul e outra para suprir as necessidades dos habitantes do norte do Brasil.
A idéia de instalar no país institutos de educação superior em Direito veio primordialmente da lógica que marcou a independência do Brasil junto a Portugal, em 1822, de autonomia nacional, de construção de uma identidade como tal, e de formar aqui uma “intelligentsia” (p.141) própria. Em busca de nova lei e consciência, pretendia-se formar uma elite intelectual independente das escolas portuguesas e francesas.
Os primeiros cursos, iniciados em 1828, atendiam as necessidades dos alunos e docentes, porém o prestígio buscado por ambos não era o academicismo, mas sim as simbólicas possibilidades políticas futuras do bacharelismo.
Outro problema insurgente logo no princípio das atividades acadêmicas no Brasil foi o alto índice de desrespeito dos alunos, falta de habilidade autoritária dos mestres e outros agravantes oriundos do pouco costume ao estudo e reflexão entre os clientes.
De forma geral, podemos dizer que a escola de São Paulo tendia de forma mais ampla ao modelo liberal da política, enquanto a de Pernambuco – que em 1854, transferiu-se de Olinda para Recife – era adepta ao perfil doutrinador, analisando de forma mais sócio-racial e neodarwinista o Direito.
Passaremos a analisar de forma mais detalhada estas duas faculdades pioneiras do Direito no Brasil, seus pensamentos, publicações, problemas e contribuições; iniciando com a Faculdade de Direito do Recife.
2. Faculdade de Direito do Recife
2.1. Primeiros Tempos em Olinda
Uma das localidades escolhidas pelo novo Império para sediar o pioneirismo jurídico no nosso país foi a província de Pernambuco. O motivo para esta escolha pode ter sido de ordem paliativa – pois esta província era muito revolucionária e opunha-se à monarquia, em preferência à república. O curso se instala no mosteiro de São Bento, em Olinda, e a ordem religiosa segue a tendência do bacharelismo pernambucano.
Logo no princípio, o objetivo de autonomia intelectual nacional foi paradoxalmente abandonado, uma vez que as idéias, os professores e até alunos eram vindos da ex-metrópole lusitana. Aceitava livremente e até mesmo facilitava a vinda de estudantes que não eram aptos à Faculdade de Coimbra e de Paris. A estrutura do curso era uma cópia do ensino jurídico de Coimbra, sendo que até os hábitos dos freqüentadores eram os mesmos. Por mais que pareça estranhamente descomunal no Nordeste do Brasil, os alunos usavam “chapéu alto, fraque e sobrecasaca preta” (p. 144).
Os primeiros tempos do Direito pernambucano em Olinda foram marcados pela falta de profissionais capacitados, influência nítida da Igreja e problemas estruturais sérios. Alguns alunos e professores moravam em Recife, o que dificultava a assiduidade de ambos os grupos; outros estavam ocupados com cargos políticos e não podiam exercer o ofício de docência.
Pouco sobrou deste período como produção intelectual de cunho inovador. Tudo parecia transitório. A mudança para o Recife, em 1854, trará tempos, de todos os modos, mais áureos à instituição, com produção inovadora e intelectuais engajados com o país.
2.2. Os Tempos Áureos no Recife
Enquanto as mudanças na estrutura física não corresponderam às expectativas – o novo prédio foi apelidado “Pardieiro” – houve um choque substancial com relação à produção intelectual anterior: os exames preparatórios foram aprimorados, fixou-se um calendário regular de aulas e a duração das lições, e restringiu-se o número de faltas. Castigos, punições e expulsões das aulas passaram a vigorar, além da possibilidade de prisão correcional pelo diretor.
Dividiu-se o curso em duas seções distintas: as ciências jurídicas e as ciências sociais. O primeiro corresponde ao curso de direito natural, romano, constitucional, civil, criminal, comercial, legal, teoria e prática do processo. Às ciências sociais correspondia às cadeiras de direito natural, público, universal, constitucional, eclesiástico, das gentes, administrativo, diplomacia, história dos tratados, ciência da administração, higiene pública, economia e política.
Todo o corpo da faculdade estava envolto num pensamento de que a instituição era a detentora da vanguarda científica do país. Como exemplo, podemos pegar o discurso do paraninfo de 1900: “O Brasil depende exclusivamente de nós e está em nossas mãos. […]” (p. 150).
O fato característico do pensamento da Faculdade de Direito do Recife é o grande apoio que confere ao darwinismo naturalista e social, difundidos, sobretudo, por Tobias Barreto, contrapondo de forma dicotômica ao antigo empirismo do direito divino. Pretendia-se uma nova visão laica do mundo, onde tudo cedia lugar à leis naturais, reduzindo tudo a mera categoria da ciência. Chutava-se para escanteio o positivismo francês de Auguste Comte em preferência ao evolucionismo, naturalismo, determinismo científico-biológico. Um exemplo de tal escolha é a antropologia criminal, própria do pensamento de Recife, que veremos ao longo do texto.
Passava a circular na academia, a partir de 1891, a primeira Revista Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife (RAFDR), de responsabilidade do corpo docente da instituição, que na época eram chamados de lentes. O objetivo era incitar a produção científica no país, dar maior força a elas e criar laços entre instituições nacionais e internacionais. O primeiro artigo suscita uma evolução para o Direito, o que confirma o sentimento vanguardista dos lentes da faculdade. A partir da idéia do naturalismo neodarwinista, alguns artigos passaram a entender crime a partir da análise do indivíduo que o cometia e não mais pelo crime em si. Incitava, ainda uma nova constituição para a república brasileira recém-proclamada.
Entre os artigos, destacavam-se os elaborados por professores de cunho político da conjuntura nacional, de forma que o conteúdo era visivelmente dedicado à política nacional e social. Foram examinados os artigos de quarenta anos – entre 1891 e 1930 – e classificados tematicamente. Entre os mais freqüentes aparecem os que fazem alusão à própria faculdade (61 vezes), os que propõem um novo direito penal (51 vezes) e os de direito civil (45 vezes).
Os primeiros vieram a formar a história da própria Faculdade de Direito do Recife. A preocupação com direito criminal se traduz na vontade de criar um novo Direito Penal, muito mais baseado no neodarwinismo social e biológico que no positivismo das leis, no estudo dos crimes. O crime em si já não importava; cedia espaço para a figura do criminoso, que passou a ser analisado na forma física, antropológica e social. “O fenótipo passava a ser entendido, portanto, como o espelho da alma” (p.166). Assim, criou-se uma tabela de indivíduos propensos à criminalidade, de acordo com características anatômicas (assimetria cranial e facial, supercílios e mandíbulas proeminentes, etc); fisiológicos (insensibilidade, invulnerabilidade, canhotismo e ambidestria); psicológicos (visão e audição inconstantes, tato insensível); e sociológico (pinturas pelo corpo). Estes sujeitos estão mais predispostos ao delito. Chegou ainda, à extrapolação de duvidar da sanidade de gênios da história e arte, como Julio Cesar, Napoleão, Mozart, Newton, Comte, Moliere, Voltaire, Pasteur, Diderot, Beethoven, Victor Hugo e outros.
Até o final da década de 1920, o teor das publicações havia sofrido uma grande modificação. Criticava-se, agora, a antropologia criminal e suas formulações determinísticas. Higiene, saúde e educação passaram a dominar o ranking das publicações. Elegeram como causa para o “problema nacional” a higiene social, saúde pública e o analfabetismo de 80%. “Higienizar o país e educar seu povo, é assim que se corrige a natureza e se aperfeiçoa o homem” (p.169).
O Recife chegava ao fim dos anos 20 sem o radicalismo vanguardista de outrora. O conservadorismo doutrinário se desfazia em uma República Liberal, buscando vagas maneiras de intervenção, seus grandes mestres viraram motivo de chacota e em meio a isso tudo a Faculdade de Direito do Recife se declinava, à sombra de áureos tempos passados. “A academia empalideceu, perdeu seu antigo brilho, deixou de ser um foco de irradiação intelectual, um centro de idéias” (p.172).
2.3. Apêndice: Faculdade de Direito do Recife na Web
Instalada em 15 de maio de 1828, no Mosteiro de São Bento, em Olinda, seu curso era feito em nove (9) cátedras, seriadas em 5 anos. As aulas abriram-se a 02 de junho, com 38 estudantes matriculados no 1º ano; havia três professores, Drs. Lourenço José Ribeiro, Manoel José da Silva Pôrto e José Moura Magalhães, então chamados lentes, auxiliados por dois substitutos, Drs. Antônio José Coelho e Pedro Autran da Matta de Albuquerque. Todos esses professores haviam recebido o grau de Bacharéis em Direito da Universidade de Coimbra.
Em 1891, foram introduzidas no ensino jurídico as cadeiras de Medicina Legal e Higiene Pública. Outra reforma reuniu, em 1895, em um só, os cursos sociais e jurídicos e fundiu as cadeiras de Medicina Legal e Higiene Pública em “Medicina Pública”. Em 1911, o ensino passou a ser feito em 6 anos . Entre os mais célebres graduados na Faculdade de Direito do Recife estão: Tobias Barreto, Joaquim Nabuco, Sílvio Romero, Raul Pompéia, Epitácio Pessoa, Graça Aranha, Nilo Peçanha, João Pessoa, Pontes de Miranda, Assis Chateaubriand, José Lins do Rego,
3. Faculdade de Direito de São Paulo
3.1. A Instituição
Institucionalizada simultaneamente com a Faculdade de Direito do Recife, no momento da aprovação da lei de 11 de agosto de 1827, a Faculdade de Direito de São Paulo tomou sede no Convento de São Francisco, construção do século XVII. Os motivos da escolha de São Paulo foram de ordem geográfica (perto do Porto de Santos, além de poder atender regiões sul e Minas Gerais), econômica (baixo custo de vida na cidade) e pelo clima ser moderado, ao estilo europeu.
A instalação de uma faculdade mudou a rotina da cidade, até então pacata e sem costume de grandes agitações. Casas de pensões abrigavam os estudantes que vinham de fora, alguns as chamavam de repúblicas.
Os profissionais desta escola eram autodidatas, abandonando a preocupação unicamente com a cultura jurídica, realizando produção em jornalismo, política, literatura e outros. Em meio a todo este progresso científico, abrem-se novas cadeiras no curso e produz-se a primeira revista acadêmica oficial.
A Revista da Faculdade de Direito de São Paulo foi criada a partir do decreto número 1159 da reforma de Benjamin Constant, decreto este que estabelecia publicação anual de uma revista acadêmica nas escolas de ensino superior. Por São Paulo, ao contrário de Recife, esta idéia não soou como uma conquista, mas como um fardo a mais, uma tarefa a mais para a Faculdade. Os objetivos da revista eram voltados ao bom andamento interno da instituição, como se fosse um órgão interno a serviço da faculdade, e não como intercâmbio intelectual entre esta e outras instituições, não como bandeira ideológica da escola. Além dela, outras publicações extra-oficiais circulavam pela faculdade; como jornais e revistas dos alunos, artigos em jornais municipais, etc.; o que contribuía para uma ausência de maior prestígio para a revista. Os artigos mais publicados pela revista no período de 1890 a 1930 foram Direito Civil (32 publicações), a própria faculdade (26), Medicina Legal (21), Direito Criminal (20) e Filosofia do Direito (20). Pelo “tom introdutório e teórico” (p.177) dado aos artigos, eles mais pareciam aulas mestras do que artigos propriamente. Outra conclusão a que se chega é que a revista da faculdade de São Paulo tem um caráter muito mais apagado que a do Recife, sem levantar bandeiras como a da antropologia criminal, sem trazer novas discussões polêmicas. Mais que isso ela incita uma auto-referência à cidade de São Paulo e ao curso de Direito. Diziam que o Direito era o que colocava o Brasil no rol dos países civilizados do mundo, e também que mais que uma profissão, o Direito era uma missão social.
Nos artigos de direito criminal, condena-se o determinismo racial da escola italiana apoiada pela faculdade do Recife. O que no Recife eram vanguardismo, em São Paulo era visto com cuidado, achavam ser exagero do cientificismo. Outro ponto interessante dos artigos da revista paulista era o apoio e legitimação dada por ela à nova república do Brasil. A vanguarda de São Paulo está assentada no apoio ao Estado liberal (conceito de liberal naquela época é diferente do conceito atual), um modelo de democracia evolucionista, porém ao mesmo tempo conservador no sentido que unia o conceito de liberdade com o de ordem, defendendo a centralização do Estado. Assim sendo, a Faculdade de Direito de São Paulo é um espelho da supremacia paulista na época da República Velha.
3.2. A Faculdade de Direito de São Paulo na Web
A mais antiga faculdade do Brasil[1], e uma das melhores no que diz respeito ao ensino jurídico, a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, ou ainda a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, também conhecida como “As Arcadas”, foi criada juntamente com a Faculdade de Direito de Olinda (depois tranferida e renomeada para Faculdade de Direito do Recife), pela lei imperial de 11 de agosto de 1827, tendo sido incorporada à Universidade de São Paulo quando de sua fundação em 1934.
Surgida poucos anos após a proclamação da Independência do Brasil, destinava-se a formar governantes e administradores públicos, sendo fundamental para o Império.
Todo ano, no dia 11 de agosto desde 1828, os estudantes de direito de todos os anos saem pelos restaurantes da cidade e almoçam ou jantam de graça, e comemoram o dia da fundação da faculdade, que ficou conhecido como o dia do pindura. Muitos restaurantes do centro da cidade de São Paulo não abrem seus estabelecimentos nesse dia, e assim evitam o prejuízo.
Outros aceitam a brincadeira. Atualmente, com a ploriferação dos cursos de Direito, a prática do pindura está cada vez mais dificultada, ante a grande massa de universitários querendo praticá-lo durante o mês de agosto. Muitas vezes a brincadeira acaba na delegacia.
Alunos famosos
Presidentes do Brasil
Prudente de Morais (1894 – 1898) Campos Sales (1898 – 1902) Rodrigues Alves (1902 – 1906) Afonso Pena (1906 – 1909) Venceslau Brás (1914 – 1918) Rodrigues Alves Delfim Moreira (1918 – 1919) Artur Bernardes (1922 – 1926) Washington Luís (1926 – 1930) Júlio Prestes (eleito em 1930, não tomou posse) Jânio Quadros (1961)
Literatos
Alphonsus de Guimaraens – poeta simbolista , Álvares de Azevedo (faleceu antes de concluir) – poeta ultra-romântico de inspiração byroniana, Antônio de Alcântara Machado – jornalista e escritor modernista da 1ª fase , foi autor de Brás, Bexiga e Barra Funda, Augusto de Campos – poeta concretista, Augusto de Lima – poeta, Presidente da Academia Brasileira de Letras, Bernardo Guimarães – escritor romântico, autor de A Escrava Isaura, Castro Alves – poeta condoreirista, defensor do abolicionismo, Fagundes Varela – poeta ultra-romântico, Guilherme de Almeida – poeta modernista, Haroldo de Campos – poeta concretista, Hilda Hilst – escritora contemporânea, Inglês de Sousa – escritor naturalista, compôs Contos Amazônicos, José de Alencar – maior representante do romance romântico brasileiro, autor de clássicos como O Guarani, Iracema, Senhora etc, José de Mesquita – poeta parnasiano, Lygia Fagundes Telles – escritora contemporânea em atividade, Monteiro Lobato – escritor pré-modernista e criador de obras infanto-juvenis como Sítio do Pica Pau Amarelo, Olavo Bilac (não concluiu) – poeta parnasiano, considerado o “príncipe dos poetas”, Pedro Luís Pereira de Sousa – poeta condoreirista, Raduan Nassar – escritor contemporâneo, autor de Lavoura Arcaica, Raimundo Correia – poeta parnasiano, Raul Pompéia – escritor realista/naturalista, autor de O Ateneu.
4. Comparativo entre as duas primeiras Faculdades de Direito do Brasil
Pouco há de comparativo entre as Faculdades de Direito de São Paulo e Recife, a não ser pela exaltação da própria faculdade e dos jargões jurídicos e evolucionistas de ambas. Enquanto a faculdade de São Paulo exigia apenas o inglês como língua estrangeira requisitada ao ingresso, a de Recife requisitava inglês, alemão e italiano. Na faculdade paulista, exigia-se conhecimento prévio de psicologia e lógica, enquanto na de Recife, exigia-se conhecimentos de antropologia. Na grade de curso vemos maior quantidade de cadeiras de antropologia criminal e direito penal na escola pernambucana e mais de Direito Civil em São Paulo. Enquanto em Recife formaram-se, preferencialmente, doutrinadores e homens da ciência jurídica, em São Paulo formaram-se maiores políticos e burocratas de estado. Do recife vinham as grandes teorias do direito, novos modelos; de São Paulo vinha a prática que conduzia a novas leis e medidas.
Referências:
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças: Cientistas, Instituições e Questão Racial no Brasil, 1870-1930. 1ª. Reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p.141-188
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Faculdade_de_Direito_do_Largo_S%C3%A3o_Francisco>. Acesso em 30 de Maio de 2007. FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE. Disponível em: <http://www.ufpe.br/direito/fd/faculdad.html>. Acesso em 1º. De Junho e 2007. *Graduando de Direito na UFSC