A ENCICLOPÉDIA JURÍDICA LEIB SOIBELMAN informa sobre a expressão Direito:
Conjunto de regras de conduta e de organização, dotadas de força impositiva (coação). Existem dezenas de definições do direito e Kant admitiu que não havia uma definição que satisfizesse a todos. É que a definição exige um estudo prévio para separar o direito das normas de outra natureza que regem a vida humana, tais como as normas morais, e a adesão a uma filosofia que conceitua o jurídico desta ou daquela forma por antecipação ao confronto com a realidade que deverá ser reconhecida como jurídica. A palavra é usada em vários sentidos; ciência do direito, tributo, o conjunto de leis e normas jurídicas, faculdade reconhecida a uma pessoa, justiça, jurisprudência, lei, etc. Para o homem do povo não há distinção entre direito, justiça e lei.
Realmente, Kant admitiu que não havia uma definição que satisfizesse a todos. A liberdade de opinião é sagrada e, assim, cada um tem o direito de pensar como melhor lhe aprouver. Todavia, o conceito exposto na ENCICLOPÉDIA [conjunto de regras de conduta e de organização, dotadas de força impositiva (coação)] me parece excelente.
Podemos considerar nesse conceito dois departamentos diferentes: 1) conjunto de regras de conduta e 2) conjunto de regras de organização.
Quanto às regras de conduta, mesmo que implicitamente, submetem-se ao preceito romano do viver honestamente, não lesar a ninguém e dar a cada um o que é seu. Esse departamento encontra-se umbilicalmente ligado à Ética. Não se concebe a idealização de um Direito sem ética. Seria como pensar-se em Arte sem beleza, em Religião sem Deus etc.
Quanto às regras de organização, variam no tempo e no espaço, geralmente procurando-se formas mais funcionais de organização. Este departamento é secundário em relação ao primeiro. Todavia, através de uma visão distorcida, alguns operadores do Direito entendem que este segundo departamento é o único que interessa desenvolver-se: para eles, o Direito seria comparável à construção de uma catedral, uma rodovia, uma obra de engenharia, onde o ser humano (sob o seu ângulo psicológico, afetivo etc.) representaria menos que a organização material.
A adoção da idéia mecanicista da vida humana representa um sério risco para o Progresso.
O Progresso não se resume à multiplicação de utensílios que melhoram os meios de comunicação e o conforto.
Os aspecto mais importante do Progresso são os que dizem respeito aos elementos imateriais da vida e das pessoas.
A evolução dos seres humanos no seu aspecto imaterial interessa muito mais que a evolução dos utensílios materiais.
Para os pessimistas, que dizem que a humanidade não evolui e até se degrada cada vez mais, podemos considerar, por exemplo: as pessoas deste início de século XXI geralmente não adotam como lazer agradabilíssimo presenciar a mortandade de seres humanos em espetáculos sangrentos como dos circos romanos, como acontecia em séculos passados; não consideram o duelo como forma razoável de solucionar desavenças; não se deleitam assistindo às execuções de penas de morte; entendem que aos criminosos se deve dar oportunidade de regeneração; que os negros devem ser tratados como cidadãos e não ser escravizados, como acontecia no Brasil até 1889; que os deficientes não devem ser mortos ao nascerem com limitações físicas ou mentais; que as mulheres devem usufruir dos mesmos direitos que os homens; etc. etc.
Quanto aos utensílios materiais conseguiríamos viver sem computadores, sem energia elétrica, sem aviões etc.
Em resumo, não vejo o otimismo como sinônimo de ingenuidade e falta de conhecimento das imperfeições da realidade humana; e entendo que o Direito deve ser um meio de aperfeiçoamento dessa realidade, principalmente no que pertine à evolução moral dos cidadãos.
Não devemos procurar no Direito somente o aspecto organizacional, como, infelizmente, muitos ainda fazem…
Em diversas ocasiões já se experimentou o Direito com substratos que de ético só tinham o nome. Por exemplo, na Alemanha nazista, na Itália fascista, na extinta União soviética comunista, e até no Brasil etc., sendo que os resultados são de triste memória…
* Luiz Guilherme Marques, Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora (MG).