Uma Séria Incongrência na Legislação
Mário Guerreiro
O TSE decidiu que políticos que são réus em processos criminais, ações de improbidade administrativa e/ou ações civis públicas, sem condenação em última instância, podem se candidatar a eleições de 2008.
Tal decisão está plenamente respaldada na lei, embora para boa parte dos eleitores possa parecer extremamente complacente, principalmente quando a classe política – em virtude das mais variadas infrações da lei de muitos de seus membros – é uma das mais desacreditadas aos olhos da opinião pública.
Fosse o caso de uma taxa de 5% de fortes suspeitos de corrupção e o caso estaria dentro da margem de tolerância, uma vez que corrupção zero não passa de uma bela utopia contrária à natureza humana. Mas taxas tão baixas são as de países como a Finlândia e a Coréia do Sul. A nossa está perto de 40%. Pouco falta para chegarmos à metade!
Se alguém por acaso está querendo comprar uma caixa de tomates e verifica que cerca de 40% dos tomates está podre, obviamente ele não quererá examinar o resto e não hesitará em recusar a compra sob a alegação de uma justificável generalização, a de que a caixa toda está podre. Não se poderia esperar outra reação da parte do comprador.
Ora, se em qualquer instituição é verificado que 40% dos seus membros estão “podres”, para todos os efeitos é a instituição que está “podre”. E não me venham com essa de que “não se pode criticar a instituição”. Só se forem as classes políticas dos mencionados países em que uma ínfima minoria de seus membros suspeitos de corrupção não configura o perfil de suas respectivas instituições.
Além disso, pode ser mera coincidência, mas já foi constatado que países possuidores de baixo grau de corrupção em todos os setores da sociedade são também possuidores de alto nível de educação – como são os conhecidos casos da Coréia do Sul e da Finlândia. E a contrapartida é também verdadeira: países com alto grau de corrupção generalizada são países de baixo nível educacional. Entre outros, a Venezuela, Haiti e o Brasil.
Diante disso, lançamos a seguinte hipótese a ser cuidadosamente investigada: representados mal formados e mal informados só podem mesmo ter representantes da mesma categoria. Por isso mesmo, não se pode questionar sua legitimidade. São legítimos representes do povo.
Contudo, apesar de sua aparência complacente, a referida decisão do TSE está baseada num sólido e respeitável princípio jurídico: “Todo cidadão é inocente até que se prove o contrário”. Decorre daí que os políticos que são réus em ações só poderão ser considerados culpados quando seus casos transitarem
Mas como resolver esse impasse sem ferir o princípio de presunção de inocência e sem desconsiderar o princípio de moralidade pública? Os Presidentes dos TREs fizeram uma tentativa visando à observância deste último princípio: recomendaram aos juízes eleitorais negar os registros aos candidatos que estejam respondendo a processos na Justiça.
Mas, se a tentativa satisfaz ao princípio de moralidade pública, vai de encontro ao de presunção de inocência. Além disso, abre um perigoso precedente justamente para os políticos desonestos que os TREs visam a combater: uma enxurrada de ações de cunho meramente politiqueiro, movidas tão-somente para barrar candidaturas de adversários.
Já se pensou numa alternativa para o impasse, que consistiria nos TREs divulgarem uma lista de todos os candidatos que estivessem com ações contra eles. Mas a divulgação de tal lista parece algo bastante problemático, uma vez que nela podem estar incluídos candidatos posteriormente inocentados em última instância. Neste caso, suas campanhas eleitorais teriam sido injusta e irreparavelmente prejudicadas. E o justo estaria pagando pelo pecador.
Desconheço qual seja a saída para esse impasse capaz de conciliar os dois referidos princípios. O que não consigo entender, de nenhum modo, é observância da presunção de inocência no caso de candidatos a cargos políticos e a sua não-observância no caso de candidatos ao funcionalismo público em que basta um processo na Justiça, para que seja recusada uma inscrição em nome da moralidade do serviço público.
Será que todos os cidadãos são iguais perante a lei, mas alguns cidadãos – os da classe política – são “mais iguais” do que outros?!
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