Direito Eleitoral

Aula de Direito Eleitoral II

 

 

 

4. Democracia.

 

O Direito Eleitoral tem autonomia científica, didática e normativa, mas depende, visceralmente, do sistema político adotado. A autonomia científica desse ramo do Direito Público decorre da existência de normas e princípios que lhe são exclusivos. A autonomia didática constata-se pela presença da disciplina dos cursos jurídicos, inclusive de pós-graduação. No tocante à autonomia normativa, é inegável a existência de leis que somente se aplicam ao processo eleitoral, não servindo, nem mesmo subsidiariamente, a nenhum outro ramo do Direito, tais como o Código Eleitoral (Lei n. 4.735/65), a Lei das Eleições (Lei 9.504/97), a Lei das Inelegibilidades (LC n. 64/90) e outras mais. Como o Direito Eleitoral guarda relação com o sistema político e o Brasil, de acordo com a Constituição Federal, é uma Democracia, interessa firmar o conceito desse regime. O constitucionalista José Afonso da Silva enfatiza que não se deve entender democracia apenas como um conceito teórico da Ciência Política, e sim como um conceito que vem sendo construído historicamente e que possui relação direta com os chamados direitos fundamentais do povo, devendo se negar esse conceito ao ordenamento jurídico que não reconheça os direitos humanos. Na democracia, o poder emana do povo, porém nem sempre é exercido diretamente pelo povo, daí o mecanismo da representatividade, pelo qual se elegem os representantes do povo. A Constituição Federal prevê a modalidade de exercício direto da democracia pelo povo (art. 14, I, II e III), o que leva a doutrina a classificar a democracia brasileira como semidireta.

 

 

Do Golpe Militar de 64 à Constituinte.

 

Vale recordar que o atual sistema político brasileiro, considerado o mais democrático da história do país, veio com a promulgação da Constituição de 1988, após um período de ditadura militar instaurado em 1964, quando foi derrubado o governo do Presidente João Goulart, que havia assumido a poder em face da renuncia de Jânio da Silva Quadros. Jânio e Jango, embora eleitos presidente e vice, eram de partidos e ideologias diferentes, ademais, se sequer faziam parte da mesma “chapa”, pois naquela época se escolhia diretamente o vice. Jango, como era apelidado João Goulart, herdeiro da tradição política de Getúlio Vargas, do qual fora ministro, disputava a eleição fazendo dobradinha com General Lott, que era considerado um legalista. A renuncia de Jânio Quadros, um político extremamente controverso e que teve carreira meteórica de Vereador da Cidade de São Paulo até à Presidência da República, levou ao poder, depois de muita resistência dos setores da direita e das forças armadas, um Jango enfraquecido, tanto assim que foi implantado o regime parlamentarista, com a deliberada intenção de diminuir os poderes do novo presidente. Com o passar do tempo e após uma incessante queda-de-braço entre direita e esquerda, estes últimos juntos dos progressistas, restabeleceu-se o sistema presidencialista. Restabelecida formalmente a força da presidência, Jango dividiu-se entre ações que contemplavam ora os interesses de um lado e de outro, até que tomou partido pelas ações da esquerda, provocando intensa reação da direita, especialmente da Igreja Católica. Essa situação provocou um clima de divisão e confronto no país. De um lado, cresciam as manifestações de trabalhadores urbanos, através de numerosas greves e iniciava-se a ação dos trabalhadores rurais através da ligas camponesas. Do outro lado, marchavam, literalmente, as donas de casa, a classe média e a Igreja, pelas ruas das grandes cidades do Brasil, principalmente do Rio de Janeiro. Aos poucos, o presidente Jango foi perdendo apoio dos órgãos da imprensa e até dos políticos de centro, sendo notável a participação do governo americano na urdidura de um movimento encabeçado por civis e militares que acabou por solapar o poder. Era o Golpe Militar de 64. Os políticos de direita que participaram da trama ou aderiram ao movimento, também chamado por seus simpatizantes como Revolução de 1964, logo foram alijados do comando do processo político e o Congresso Nacional foi fechado. Iniciava-se a Ditadura Militar, com a supressão dos direitos e garantias constitucionais e a total desfiguração da Constituição, passando o país a ser governado pelos militares seus Atos Institucionais. Neste período dezenas de deputados, senadores, governadores, prefeitos e vereadores tiveram seus mandatos cassados por esses atos e a nação mergulhou numa longa noite de hiato democrático. Os políticos mais importantes da esquerda, como o próprio João Goulart foram exilados. O presidente Jango foi para o Uruguai e terminou por falecer no Uruguai, em 1976. Sob a batuta, ou melhor, sob o chicote dos militares, o país conheceu uma grande expansão econômica, denominada de milagre brasileiro, cujo principal fundamento tinha sido o endividamento externo e a economia começou a se deteriorar na primeira grande crise do petróleo, no início da década de 70, indo de ladeira abaixo daí em diante. O agravamento da crise econômica provocou a descrença do povo no regime militar, o que levou o General Ernesto Geisel, o quarto governante de farda, a dar início a um processo de distenção, chamando de abertura que culminou com a volta dos políticos exilados (Brizola, Miguel Arraes, entre outros). Este processo de abertura levou à eleição indireta de Tancredo Neves, um político de centro, através do Colégio Eleitoral (Congresso Nacional), que disputara com Paulo Maluf. A eleição de Tancredo contou com o apoio dos dissidentes do próprio regime, entre eles, o então Senador José Sarney, que foi eleito vice-presidente na chapa de Tancredo. Os simpatizantes dessa nova fase da vida política do país, denominaram o movimento que elegeu Tancredo Neves como a Nova República, mas uma fatalidade mudou o rumo dos fatos, já que Tancredo Neves adoeceu e morreu às vésperas de assumir a presidência. Apesar das polêmicas políticas e jurídicas que surgiram, assumiu a Presidência da República o Senador José Sarney, que apoiara o golpe militar e tivera bastante projeção no governo ditatorial. Sarney, então, convoca a Assembléia Constituinte e os deputados e senadores eleitos em 1986 passaram a exercer seus mandatos ordinariamente no Congresso Nacional e, ao mesmo tempo, se reuniam em assembléia para fazer a nova carta política. Deste breve relato dos antecedentes políticos da atual Constituição, não poderia deixar de ser mencionado que, com endurecimento do regime militar em 1968, formaram-se vários grupos de esquerda no país que defendiam a luta armada e esse confronto entre as várias tendências foi permeado por assaltos, seqüestro e mortes. A esquerda, para financiar suas atividades, praticava assaltos a bancos e milionários, além de seqüestrar pessoas ilustres, como foi o caso do embaixador americano no Brasil. Os militantes esquerdistas envolvido nessas ações, eram chamados de terroristas pelos militares Os militares, à frente o Exército e incluindo a polícia civil de quase todos os Estados da Federação, notadamente de São Paulo, através do DOI-CODI , comandavam a repressão aos estudantes e trabalhadores, e caçavam, prendiam, torturavam e, em muitos casos, matavam. Na região do Rio Araguaia, formou-se uma célula de guerrilheiros que tentou intentar semear uma guerrilha rural, já que a urbana havia sido exterminada pelas forças militares, mas sem sucesso. Outro registro indispensável é que, nos estertores do regime militar, quando a economia tinha ido ao fundo do poço e o presidente era o General João Baptista de Oliveira, o país foi agitado pelo movimento das Diretas-já que pedia eleição direta para o Presidente da República, mas a emenda constitucional que restabelecia esse direito popular (Emenda Dante de Oliveira) foi rejeitada pelo Congresso Nacional e aos progressistas restou apenas a eleição de Tancredo Neves. O fim do regime militar, efetivamente, foi a promulgação da Constituição de 1988 e primeiro presidente eleito pelo voto direto do povo, após Jânio da Silva Quadros, foi Fernando Collor.

 

Depois desse breve relato sobre a história política recente do país, do Golpe Militar de 1964 até a Constituinte, voltemos ao estudo da democracia, sob o ponto de vista constitucional. A Constituição prevê a modalidade de exercício direto da democracia, através do PLEBISCITO, REFERENDO e PARTICIPAÇÃO POPULAR.

 

 

4.2 Plebiscito.

 

Ordinariamente pode-se consultar os eleitores sobre matéria de natureza legal ou administrativa de grande relevância e, somente a aprovação popular é que o parlamento poderá legislar sobre a matéria. No atual sistema constitucional, já houve eleição plebiscitária para definir se a forma de governo (república ou monarquia) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo), tendo vencido a opção pelo governo republicano e sistema presidencialista (art. 2º.. do ADCT ), nas eleições do dia 21 de abril de 1993. A CF prevê a realização de plebiscito em matéria de incorporação, subdivisão, desmembramento ou formação de Estados (art. 18, § 3º, da CF) e para criação, incorporação, desmembramento e fusão de Municípios (art. 18, §4º, da CF).

 

 

4.3 Referendo.

 

Ao contrário do plebiscito, o referendo popular é convocado posteriormente à aprovação do ato legislativo ou administrativo, cabendo ao eleitorado sua rejeição ou ratificação (art. 2º, § 1º, da CF) o referendo está previsto no art. 14, II e art. 49, XV, da Constituição, sem que se estabeleça condições para o seu exercício, mas foi regulamentado pela Lei n. 9.709/98. No dia 23 de outubro de 2005 o Brasil votou o referendo do desarmamento, em que se perguntou aos eleitores: “O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?”. A resposto vencedora, foi o “não”, com cerca de 59 milhões de votos, enquanto pouco mais de 33 milhões de eleitores optaram pelo “sim”, tendo havido uma abstenção de 26 milhões de eleitores. O “não” venceu em todos os Estados e, no RS, contou com o apoio de quase 87% dos votantes. Desta forma, rejeitou-se o art. 35, da Lei n. 10.826/03, que tinha a seguinte redação: “Art. 35 – É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6º desta Lei”.

 

4.4 Projeto de Lei de Iniciativa Popular.

 

O povo pode apresentar diretamente projeto de lei ao Poder Legislativo, desde que subscrito por pelo menos 1% do eleitorado, votado em pelo menos 05 Estados e obtenha, no mínimo, em todos eles, 0,3 (três décimos) do total de eleitores. Superada essa fase, o projeto será encaminhado à Câmara dos Deputados, vez que esta é a casa que, teoricamente, representa o povo, já que o Senado, representa o Estados.

 

A Lei n. 9.840/99 , nasceu de iniciativa que teve forte participação da CNBB e CBJP e após muitas discussões e debates pelo país afora, e, ao final, depois de um esforço muito grande, inclusive dos canais de televisão, mais de um milhão de assinaturas foram coletadas e o projeto entregue à Câmara dos Deputados. Em Pernambuco, pouco mais de 16.000 eleitores assinaram o projeto, enquanto em São Paulo quase 400 mil foram coletadas. Roraima foi o Estado de menor participação, pois apenas 98 (noventa e oito) eleitores se dispuseram a apor suas assinaturas no projeto.

 

4.5 Outras formas de participação popular.

 

Aos eleitores é garantido outras formas de participação popular, embora em matérias não ligadas diretamente ao processo eleitoral ou aos direitos políticos, como é o caso da participação no TRIBUNAL DO JÚRI (art. 5º, XXXVIII, da CF) e como autor de AÇÃO POPULAR (art. 5º., LXXIII, da CF).

 

 

* Augusto N. Sampaio Angelim, Juiz Eleitoral

 

Fonte: http://www.augustonsampaioangelim.recantodasletras.com.br/visualizar.php?idt=1649249

 

Como citar e referenciar este artigo:
ANGELIM, Augusto N. Sampaio. Aula de Direito Eleitoral II. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/eleitoral/aula-de-direito-eleitoral-ii/ Acesso em: 19 nov. 2025