1- Durkheim
O filósofo Émile Durkheim nasceu na remota região da Alsácia, mais precisamente em Epinal, descendente de uma linhagem de rabinos, despertou para o mundo da filosofia quando ingressou na Escola Normal Superior de Paris, lá iniciou seus estudos acerca da matéria, antes de partir para a Alemanha.
Ministrou aulas de sociologia na faculdade de Bordéus, na França, a pioneira no país a lecionar essa ciência. Adiante, no ano de 1902, mudou-se para a famigerada Universidade de Sorbonne, levando consigo uma equipe de cientistas renomados, dentre eles seu sobrinho Marcel Mauss, que juntos formaram a notória escola sociológica francesa, que tornou-se referência mundial no assunto.
Não obstante August Comte seja considerado como o pai da Sociologia, foi Durkheim na verdade que se notabilizou como um dos primeiros filósofos teóricos do assunto, conseguindo dissociar a sociologia das demais teorias sociais, criando uma disciplina autônoma, científica por excelência, com metodologia, objeto e relevância própria e não mais abstrata. O conceito Durkheimiano revolucionou e produziu um novo universo intelectual, onde não mais imperaria a Biologia e a Psicologia.
No rol de suas obras mais famosas, com certeza podemos destacar; As regras do Método sociológico, publicada em 1895, como o estopim de uma nova concepção sobre a matéria, tendo em vista a autoridade com que destacou e delimitou o objeto principal desta cátedra; o fato social.
2- Os Fatos Sociais.
A sociologia é definida como a ciência da sociedade ou dos fatos sociais, antes era conhecida como ciência social (Sain-Simon) ou física social (Comte) Ela na verdade estuda os fatos sociais, investigando sua origem e natureza, tal qual, suas relações de identidade e de interdependência.
Fato social lato sensu é o fato político, inerente à estrutura da polis, ou seja, que diz respeito à sua organização. Ele é na realidade o fato histórico, o fato econômico, o fato sociológico e o fato ético, este último abarca tanto o fato moral quanto o fato jurídico – integrantes da fenomenologia jurídica e social.
Já o Fato social no sentido stricto sensu, se refere aos grupamentos sociais, também conhecido como Fato sociológico; é todo o feito que envolve o convívio humano, como o nascimento, a morte, o casamento, a separação, etc. A repercussão destes fatos na esfera social, asseguram seu caráter jurídico, pois refletem direitos e obrigações na sociedade, hipótese em que o fato social se transforma em fato jurídico. A transformação dos fatos também pode ocorrer no que diz respeito à produção de mercado, que distribuída na sociedade gera obrigações contratuais de compra e venda, nesse sentido o Fato econômico se torna fato jurídico, assim como, o fato histórico; uma guerra ou uma revolução bem sucedida, que tenha repercussão na esfera de convivência, produz imediatamente direito e conseqüentemente é absorvido como fato jurídico.
Durkheim assevera que “também são fatos sociais a língua, o sistema monetário, a religião, as leis e uma infinidade de outros fenômenos do mesmo tipo.” [1]
Portanto, é possível inferir que os fatos sociais, econômicos, históricos e éticos, servem de pilar de sustentação, essência axiológica, para a formação do fato jurídico.
Ainda no que tange aos fatos sociais, Durkheim ampliou o seu conceito ao considerá-lo “toda a maneira de agir, fixa ou não, suscetível de exercer sobre o individuo uma coerção exterior, que é geral na extensão de uma sociedade dada, apresentando uma existência própria, independente das manifestações individuais que possa ter” [2]
Os Fatos sociais são o modo de pensar, sentir e agir de um determinado grupamento social, mesmo nas opções mais pessoais do individuo eles podem atuar. O homem como “animal político”, segundo Aristóteles, social por natureza, está hodiernamente sujeito a diversos fatos sociais. Tais fatos são completamente diferentes dos fatos estudados por outras diversas ciências, uma vez que possuem raiz na própria sociedade e não na natureza ou no individuo.
Os fatos sociais possuem três características basilares. De inicio analisaremos a primeira delas, a coerção social. Essa primeira qualidade pode ser compreendida, como a pressão que os fatos exercem diariamente sobre os homens na sociedade, ou seja, o impacto que leva os indivíduos a aceitar certas regras de conduta, independente de seus anseios, vontades e escolhas. É à força da coletividade, da sociedade sobre a vontade individual. Por ser coercitivo, se impõe de maneira unilateral e vertical, como um fenômeno implacável. Essa força se manifesta claramente quando a pessoa aceita determinado idioma, se sujeita a um padrão de comportamento familiar, permite certos costumes, se submete a uma determinada legislação, os sujeitos vêem-se obrigados a seguir o paradigma estabelecido.
Segundo o filósofo “existe um modo de vestir que é comum, que todos seguem. Isso não é estabelecido pelo individuo. Quando ele entrou no grupo, já existia tal norma e quando ele sair, a norma provavelmente permanecerá. Quer a pessoa goste, quer não goste, vê-se obrigada a seguir o costume geral. Se não o seguir, sofrerá uma punição.” [3]
O nível de coerção dos fatos sociais está diretamente ligado a sanção que o individuo sofre quando quebra esse padrão imposto. As penas podem ser dividas em legais ou espontâneas, as sanções legais são aquelas expressas em lei, que definem o tipo de conduta e a penalização pela infração.
Já as espontâneas não estão previstas em lei, elas surgem de forma natural, a sociedade cria de forma instintiva certas regras de conduta, que não constituem um ilícito, mas sim um ato reprovável pelos seus pares. Apesar de não estarem previstas em lei, muitas das vezes essas sanções são mais eficazes do que as sanções legais, porque afloram voluntariamente como reações contrárias aos atos indesejáveis ou não aceitos na comunidade.
A segunda característica do Fato social é a exterioridade, ela se manifesta independente da vontade do indivíduo, ela existe fora da consciência individual, sua adesão é inconsciente. Portanto, as normas, os costumes, as leis, são anteriores ao próprio nascimento da pessoa, estas por sua vez são subjugadas por intermédio da coerção social, que se demonstra de diversas formas, como, por exemplo, a educação.
A educação, segundo o filósofo é um dos principais exemplos para demonstramos o que é um fato social. Seguindo seu raciocínio, o homem não nasce com a cognição ideal para o convívio em sociedade. Nesse sentido, toda a sociedade tem de educar seus membros, obrigando-os a aprender as normas necessárias à estrutura da esfera social. Os ancestrais transmitem seus ensinamentos às novas gerações, perpetuando os costumes e as regras inerentes a determinada sociedade.
A última qualidade dos Fatos sociais assinalada por Durkheim é a generalidade, pois é comum a todos os membros da comunidade, ela se apresenta para praticamente todos, refletindo nos atos coletivos como nos sentimentos, na moral e na comunicação. Essa característica separa o fortuito do essencial e define a natureza sociológica dos fenômenos.
Para o sociólogo, até certos sentimentos considerados próprios do comportamento humano, como o amor pela prole, a piedade, o respeito aos idosos, o ciúme sexual, não são encontrados em todas as comunidades, sendo assim, derivam da organização coletiva, em vez de constituírem a estrutura da sociedade, ou seja, são reflexos e não pilares.
O próprio suicídio, estudado de maneira sistemática por Durkheim, é considerado um exemplo de fato social, isto porque independente de resultar de razões particulares, está presente em todas as sociedades, ou seja, é universal, e embora seja visto como um ato fortuito apresenta também certas regularidades, que oscilam de acordo com as condições históricas, expressando assim sua natureza social.
Em seus estudos, Durkheim, também propôs um método específico para a pesquisa da sociologia, deslocou o problema para um campo estritamente formal, um conjunto de regras especiais para a realização correta da investigação. Como medida primordial, o investigador deve encarar os fatos sociais como se fossem coisas, ou seja, objetos que independem de idéias e vontades individuais. Nesse sentido, a idéia de neutralidade e objetividade é evidenciada, em contrapartida os conceitos e opiniões pessoais são descartados em observância da integridade do método.
Com raro sucesso o sociólogo conseguiu desenvolver uma Teoria da investigação, tornando-se o primeiro estudioso a atingir esse objetivo, embora tenha enfrentado árduas condições e complexos problemas seu êxito é incontestável.
Para adentrarmos nas teorias sociológicas, do ponto de vista jurídico, é necessário que tenhamos compreendido as lições basilares de Émile Durkheim, suas diretrizes e seus métodos são de suma relevância para o entendimento correto dos pensamentos adiante.
3- A Sociologia Jurídica.
A sociologia jurídica é considerada uma ciência nova, no entanto, Georges Gurvitch, sociólogo russo, asseverou que Aristóteles, Thomas Hobbes e Spinoza podiam ser classificados como os primeiros estudiosos e precursores da sociologia do direito. Já o filósofo austríaco, Eugen Ehrlich entende que o Espírito das Leis de Montesquieu foi à primeira tentativa de elaboração de um tratado sobre a matéria.
Como observamos, a sociologia estuda os fatos sociais, sendo o Direito um fato social, resultante do impacto de diferentes fatores sociais, como a religião, a moral e os costumes, podemos inferir que ele também é fonte de estudo desta ciência. A sociedade, o homem e suas relações, quando disciplinadas, constituem elementos do Direito, enquanto fato social.
A sociologia jurídica surge para amparar o Direito, ela é uma especialização da sociologia que o observa como fenômeno social, ou ainda, como fenômeno sociocultural, pesquisando os fatores de seu desenvolvimento, transformação e ocaso, com o intuito de comparar cientificamente suas diferenças e similaridades.
De acordo com o pensamento de Léon Duguit, jurista francês, o Direito se funda num fato, sendo assim, o fato se faz norma, onde o Direito é uma parte específica da sociologia.
Existem três formas principais de normas sociais que surgem da interação pessoal nos grupamentos humanos; as normas econômicas, as normas morais e as normas jurídicas. As duas primeiras normas se transformam em normas jurídicas quando passam a ter impacto nos sentimentos fundamentais de solidariedade e justiça.
Nesse sentido, Gurvitch que elaborou a teoria do direito social, divide o direito em sociologia sistemática do direito ou micro-sociologia do direito, sociologia genética do direito e a sociologia diferencial do direito.
A micro-sociologia do direito possui uma seguinte abordagem; do direito organizado e prefixado, que se desenvolve através de leis estatais, do direito organizado e flexível, que se manifesta pelo poder discricionário, do direito organizado e intuitivo, evidenciado pelas partes sem precisar do procedimento técnico-formal instituído, do direito espontâneo prefixado, que se traduz no direito consuetudinário, do direito espontâneo flexível, que tem base na jurisprudência e do direito espontâneo intuitivo, que ainda não foi reconhecido.
A sociologia diferencial do direito se concentra na tipologia das sociedades totais, sendo elas; das sociedades poli-segmentárias baseadas no misticismo religioso, das sociedades com homogeneidade tendo como base o princípio teocrático-carismático, das sociedades com homogeneidade baseada no predomínio do grupo doméstico-político, das sociedades feudais baseadas no poder da igreja, das sociedades construídas pela predominância do Estado Territorial e consagradas pela a autonomia da vontade individual e das sociedades contemporâneas onde os grupamentos econômicos e o Estado disputam para alcançar um equilíbrio, ou seja, um novo modelo.
Seguindo essa temática podemos concluir que o direito é um processo cultural realizado através de um sistema de normas específico. É muito complicado dizer que o Direito é criação da sociedade, mas podemos afirmar, com toda a certeza, que sem a sociedade não há Direito. Devemos avaliar, ainda, que o homem não é somente um “animal social”, que é igualmente, “um animal moral”, e por essa definição surge o Direito, em razão da comunicação do fenômeno moral com o fenômeno social. A partir do momento em que o homem passa a conviver com seu semelhante, nascem regras de Direito, de convívio social e de consciência moral.
O sociologismo jurídico é a corrente de pensamento filosófico que explica o direito sob a ótica de uma realidade social, aplicando o método sociológico e os resultados da sociologia ao Direito. Observa o direito não como norma ou lei, mas sim como fato social.
Portanto, define o direito como fenômeno social, negando sua vinculação ao Estado, afirmando sua origem nos fatores sociais, que de forma natural e espontânea se manifestam no costume, para em seguida adquirirem formas estruturadas por intermédio de leis e códigos. Admite todas as formas e fontes do direito, considerando todas iguais, consagrando assim o pluralismo jurídico.
* Rafael Gondim D`Halvor Sollberg, Advogado, especialista em Direito do Consumidor, pós-graduado pela Universidade Candido Mendes, com escritorio na Av. Rio Branco, 277, 1803, Centro RJ.
[1] (Durkheim, As regras do método sociológico, 1895)
[2] (Durkheim, As regras do método sociológico , 1895)
[3] (Durkheim, As regras do método sociológico, 1895)