Direito Empresarial

Os avanços tecnológicos e a relativização ao princípio da cartularidade

Edmilson Araujo Rodrigues[1]

Ana Cecília Soares da Silva[2]

RESUMO: O princípio da cartularidade determina a vinculação do exercício do direito constante do título de crédito à apresentação da cártula que o materializa. Desta feita, considerando a literalidade do referido princípio a execução do título deve ser instruída do documento original representativo da relação extrajudicial. Entretanto dado os avanços tecnológicos, bem como a evolução jurídico-tecnológica observa-se a iminente caducidade do princípio da cartularidade. Devido ao dinamismo jurídico e social é notória a possibilidade de se relativizar ou mesmo mitigar princípios norteadores das relações jurídicas. Objetivo: analisar a aplicação do princípio da cartularidade inerente aos títulos de crédito e sua incompatibilidade com os avanços tecnológicos. Metodologia: trata-se de estudo por meio de uma pesquisa bibliográfica, buscando reunir informações através de análise de doutrinas, artigos científicos, jurisprudência e legislações sobre o tema. Quanto à abordagem de pesquisa será de natureza qualitativa com caráter exploratório na busca de uma maior afinidade com o objeto de pesquisa. Considerações finais: Nesse leito de mudanças envolvendo os avanços tecnológicos, nota-se que o processo eletrônico é o meio potencializador das exigências judicialmente representadas pelo direito constante no título. Nesse sentido, é notória a possibilidade se de relativizar ou mesmo mitigar princípios norteadores devido aos avanços patrocinados pelas transformações ocorridas envolvendo a evolução tecnológica.

Palavras-chave: Princípio da cartularidade; Título de crédito; Processos eletrônicos; Avanços tecnológicos.

ABSTRACT: The principle of the cartularity determines the link between the exercise of the right contained in the credit certificate to the presentation of the cartouche that materializes it. In this way, considering the literality of the aforementioned principle, the execution of the title must be read from the original document representing the extrajudicial relationship. However, given the technological advances and the legal-technological evolution, the imminent expiration of the principle of the cartularity is observed. Due to the legal and social dynamism, it is evident the possibility of relativizing or even mitigating guiding principles of juridical relations. Objective: to analyze the application of the principle of the cartularity inherent of the credit titles and their incompatibility with technological advances. Methodology: it is a study by means of a bibliographical research, seeking to gather information through analysis of doctrines scientific articles, jurisprudence and legislation on the subject. As for the research approach, it will be of qualitative nature with an exploratory character in search of a greater affinity with the research object. Final considerations: In this scenario of changes involving technological advances, it is noted that the electronic process is the means that enhances the demands judicially represented by the right in the title. In this sense, it is notorious the possibility of relativizing or even mitigating guiding principles due to the advances sponsored by the transformations that have occurred involving technological evolution.

1 – INTRODUÇÃO

A complexidade da vida em sociedade gera a necessidade de evolução e adaptação das atividades corriqueiras às novas diretrizes sociais. Devido ao movimento evolutivo da vida em sociedade, sobretudo no mundo empresarial, sendo inevitável a criação de instrumentos capazes de constantes modificações seja nas relações sociais e empresariais.

O tema proposto se justifica-se em decorrência do processo evolutivo das relações jurídico-tecnológicas. É notório que esse fenômeno está presente em todos os âmbitos da vida em sociedade. Nesse sentido, no ramo jurídico tais avanços fazem surgir um aparato de adaptação relacionada às diretrizes ora existentes consubstanciada dentro dessa nova sistemática.

Sobre o princípio da cartularidade, será desenvolvido o presente estudo, identificando seu conceito, a sua aplicação, e, conforme evolução tecnológica, a sua possível relativização ou extinção. Do retrato dessa ramificação, entende-se como problema dessa pesquisa, a reflexão sobre: até que ponto o princípio da cartularidade é relativizado pelos avanços tecnológicos?

Cumpre analisar a aplicação do princípio da cartularidade inerente aos títulos de crédito frente às novas formas de emissão, como também sua necessidade para fazer cumprir o direito nele representado envolvendo os processos eletrônicos.

Intenta-se nesse mesmo diapasão analisar as decisões dos tribunais, a legislação relativa ao tema, bem como o posicionamento doutrinário quanto ao referido princípio devido à nova sistemática jurídica e cambial.

Trata-se de estudo por meio de uma pesquisa bibliográfica, buscando-se reunir informações por meio da análise de doutrinas, artigos científicos, jurisprudências e legislações sobre o tema. Quanto à abordagem da pesquisa, será de natureza qualitativa com caráter exploratório na busca de uma maior afinidade em relação ao princípio da cartularidade que vem sofrendo uma considerável influência fruto da evolução tecnológica e sobremaneira em função do processo judicial eletrônico.

O presente artigo fora estruturado em seções e subseções. Assim organizado: i) na seção primogênita tratou-se acerca do contexto histórico dos títulos de crédito, dos princípios fundamentais dando-se ênfase ao princípio da cartularidade; ii) na parte intermediária foram abordados os avanços tecnológicos, bem como seus efeitos no âmbito jurídico; iii) como tópico final, correlacionou-se a incongruência do princípio da cartularidade com os avanços tecnológicos evidenciando a sua relativização ou mitigação.

2 – EVOLUÇÃO DO DIREITO EMPRESARIAL

No que tange às relações comerciais, desde os primórdios das civilizações pode-se observar composição da sociedade quanto ao desenvolvimento de técnicas para facilitar a troca de produtos e assim satisfazer as necessidades básicas de suas famílias. Nesse cenário, a atividade comercial, e, atualmente, a empresarial, torna-se de suma importância ajudando na criação de nações e impérios, bem como na evolução cientifica e tecnológica. (GOMES, 2018)

Seguindo o posicionamento de Gomes (2018), a atividade comercial é uma prática eminentemente social, exigindo-se uma interação entre as partes envolvidas. Dessa forma, o comércio é caracterizado como sinônimo de civilização e vida em sociedade, pelo fato de que as relações comerciais são fundadas justamente na interação entre as partes conectadas e ligadas à troca de mercadorias.

Em sentido reverso, nem sempre as relações comerciais foram tão bem estruturadas. Nesse sentido, percebera-se que as civilizações mais remotas apenas trocavam mercadorias entre vizinhos ou mesmo nas praças os eventuais excedentes das roupas ou víveres eram produzidos para sustento das famílias. E, ademais, alguns povos enxergaram a possibilidade de troca de produtos e com isso passou a produzir mercadorias destinadas especificamente à venda. (COELHO, 2013)

As atividades econômicas, o comércio desenvolveram-se tanto que, rapidamente, proporcionaram intercâmbios entre as culturas, fortalecendo-se os estados, evoluindo as tecnologias e os meios de transporte. Com o processo de globalização das relações comerciais também proporcionou a proliferação de guerras e contribuiu para o esgotamento dos recursos naturais, além de escravização dos povos. Nunca é demais aduzir que após o fim da Segunda Guerra Mundial procurava-se derrubar fronteiras a fim de expandir aparato do comércio. (COELHO, 2013)

Com o desdobramento positivo dos atos de comércio, sempre houve preocupação em se criar regras para as práticas mercantis, assim, nas palavras de Gomes (2018, p. 26):

Assim, desde as civilizações mais antigas como Babilônia, como seu famoso código de Hamurabi, passando pela Fenícia, tradicional berço do comércio e chegando a Roma, como o desenvolvimento do Direito Romano, que constituiu a base praticamente para todos os ordenamentos jurídicos ocidentais, sempre houve uma preocupação em disciplinar as atividades econômicas de produção e circulação de bens, dentro do que assim passou a ser denominado Comércio.

O hoje conhecido Direito Empresarial, ou Direito Comercial no Brasil, caracteriza-se pela união de normas destinadas a regular o exercício das atividades econômicas destinadas à produção e à circulação de bens, como também prestação de serviços. Essa sobredita disciplina era considerada autônoma por possuir regras e princípios próprios.

Nesse sentido afirma Martins (2001, p. 23):

Ramo do direito privado, apesar de conter certas normas do direito público (nas sociedades, na falência, no direito dos transportes), o direito comercial não se confunde com o civil, não obstante os inúmeros pontos de contato existentes entre ambos. Regulando as atividades profissionais do comerciante e os atos por lei considerados comerciais, ficam fora do âmbito do direito mercantil as relações jurídicas relativas à família, à sucessão e ao estado da pessoa, que são regidas pela lei civil. Afigura-se, assim, o direito comercial como um direito de tendenciais profissionais, enquanto o civil é de tendência individualista, procurando reger as relações jurídicas das pessoas como tais e não como profissionais.

Notadamente é relevante destacar que elemento importante para a construção e aplicação do Direito Empresarial, ou de qualquer outro ramo do ordenamento jurídico, são as fontes norteadoras da disciplina. Em relação ao Direito Empresarial percebe-se que as fontes primárias e secundárias, quais sejam, aquelas são o Código Comercial em sua segunda parte em seus artigos 457 a 913, leis comerciais e o Livro II do Código Civil – Direito de Empresas, estas são os usos e costumes mercantis, leis civis, analogia, costumes (gerais) e princípios gerais de direito. (GOMES, 2018)

Quanto aos usos e costumes se faz relevante destacar as palavras de Gomes (2018) ao afirmar que:

[…] os usos e costumes mercantis […] [são] considerados doutrinária e jurisprudencialmente fonte secundária do direito empresarial, o que, conforme exposto revela a importância das práticas empresariais adotadas em determinado mercado para o fim de aplicação e interpretação do direito nesse ramo. (GOMES, 2018, p. 30, acréscimo nosso).

Diante dessa ramificação, o objeto de estudo do Direito Comercial, atualmente direito Empresarial é o estudo conjunto da regras, dos princípios e das características essenciais desse ramo do direito privado brasileiro. Nesse mesmo itinerário, grifam-se as palavras de Coelho (2013, p. 24) ao aduzir que:

O Direito Comercial cuida do exercício dessa atividade econômica organizada de fornecimento de bens ou serviços, denominada empresa. Seu objeto é o estudo dos meios socialmente estruturados da superação dos conflitos de interesses envolvendo empresários ou relacionados às empresas que exploram. As leis e a forma pela qual são interpretadas pela jurisprudência e doutrina, os valores prestigiados pela sociedade, bem assim o funcionamento dos aparatos estatais e paraestatal, na superação desses conflitos de interesses, formam o objeto da disciplina.

O direito empresarial desenvolveu-se em função da necessidade da sociedade em regulamentar as atividades econômicas. O comércio, prática das civilizações mais remotas, incentivou a criação de institutos para facilitar as relações comerciais, bem como a circulação de riquezas.

Dentre os institutos que fazem parte das práticas cambias estão os títulos de créditos, que surgiram da necessidade de circulação de riquezas de forma segura, tal instituto será mais bem explanado na próxima seção, demonstrando seus conceitos, suas principais características e os princípios essenciais que o estruturam.

3 – DOS TÍTULOS DE CRÉDITO

As práticas comerciais representam uma constante evolução e necessitam de posterior regulamentação e aprimoramento das regras que as efetivem. Com o passar do tempo e conforme a intensa circulação de bens e serviços, a própria sociedade cria mecanismos de aprimorar comercialização dos produtos. Desde modo, surgem os títulos de crédito que representam um instrumento capaz de circular o capital de forma célere e segura. (RAMOS, 2012)

Na perspectiva de Chagas (2016) o crédito configura-se na confiança de uma pessoa na outra de que cumprirá a obrigação contraída no negócio. Afirma que o crédito se perfaz como troca no tempo, por se tratar de promessa futura. Isso porque na atividade comercial, mais, nas relações comerciais o capital é sempre necessário.

Curial asserir, portanto que a utilização do crédito fez com que as transações comerciais aumentassem consideravelmente. Nunca é demais ressaltar que esse fenômeno contribuiu para que ocorresse uma evolução consubstanciada na dicotomia tempo e confiança, elementos formadores da viabilidade de crédito.

Nesse mesma direção, ratifica-se que o tempo e a confiança são elementos do crédito, corroborado nas lições de Chagas ao destacar que (2016, p. 363):

[…] o crédito nasceu a partir das necessidades do trato comercial de obter uma circulação mais rápida que a permitida pela moeda manual, visando facilitar a negociação da riqueza pela troca de bens no tempo. O crédito, por si só, não cria direitos, caracterizando-se pela utilização de um bem ocioso no patrimônio de terceiro, desde que haja interregno de tempo (um dos elementos), ainda que exíguo, como no caso do cheque, entre prestação e contraprestação, pois, se as prestações são simultâneas, não há crédito. Antes de o crédito ser constituído, um negócio jurídico deu origem às obrigações patrimoniais que findaram pactuadas para pagamento futuro. Tal negócio é que criou direitos.

Ao analisar a historicidade do crédito, observa-se que na antiguidade a circulação do crédito não era facilmente perpetuada por ter como característica o vínculo personalíssimo entre quem prometia o crédito e quem o aceitava. Concluindo-se assim que, o crédito, apesar de facilitar as relações comerciais, não fazia circular entre terceiros alheios à relação econômica celebrada naquele negócio jurídico. (CHAGAS, 2016).

Consigna nesse ponto destacar que os títulos de crédito, ou seja, papéis que materialização o crédito da relação, originaram-se com o condão de resolver o problema da circulação e da segurança no transporte de valores. Fornecendo autonomia aos comerciantes e consumidores na configuração da relação comercial. Traduz-se em confiança e segurança, por ser uma promessa que se materializa em documento com força de moeda. (CHAGAS, 2016)

Os títulos de crédito surgiram mais precisamente em meados do século XII período compreendido como Renascimento Comercial. Com o sistema feudal[3], tornava-se às vezes difícil o comércio entre cidades vizinhas por cada uma ter um tipo de moeda manual, além disso, o transporte de mercadoria e de moeda nas estradas era perigoso. (GOMES, 2018)

Com o intuito de reestruturar a atividade comercial, os mercadores, para minimizar a insegurança, desenvolveram a emissão de ordens de pagamento a fim de consolidar a relação comercial. Nesse cenário, surgem os títulos de crédito, instrumento gerado em virtude da necessidade do transporte de riquezas de forma segura. (GOMES, 2018)

Percebe-se que ao observar o art. 887 do Código Civil de 2002 (CC/2002), pode-se extrair o conceito clássico dos títulos de crédito e posteriormente positivado pelo referido diploma legal:

Art. 887. O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz seus efeitos quando preencha os requisitos da lei. (BRASIL, 2002).

Nesse mesmo itinerário, nota-se que, além de ser extraído o conceito dos títulos de crédito, podem ser elencadas três características essenciais que o circundam. Sendo elas: i) a autonomia; ii) a literalidade; e iii) a cartularidade (GOMES, 2018).

Em breve síntese de tais características, a autonomia dos títulos de crédito diz respeito ao caráter de independência que esses têm quanto à relação jurídico-cambiária que os deu causa. Por seu turno, a literalidade guarda relação com o exercício literal do direito contido no título, ou seja, só se pode exigir do devedor aquilo que está expressamente descrito no título de crédito. (MAMEDE, 2009)

E ademais, a cartularidade está relacionada à necessidade de se apresentar a cártula, o papel, que materializa o título para que o direito nele contido possa ser exigido. Como bem ressalta Mamede (2009), a exigência de apresentação do título físico e original para o exercício do direito funciona também como uma segurança ao devedor.

Em seção superveniente abordar-se-á com exclusividade acerca do princípio da cartularidade, evidenciando sua aplicação bem como os conceitos e características inerentes ao instituto hora estudado. Esse fenômeno guarda relação estreita com os avanços tecnológicos que já estão muito incorporados na sociedade e bem presentes nas relações jurídico-cambiais.

4 – PRINCÍPIO DA CARTULARIDADE

O princípio da cartularidade decorre do conceito de título de crédito adotado pelo CC/2002, citado alhures em seu art. 887. Quando postula que o título de crédito é documento necessário para o exercício do direito nele representado.

Em referência ao princípio da cartulariade, Ulhoa tece importante comentário quanto à importância do referido princípio ao direito cambiário (2016, p. 380):

Como o título de crédito se revela, essencialmente, um instrumento de circulação do crédito representado, o princípio da cartularidade é a garantia de que o sujeito que postula a satisfação do direito é mesmo o titular. Cópias autenticadas não conferem a mesma garantia, porque quem as apresenta não se encontra necessariamente na posse do documento original, e pode já tê-lo transferido a terceiros. A cartularidade é, desse modo, o postulado que evita enriquecimento de quem, tendo sido credor de um título de crédito, o negociou com terceiros (descontou num banco, por exemplo).

Nesse contexto, observa-se a necessidade de apresentação do título original para satisfazer, no âmbito judicial, em sede de execução, o direito nele contido. Esse entendimento é corroborado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJ-MG), ao estabelecer que:

EMENTA: APELAÇÃO – EMBARGOS À EXECUÇÃO – CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO – CARACTERÍSTICAS CAMBIARIFORMES – JUNTADA DE CÓPIA AUTENTICADA DO CHEQUE – INADMISSIBILIDADE. 
A ação de execução de título extrajudicial deve vir acompanhada do título executivo, nos termos do art. 614, I, do CPC [1973]. O título executivo que acompanhar a ação de execução deve ser apresentado em sua via original, diante do princípio da cartularidade e da possibilidade de circulação do título, a fim de evitar que o executado venha suportar mais de uma execução pelo mesmo crédito. Deve haver a disponibilização do credor do título quirografário no primeiro momento que instado a fazê-lo, podendo o Magistrado que preside o feito determinar o seu depósito em mãos do escrivão, para a guarda. A extinção da execução pela falta de apresentação do original do cheque é medida que se impõe, em especial para a segurança jurídica. (MINAS GERAIS, 2015, acréscimo nosso).

Com a evoluição das sociedades e principalmente dos meios tecnológicos, surgiu-se uma nova sistemática jurídica processual, que deu nova roupagem às demandas judiciais capazes de reunir em uma plataforma digital todo um trâmite processual. Nesse cenário surgiu o sistema de Processo Judicial Eletrônico (PJe), definido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como um sistema desenvolvido cuja finalidade é realizar a automação do Judiciário, que objetiva reunir a prática de todos os atos processuais em uma só plataforma.

Devido à implantação do processo eletrônico, surge relevante questionamento quanto à aplicabilidade do princípio da cartularidade, uma vez que o referido princípio prega pela necessidade de apresentação da cártula que materializa a relação cambial para o exercício do direito nele impresso. (ULHOA, 2013)

O Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) em seu artigo 783 prevê “A execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre em título de obrigação certa, líquida e exigível”. (BRASIL, 2015).

Mandamento que permite extrair a necessidade de apresentação do título executivo extrajudicial quando da pretensão de se demandar judicial o exercício do direito nele contido.

Sendo assim, a Portaria Conjunta nº 411/PR/2015 que regulamente o Sistema Processual Eletrônico no âmbito da justiça comum de primeira instância do Estado de Minas Gerais prevê posturas a serem adotadas pelo magistrado ao se deparar com uma execução de título extrajudicial via o sistema de processo judicial eletrônico. (BRASIL, 2015).

Nesse sentindo, o art. 39 da portaria conjunta nº411/PR/2015 determina:

Art. 39. Tratando-se de cópia digital de título executivo extrajudicial ou outro documento relevante à instrução do processo, o magistrado poderá determinar o seu depósito na secretaria do juízo, observado o procedimento estabelecido nos §§ 3o e 4o do art. 38 desta Portaria Conjunta (BRASIL, 2015).

Nesse diapasão, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJ-SC), decidiu:

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO MONITÓRIA FUNDADA EM CHEQUES PRESCRITOS – PEÇA INICIAL INSTRUÍDA COM FOTOCÓPIAS DAS CÁRTULAS – PETICIONAMENTO ELETRÔNICO – NECESSIDADE, CONTUDO, DAS VIAS ORIGINAIS – TÍTULOS PASSÍVEIS DE ENDOSSO – INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 365, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – CONVERSÃO DO JULGAMENTO EM DILIGÊNCIA, NOS MOLDES DO ART. 116 DO REGIMENTO INTERNO DESTA CORTE, SOB PENA DE EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO.   O peticionamento eletrônico torna, presumidamente, verídicos os documentos juntados com a inicial. Entretanto, tratando-se de cópia digital de título executivo extrajudicial ou outro documento relevante à instrução do processo, o juiz poderá determinar o seu depósito em cartório ou secretaria.   Na espécie, ausente nos autos os cheques originais, que dão lastro à monitória, e dada a possibilidade de circulação dos títulos mediante endosso, impõe-se a conversão do julgamento em diligência, em conformidade com art. 116, caput, do Regimento Interno desta Corte. (SANTA CATARIA, 2018a).

Por outro lado, vem surgindo nova possibilidade quanto à apresentação do título executivo extrajudicial em sede de demanda via sistema de processo eletrônico. Nesse mesmo itinerário, destaca-se A Circular nº 192 de 1º de setembro de 2014[4], determinou que a exigência prevista no princípio da cartularidade pode ser vencida com a simples aposição na cártula de que essa se encontra vinculada ao processo e devolvida ao seu possuidor.

Corroborando com o sobredito, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJ-SC) decidiu:

Ainda sobre o tema, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJ-SC) decidiu:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. FINANCIAMENTO DE VEÍCULO. DEMANDA QUE TRAMITA EM MEIO ELETRÔNICO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE DETERMINOU A EMENDA DA INICIAL PARA APRESENTAÇÃO DA VIA ORIGINAL DO TÍTULO DE CRÉDITO EM CARTÓRIO, A FIM DE EFETIVAR A SUA VINCULAÇÃO AO PROCESSO ELETRÔNICO, CONFORME RECOMENDAÇÃO EXARADA NA CIRCULAR N. 192/2014 DA CORREGEDORIA-GERAL DE JUSTIÇA. COMANDO JUDICIAL NÃO ATENDIDO PELA PARTE AUTORA. CONSEQUENTE EXTINÇÃO DA AÇÃO, COM FULCRO NO ART. 330, IV E ART. 485, I, AMBOS DO CPC/2015. INSURGÊNCIA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA.   RECORRENTE QUE DEFENDE A DESNECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO DA VIA ORIGINAL E SUSTENTA O EXCESSO DE FORMALISMO DO JULGADOR SINGULAR. TESE NÃO ACOLHIDA. TÍTULO ORIGINAL QUE É INDISPENSÁVEL, EM RAZÃO DOS PRINCÍPIOS DA CARTULARIDADE E CIRCULARIDADE, CONFORME ART. 2º, §1º, DA LEI N. 10.931/2004. NECESSIDADE DE REALIZAR A VINCULAÇÃO DA CÁRTULA AO PROCESSO DIGITAL, POR MEIO DA APOSIÇÃO DO CARIMBO (MODELO 45), CONFORME RECOMENDAÇÃO EXARADA NA CIRCULAR N. 192/2014 DA CORREGEDORIA-GERAL DE JUSTIÇA. SENTENÇA MANTIDA.   RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.   “De acordo com o art. 29, §1º, da Lei n. 10.931/2004, a circularidade da cédula de crédito bancário permite a negociação dos direitos dela decorrentes com terceira pessoa mediante endosso em preto[5]. Outrossim, pelo princípio da cartularidade, entende-se indispensável à propositura de ações de execução e de busca e apreensão a apresentação do referido título de crédito na via original, porquanto somente com a respectiva juntada restará comprovado que o credor não negociou o seu crédito. Não obstante a necessidade de exibição da cártula em Juízo, esta Segunda Câmara de Direito Comercial, refluindo do posicionamento outrora adotado, deliberou pela desnecessidade de depósito da cédula de crédito bancário, em se tratando de processo judicial em trâmite por meio eletrônico, bastando tão somente, para fins de impedir a transferência do crédito, a aposição, no aludido documento, do carimbo padronizado “modelo 45”, por intermédio do qual se vinculará o título ao litígio em trâmite, permanecendo a cártula em poder da parte credora (SANTA CATARIA, 2018b, grifo nosso)

Desta forma, percebe-se que o advento do Processo Judicial Eletrônico vem dando nova roupagem ao princípio da cartularidade, tornando-o relativizado e até mesmo mitigado pelos novos paradigmas de apresentação do título extrajudicial envolvendo demanda via peticionamento eletrônico.

CONSIDERAÕES FINAIS

Diante dos estudos apontados, aduz-se que o princípio da cartularidade, vai, aos poucos, sendo mitigado diante das constantes evoluções do sistema de informática que requer um sistema mais seguro e mais ágil em respeito à evolução do mundo contemporâneo.

O estudo possibilitou desvendar a inquietude da pesquisa consignada na percepção da fragilidade do princípio da cartularidade frente ao avanço dos meios patrocinados pela informática que é capaz de eclipsar a utilização de papel em conflito com o sistema dotado de sinais tecnológicos. 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Código Civil. LEI n. 10.406, de 10 de JANEIRO de 2002. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/2002/L10406.htm&gt;>. Acesso em: 16 set. 2018.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Processo Judicial Eletrônico. < http://www.cnj.jus.br/tecnologia-da-informacao/processo-judicial-eletronico-pje.> Acesso em: 28 out. 2018.

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

CHAGAS, Edilson Enedino das; (coord.) Pedro Lenza. Direito empresarial esquematizado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

GOMES, Fábio Bellote. Manual de direito empresarial. 7. ed. rev. atual e ampl. Salvador: JusPoidivm, 2018.

MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: títulos de crédito. 5. ed. São Paulo: Atlas. 2009. v.3.

MARTINS, Fran. Curso de direito comercial. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

MINAS GERAIS. TJ-MG – AC: 1.0702.11.053960-9/001, Apelante: Vitral Vidros Planos Ltda. Apelado: Jorgimar Bernardes Silva e outros. Relator: Marco Antônio de Melo, Data do Julgamento: 18/11/2015, Décima Segunda Câmara Cível. Disponível em: < https://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaNumeroCNJEspelhoAcordao.do?numeroRegistro=1&totalLinhas=1&linhasPorPagina=10&numeroUnico=1.0702.11.053960-9%2F001&pesquisaNumeroCNJ=Pesquisar

> Acesso em: 22 mar. 2018.

MINAS GERAIS. TJ-MG – PORTARIA CONJUNTA Nº 411/PR/2015, Presidente e Vice-Presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Corregedor-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais. Data da Publicação: 21/05/2015. Disponível em: <http://www8.tjmg.jus.br/institucional/at/pdf/pc04112015.pdf> Acesso em: 30 out. 2018.

RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. 2. ed. São Paulo:

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ROSA, Luiz Emygio F. Títulos de Crédito. 7. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2011.

SANTA CATARINA. TJ-SC–AC2013.008947-7, Apelante: Hi Administradora de Ativos. Apelado: Zélia Felício. Relator: Robson Luz Varella, Data de Julgamento: 06/08/2013, Segunda Câmara de Direito Comercial Julgado. Disponível em:

<http://busca.tjsc.jus.br/jurisprudencia/#resultado_ancora>. Acesso em: 30 out. 2018a.

SANTA CATARINA. TJ-SC – AC0301653-93.2016.8.24.0022,Apelante: Banco Volkswagem S/A Apelado: Sebastião Emerson Farias dos Santos, A Relator: Rejane Andersen,Data de Julgamento: 18/07/2017, Segunda Câmara de Direito Comercial Julgado. Disponível em: <http://busca.tjsc.jus.br/jurisprudencia/#resultado_ancora>. Acesso em: 30 out. 2018b.



[1]Estudante regular do programa de curso para doutorado em Direito Constitucional da Facultad de Derecho de la Universidad de Buenos Aires – UBA (2019). Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino – UMSA – (2017).). Professor Orientador do Centro de Pesquisa das Faculdades Integradas do Norte de Minas – FUNORTE. E mail : eeddmilson@ig.com.br

[2] Graduando no curso de direito das Faculdades integradas do Norte de Minas – FUNORTE. E mail.: cissoares4@gmail.com

[3] O feudalismo foi um modo de organização social e político baseado nas relações servo-contratuais (servis). Disponível em: <  https://pt.wikipedia.org/wiki/Feudalismo>. Acesso em: 17 jan. 2019.

[4] Circular nº 192, 1 º de setembro de 2014. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/atos-normativos?documento=2012>. Acesso em: 22 mar. 2019.

[5] O endosso em preto ocorre quando o endossante identifica expressamente o endossatário. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Lei/L10.931.htm>. Acesso em: 22 mar. 2019.

Como citar e referenciar este artigo:
RODRIGUES, Edmilson Araujo; SILVA, Ana Cecília Soares da. Os avanços tecnológicos e a relativização ao princípio da cartularidade. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2019. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/empresarial/os-avancos-tecnologicos-e-a-relativizacao-ao-principio-da-cartularidade/ Acesso em: 30 dez. 2024