Resumo: A lógica do razoável paulatinamente vem predominando no Judiciário contemporâneo, notadamente o brasileiro, aproximando-nos do ideal de Justiça e a concretização e respeito à dignidade humana.
Palavras-Chave: Direito Positivo. Lógica do Razoável. Lógica Racional. Interpretação. Hermenêutica. Jurisprudência. Justiça.
Analisar a lógica defendida pelo filósofo Luís Pedro Alejandro Recaséns Siches e sua utilização no Judiciário contemporâneo nos leva a entender o atual contexto histórico e suas principais consequências práticas. Cumpre destacar a sua inicial insatisfação com a lógica clássica que avançou na Europa, particularmente, após a segunda grande guerra mundial, quando Siches desenvolve nova lógica o que englobou a razoabilidade em sua aplicação.
Sua busca era pela integração do valor histórico à existência humana como pressuposto de uma Teoria dos Valores[1] que atuou em frontal oposição ao que proclamava o positivismo jurídico[2] no qual foi formado e, que predominava ao seu tempo, Siches recusou o entendimento e a postura tomada pelo dedutivismo, postura essa segundo a qual os casos concretos problemáticos devem ser julgados de acordo com o suposto grau de adequação às normas substantivas preestabelecidas. Afinal, a lógica tradicional restava ultrapassada.
Em resumo, a lógica do razoável representa uma reação à lógica jurídica meramente formal[3], desassociada dos valores e bem restrita à matemática com o uso de premissa maior, premissa menor e conclusão. Assim, em sentido diametralmente oposto a tal tradição, a proposta de Siches busca justamente moldar a aplicação do Direito conforme a particular realidade em que o caso concreto está inserido, com o fito principal de concretizar e realizar o valor “justiça”.
Afim de facilitar o entendimento da teoria da lógica do razoável, analisaremos, desde as origens do filósofo, seu contexto histórico em que se inseriu e, finalmente, suas especificidades.
Luis Recaséns Siches era filho de espanhóis, tendo nascido na Guatemala em 1903. Dois anos mais tarde, retornou à Espanha com sua família, onde permaneceu por duas décadas. E, foi lá onde estudou Filosofia e Direito, na Universidade de Barcelona. Já em 1925 realizou seu doutorado em Direito pela Universidade de Madri, quando decidiu cursar disciplinas de Filosofia na Universidade de Roma, onde travou o primeiro contato com uma de suas três maiores influências para o desenvolvimento de sua teoria, Giorgio Del Vecchio. E, nos anos seguintes estudou na Alemanha e Áustria.
Nesses países teve contato próximo com Hans Kelsen, que lecionava à época, na Universidade de Viena. Siches discordava frontalmente de seu mestre, o que o motivou a aprofundar seus estudos com base em outra corrente, que começa ganhar espaço na Europa de meados do século XX, pautada na razão vital, liderada por José Ortega y Gasset[4]. Assim, retornou à Espanha em meados da década de 1930, onde ficou até ser exilado em face de sua discordância com a Guerra Civil local.
Mudou-se para França e, posteriormente, regressou ao México. Ao final da década de 1940, foi para os EUA onde se engajou ainda mais na Filosofia do Direito e nas áreas de Sociologia e Psicologia Jurídicas. E, foi lá que se envolveu com a ela oração da Declaração Universal dos Direitos Humanos, tornando-se perito em Filosofia do Direito. Em 1955 naturalizou-se mexicano e, já como professor da Universidade Nacional Autônoma do México veio a publica sua obra intitulada “Tratado Geral da Filosofia do Direito”, no qual elaborou a lógica do razoável. Permaneceu engajado na Academia, residindo no México até o fim de sua vida em 1977.
Para a melhor compreensão sobre a lógica do razoável, precisamos entendê-la como crítica ao modelo subsuntivo cujos expoentes de tal modelo foram Carlos Alchourrón e Eugenio Bulygin. Já na década de 1970, propuseram que o problema da decidibilidade, no direito, deveria ser solucionado sempre por escolhas anteriores, imparciais e, que as propriedades relevantes já seriam identificadas e universalizáveis desde logo.
Como a grande maioria de todas as teorias, essa mereceu pesadas críticas, que podemos sintetizar basicamente em três grandes grupos, a saber: vagueza dos termos, incoerência e complexidade. Por vagueza dos termos, entende-se por uma zona de penumbra, em face da indeterminação da linguagem natural.
E, relembrando a obra de Hobbes, particularmente do seu De Cive, temos posta a questão de que a lei deve ser escrita na justa medida; nem muito curta (porque teria uma carga semântica muito grande), nem muito longa (porque poderia gerar ambiguidades), a fim de propiciar a melhor interpretação.
Apesar de todas essas regras de prudência, ainda nos deparamos com a dúvida. É o caso, por exemplo, do termo boa-fé… Afinal, em que consiste a famosa boa-fé? Quais são os critérios para aferição de boa-fé? Outra expressão seria a dignidade da pessoa humana. Em que consiste? Em quais casos pode ser identificada?
Incoerência corresponde a uma crítica que entende que a lei pode ser justificada por um parâmetro, mas não justificada por outro. Afinal, o objetivo e o fundamento desse modelo, qual seja, identificar propriedades relevantes que que devem ser universalizadas a fim de abranger todos os casos futuros que tenham as propriedades determinadas na lei. Desta forma, busca-se generalizações, universalizações.
Entretanto, e, ainda, à guisa de incoerência, é possível observar que tais generalizações podem ser sub inclusivas ou sobre inclusivas, ou seja, o legislador pode incluir propriedades a mais para as quais ele não estaria disposto a dar a mesma solução ou, ainda, o legislador pode excluir propriedades para as quais ele estaria disposto a dar uma solução normativa proposta.
O clássico exemplo que ilustra bem essa questão é o caso já aludido da placa que diz: “É proibida a entrada de cães”. A partir dessa regra, pergunta-se: é permitida a entrada de ursos? (subinclusiva). Ou: é proibida a entrada de cães-guias? (sobreinclusiva).
Notem que, nesse caso, se o urso não puder entrar ou se o cão entrar, haverá um problema de objetividade e as generalizações começam a perder força; inicia-se um esfacelamento do modelo. Surge a complexidade: tal modelo deve levar em consideração a complexidade da inserção de mais de uma regra; o modelo subsuntivo deve levar em conta todo o ordenamento.
Isso posto, verifica-se que as normas jurídicas apresentam soluções para os casos concretos claros; entretanto, nos casos dos problemas apresentados acima (vagueza terminológica, incoerência e complexidade), qual caminho o positivismo jurídico deve seguir? A resposta é a discricionariedade, ou seja, os órgãos designados para emitir normas individuais para os casos concretos terão o poder para escolher o que é relevante e qual a decisão adequada, o que nos parece bastante problemático. Todavia, o vigia da estação de trens lhe impediu o acesso. E o campesino protestou alegando que o dispositivo proibia apenas o passeio com cachorros, não se aplicando a outros animais. O caso foi levado ao tribunal. E a única solução justa seria a aplicação — intuitiva — da lógica do razoável.
A discricionariedade que admite o positivismo jurídico como possibilidade da resolução de problemas apresenta a implicação de uma escolha subjetiva daquele que tem o poder de decidir, ou seja, como afirma o famoso positivista inglês H. L. A. Hart, no momento em que surge a indeterminação, brota novamente o problema da justiça, com uma carga subjetiva, que cria uma abertura ao ceticismo.
É nesse contexto que Hart legitima a decisão da autoridade sem questionar se é justa, mas sim, compreendendo se é válida e aceita no sistema, em decorrência de regras de competência e adequação entre as normas. Por exemplo: caso uma decisão falível (decide contra a determinação da lei) seja definitiva, não há nada a fazer, uma vez que foi a autoridade quem decidiu desse modo.
O subjetivismo abre a possibilidade de críticas ainda maiores, tais como a da Critical Legal Studies, no sentido de que não há diferença, nos casos discricionários, entre o legislador e o juiz, haja vista que o magistrado legisla antes de ditar a norma individual.
Em suma, na obra de Siches, o dedutivismo é refutado já que ele apenas possui uma adequação, segundo um esquema de subsunção, entre aquilo que é praticado pelo homem e aquilo que a norma impõe como um resultado para aquela prática, sem considerar, de qualquer forma, a razoabilidade incutida nessa adequação simplista e minimalista da própria vida social do homem.
Siches vivenciou basicamente três grandes eventos do século XX que muito contribuíram para a formação de seu pensamento filosófico, a saber: a Revolução Russa; a Primeira Guerra Mundial e, a Segunda Guerra Mundial.
Deparou-se com atrocidades sem parâmetros anteriores, onde a ideia de Direito até então posta, como sistema fechado de normas, limitando o julgador ao mero silogismo quando da aplicação da lei, mostrou-se francamente insuficiente.
Por outro viés, tornou-se, também inexorável a relevância de existir e observar o ordenamento jurídico, especialmente para reger e disciplinar as relações sociais e ainda garantir efetivo cumprimento da lei pelos julgadores.
Deparou-se com conflito entre duas realidades que deveriam ser observadas, mas que, eram aparentemente opostas. Por um lado, tem-se a integral obediência às leis e, por outro lado, a busca da concretização do valor de justiça.
Igualmente, Dirceu Galdino ressalta a contribuição de Recaséns-Siches na lógica do razoável, explicando em miúdos a importância da teoria: “A lógica do razoável quebra a lógica formal (tradicional), porque reconhece que a norma jurídica é um produto da vida humana, e, especificamente, é vida humana objetivada. Em sua estrutura, a norma, imposta pelo Estado, incorpora um tipo de ação humana, que se torna uma conduta para ação, um critério ou um plano.
Contudo, esses elementos não podem ser captados inteiramente pela lógica formal, insensível às suas características específicas. Para captar-lhes a essência, tornam-se imprescindíveis métodos adequados que se afeiçoem à natureza do objeto – a vida humana – e que também decorram da razão. Frente à vida humana há que ser adotada uma atitude finalística, valorativa. Daí não se captar a norma jurídica, em sua essencialidade, senão com métodos tomados da lógica, mas de uma lógica especial, a lógica do razoável.
A referida lógica tem por pressuposto experiências humanas, realidades e juízos de valor. Alicerçando-se nesses elementos, aprecia-se e revive-se uma norma jurídica, em cada caso; de maneira que a solução por ela apresentada para um caso determinado não terá a generalidade que a lógica tradicional apregoa, porém estará impregnada de particularidade valorativa, de especificidade.
Enfim, para Siches, o procedimento de interpretação do comando legal é instrumento de concretização da justiça. Corresponde à fixação do sentido da norma, delimitando seu espaço e suas possibilidades de aplicação.
Del Vecchio[5] foi essencialmente inspirado do Immanuel Kant e concebeu o movimento chamado de neokantismo e, trouxe para o Direito as concepções tais como a moral, justiça, pessoa humana, ampliando a lógica formal e positivista até então vigente e adotada.
Hans Kelsen[6], a seu turno, pregava a eliminação do Direito de qualquer referência aos valores externos e até mesmo à ideia de justiça. E, seu viés era no sentido de haver um sistema de normas fechado que não sofria interferência por questões exteriores. A sua validade, portanto, depende apenas e tão somente daquilo que por Kelsen fora denominado de “norma fundamental” que é a base de legitimação de todo ordenamento jurídico.
Ao final, Ortega y Gasset desenvolveu sua filosofia partindo da premissa que o Direito é sistema dinâmico e, portanto, as condições físicas, sociais, mentais e psicológicas envolvidas em cada fato concreto submetido ao julgador devem mesmo ser consideradas. Denominou sua teoria de “razão vital”. O filósofo Siches, diante de teorias tão diferentes e distantes, se dedicou a estudar tais fenômenos e compatibilizá-los, com o objetivo de suscitar, ao final de sua pesquisa, a maior efetividade do Direito, pautada na concretização do valor de Justiça. Para Siches, essa era a primordial proposta do Direito, há muito esquecida.
Sua intenção de unificar as demais teorias jurídicas fundava-se, em resumo, em sua crença de tanto a Filosofia do Direito, quanto a Ciência Jurídica como um todo, não teria as condições, por si só, de eleger apenas um método, ou algumas prioridades, dentro as várias hipóteses de interpretação de normas.
Desta forma, de acordo com seu raciocínio, a lógica formal não esgotaria a razão, na medida em que existem outros setores que pertencem à lógica jurídica, mas que fogem da racionalidade, como a lógica dos problemas humanos de conduta prática.
Para Siches, a lógica tradicional[7] se revelava incapaz de solucionar aprioristicamente os problemas jurídicos, conduzindo-os, muitas vezes, aos resultados absurdos, ou ainda, aos atos arbitrários.
Isso porque, entendia que o Direito positivo era produto de circunstâncias de determinada sociedade, em certa época com o objetivo de, naquela determinada sociedade, em determinada época, com o objetivo de, naquele momento específico, produzir determinados efeitos.
Portanto, seu surgimento, é uma resposta aos estímulos ocasionados pelos fatos, ao passo que sua validade depende do contexto e do objetivo para o qual tais normas foram produzidas.
A ideia central que jaz na lógica do razoável refere-se à noção de que a prática jurídica caminha paralelamente aos costumes e instituições sociais e culturais. Consequentemente, faz-se necessária a compreensão de sentidos e nexos dos problemas humanos, o que realizado através de valorações sobre o fato concreto que se põe diante do julgador Siches, ao elaborar sua tese, escancara o fato de que o julgador é antes de tudo, um ser humano, sendo impossível que se desvincule integralmente de suas opiniões pessoais, princípios e valores que carrega consigo. O que não significa, torná-lo parcial, comprometido ou dependente.
No mesmo sentido, Siches expõe que também o legislador é um indivíduo, dotado de seus limites e obstáculos, não podendo, portanto, fugir da elaboração das leis abstrata as e genéricas. Assim, por mais que tente, é impraticável que faça uma norma exata nas palavras e que limite integralmente a interpretação do julgador.
Deste modo, Siches entende que o legislador se propõe a realizar, da melhor forma que possível, quando da formulação das leis, a realização da justiça e dos valores desta decorrentes, naquela sociedade específica. Por essa razão, a decisão do julgador é método de complementação das normas, a partir de sua individualização ao caso concreto, de forma a ser fiel à vontade autêntica do legislador, qual seja, a efetivação da justiça. Segundo Siches, se dá por meio do uso da equidade.
A equidade[8] trazida pelo filósofo fora desenvolvida na teoria de Aristóteles, sendo precursora da justiça social e, consequentemente, da própria lógica do razoável. É através dela que se pode avaliar se os resultados práticos da aplicação do Direito, são, realmente, justos.
Admite-se que o legislador quando formulou certa prescrição normativa[9], baseia-se em situações habituais, sem esmiuçar as particularidades que possam vir a ocorrer. Quando o julgador se deparar com um caso específico, deve utilizar o conceito da lógica do razoável, para determinar a incidência da norma jurídica aplicável, que, de fato, concretize a justiça.
Para tanto, devem ser obedecidas três diretrizes, a saber: 1. tratamento igualitário àquilo que esteja nas mesmas condições e desigual ao que tiver parâmetros diferentes; 2. todas as circunstâncias do caso concreto; 3. seja qual for a situação apresentada, a opção pela solução que melhor atender o princípio da justiça,
Lembremos que a equidade está inserida na lógica do razoável, na medida em que esta é a autorização para que sejam apreciados fatos e elementos não elegidos inicialmente pelo legislador, de modo a possibilitar a incidência de uma regra individual para a situação fática posta diante do julgador.
De fato, Siches coloca que a decisão do julgador é fruto de uma estimativa, pois, não há separação da impressão pessoal do julgador sobre os fatos, das dimensões jurídicas a estes aplicadas. É nessa conjunção que traz a noção de que o julgador sempre se utiliza de sua intuição, a qual engloba os aspectos: fato e Direito.
Para Siches o raciocínio do juiz segue, em regra, o modelo: primeiro encontra a solução pertinente e justa, para depois, buscar a norma que pode embasar a solução e qualificar adequadamente o os fatos pertinentes.
Portanto, Siches, admite que é a partir daquela intuição inicial que o julgador buscará o fundamento da sua decisão. No entanto, essa busca, não deverá ser pautada nas pseudo motivações lógico-dedutivas, utilizadas, até então, mas naquilo é razoável dentro do ordenamento jurídico, especialmente considerando todos os aspectos fáticos do caso concreto em questão.
A função do julgador, nesse sentido, permanece dentro do escopo do Direito formalmente válido. É justamente daí que decorre a premissa do filósofo mexicano de que a única regra universal de validade das normas seria a de que o julgador deve sempre interpretar o ordenamento considerando a solução mais justa ao caso concreto.
Tudo isso porque Siches considerou que, em uma sociedade, para que se chegar a qualquer conclusão sobre fato controverso, há um embate prévio no qual os indivíduos deliberam sobre a situação em questão, com base em critérios, ainda que tacitamente, pré-estabelecidos, ponderando sobre diversos aspectos, até se chegar à solução considerada razoável. Essa solução, embora possa não ser todas as vezes pautadas no racional, é pautada no viés humano da situação.
E, muito embora toda a valoração proposta possa até sugerir que o julgador esteja se afastando de sua função, isto é, da aplicação da lei e da regulamentação de fatos jurídicos a este submetidos, na realidade, o que ocorre é precisamente o contrário. Ao agir pautado pela lógica do razoável, o julgador objetiva atender, da melhor forma que possível, às exigências da justiça e dos jurisdicionados.
O que se vê, portanto, é que o ordenamento jurídico positivo, circunscrito apenas e tão somente ao que nele está formulado, não está apto a atender às necessidades da sociedade. E, por conseguinte, exige-se a utilização de princípios e critérios axiológicos, mesmo que não expressos no próprio ordenamento jurídico, a fim de que o objetivo final do texto legal, seja, realmente, alcançado.
Desta forma, os fatos idênticos poderão ter valorações diversas, a depender dos valores elegidos pelo julgador para julgar cada uma das situações fáticas concretas. Um exemplo por ele mesmo suscitado é a ocupação de um cômodo de uma residência, que, de acordo com os demais elementos envolvidos, pode caracterizar um mero convite, um contrato de arrendamento, ou aluguel, ou ainda, uma ocupação precária. O fato, em cada uma das hipóteses será o mesmo, no entanto, o que o qualificará juridicamente serão os demais elementos circunstanciais.
Nessa mesma linha, no entanto, surge a principal contradição no pensamento de Siches. Se, por um lado, vemos o ressurgimento da busca pelo ideal de justiça, por outro lado, aumenta, a preocupação com a possibilidade do afastamento de parâmetros legais e da segurança jurídica, já que a lógica do razoável de parâmetros legais e da segurança jurídica, já que a lógica do razoável poderia propiciar o subjetivismo nas decisões judiciais e, em última análise, acarretar a arbitrariedade do julgador.
O próprio autor rebate essa aparente incoerência, ao afirmar que, se estão em jogo os direitos fundamentais, tais como a liberdade e justiça social, a segurança jurídica, deve, sim, ser relativizada. Contudo, se o conflito versa sobre normas de hierarquia inferior, a segurança jurídica deve se sobrepor à correção da injustiça, em prol do bom funcionamento da ordem social. Novamente, percebe-se a necessidade da análise de caso a caso, para determinar o que prevalecerá.
No mais, Siches admite que os limites para a interpretação do julgador devem ser pautados no ordenamento. Em outras palavras, qualquer decisão que venha a ser proferida com base na lógica do razoável deve, sobretudo, ter em vista a finalidade do ordenamento no qual esteja inserida. Seus limites, portanto, estão em consonância com a segurança jurídica e afastam-na do arbítrio daquele que a proferir.
Diante de tais considerações, Siches, propõe, então para se determinar se uma norma é ou não adequada para o caso concreto, que o julgador realize, antes de proferir sua decisão, um teste mental. E, nesse sentido, ao se deparar com certa situação, o julgador tendo encontrado a solução que lhe parece justa, deve proceder à busca da norma apropriada para fundamentar sua decisão. É aí que será necessário o teste mental em questão, para que se avalie a norma escolhido que conduzirá ao resultado pretendido.
Por essa razão, Siches formulou a análise de quatro situações hipotéticas e como o julgador deverá procederá diante de cada uma. A primeira situação se refere à aparência de que há uma norma vigente e válida, aplicável ao caso concreto, e que resulte na solução pretendida pelo julgador. Assim, nessa situação aparentemente ideal, o julgador realizará algum juízo de valor, seja ao eleger a norma, ao determinar e apreciar as provas, ao qualificar fatos e, etc…
A segunda situação, por sua vez, seria o caso de existir mais de uma norma da mesma hierarquia aplicável e de dúvida do julgador em qual escolher. Nesse caso, deve-se ensaiar mentalmente o resultado que o caso concreto teria ao escolher à solução que lhe parece mais justa.
Já o terceiro caso concreto corresponde à obtenção, pela norma aplicável, de solução contrária àquela inicialmente desejada pelo julgador. Em outras palavras, após determinar qual seria o resultado adequado ao caso concreto e encontrar a norma aparentemente aplicável o julgador, quando da realização do teste mental, conclui que a regra em questão resultado no contrário do quanto desejado.
Siches entende que surge uma lacuna no ordenamento, o que é, justamente a quarta e última de suas hipóteses. Em caso de lacuna, isto é, de inexistência de norma aplicável que conduza ao resultado almejado pelo julgador, e este deve procurar uma nova pauta axiológica, até então não usada. Buscam-se, então, critérios valorativos já consagrados, como princípios, equidade, usos e costumes ou até mesmo Direito natural.
Concluiu o filósofo mexicano que qualquer que seja a hipótese, independentemente da problemática exposta ao julgador, este, inexoravelmente, recorrerá a alguma valoração pessoal, cuja fundamentação, para ser considerada válida pelo ordenamento, deverá ser razoável.
A lógica do razoável, portanto, está condicionada pela realidade concreta do mundo no qual está inserida. E, é assim que se orienta pelas circunstâncias sociais, econômicas, culturais e políticas, sem se afastar do ordenamento jurídico vigente. Ao intérprete, isto é, ao julgador, cabe trazer para o caso concreto a essência da norma, de forma que sua aplicação seja efetivamente justa e razoável.
É esse o ponto crucial de sua diferenciação da lógica formal, já que essa, na maioria das vezes, acaba por levar a conclusão que viola os elementos prestigiados pelo Direito, especialmente no que diz respeito à natureza humana. Diante de tais ponderações, Siches, propõe três exemplos práticos, para a aplicação da lógica do razoável.
Em um parque, onde há uma regra proibindo que se passeiem com cachorros. Certo de que está cumprindo a norma, um indivíduo leva um urso para o parque. Há infração? O que aparenta ser mais adequado: permitir a permanência do urso, muito embora não exista regra expressa proibindo sua circulação, ou interpretar a norma para que ela abarque também essa hipótese, que é uma afronta muito maior à segurança dos demais, do que apenas passear com um cachorro? E quanto ao cego, com seu cão-guia, essa proibição, seria aplicável?
Em uma estação de trem, há uma regra proibindo que lá se durma. No momento em que o fiscal faz sua ronda, há um passageiro que cochilou, a espera de seu trem, e um mendigo que se acomodou, com seus pertences, claramente para passar a noite. O que seria razoável: pedir para o passageiro, que está dormindo no momento da ronda, se retirar, ou retirar o mendigo, que demonstra, pelas circunstâncias, a intenção de passar anoite na estação, apesar de estar acordado quando da fiscalização?
Finalmente, certa família, encontrando-se à beira da falência, após o coma de seu patriarca, nomeia a secretária das empresas da família, como administradora de todos os bens. Após um levantamento inicial, a secretária percebe que vendendo apenas determinadas ações, que correspondem a 20% do total do patrimônio, a família seria salva da insolvência. A família autoriza a venda e tudo corre dentro do esperado.
Alguns meses depois, o patriarca, em coma durante todo esse tempo, veio a falecer. Quando da abertura de seu testamento, vê-se que aquelas ações, vendidas para salvar a família da falência, foram deixadas de herança justamente à secretária. Diante desse impasse, a secretária requer à família que dê a ela o equivalente em dinheiro, já que sua ajuda foi de grande valia. A família se recusa a assim proceder e alega que infelizmente não poderia fazer nada. Sendo submetida essa questão ao Judiciário, qual sentido mais razoável a ser considerado para a decisão do julgador?
O que se deve ter em mira ao analisar cada uma das situações hipotéticas acima, de acordo com Siches, é, em primeiro momento, a razoabilidade. Mas, não só isso, para o filósofo, é inevitável que se tragam conceitos pessoais, quando da decisão, conceitos estes que envolvem valores como justiça, direito, moral, costumes, equidade e, etc.
Da Jurisprudência brasileira atual
A despeito de sua teoria ter sido formulada e desenvolvida em meados do século XX, é inegável que continua sendo adotada até os dias de hoje. Não só no Brasil, como em diversos países, adota-se a razoabilidade como premissa das decisões proferidas, seja tácita ou expressamente apud Barletta.
Nesse sentido, vide, por exemplo, algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. FUNGIBILIDADERECURSAL. AGRAVO REGIMENTAL. POSSIBILIDADE. IMPUGNAÇÃO AOCUMPRIMENTO DE SENTENÇA. CADERNETA DE POUPANÇA.CORREÇÃO DE DEPÓSITOS. PERÍODO DE INCIDÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. ALEGAÇÃO GENÉRICA DEVIOLAÇÃO DE LEI. SÚMULA N. 284/STJ. COISA JULGADA.INTERPRETAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE OFENSA. 1. Não há ofensa ao art.535 do CPC quando o acórdão recorrido, integrado por julgado.
Proferido em embargos de declaração, dirime, de forma expressa, congruente e motivada, as questões suscitadas nas razões recursais.2. Incide o óbice previsto na Súmula n. 284/STF na hipótese em que a deficiência da fundamentação do recurso não permite a exata compreensão da controvérsia. 3. A interpretação lógica e razoável do julgador acerca do comando jurisdicional expedido no processo de conhecimento não constitui ofensa à coisa julgada. 4. Embargos de declaração acolhidos como agravo regimental, ao qual se provê para, conhecendo-se do agravo, conhecer parcialmente do recurso especial e negar-lhe provimento.
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO. COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO. 1. Recurso especial tirado de acórdão que, na origem, fixou a competência do Juízo Civil para apreciação de ação de reconhecimento e dissolução de união estável homoafetiva, em detrimento da competência da Vara de Família existente. 2. A plena equiparação das uniões estáveis homoafetivas, às uniões estáveis heteroafetivas trouxe, como corolário, a extensão automática àquelas, das prerrogativas já outorgadas aos companheiros dentro de uma união estável tradicional. 3. Apesar da organização judiciária de cada Estado ser afeta ao Judiciário local, a outorga de competências privativas a determinadas Varas, impõe a submissão dessas varas às respectivas vinculações legais construídas em nível federal, sob pena de ofensa à lógica do razoável e, in casu, também agressão ao princípio da igualdade. 4.Se a prerrogativa de vara privativa é outorgada ao extratoheterossexual da população brasileira, para a solução de determinadas lides, também o será à fração homossexual, assexual ou transexual, e todos os demais grupos representativos de minorias de qualquer natureza que tenham similar demanda. 5. Havendo vara privativa para julgamento de processos de família, esta é competente para apreciar e julgar pedido de reconhecimento e dissolução de união estável homoafetiva, independentemente das limitações inseridas no Código de Organização e Divisão Judiciária local 6. Recurso especial provido.
Outro exemplo, sem, contudo, trazer expressamente em sua fundamentação a menção à lógica do razoável, foi a permissão, pelo Supremo Tribunal Federal, da união estável homoafetiva, embasada no valor sócio-político-cultural do pluralismo, como o texto da própria ementa da decisão traz:
2.. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DOSEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMOCOMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPORDA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOSFUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DEVONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA.
Como se constata, nesse caso, para se fazer a justiça que a sociedade clamava, o próprio STF, para fundamentar sua decisão, se utilizou de valores presentes na sociedade e arguidos pelos indivíduos afetados pela desregulamentação da união homoafetiva. Além disso, pautou-se em princípios gerais do ordenamento jurídico brasileiro, como a liberdade de escolha, a igualdade, a intimidade e a vida privada e a preservação da dignidade humana.
O caso da desaposentação segundo Siches em face da Resolução 75 do Conselho Nacional de Justiça. Para Hans Kelsen, o autor da famosa “Teoria pura do direito”, a aplicação do direito é marcada pela indeterminação das normas. O julgador dispõe de uma margem, ora maior ora menor, para sua livre apreciação.
Tanto é assim que, no famoso capítulo oitavo de sua obra, a questão de saber qual é, dentre as possibilidades que se apresentam nos quadros do direito a aplicar, a correta não é sequer – segundo o próprio pressuposto de que se parte — uma questão de conhecimento dirigido ao direito positivo, não é um problema de teoria do direito, mas um problema de política do direito.
Saliente-se, oportunamente, que Kelsen criticou as teses que se inspiraram na doutrina de Montesquieu e defendeu a atividade interpretativa do juiz como um ato complexo em que se conjugam conhecimento e vontade, criação e aplicação da lei, isto é, pensou a norma como um marco aberto de possibilidades: o juiz conhece a multiplicidade de opções que ela lhe oferece para, então, dar conteúdo à sua sentença e cria uma solução ad hoc, na medida em que escolhe uma de tais opções.
De outro lado, Luis Recaséns Siches entendeu que, no reino da vida humana, não se pode aplicar a lógica do racional (matemática), mas outra bem diversa: a lógica do razoável. Esta não seria mais um método de interpretação a ser somado aos demais. Para o jusfilósofo, a lógica do razoável seria o único método de interpretação jurídica, eis que superaria uma multiplicidade de procedimentos hermenêuticos equivocados e confusos.
Em verdade, a lógica do razoável seria a única capaz de levar em conta critérios valorativos – axiológicos e que, portanto, se mostraria válida quando se deve compreender e interpretar, de maneira justa, o conteúdo dos dispositivos jurídicos. A fim de ilustrar sua teoria, Recaséns Siches invoca a disputa judicial entre Ida White e os herdeiros de Wesley Moore[10].
A lógica do razoável, portanto, continua permeando as decisões contemporâneas, sendo base de diversos raciocínios jurídicos, exatamente por permitir ao julgador realizar o valor da justiça, sem esquecer-se do ordenamento jurídico vigente.
Siches, por meio da lógica do razoável, propôs uma dinâmica contrária àquela então predominante, da utilização da lógica-matemática para a aplicação das normas jurídicas. No entanto, não excluiu essa lógica formal, mas a empregou para desenvolver o enquadramento da razoabilidade, tanto pelo legislador, quanto pelo julgador, na ocasião da interpretação da norma.
Sua contribuição para a Ciência do Direito foi justamente aproximá-la mais da Filosofia Jurídica, na medida em que trouxe os valores inerentes ao ser humano, especialmente aqueles relacionados à justiça, para serem aplicados pelo julgador. A necessidade de respeito ao Direito posto em conjunto a uma maior eficiência na sua aplicação exigia essa junção não apenas no plano teórico, mas também no plano prático.
Observa-se, nesse sentido, que Siches[11] partiu da premissa de que o Direito é um sistema dinâmico e que, portanto, está em constante contato com aspectos sociológicos, econômicos, psicológicos, dentre outros, da sociedade na qual se insere, para, então, concluir que a prudência e a razoabilidade devem pautar as decisões do julgador, de forma a possibilitar o alcance da justiça.
É exatamente diante desse contexto que a finalidade da norma, considerando a realidade concreta do caso e todas as suas demais peculiaridades, será, de fato, obtida. Ao julgador, será facultada a realização da justiça almejada pelo legislador quando da elaboração da regra em questão, já que, a este, não cabe abarcar todas as minúcias das situações fáticas.
Com fundamento no pensamento de Miguel Reale, em sua Teoria Tridimensional do Direito que somente se aperfeiçoa quando, de forma exata, entende-se a interdependência e correlação necessária de fato, valor e norma que compõem o fenômeno do Direito como uma estrutura social necessariamente axiológico-normativa.
E, tal aperfeiçoamento denomina-se de Teoria Tridimensional Específica[12]. E, nesse sentido, Reale comenta sobre a posição de Recaséns-Siches, em sua obra Tratado General de Filosofia Del Derecho onde resta evidente que quando se observa a lógica do razoável, que existe uma integração de fato, valor e norma, de forma que a tridimensionalidade é um aspecto mais do que característico, mas necessário, ainda mais considerando a metodologia hermenêutica que a aplica, da experiência do Direito.
A eficácia do Direito, que se observa da lei à sentença de mérito ou até ao acórdão, dotado da qualidade de coisa julgada, é, conforme ensina Miguel Reale[13] e, consequentemente, Recaséns Siches, um problema de correspondência com a própria vida, pois dará rumos a ela e importa que esses rumos sejam prudentes.
Sobre a prudência que deve observar uma decisão jurisdicional, desde sua construção interpretativa à normatização, afirmou-se, com base em Santo Tomás de Aquino[14], que ser prudente significa ver ao longe; pois o prudente é perspicaz e prevê os acontecimentos futuros.
Em verdade, a lógica do razoável propicia a aplicação de normas jurídicas de acordo com os princípios de razoabilidade, isto é, elegendo a solução mais razoável para o problema jurídico concreto, dentro de circunstâncias sociais, econômicas, culturais e políticas que envolvem a questão, sem se afastar de parâmetros legais.
Trata-se de método de interpretação das leis um dos mais modernos e atuais, e tem repercussão em todos os sistemas jurídicos do mundo, inclusive no brasileiro.
Siches, segundo seu pensamento, ao legislador cabe emitir mandamentos, proibições, permissões, mas não lhe compete o pronunciamento sobre matéria estranha à legislação e referente apenas à função jurisdicional. Quando o legislador ordena um método de interpretação, quando invade o campo hermenêutico, esses ensaios científicos colocam-se no mesmo plano das opiniões de qualquer teórico e não têm força de mando. No intuito de concluir, Siches salientou que a lógica do razoável está sempre impregnada por valorações, ou seja, critérios.
Afinal, conforme Ruy Rosado de Aguiar aduziu in litteris:
“O Juiz não só aplica a lei, pois nenhuma é completa, só a sentença o é. Julgando, o Juiz tem função criadora, vez que reconstrói o fato, pondera as circunstâncias às quais atribui relevo, escolhe a norma a aplicar e lhe estabelece a extensão. Durante esse trabalho, necessariamente faz valorações, que não são as suas valorações pessoais, mas as do ordenamento jurídico. Sendo um criador, o juiz, no entanto, está submetido à ordem jurídica, recomendando-se- lhe a renúncia no caso de desconformidade irreconciliável entre a sua consciência e a lei”.
De forma que se torna necessário recorrer aos princípios ou critérios, que embora não formulados explicitamente, são necessários, na medida em que o texto legal deva ser interpretado em função do propósito para o qual fora emitido, sempre com relação ao sentido e o alcance dos fatos particulares em relação à norma.
Algumas vezes, depara-se que a decisão será estritamente legal, porém, não tão justa. Portanto, a busca pela justiça é viável e possível, sendo mesmo um dos acalantados e antigos sonhos da humanidade e jamais perecerá.
Quem decide de forma prudente fazendo uso do poder jurisdicional deve considerar tanto as coisas afastadas enquanto próximas a ajudar ou a prejudicar, o que se deve fazer no presente. É evidente que o objeto considerado é um meio para um fim: a decisão deve querer harmonizar justiça e segurança, que são fim do Direito e, só pode fazê-lo por meio do método interpretativo da lógica do razoável.
REFERÊNCIAS:
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STJ. REsp 1291924 RJ 2010/0204125-4, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. em 28.05.2013.
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Obs.: Desejo homenagear expressamente alguns advogados brilhantes e importantes para mim nesse mês da advocacia: Arthur Riboo da Costa, Nehemias Domingues, Antonio Gama Junior, José Messias Sales, Denise Heuseler, Ramiro Luiz Pereira da Cruz, José Eduardo Carreira Alvim, William Rocha, Alípio Neto, Veruska Diab, Valdineia Tessaro, Adalton Pereira e Sidney Barroso. Através de vocês e de seus trabalhos a cidadania brasileira é mais respeitada e conseguimos construir uma sociedade melhor. Meu sincero muito obrigada!!!!
[1] A lógica do razoável é uma forma de interpretação que procura evitar a quebra dos valores defendidos pelo Direito, isso porque objetiva o justo e o razoável, levando em consideração as características sociais, econômicas e legais do problema posto em discussão. Nessa perspectiva a aplicação do direito, deve ser consistente e afastar o resultado injusto sob pena de extrapolar o campo da lógica formal.
A lógica formal teria o poder de manter a interpretação jurídica dentro das suas possibilidades exegéticas, mas sustenta a substituição da lógica formal por outra que seria mais justa ou adequada ao caso concreto. Por isso, sustentou a “lógica do razoável”, que seria outra forma de pensar a lei que não através da lógica dedutiva formal. Na defesa da lógica do razoável, demonstrou o fracasso do racional e a necessidade do razoável na interpretação do Direito. Isso porque, como a lógica tradicional não possui elementos valorativos, seria insuficiente para a aplicação do Direito, portanto, a lógica do razoável, consideraria razões diferentes a da racionalidade de tipo matemático. Esse doutrinador sustentou que há implicações generalizantes dentro da lógica da lei que não existem dentro da lógica tradicional. Nesse diapasão, o Direito, enquanto Ciência, e a Filosofia do Direito deveriam funcionar com valores universais, de modo que o magistrado buscasse mais a justiça do que a interpretação hermenêutica, de modo que a prestação jurisdicional do juiz se coadunaria com a própria intenção do legislador.
Segundo esse filósofo do direito, a razão não se exaure dentro da racionalidade, pois há outras formas de compreensão (logos); e a razoabilidade é uma delas. Portanto, a lógica do razoável está impregnada por valorações (critérios axiológicos), sendo tal propriedade valorativa totalmente estranha à lógica formal ou qualquer teoria da inferência, consistindo em uma das particularidades que diferenciam a lógica do razoável da lógica matemática. Desse modo, a lógica do razoável possibilita justificar a decisão com critérios de valor, pautas axiológicas e estimativa do alcance da sentença. Segundo Recaséns Siches, não há sentido em tratar as normas de Direito positivo desconectadas das circunstâncias em que se originaram e das situações para as quais foram destinadas.
[2] A insuficiência do positivismo jurídico, como doutrina que reduz todo Direito ao Direito Positivo, atribuindo-lhe valor intrínseco e absoluto, sem admitir nenhuma espécie de Direito Natural (ou mesmo que admita, como o faz Rousseau), ou que fundamenta o Direito Positivo em uma lei superior fora do sistema do ordenamento, culminou, com o advento dos Campos de Concentração na Segunda Guerra Mundial, na negação da humanidade a certos homens, mulheres, crianças e idosos. Acerca da introdução das vítimas nas câmaras de gás, escreve Primo Levi:1 “Alguns trilhos atravessavam toda a extensão da câmara até os fornos. Quando todos entravam na câmara de gás, as portas eram fechadas (e vedadas contra a entrada de ar) e, pelas válvulas do teto, soltava-se um preparado químico em forma de pó grosseiro, de cor cinza-azulada, contido em latas, cujo rótulo especificava ‘Zyklon B – Para a destruição de todos os parasitas animais’ e apresentava a marca de um fabricante de Hamburgo […].
[3] Tal lógica, também chamada de lógica formal, com base racional matemática, é ultrapassada, pois não possui elementos suficientes para ser utilizada na aplicação do direito, podendo levar a absurdos. Observando-se a seguinte proposta de Gustav Radbruch, o clássico exemplo do urso na Estação Ferroviária. Em uma estação ferroviária havia um cartaz que dizia: ‘é proibida a entrada de cães’. Um homem cego não pode entrar com seu cão guia, então outro homem tentou entrar com um urso e também foi impedido. Iniciou-se um conflito, pois o homem que vinha com o urso afirmava que a restrição não se aplicava a ele, já o cego dizia que era um absurdo não poder entrar com seu cão. Caso aplicássemos a lógica tradicional para o exemplo exposto, o homem com o urso teria sua entrada franqueada, ao passo que o senhor cego seria impedido de ingressar na estação. Notem que esse disparate nos convida a uma superação, em alguns casos, da lógica formal para uma lógica do razoável, justamente a proposta do referido filósofo.
[4] José Ortega y Gasset (1883-1955) foi ensaística, jornalista e ativista política, fundador da Escola de Madrid. É considerado o maior filósofo espanhol do século XX. E, foi um dos primeiros a tratar do problema da historicidade fora dos padrões do evolucionismo, do marxismo ou do positivismo. Foi igualmente um dos pioneiros em valorizar a importância de conceitos em matérias de história e a estender à filosofia as conclusões de Einstein, além de afirmar a necessidade de uma historicidade como modo de suplantar o esgotamento da metafísica e do idealismo. De acordo com Ortega, a realidade está em nossa vivência histórica. Autor da frase, ”eu sou eu e minha circunstância”, para ele viver não se trata de termos uma consciência intencional, aos moldes fenomenológico, mas sim a maneira como lidamos com a circunstância da qual não nos separamos: “A vida não é recepção do que se passa fora, antes pelo contrário, consiste em pura atuação, viver é interior, portanto, um processo de dentro para fora, em que invadimos o contorno com atos, obras, costumes, maneiras, produções segundo estilo originário que está previsto em nossa sensibilidade.
[5] Giorgio Del Vecchio (1878-1970) foi importante filósofo jurídico italiano do início do século XX e, influenciou as teorias de Norberto Bobbio. Professor da Universidade de Roma de 1920 a 1953, foi reitor da mesma Universidade de 1925 a 1927. Inicialmente, ingressou no fascismo, mas isso não o impediu de perder sua cadeira na universidade em 1938, seguindo as leis raciais fascistas; em 1944, ele perderia a cadeira novamente devido a sua participação no regime. Restabelecido no ensino, no segundo período do pós-guerra, o filósofo colaborou com o Secolo d’Italia e com a revista Pagine Libere (a publicação dirigida por Vito Panunzio). Junto com Nino Tripodi, Gioacchino Volpe, Alberto Asquini, Roberto Cantalupo, Ernesto De Marzio e Emilio Betti fez parte do promotor do ‘Comité Inspe, a instituição educacional que, em cinquenta anos e sessenta, opôs-se à cultura de inspiração marxista, promover conferências e publicações internacionais. Entre os maiores intérpretes do neokantantismo italiano, Giorgio Del Vecchio, como seus colegas alemães, criticou o positivismo filosófico, afirmando que o conceito de direito não poderia ser derivado da observação de fenômenos jurídicos. Nesse sentido, ele entrou na disputa entre filosofia, teoria geral e a sociologia do direito que estava em fúria na Alemanha, redefinindo a filosofia do direito. Em particular, ele atribuiu a ela três tarefas: uma tarefa lógica que consistiria na elaboração do conceito de direito; uma tarefa fenomenológica, consistindo no estudo do direito como um fenômeno social; uma tarefa deontológica, que consiste em “buscar e avaliar a justiça, isto é, o direito como deveria ser”.
[6] A teoria pura do direito é o ápice do desenvolvimento do positivismo jurídico. Para essa doutrina, o conhecimento é restrito aos fatos e às leis que os regem, isto é, nada de apelar para a metafísica, a razão ou à religião. Em sua vida dedicada à ciência, Hans Kelsen compôs uma obra gigantesca que até hoje inspira estudiosos do Direito. Consagrado como o maior jurista do século XX, Hans Kelsen desenvolveu trabalhos sobre diversos temas jurídicos, tais como justiça, assunto abordado nas obras O que é justiça e O problema da justiça; o fenômeno democrático, que é tratado em A democracia[5]; teoria do Direito e do Estado, que é objeto das obras Teoria geral do Direito e do Estado[6] e Teoria pura do direito.
[7] Lógica tradicional ou aristotélica é caracterizada pelo estudo de conceitos, juízos e raciocínios baseando-se na existência de conclusões que obedecem a princípios, atestando a validade de premissas que devem ser verdadeiras. As investigações de Aristóteles acerca da lógica fizeram-no descobrir que todo o conhecimento válido emitido por enunciados deve respeitar três princípios básicos. São eles: Princípio da identidade: é o que enuncia as identidades dos seres e das coisas. Por meio do verbo ser, o princípio diz o que certa coisa é. Como exemplo, podemos dizer “A é A”. O verbo ser conjugado na primeira pessoa do singular, destacado em vermelho, é o elemento que denota a identidade do objeto. Para pegar um exemplo mais palpável, podemos dizer “isto é um texto”, indicando que a identidade desse objeto a que nos referimos é a categoria “texto”. Princípio da não-contradição: este princípio elementar diz que a identidade de algo não pode ser ela mesma e não ser ela ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto. A sua formulação pode ser pensada da seguinte maneira: não é possível que algo seja e não seja aquilo que é, ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto. É impossível que isto seja um texto e não seja um texto ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto. Princípio do terceiro excluído: algo é ou não é e não há terceira possibilidade. Pensando com base na identidade e na não contradição, podemos afirmar que isto é um texto ou não é um texto, não havendo outra possibilidade. Se isto for um automóvel, por exemplo, deixa de ser um texto, encaixando-se na segunda possibilidade.
[8] A doutrina tem dito que equidade pode menosprezar o direito positivo, sendo possível decidir contra legem. Parte da doutrina remete o conceito a Recaséns Siches: a equidade seria superior ao justo legal porque expressão do justo natural, ou seja, seria o justo, mas não o justo legal tal e como se desprenderia das palavras da lei, senão o autenticamente justo em relação ao caso concreto. O juiz então poderia decidir segundo seu prudente arbítrio quando ele próprio entendesse inaceitável a aplicação do texto legal, isto é, quando considerar que o resultado daí advindo seja disparatado. Haja paciência para esses conceitos em pleno Estado Democrático de Direito.
Existem outras posições “mais avançadas”, que dizem que a equidade seria um recurso às insuficiências da legislação, utilizável no suprimento de lacunas normativas, ou mesmo para aclarar enunciados abertos. Outras posições dizem respeito à equidade como a propriedade dos enunciados legais abstratos de se adaptarem, segundo certos critérios, às circunstâncias ou exigências fáticas do caso concreto. Algo inerente ao mecanismo de interpretação jurídica, que sempre impeliria o intérprete a adotar exegeses razoáveis, afinadas com o bom senso e toleradas, sem repugnância, pela razão humana. Nessa ótica, não se tem propriamente decisão por equidade e sim decisão proferida segundo a equidade. O julgador estaria obstado de arredar-se do direito positivo, tampouco poderia corrigir ou retificar a lei, pois seus propósitos, ainda que nobres, não seriam suficientes para autorizá-lo, a partir de seu próprio voluntarismo, a amoldar o resultado de suas decisões a sua própria ideia de justiça. Esta última posição parece um pouco melhor, embora não se saiba o que seriam as tais exegeses razoáveis.
In: STRECK, L.L.; DELFINO, Lúcio. Novo CPC e decisão por equidade a canibalização do Direito. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-dez-29/cpc-decisao-equidade-canabalizacao-direito Acesso 21.08.2020).
[9] As legislações brasileiras em algum momento já albergaram (e algumas ainda albergam) exemplos de todos esses significados, fazendo a equidade variar de sentido a depender do contexto em que está inserida. Alguns exemplos: i) tanto o CPC-1973 (artigos 127 e 1.109), como a Lei de Arbitragem (artigo 2º), são legislações que autorizam decisões proferidas contra legem; ii) o uso do equitativo como forma de clarificar enunciados legais elásticos está bem representado pelo artigo 1.694, § 1º, do Código Civil; iii) o artigo 113, inciso 37, da Constituição de 1934 foi um permissivo legal elaborado para a superação de lacunas legislativas via equidade; e iv) elucida a equidade, como mecanismo de interpretação jurídica, aquilo que preceitua o Decreto Federal 24.150/1934 (Lei de Luvas), em seu artigo 73.
[10] Havia na cidade de Nova York, um próspero empresário Wesley Moore, que empregava como estenógrafa a seu serviço uma jovem chamada Ida White, sobrinha de sua esposa. O trabalho de Ida White se mostrou tão eficiente que esta fora imediatamente promovida a secretária particular do Sr. Moore; e, pouco tempo depois, Sra. White, de fato passou a dividir as principais responsabilidades não só na gestão das empresas de seu patrão, mas também, na administração de seu patrimônio privado, conquistando a administração, o respeito e a estima de todos, dentro e fora do círculo familiar e da esfera de negócios em que atuava. A sra. White conhecia todos os meandros dos negócios do Sr. Moore, com exceção de um: o conteúdo das disposições do testamento que seu chefe havia feito. Assim, ela desconhecia que o Sr. Moore em seu testamento havia instituído em seu favor um legado de todas as ações que possuía na Cia. da Luz, que dirigia e na qual tinha uma parte principal. Como resultado da profunda tristeza de Wesley Moore pelo misterioso desaparecimento de sua esposa, ele começou a mostrar sinais de séria doença mental. Pouco depois, a doença mental do Sr. Moore tornou-se severamente tão grave que foi necessário interná-lo em um manicômio e proceder à sua incapacitação pelos devidos procedimentos judiciais e, consequentemente à nomeação de um tutor. O conselho de família decidiu por unanimidade que a nomeação deveria ser feita à sra. White que era competente em alto grau perfeitamente conhecedora de todos os assuntos do Sr. Moore, e uma pessoa que inspirava plena confiança em todos os envolvidos em tais assuntos.
Depois de algum tempo, ocorrera a tremenda crise econômica de 1929 com a depressão que se espalhou por todo os EUA. A maior parte dos investimentos de Moore parou de pagar dividendos, e como resultado deu-se desemprego geral, e a falência de inúmeros grandes propriedades. Moore tinha hipotecas que deixaram de ser pagas, e as leis de emergência garantiram uma moratória. Assim, a rende de Moore fora diminuindo rapidamente. A sra. White atuou como guardiã e desejando cortas despesas como a manutenção da suntuosa residência dos Moores, o que encontrou resistência e oposição por parte dos familiares de Moore, que temiam qualquer sinal externo de fraqueza econômica, além de ferir seu próprio orgulho. Então Ida White, em acordo com a família Moore, decidiu que era necessário vender algumas ações para continuar com o mesmo estilo de vida. As únicas ações que puderam ser vendidas sem prejuízo foram as da Company of Light. Essas ações poderiam ser vendidas não apenas sem prejuízo, mas com uma vantagem, porque outro grupo financeiro estava ansioso para adquiri-las. Ida White administrou esta venda com habilidade superlativa, que foi feita em condições muito favoráveis, justamente pelo preço mais alto que ela havia estabelecido: $ 220.000. Em pouco tempo, após a crise os negócios de Moore estavam prosperando novamente. eis meses depois, Wesley Moore morreu. Foi então aberto seu testamento, o qual continha uma cláusula pela qual o testador instituía um legado de todas as suas ações da Company of Light em favor de Ida White. A riqueza remanescente era muito grande, justamente como resultado da administração inteligente de Ida White, que havia conseguido compensar com o excesso nos últimos meses os prejuízos sofridos anteriormente. O saldo ativo da propriedade relíquia atingiu a soma limpa de 1.000.000,00 dólares, grande parte em dinheiro. Deve-se notar que dos $ 220.000, que haviam sido obtidos com a venda das ações da Electricity Company, Ida White, em sua função de tutora, havia gasto apenas $ 20.000 para o cuidado da residência da família, e havia depositado o resto em um banco. Ida White, pensando razoavelmente, presumiu, quando soube do legado instituído em seu favor, que da propriedade remanescente ela receberia o preço pelo qual as ações que haviam sido legadas a ela haviam sido vendidas, ou seja, a soma de $ 220.000. Mas o executor do espólio de Moore o deixou saber que o legado instituído em seu favor era o que por lei é chamado de legado de “coisa determinada”; e que de acordo com a Lei do Estado de NY, seguindo nesta tradição do Direito Romano – o legado de uma determinada coisa era considerado nulo, quando em sua individualidade singular havia desaparecido do patrimônio relict, antes da morte do testador. O legado em favor de Ida White não foi um legado de uma certa quantia de dinheiro, mas foi um legado precisamente de certas ações, que não apareceu mais no patrimônio do falecido quando este morreu.
Os herdeiros do Sr. Moore, assessorados por seus advogados, consideravam que Ida White não tinha direito ao legado, visto que se tratava de uma coisa específica, e essa coisa não existia mais quando o testador morria, era automaticamente nula, ou em vez disso, inexistente. E, portanto, ele entrou com um processo.
[11] Siches escreveu a “Nova Filosofia da Interpretação do Direito” sob o impacto da crise vivida pelo direito nos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, e que deu origem ao que podemos chamar agora de pós-positivismo. Entendemos como pós-positivismo o pensamento jusfilosófico que enfrenta mais de perto as insuficiências do modelo lógico-formal para o tratamento das questões jurídicas. Recaséns Siches cogita sobre crise, baseando-se no fato de que os valores da sociedade de sua época não correspondiam mais aos valores consagrados anteriormente. A certeza e a objetividade trazidas pelo cientificismo e pelo formalismo não se adequavam mais ao clamor da verdadeira justiça, encontrada na sociedade. Caem os sistemas formais e a filosofia do direito tem que dar conta de uma nova fundamentação e método que então se impunham”.
[12] Por sua vez a teoria específica, entende que o Direito só pode ser visto pelos três fatores em conjunto, sem divisões. Segundo esta posição, “o Direito é sempre tridimensional, quer o estudo seja sociológico, filosófico ou científico positivo”. Ocorre que a Teoria Tridimensional Específica pode ser ainda estática ou dinâmica (concreta). A primeira percepção, chamada de estática por Reale, é representada principalmente pelo pensador W. Sauel. Este, “[…] apresenta um caráter mais estático ou descritivo” do que é o direito. “Não nos explica, com efeito, como é que os três elementos se integram em unidade, nem qual o sentido de sua interdependência no todo. Falta a seu trialismo, talvez em virtude de uma referibilidade fragmentada ao mundo infinito das ‘mônadas de valor’, falta-lhe o senso de desenvolvimento integrante que a experiência jurídica reclama”. A segunda corrente, chamada por vezes de dinâmica, concreta ou dialética, “resulta de uma apreciação inicial da correlação existente entre fato, valor e norma no interior de um processo de integração, de modo a abranger, em unidade viva, os problemas do fundamento, da vigência e da eficácia do Direito.” .
[13] Interessante anotar que, ao determinar a realidade específica do Direito, Recaséns Siches chegou a conclusões coincidentes com as da Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale. Em síntese, o pensamento de Recaséns Siches, que tem como ponto de partida a vida humana, conduz à caracterização do Estado e do Direito como meros instrumentos a serviço do indivíduo, ao tempo em que a consciência humana passa a se apresentar como o ponto central de todas as outras realidades. Nesse contexto, o papel da Ciência do Direito passa a ser o de “estudar a norma jurídica considerada em sua historicidade, como um momento da vida coletiva, ligado às circunstâncias e dentro da perspectiva por elas formada”. (In: DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do Direito. 19.ed. São Paulo: Saraiva,2008).
[14] Tomás definiu a prudência como razão reta do agir (recta ratio agibilium), ela é própria da razão prática (S.theol. IIª-IIª, q.47, a.2). É próprio do homem prudente a capacidade de deliberar bem em vista de certo fim. Na questão 47 da IIª-IIª, Tomás fala da prudência em si ao longo de dezesseis artigos. Todavia, por ora, vamos pôr em relevo apenas alguns artigos para compreendermos em que consiste essa virtude. (In: TOMÁS DE AQUINO. Suma teológica. São Paulo: Loyola, 2001-2006.)