Direito Eleitoral

Neogolpismo lá, aprendizes de golpistas aqui, ali e acolá

Afastamento de um Presidente da República em menos de 48 horas de processo. Inimaginável em qualquer nação séria. Quando falo em séria, refiro-me a uma
nação que tenha suas bases em um Estado democrático de direito, tendo uma Constituição democrática como umas das principais fontes da legislação nacional.

O Paraguai tem uma Constituição e está sob a égide de um Estado de direito (formalmente, mas está). Fernando Lugo caiu não por contrariar a Constituição
(embora digam que sim) e nem o processo de seu impeachment foi com base na Constituição (embora digam que sim). Ou aquela Constituição não é
democrática (por não garantir a qualquer acusado um processo justo, com contraditório e ampla defesa); ou não foi respeitada. O Presidente do Paraguai caiu
porque existia contra ele uma absoluta maioria que queria vê-lo fora do poder.

Mutatis mutantis, no Brasil temos uma Constituição democrática e estamos sob a égide de um Estado democrático e de direito, porém, notoriamente se constata
que em todas as esferas da República, ou seja, tanto na União, Estados ou Municípios há a necessidade dos executivos construírem uma “governabilidade” a
partir das forças que compõe o Parlamento. Assim, em regra, as forças políticas que governam não são propriamente as que saíram das urnas, que ganharam a
eleição, mas sim a composição da que ganhou, com outras que perderam, e que precisam “estar no poder para garantir a governabilidade”. Portanto, os
governos eleitos precisam “adquirir a governabilidade”, não a partir do resultado oficial das urnas, mas da construção de maiorias muitas vezes
artificiais.

Embora o termo “adquirir a governabilidade” possa parecer estranho, de certa forma é assim mesmo, ou seja, a governabilidade é adquirida, no toma lá dá cá,
dá-se algo, por algo em troca. O governando precisa, assim, adquirir uma “autorização tácita” para governar; se não o fizer corre o risco de ser impedido,
cassado. O que foi expressa e democraticamente conquistado na urna corre o risco de ser cassado pelo Parlamento, caso não consiga adquirir a maioria que
sustente a governabilidade. E isso é legal? Sim. Ao menos formalmente legal (pra quem o formalismo legal é suficiente).

No caso dos Municípios, ainda temos o Decreto-Lei 201, de 1967, ou seja, do auge do regime ditatorial, que permite que as Câmaras de Vereadores cassem o
mandato de prefeito (ou de vereador) que não adquire ou sustente uma maioria nas casas legislativas. Temos notado em muitos Municípios o incremento dessa
prática por maiorias que, muitas vezes, são artificialmente formadas, com o único objetivo de casar o mandato dos prefeitos. O motivo para a cassação? Esse
não importa, ou seja, qualquer motivo é motivo.

Tudo isso, sob o manto do famigerado Decreto-Lei 201 de 1967 que, conforme o entendimento majoritário de nossos tribunais, foi “recepcionado’ pela
Constituição brasileira. Portanto, o neogolpismo (pelo parlamento e não pelas forças armadas) não é exclusividade do nosso vizinho Paraguai. Temos, também,
os nossos aprendizes de golpistas. Alguns morrem na casca, mas outros (muito cuidado com eles) conseguem sobreviver.

Edson Luís Kossmann

Dallagnol Advogados Associados

edsonlk@hotmail.com

www.advogadosdallagnol.com.br

Como citar e referenciar este artigo:
KOSSMANN, Edson Luís. Neogolpismo lá, aprendizes de golpistas aqui, ali e acolá. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2012. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/eleitoral/neogolpismo-la-aprendizes-de-golpistas-aqui-ali-e-acola/ Acesso em: 21 nov. 2024