Trabalhando com o Inimigo: A Concorrência Desleal perpetrada por funcionários e sócios
Thiago Carvalho Santos*
Notas Introdutórias
A Constituição de 1988, no título que trata da Ordem Econômica e Financeira assegura no art. 170, inciso IV a Livre Concorrência como um dos princípios da ordem econômica. Ela é uma manifestação da liberdade de iniciativa.
Portanto, é evidente que a Constituição visa motivar os particulares à exploração de atividades empresariais, consubstanciando tal entendimento a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, a qual tem como escopo limitar o risco, de forma a que as pessoas não receiem investir em atividades econômicas em razão da possibilidade de elevado comprometimento de seu patrimônio pessoal.
Notório e inegável também que a empresa visa a obtenção de lucros e a satisfação pessoal do empresário, ainda que doutrinadores entendam que as empresas estejam subordinadas ao princípio da função social, como faz o constitucionalista José Afonso da Silva.
Contudo, entendo que tal visão deve adequar-se ao mundo globalizado em que vivemos atualmente, visto que perpetuar o entendimento de que a obtenção de lucro como função principal da empresa seria um “pecado”, resultaria futuramente no medo do empresariado brasileiro em competir em nível de igualdade com empresas de países altamente competitivos que visam, sim, o lucro em primeiro lugar. No entanto, não se deve olvidar que a função social deve ser objetivo da empresa, como ocorre com grandes empresas que destinam verbas anuais exclusivamente para este fim.
Dessa forma, sendo o intuito da empresa obter lucro, a mesma deverá desenvolver produtos, técnicas de produção, prestar serviços de qualidade, dentre outras práticas para conquistar mercado, ou seja, essencialmente, a concorrência ocorre quando uma empresa visando aumento de seus clientes (market share), “prejudica” outra dedicada ao mesmo segmento de mercado.
Nos dizeres de Fábio Ulhoa Coelho, in Curso de Direito Comercial: “O objetivo imediato do empresário em competição é simplesmente o de cativar consumidores, através de recursos (publicidade, melhoria da qualidade, redução de preço etc.) que os motivem a direcionar suas opções no sentido de adquirirem o produto ou serviço que ele, e não outro empresário, fornece. Ora, o efeito necessário da competição é a indissociação entre o benefício de uma empresa e o prejuízo de outra, ou outras. Na concorrência, os empresários objetivam, de modo claro e indisfarçado, infligir perdas a seus concorrentes, porque é assim que poderão obter ganhos”.
A Concorrência Desleal
Diante de tal explanação, concluímos que o que será assegurado pelo Direito Comercial, serão as práticas de concorrência ilícita.
Trata-se de tipos de concorrência ilícita repudiadas pelo Direito, no intuito de prestigiar a livre iniciativa: a desleal e a perpetrada com abuso de poder, sendo que a primeira envolve apenas os interesses particulares dos empresários concorrentes e a segunda, compromete as estruturas do livre mercado.
Por ora, trataremos apenas da concorrência desleal envolvendo interesses particulares dos empresários concorrentes.
Para Gama Cerqueira, pode-se classificar a concorrência desleal envolvendo interesses particulares em duas categorias: a específica, que se traduz pela tipificação penal de condutas lesivas aos direitos de propriedade intelectual titularizados por empresários (isto é, os direitos sobre marcas, patentes, título de estabelecimento, nome empresarial); e a genérica, que corresponde à responsabilidade extracontratual.
A concorrência desleal específica que trata da violação de segredos de empresas ou informações confidenciais da empresa, sendo que o sujeito ativo do ilícito tem acesso a tais informações, as quais a empresa pretendia ocultar de seu concorrente, contudo, tal acesso não ocorre por acaso, nem tão pouco por falta de cuidados da empresa, visto que o próprio funcionário da empresa ou colaborador aliciado pode fazer uso indevido de tal informação, comercializando ou fornecendo conhecimento a concorrente.
Contudo, em tempos de valorização da Ética no universo dos negócios e mercado de trabalho, poucos funcionários, bem como alguns empresários, sabem que tal prática ilícita consubstancia a concorrência desleal tipificado na Lei de Propriedade Intelectual (9.279/96, art. 195):
“Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:
(…)
III – emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;
(…)
IX – dá ou promete dinheiro ou outra utilidade a empregado de concorrente, para que o empregado, faltando ao dever do emprego, lhe proporcione vantagem;
X – recebe dinheiro ou outra utilidade, ou aceita promessa de paga ou recompensa, para, faltando ao dever de empregado, proporcionar vantagem a concorrente do empregador;
XI – divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato;
XII – divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos ou informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude; ou
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.”
Consideramos como hipótese de concorrência desleal específica a realizada por funcionários infiltrados, os quais, a mando de empresa concorrente emprega-se na empresa vítima, com o intuito de obter informações sobre novos produtos, estratégias de marketing, processo produtivo, dentre outras informações.
Trata-se ainda, de concorrência desleal específica a “comercialização” de informações privilegiadas a qual envolve profissionais graduados da empresa vítima, tais como sócios minoritários e administradores, caracterizando a concorrência ilícita da empresa concorrente aliciadora a qual será responsabilizada por tal prática, bem como o sujeito aliciado.
Tais práticas não são tão incomuns como se imagina, visto que comumente funcionários graduados, com grande “bagagem” de informações privilegiadas deixam a empresa e recolocam-se em concorrentes ou iniciam empreendimentos empresarias utilizando-se de conhecimento e tecnologia obtidos na constância do contrato de trabalho.
No que tange as possíveis práticas ilícitas dos sócios minoritários, encontramos como viável e comum a abertura de empresa no mesmo ramo de negócio em nome de terceiros, a qual conta com informações privilegiadas do sócio minoritário da empresa vítima, atuando de forma oculta, objetivando um crescimento da empresa concorrente e então seu desligamento da primeira sociedade.
Referente a concorrência desleal genérica, encontramos seus contornos jurídicos descritos no art. 209 da Lei de Propriedade Intelectual (9.279/96):
“Art. 209. Fica ressalvado ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio.”
Portanto, identifica-se a concorrência desleal após análise dos meios empregados pelo empresário para conquistar mercado, ou seja, observando-se se os meios utilizados são condenáveis (enquadram-se nos tipos descritos no art. 195 e 209 da Lei de Propriedade Intelectual) ou não.
Das Medidas Repressivas
Indiscutível a medida cabível quanto ao funcionário que pratica concorrência desleal, estando a mesma dentro da esfera do Direito do Trabalho, visto que o mesmo descumpriu com seu dever de lealdade com a empresa vítima que o havia contratado e deverá ser responsabilizado por tal ato.
No que tange o sócio minoritário o art. 1.085 do Código Civil é claro ao dispor que:
“Art. 1.085. Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista nesta a exclusão por justa causa.”
A Lei das Sociedades Anônimas em seu art. 155 descreve os deveres do administrador, senão vejamos:
“Art. 155. O administrador deve servir com lealdade à companhia e manter reserva sobre os seus negócios, sendo-lhe vedado:
I – usar, em benefício próprio ou de outrem, com ou sem prejuízo para a companhia, as oportunidades comerciais de que tenha conhecimento em razão do exercício de seu cargo;
(…)
§ 1º Cumpre, ademais, ao administrador de companhia aberta, guardar sigilo sobre qualquer informação que ainda não tenha sido divulgada para conhecimento do mercado, obtida em razão do cargo e capaz de influir de modo ponderável na cotação de valores mobiliários, sendo-lhe vedado valer-se da informação para obter, para si ou para outrem, vantagem mediante compra ou venda de valores mobiliários.
(…)
§ 4o É vedada a utilização de informação relevante ainda não divulgada, por qualquer pessoa que a ela tenha tido acesso, com a finalidade de auferir vantagem, para si ou para outrem, no mercado de valores mobiliários.”
Cabe ainda a empresa vítima, quando inexistindo dúvidas quanto as práticas ilícitas de concorrência desleal perpetradas por funcionários ou sócios, a reparação civil, respeitando o princípio da independência da responsabilidade civil relativamente a criminal, ou seja, não se poderá questionar mais sobre a existência do crime e suas circunstâncias, ou quem seja o seu autor, quando estas questões se encontrarem decididas no processo crime, conforme dispõe o art. 935 do Código Civil.
Portanto, se o acusado de crime de concorrência desleal é inocentado no processo-crime, não poderá ser acolhida a pretensão de indenização civil contra essa pessoa. Se o acusado, contudo, não foi condenado por falta de provas ou por prescrição da pretensão punitiva, a ação civil pode ser seguida.
Quanto ao valor da indenização a ser pleiteada pela empresa vítima, o art. 208 da Lei de Propriedade Intelectual (LPI) nos oferece alguns critérios a serem seguidos:
“Art.
O art. 402 do Código Civil acrescenta outros critérios:
“Art. 402. Salvo exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.”
No entanto, nem todos os critérios poderão ser avaliados, devendo o juiz considerar se houve dano positivo, que consiste num déficit real no patrimônio da empresa vítima; e/ou dano negativo, que consiste no lucro que ele deixou de auferir em razão da concorrência desleal.
Das Medidas Preventivas
Referente a medidas preventivas de práticas de concorrência desleal por funcionários, consideramos que, na constância das atividades regulares de trabalho, o empresário encontra-se amparado pelo art. 428 da CLT, considerando como justa causa para rescisão do contrato de trabalho as seguintes hipóteses: (i) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço; e (ii) violação de segredo da empresa.
Após a extinção do contrato de trabalho é necessário a estipulação em contrato de cláusula de não-concorrência, respeitando o entendimento jurisprudencial e doutrinário, amparados pelo direito comparado, observando as seguintes condições: (i) a cláusula deve conter limitações temporais, espaciais e no tocante à atividade; (ii) deve corresponder a um interesse legítimo das partes; (iii) o empregado deve ter uma compensação financeira diante da limitação contratual (geralmente o valor do último salário multiplicado pelo prazo de não-concorrência, podem ser pago ao término do contrato de trabalho ou mensalmente durante referido prazo) e; (iv) deve haver a previsão de uma multa contratual em caso de descumprimento (o valor da multa não pode exceder o da obrigação principal, aplicando-se o Direito Civil, pois a CLT é omissa quanto à isso).
Quanto aos sócios ou administradores, na constância de suas atividades na sociedade, os mesmos estarão sobre a égide da legislação societária, como os arts. 153, 154 e 157 da LSA, que tratam respectivamente: do dever de diligência, que consiste aos administradores da sociedade o emprego de métodos e técnicas adequadas ao bom andamento da sociedade; respeitar os limites e finalidades do exercício das funções de administrador; e o de informar o mercado, restrito apenas aos casos de companhia aberta.
As sociedades limitadas, ainda que não explícito em lei, exige do sócio o dever de lealdade, visto que sem o empenho de todos para o crescimento da sociedade, o consenso dos sócios em constituir a sociedade em busca do sucesso do empreendimento, perde-se o próprio sentido de constituição da empresa, ainda que o sócio não participe da gestão da sociedade o mesmo tem o dever de não praticar atos prejudiciais aos interesses comuns.
Contudo, com a retirada do sócio da sociedade, visando a proteção da empresa da possibilidade de concorrência do sócio retirante, a estipulação, em contrato, de cláusula de “não-restabelecimento”.
Ressaltamos que, o sócio retirante não pode ficar impedido de explorar atividades não concorrentes, portanto, deve a cláusula de “não-restabelecimento” constar as atividades proibidas de exercício que concorreriam com a empresa, bem como prazo da não-concorrência e limites territoriais, visto que nada impede que o sócio retirante venha a se restabelecer em atividade não concorrente ou em local não alcançável pelo potencial econômico da antiga sociedade, não havendo concorrência direta, nem disputa da mesma clientela.
* Sócio do escritório Carvalho Santos & Pantaleão Advogados
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