Direito Empresarial

Indivisibilidade e Universalidade do Juízo Falimentar – Grupo Societário – Falência da Controladora

Indivisibilidade e Universalidade do Juízo Falimentar – Grupo Societário – Falência da Controladora

 

 

J. A. Almeida Paiva(1)

 

 

Vinculação do Grupo Societário à falência da “controladora de fato”, quando constituído fora da L. 6404/1976 face à disregard doctrine”

 

Doutrinando sobre o tema, NELSON NERY JUNIOR afirma: “Diz-se indivisível o juízo da falência porque ele atrai todas as ações e questões atinentes aos bens, interesses e negócio da falida. Todas juntas formam o procedimento falimentar. Diz-se ser o juízo universal porque para ele concorrem todos os credores do devedor, civis e comerciais (LF23). Alguns créditos estão afastados do juízo universal da falência (LF 23 par. ún). A ação de restituição (LF 74 e ss) se processa no juízo universal da falência”. (2)

 

A unidade do juízo falimentar é ditada por RUBENS REQUIÃO: “pela natureza coletiva do processo de falência e pelo princípio da par condicio creditorum todos os credores que ocorrem ao processo de falência devem ser tratados com igualdade em relação aos demais credores da mesma categoria. Somente a unidade e a universalidade do juízo poderiam assegurar a realização dessas regras”.(3)

 

É princípio rudimentar de direito que a falência do devedor deve ser requerida, decretada e processada na sede do seu estabelecimento principal; o conceito de “estabelecimento principal já foi ditado pelo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: “entende-se como tal onde se acha a sede administrativa da empresa, isto é, o comando dos negócios”.(4)

 

No mesmo sentido outras decisões dos Tribunais: “Estabelecimento principal, conforme texto supra, não é aquele a que os estatutos da sociedade conferem o título de principal, mas o que forma concretamente o corpo vivo, o centro vital das principais atividades comerciais do devedor, a sede ou núcleo dos negócios, em sua palpitante vivência material”.(5)

 

A propósito, na mesma ordem de entendimento objetivando a fixação da competência para o Juízo Falimentar, MIRANDA VALVERDE justificando que ela tem apoio na jurisprudência pacificada, doutrina: “Se o comerciante, pessoa natural ou jurídica, tiver vários estabelecimentos em jurisdição diferente, o seu domicílio para os efeitos da Lei de Falências é o lugar onde estiver a sede administrativa dos negócios. A sede administrativa é, com efeito, o ponto central dos negócios, de onde partem todas as ordens, que imprimem e regularizam o movimento econômico dos estabelecimentos produtores. As relações externas, com fornecedores, clientes, bancos, etc., realizam-se por seu intermédio. Na sede da administração é que se faz a contabilidade geral das operações, onde, por isso, devem estar os livros legais de escrituração, os quais, mais do que o valor pecuniário ou a importância do estabelecimento produtor, interessam na falência ou concordata, à Justiça. Não há, acreditamos, divergência sobre esse ponto, ainda mesmo quando conste do registro de pessoa jurídica, ou de inscrição de firma individual, em domicílio diverso do lugar em que se encontra a sede da administração.” (6)

 

Daí a consagrada expressão de CARVALHO DE MENDONÇA: “O juízo da falência é um mar onde se precipitam todos os rios”. (7)

 

Em resumo, o festejado RUBENS REQUIÃO doutrinando sobre o conceito de juízo competente esclarece “que o conceito de principal estabelecimento nem sempre confere com o de domicílio do devedor, ou da sede estatutária de sociedade comercial. Principal estabelecimento é a sede efetiva da direção dos negócios da empresa, onde se situa, na feliz expressão de CARVALHO DE MENDONÇA, o governo de seus negócios”. (8)

 

Definida assim a competência do juízo da falência, “resta examinar a implicação básica deste fato e consubstanciada no seguinte: O juízo da falência é indivisível e sua competência é absorvente e atrativa.” (9)

 

O conceito de unicidade, indivisibilidade e universalidade vem definido no § 2º, do art. 7, do DL 7.661/45 ao estabelecer que: “O juízo da falência é indivisível e competente para todas as ações e reclamações sobre bens, interesses e negócios da massa falida, as quais serão processadas na forma determinada nesta lei”.

 

O STF por diversas vezes já esclareceu que a força atrativa do juízo falimentar, principalmente para os seguintes procedimentos em que a massa falida atua em juízo como: a) autora; b) litisconsorte ativo; c) ré; d) litisconsorte passivo.

 

A indivisibilidade da competência manifestada pelas características de absorvente e atrativa, que implica em seu caráter unitário quer dizer que só pode haver um único juízo falimentar para um mesmo devedor, pouco importando, como afirmam os doutrinadores, que ele possua estabelecimentos em diversos outros municípios, ou mesmo Estados da Federação.

 

Dentro deste princípio, norma o § 4º, do DL 7661/45 que “os bens penhorados ou por outra forma apreendidos, salvo tratando-se de ação ou execução que a falência não suspenda, entrarão para a massa, cumprindo ao juiz deprecar, a requerimento do síndico, às autoridades competentes, a entrega deles”; quem propôs anteriormente à falência qualquer medida que importe em apreensão, penhora, seqüestro, arresto deve levar à massa falida tais bens e se não o fizer, o Síndico sob pena de responsabilidade deverá arrecadá-los e responsabilizar o autor por perdas e danos se eventualmente foram alienados, destruídos, perdidos ou deteriorados (DL 7661/45, art. 63, XVI, XVII).

 

Estes princípios, de uma maneira geral, com raras exceções, foram mantidos na nova Lei de Falências e de Recuperação Judicial e extrajudicial (L. 11.101/2005), principalmente no § 8º, do art.6º que norma: “A distribuição do pedido de falência ou de recuperação judicial previne a jurisdição para qualquer outro pedido de recuperação judicial ou de falência, relativo ao mesmo devedor.”

 

O art. 76 da L. 11.101/2005 , sob o mesmo diapasão, disciplina: “O Juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo”.

 

Numa visão pragmática da situação, se levarmos em consideração que pelo art. 102 do L. 11.101/2005 “O falido fica inabilitado para exercer qualquer atividade empresarial a partir da decretação da falência e até a sentença que extingue suas obrigações, respeitado o disposto no § 1º do art. 181 desta lei”, parece evidente que quando existe o denominado “GRUPO DE SOCIEDADES, SOCIEDADES COLIGADAS, CONTROLADORAS E CONTROLADAS E CONSÓRCIO”, impõe-se uma cautelosa análise da natureza jurídica, e da forma como foram constituídas, principalmente quando uma das empresa falir sob a égide do DL 7661 e seus efeitos foram extendidos às demais, já sob a disciplina da L. 11.101/2005.

 

Se as Sociedades Coligadas, Controladoras e Controladas, o Grupo de Sociedades e os Consórcios de Empresas tiverem sido constituídos dentro da disciplina da Lei nº 6.404, de 15/12/1976 (não revogada pelo CC 2002), deve-se observar a aplicar as normas legais e o que for estatuído em seus Estatutos.

 

No entanto, como ocorre o mais das vezes, existem Grupos de Sociedades à margem do sistema legal, irregular, constituindo-se em “Grupo de Fato”; quando isto acontece estamos diante de uma situação anômala onde deve prevalecer o bom senso frente a uma minuciosa e profunda análise fática sobre a finalidade e atuação destas empresas, que normalmente é incompatível com o ordenamento jurídico, segundo doutrina MODESTO CARVALHOSA.(10)

 

Para tanto vamos ver o que diz o renomado FÁBIO ULHOA COELHO sobre o tema.

 

Doutrina o ilustre Mestre da PUCSP que “A associação de esforços empresariais entre sociedades, para a realização de atividades comuns, pode resultar em três diferentes situações: os grupos de fato, os de direito e os consórcios”, (11)

 

Aliás, o art. 265 da L. 6.404/76 dá o conceito de Grupo de Sociedades: “A sociedade controladora e suas controladas podem constituir, nos termos deste Capítulo, grupo de sociedades, mediante convenção pela qual se obriguem a combinar recursos ou esforços para a realização dos respectivos objetos, ou a participar de atividades ou empreendimentos comuns.”

 

O Mestre entende que os grupos “se estabelecem entre sociedades coligadas ou entre controladora e controlada. Coligadas são aquelas em que uma participa de 10% ou mais do capital social da outra, sem controlá-la. Já controladora é aquela que detém o poder de controle de outra companhia. Em regra, a lei veda a participação recíproca entre a sociedade anônima e suas coligadas ou controladas, abrindo exceção somente para as hipóteses em que a companhia pode adquirir as próprias ações (LSA, arts. 244 e 30, § 1º, b)”. (12)

 

A grosso modo existem os denominados “GRUPOS DE SOCIEDADES”, que na doutrina de ARNOLDO WALD surgem da “necessidade de conquistar mercados novos, consolidar os existentes, distribuir melhor os seus produtos, organizar-se em consonância com as regiões econômica ou estratégica de administração” fatos que “têm levado as empresas à fragmentação em diferentes unidades jurídicas, dotadas de personalidade própria, mas sempre ligadas a uma orientação geral centralizada”.(13)

 

Há aspectos comerciais, tributários, societários e falimentares envolvendo tais grupos cuja matéria é abrangentemente tratada na Lei Societária vigente (L. 6.404/76), onde se distingue duas grandes espécies de relacionamento entre sociedades, como doutrina MODESTO CARVALHOSA à luz do CC 2002: “O art. 1098 (CC 2002) traz uma definição legal de controlada, dividindo a respectiva situação jurídica em duas hipóteses: a primeira de controle direto de outra pessoa jurídica, e a segunda de controle indireto pelo encadeamento de sociedades. Neste último caso deve ser cogitado o regime de holding controladora de todo o grupo empresarial, que ramifica esse mesmo controle para outras sociedades operacionais, que, por sua vez, controlam verticalmente, no organograma do grupo, outras sociedades também operacionais. O art. 1098 faz distinção nos seus incisos I e II entre controle direto e controle indireto das sociedades do Grupo. No primeiro caso, de controle direto, a holding de controle é titular direta de ações da controlada, aptas a permitir a maioria de votos para impor sua vontade nas deliberações sociais e para eleger a maioria dos seus administradores. Nesse caso, portanto, há uma relação direta entre a controladora e a controlada, que se opera pela participação societária majoritária em relação aos demais sócios. O controle direto, no caso, exerce-se, desse modo, pela titularidade pela controladora de quotas de capital da controlada. Não há, assim, nenhuma interrupção nesse segmento, daí resultando uma responsabilidade direta da controladora sobre a controlada por perdas e danos e por lucros cessantes por eventual abuso no exercício desse mesmo poder de controle”. (14)

 

Na prática, certos Grupos Econômicos também chamados no linguajar popular como “empresas de fundo de quintal”, são criadas por uma controladora, geralmente com finalidades não tanto lícitas, muitas vezes de um sócio só, sendo os demais “laranjas”, que se organizam em uma “holding de fato” – se a tanto podemos nominá-la assim, – ou “Grupo societário de fato” com Administração própria, mas sem vontade e nem poderes de direção que permanecem “as escondidas” nas mãos do controlador, que também pode atuar como “sócio oculto”.

 

O direito alemão regulamentou exaustivamente os grupos de sociedades, sendo que a Aktiengesetz distinguiu os grupos de fato (faktische Konzern) dos grupos de sociedades constituídos de jure e das sociedades incorporadas (eingegliederte Gesellschaften).

 

A partir do momento em que uma sociedade é dominada por outra, aplicam-se normas especiais de proteção não podendo a empresa dominante (ou o controlador) induzir a controlada a realizar negócios danosos.

 

“Essa evolução tem levado o legislador, os tribunais e a doutrina à teoria da superação ou “desconsideração” da personalidade jurídica da empresa (disregard of legal entity), que os EUA já aplicam há longos anos e que tem predominado no direito fiscal e trabalhista brasileiro, com alguns reflexos no próprio direito falimentar”, doutrina ARNOLDO WALD, com apoio em RUBENS REQUIÃO. (15)

 

Podemos simplificar a questão na legislação nacional afirmando que temos o denominado Grupo de Direito (holding) e os Grupo de fato; a holding “é o conjunto de sociedades cujo controle é titularizado por um controlador e que, mediante convenção de jure disciplinam legalmente a cerca da combinação de esforços ou participação em atividade ou empreendimentos comuns, formalizando esta relação interempresarial. O grupo deve possuir designação, da qual constará palavra identificadora da sua existência (grupo” ou “grupo de sociedades”: art. 267 da LSA), e devem estar devidamente registrado na Junta Comercial”.(16)

 

Por outro lado o “Grupo de fato” se estabelece entre sociedades coligadas ou entre controladora e controlada, não tendo uma personalidade jurídica própria englobando todas as empresas, cujos negócios se confundem e se entrelaçam por aspectos fáticos de promiscuidade que podem ser facilmente apurados e determinados na relação interempresarial formalizada; muitas vezes os sócios de uma empresa integra a outra ou a própria sociedade “a” integra o capital da sociedade “b”, formando por diversas maneiras de caracterizar o agrupamento, o Grupo Econômico que em última análise está sob o comando de uma só pessoa ou uma só empresa, levando danos e prejuízos à sociedade.

 

Tais empresas controladas estão para a controladora assim como os planetas para o Sol: giram ao seu redor e em função de sua força de gravidade e rotação; se o Sol explodir ou parar em sua trajetória, os planetas perderão seu referencial e controle; todavia a recíproca nem sempre é verdadeira.

 

Ora, provada a existência de um “Grupo de fato” ou mesmo “Grupo de Direito”, existirá sempre o controlador; se este quebra ou tem sua falência decretada sob a égide do DL 7661/45, as demais são subordinadas ou controladas pela empresa “mestre” ou pelo “controlador falido”.

 

Geralmente nestes casos o Ministério Público e o Síndico apuram fraudes e desvios que levam fatalmente à disregard of legal entity, não só das empresas como do controlador e demais sócios, administradores e gerentes.

 

Se houver a extensão dos efeitos da falência às demais empresas de um mesmo Grupo Econômico ou societário, é curial que a competência para processar as falências das empresas “controladas” ou “subordinadas”, muito embora falidas sob a égide da L. 11.101/2005, será sempre a do juízo indivisível e universal da falência da “controladora” ou do “sócio falido”, ainda que a falência das controladas “autônomas, mas ilegalmente entrelaçadas” tenha se dado sob a disciplina do DL nº 7661/45.

 

São Paulo, 28-08-2005.

 

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(1) J A Almeida Paiva é Advogado em São Paulo e Professor de Processo Civil com Mestrado na PUCSP.

 

(2) Novo Código Civil, em RT 2002, em Nota ao art. 7º da Lei de Falência (DL 7661/45), pág. 975)

 

(3) Curso de Direito Falimentar, Ed. Saraiva1989, 1º vol., nº 64, pág. 87.

 

(4) STJ – 2ª Seção, CC 1.779-PR, Rel. Min. NILSON NAVES, j. 14.8.91, p. 12.170.

 

(5) RTJ 81/705. No mesmo sentido: STJ-RT 714/244; STJ-RJ 254/57, sic THEOTÔNIO NEGRÃO, CPC, 32ª ed. Saraiva, 2001. nota 2, ao art. 7º, pág. 1375

 

(6) MIRANDA VALVERDE, Comentários à Lei de Falências, I, pág. 84., citado pelo Min. NELSON HUNGRIA.

 

(7) Citado por AMADOR PAES DE ALMEIDA, Curso de Falência e Concordata, 11ª ed. Saraiva, 1992, n] 66, pág. 137

 

(8) Curso de Direito Falimentar, 12ª ed. Saraiva, 1990, 2º vol. N] 362, pág. 64.

 

(9) WALTER T. ALVARES, Direito Falimentar, 6ª ed. Sugestões Literárias, 1977, n] 169, pág. 162.

 

(10) MODESTO CARVALHOSA, Comentários ao Código Civil, Ed. Saraiva, 2002, vol. 13, pág. 421.

 

(11) FÁBIO ULHOA COELHO, Manual de Direito Comercial, 7ª ed. Saraiva, nº 17, pág. 202.

 

(12) Idem. Tanto a Lei Societária (Lei nº 6.404/76) como a LSA continuam em vigor após o CC/2002, com as alterações introduzidas no Novo Civil.

 

(13) ARNOLDO WALD, Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 40, ed. Saraiva, 1980, pág. 199.

 

(14) MODESTO CARVALHOSA, Comentários ao Código Civil, 1ª edição Saraiva, 2003, vol. 13, págs. 423/424.

 

(15) ARNOLDO WALD, Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 40, e, Saraiva, 1980, pág. 215.

 

(16) Idem, fls. 203.

 

 

 

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Como citar e referenciar este artigo:
PAIVA, J. A. Almeida. Indivisibilidade e Universalidade do Juízo Falimentar – Grupo Societário – Falência da Controladora. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/empresarial/indivisibilidade-e-universalidade-do-juizo-falimentar-grupo-societario-falencia-da-controladora/ Acesso em: 22 dez. 2024