Direitos Humanos

O surgimento dos direitos humanos na Universidade de Salamanca

El surgimiento de los derechos humanos en la Universidad de Salamanca

The emergence of human rights at the University of Salamanca

Benigno Núñez Novo[1]

RESUMO: Este artigo tem por objetivo de forma sucinta fazer um breve estudo sobre o surgimento dos direitos humanos na Universidade de Salamanca. As obras centrais de Francisco de Vitória e demais pensadores de Salamanca são de suma importância para fundamentação filosófica dos direitos humanos no mundo contemporâneo.

PALAVRAS-CHAVE: Surgimento;Direitos; Humanos; USAL. 

RESUMEN: Este artículo tiene como objetivo estudiar brevemente el surgimiento de los derechos humanos en la Universidad de Salamanca. Las obras centrales de Francisco de Vitória y otros pensadores salmantinos son de suma importancia para la base filosófica de los derechos humanos en el mundo contemporáneo.

PALABRAS CLAVE: Aparición; Derechos; Humanos; USAL.

ABSTRACT: This article aims to briefly study the emergence of human rights at the University of Salamanca. The central works of Francisco de Vitória and other thinkers from Salamanca are extremely important for the philosophical foundation of human rights in the contemporary world.

KEYWORDS: Emergence; Rights; Humans; USAL.

INTRODUÇÃO

Os direitos humanos são os direitos e liberdades básicas que devem gozar todos os seres humanos, pressupondo o acesso às condições elementares para o gozo de uma vida digna, além de garantir a liberdade de pensamento e de expressão e a igualdade perante a lei. São direitos humanos básicos: direito à vida, à liberdade de expressão de opinião e de religião, direito à saúde, à educação e ao trabalho.

Por meio disso, os direitos humanos são todas as garantias de nascença e liberdades básicas que envolvem a vida humana. Pela dignidade e pela garantia de uma vida sem que exista qualquer discriminação. Esta última, abrangendo: racismo (preconceito por cor); intolerância religiosa; xenofobia (preconceito por nacionalidade); homofobia (gênero e orientação sexual); opção política.

Os direitos humanos são uma garantia de valores de abrangência universal. O objetivo é garantir o mínimo para a vida humana ser digna e respeitada segundo as próprias liberdades. Segundo a Organizações das Nações Unidas (ONU), os direitos humanos significam a garantia de proteção às pessoas. Isso abrange as ações (ou falta delas) por parte do Estado que possam pôr em risco a dignidade da vida humana.

Basicamente, os direitos humanos são o direito à livre expressão (opinião e religião), direito à saúde básica, à educação (alfabetização, sobretudo) e a trabalho digno.

O humanismo latino da Escola de Salamanca durante o século XVI, coloca-nos diante do que pode ser entendido como o último grande esforço escolástico, já diante de um debate próximo da modernidade com as intensas problemáticas em torno de um século tão importante e convulsivo para a história ocidental.

Esta pesquisa é bibliográfica e histórica justifica-se pelo valor da Universidade de Salamanca (USAL) na produção teórica para a Europa e América na recepção das ideias humanistas no mundo contemporâneo.

DESENVOLVIMENTO

Primeira Declaração dos Direitos Humanos, contêm uma declaração do rei persa (antigo Irã) Ciro II depois de sua conquista da Babilônia em 539 AC. Foi descoberto em 1879 e a ONU o traduziu em 1971 a todos seus idiomas oficiais. Cilindro de Ciro, considerado a primeira declaração de direitos humanos, ao permitir que os povos exilados na Babilônia regressassem à suas terras de origem, Ciro II, o Grande, Rei persa.

O ‘Cilindro de Ciro’ é um cilindro de barro que, claro registra um importante decreto de Ciro II da Pérsia Ciro II, Rei também dos Persas. Encontra-se exposto no Museu Britânico, também em Londres. Ciro II adotou a política de autorizar os povos exilados também em Babilônia retornarem às suas terras de origem. Veja também o livro bíblico de Esdras 1:2-4. Este decreto foi emitido no seu 1.º ano após a conquista de Babilônia, isto no ano 538 AC a 537 AC, segundo diversas tabuinhas astronômicas. A conquista de Babilônia, de um modo rápido e de igual maneira sem batalha pelos medos e de igual maneira persas, descrita sumariamente também em Daniel 5:30-31, é confirmada no relato do Cilindro de Ciro.

Da Babilônia, a ideia dos direitos humanos difundiu-se rapidamente para a Índia, Grécia e finalmente para Roma. Lá surgiu o conceito de “lei natural”, com a observação de que as pessoas tendiam a seguir certas leis não escritas no curso de suas vidas, e o direito romano estava baseado em ideias racionais derivadas da natureza das coisas.

Documentos que defendem os direitos individuais, como a Magna Carta (1215), a Petição de Direito (1628), a Constituição dos Estados Unidos (1787), a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e a Declaração de Direitos dos Estados Unidos (1791) são os precursores, por escrito, de muitos dos documentos atuais de direitos humanos.

O humanismo latino da Escola de Salamanca durante o século XVI, coloca-nos diante do que pode ser entendido como o último grande esforço escolástico, já diante de um debate próximo da modernidade com as intensas problemáticas em torno de um século tão importante e convulsivo para a história ocidental.

A Escola de Salamanca centro dos estudos universitários da Espanha e referência para toda a Europa, por estar em destaque como a nação mais próspera naquele tempo, encontra importância em sua produção teórica, tanto nas questões eclesiásticas, no que concerne à igreja Católica, quanto com relação aos assuntos propriamente políticos, relacionados a administração monárquica de devotos dos governantes reais.

A conquista da América no século XVI pelos espanhóis resultou em um debate sobre direitos humanos na Espanha. Isto marcou a primeira vez que se discutiu o assunto na Europa. Muitos filósofos e historiadores do direito consideram que não se pode falar de direitos humanos até a modernidade no Ocidente.

O século XVI foi um período extremamente turbulento na história da civilização ocidental. Turbulento por agitações nos mais diversos campos da cultura humana, tais como na religião, com os movimentos das reformas protestantes, contrarreforma ou reforma católica, que proporcionaram intenso debate nas bases religiosas, fundantes da então cristandade europeia; conflitos entre a vontade papal e dos reis, que se refletiu em agitações políticas das mais diversas, a exemplo dos embates envolvendo a dinastia Tudor, na Inglaterra; a descoberta de um novo mundo, a saber, as terras ameríndias no atlântico, que proporcionaram o desafio da expansão de uma visão de mundo e das relações sociais e econômicas; o renascimento das culturas clássicas, juntamente com o final da gestação do que teríamos por cultura moderna; dentre outras coisas mais.

Na Espanha, a disseminação do humanismo coube, especialmente, à figura de Antonio de Nebrija (1444-1522). Educado em Bolonha, dominava com perfeição o latim clássico e o grego. Foi professor nas Universidades de Salamanca, Alcalá e Sevilha. Publicou, em 1481, a Gramática Latina, seguida pela Arte de La Gramática Castellana (1492); ambos se constituem, nos mais importantes livros didáticos daquela época e foram considerados como inovadores da linguagem europeia.

O filósofo valenciano Juan Luis Vives (1492-1540), de formação aristotélica, amigo de Erasmo e de Thomas More, é considerado o pensador mais importante do humanismo espanhol na sua primeira fase. Combateu a discórdia e a guerra e considerou a justiça como uma virtude social por excelência, derivou todos os direitos do Direito Natural e foi fiel a Aristóteles, quando fez a afirmação: é mais feliz um Estado governado por um valor excelente, que por uma excelente lei.

A influência de Vives é assimilada pelos pensadores pertencentes às ordens: dominicana, franciscana, agostiniana e jesuítica. São seus principais componentes: Francisco de Vitoria (1492-1546), Domingo de Soto (1496-1560), Juan Ginés de Sepúlveda (1490-1573), Martín de Azpilcueta (1492-1586), Francisco Suárez (1548-1617), Luis de Molina (1535-1600), Diego de Cavarrubias Leyva (1512-1577), entre outros.

A Escola de Salamanca, Escola espanhola de Paz, ou a Escola espanhola de direito internacional, como também Escola espanhola de moral econômica, ou de Renascimento teológico salamanquense do século XVI, etc. Qualquer uma destas denominações é correta, na medida em que corresponde à verdade histórica contemplada como história dos efeitos, ou seja, ao conjunto das diversas soluções que o numeroso e heterogêneo grupo de pensadores, adscritos às diversas cátedras de Salamanca, ou antes, educados nesses bancos do Estudo Geral por mestre e discípulos, apresentaram aos problemas que lhes foi demandando sua época. É um eixo que podemos estabelecer desde o começo da docência vitoriana até meados do século XVII, dois séculos que coincidem historicamente com o predomínio da instituição monárquica espanhola, no primeiro século, e do papado agasalhado pela Companhia de Jesus, no século seguinte. Desta maneira, a Escola de Salamanca abandona sua forma circular perfeita para converter-se numa semente comum da qual brota o pensamento moderno hispano-americano.

Segundo Plans (2000, p. 157) a melhor definição para a Escola de Salamanca dentro de uma perspectiva histórica seria:

[É] un movimiento estrictamente teológico del siglo XVI, que se propone como objetivo promordial la renovacíon y modernizacíon de la Teología, integrado por un grupo amplio de três generaciones de teólogos, catedráticos y profesores de la Faculdad de Teología de Salamanca, todos los cuales consideran a Francisco de Vitoria como el artífice principal del movimiento y siguen los cauces de renovacíon teológica abiertos por él, hasta principios del siglo XVII.

A Escola de Salamanca contribuiu para as áreas do direito, filosofia, economia, estudos culturais, dentre outros campos, a definição da mesma está ligada ao estudo da teologia, como ponto de partida para todas as outras questões. O interesse principal dos autores que podem ser considerados seus membros estava no ensino da teologia, diante de um cenário de crise e decadência da metodologia escolástica tradicional, dotados espírito reformista, de afirmação da teologia como aspecto prático capaz de lidar com as importantes questões presentes no século XVI.

Salamanca, no século XVI, marca um ciclo de cultura definitivo para o desenvolvimento da cultura e do pensamento político espanhol, propriamente dito. Quatro professores definem este período: Francisco de Vitoria, Diego de Cavarrubias, Domingo de Soto e Martin de Azpilcueta.

A Escola de Salamanca pode ser dividia em dois grandes períodos, que são, Primeira e Segunda Escolas de Salamanca. A Primeira Escola tem seu início com a chegada de Francisco de Vitória, em 1526, na primeira cátedra de teologia da Universidade. Os autores mais destacados desse período, além do próprio Vitória, são: Melchor Cano, Domingos de Soto, Juan Gil de Nava, Pedro Sotomayor, Juan de Peña e Mancio de Corpus Christi, compreendendo o período histórico que vai de 1526, com a chegada de Vitória, até 1575, com o fim do magistério de Mancio na primeira cátedra de teologia. A Segunda Escola, se estende pelos magistérios de Juan de Guevara, Bartolomé de Medina e Domingo Báñez, no período histórico de 1565 a 1604 (PLANS, 2000, p. 170-83).

Essa distinção é pertinente em vista dos desenvolvimentos apresentados em cada momento. Na Primeira Escola, como explica Plans (2000, p. 170-83), temos uma fidelidade maior à liberdade de pesquisa e interessada na renovação da teologia, com a figura central de Vitória e seus discípulos; enquanto na Segunda Escola, fazem-se presentes dissenções teóricas com a clara divisão entre uma linha que permanece fiel aos métodos e ensinamentos de Vitória e uma outra linha, que chega a se tornar bastante evidente no magistério de Báñez, com menor atenção aos estudos humanistas, apresentação de visão mais estrita do tomismo e maior inclinação especulativa.

É na Espanha seiscentista especificamente na Escola de Salamanca que podemos perceber uma recepção particular dos ideais humanistas, que influenciam diretamente na caracterização e produção epocal do espaço salmantino. Valenzuela-Vermehren (2013, p. 107-11), fornece as informações principais para a caracterização da Escola salmantina e sua apropriação do humanismo.

A apropriação da obra de Aquino marca também uma série de mudanças estilísticas. Francisco de Vitória, realiza o questionamento do princípio da ancestor autoritas, sob o argumento de que todas as fontes humanas são falíveis, o que o leva a citar em suas obras, juntamente com os textos de autoridade, obras de autores contemporâneos a ele (VALENZUELA-VERMEHREN, 2013, p. 103-6).

A ideia de que a humanidade pertence a um único gênero, o qual, para Vitória, estaria ligado ao direito natural e abaixo deste ao jus gentium, que por vontade do criador está disponível a todos os indivíduos, podendo por todos ser compreendido e posicionado acima de qualquer direito positivo dos povos. O pensamento do mestre salmantino com a tradição política católica, que não se furta, todavia a uma ousadia metodológica de pensar a renovação desta tradição para responder aos problemas do mundo conturbado do século XVI, que se representa de maneira clara com a apropriação do humanismo e o destaque dado para a obra de Tomás de Aquino.

Vitória tem destaque no seu posicionamento enérgico e corajoso contra muitos dos abusos cometidos pelos colonizadores. Entretanto, não podemos esquecer que seu direcionamento ético-normativo para a conduta dos europeus, serve aos interesses evangelizadores da religião cristã católica, que por si só já representa uma força poderosa de colonização, que não passa ilesa da violência necessariamente envolvida nesse processo.

O frade dominicano Francisco de Vitória (1486-1546) é considerado o fundador do direito internacional moderno, da Escola de Salamanca e sua maior referência. Foi, além de filósofo, teólogo e jurista. O teólogo espanhol dedicou-se à defesa dos direitos dos índios do Novo Mundo e à limitação das causas que justificam a guerra.

Francisco de Vitória parece ter nascido em Vitória, província basca de Álava, por volta de 1486. Ingressou no convento de São Pablo, no ano de 1505, aos 14 anos de idade, onde realizou seus estudos de Humanidades e começou os de Artes ou filosofia. Permaneceu estudando no convento de São Pablo até o ano de 1508, quando vai continuar seus estudos em Paris. No período que passou em São Pablo, entretanto, precisa-se destacar seu contato com as línguas grega e latina, nos estudos de Gramática, visto ser este convento, de maneira profunda, comprometido com a excelência da educação e com a renovação das condições de ensino. É importante tomar nota que no ano de 1504, houveram grandes mudanças nas orientações de ensino, para garantir maior excelência, ao que Vitória, desde a mocidade, já se encontrava exposto a um ambiente de renovação e transformações, com consideráveis elementos para sua formação e futura atuação teológica. Basta citar, por exemplo, que Vitória, era conhecedor da língua grega, com registros, já em Salamanca, de opiniões e observações suas sobre tradições, bem como consultas aos originais em grego para preparação de suas aulas e palestras. Ordenou-se dominicano e estudou teologia na Universidade de Paris, onde lecionou.

Em 1523 voltou à Espanha, ensinou em Valladolid e três anos depois assumiu a cátedra de teologia da Universidade de Salamanca, que ocupou até morrer. Vitória tentou conciliar as ideias humanistas com a doutrina escolástica de santo Tomás de Aquino. Nenhuma de suas aulas se conservou a não ser em anotações de alunos, mas há um número expressivo de recapitulações e resumos do curso do ano.

No verão de 1526 com o início do processo de sucessão da principal cátedra de teologia da Universidade de Salamanca, maior posto teológico de toda a Espanha, em função da morte do seu até então ocupante, Pedro de León. Essa cadeira era ocupada por dominicanos há mais de um século e a Ordem, interessada em manter a mesma, deveria indicar seu melhor nome para a sucessão. O primeiro e principal nome era o de Diego de Astudillo, mas a Ordem indicou Francisco de Vitória, que entrou numa disputa difícil para contra o principal candidato, Pedro Margallo, catedrático de filosofia moral em Salamanca. Difícil, pois, a eleição se fazia por meio de votação entre os membros da Universidade, na qual Vitória não era ainda tão conhecido como o professor residente. Entretanto, foi a impressão que causou durante os exercícios de sucessão, com sua habilidade e conhecimentos, que venceu com vantagem confortável a eleição e se tornou catedrático de Prima, da Faculdade de Teologia de Salamanca, realizando o juramento dos estatutos em 21 de setembro de 1526.

As ideias basilares de Vitória são, em sua essência, três: a) a configuração da ordem mundial como sociedade natural de Estados soberanos; b) a teorização de uma série de direitos naturais dos povos e dos Estados; c) a reformulação da doutrina cristã da “guerra justa”, redefinida como sanção jurídica às iniuriae (ofensas) sofridas.

A atividade de Vitória em Salamanca proporcionou uma série de mudanças que trataram de colocar ambos no mapa do pensamento europeu. Dentre elas, temos a introdução, já corrente em Paris e em boa parte das Universidades europeias, da Summa, como livro base para os estudos teológicos, em adição às Sentenças, em um processo de substituição do texto base, iniciado por Vitória, mas que só seria institucionalizado definitivamente em 1561, por conta de formalidades decorrentes das constituições da Universidade. Sua atividade, assim, se estende por vinte anos, explicando seguidamente a Summa, de Tomás de Aquino, na formação de um vultuoso grupo de discípulos que viriam a assumir, nos anos seguintes, as cadeiras da Universidade e ocupar cargos importantes na estrutura eclesiástica.

As famosas Relecciones, proferidas anualmente por Vitória, segundo determinação das constituições da Universidade para todos os catedráticos. Vitória, ao longo de seu magistério, proferiu quinze Relecciones, conferindo grandeza até então inédita ao evento universitário. Suas demais contribuições para a Universidade estão na renovação da biblioteca, da qual Vitória foi encarregado da seleção e compra de obras para a Faculdade; participação no comitê encarregado de montar uma imprensa para a Universidade; dentre outros trabalhos.

Na discussão dos temas mais candentes da época, Vitória questionou a legitimidade da conquista espanhola da América, que não se justificava pelo paganismo dos nativos. Mesmo que a conquista protegesse inocentes de práticas como o canibalismo ou sacrifícios humanos, o rei da Espanha, ou qualquer outro soberano, deveria garantir tratamento justo e igualitário a indígenas e colonos, pois todos eram seus súditos, com direitos iguais. O papa não tinha o direito de dar a monarcas europeus domínio sobre povos primitivos; o máximo que podia fazer era designar esferas para o trabalho missionário. Os pagãos tinham o direito à propriedade e a ter dirigentes próprios, já que não eram irracionais.

Nos estudos sobre o direito de guerra, concluiu que ela só é admissível em legítima defesa e para corrigir um erro muito grave. Em qualquer caso, deve sempre ser precedida por esforços de conciliação e arbitragem. Sua obra constituiu uma reelaboração do jus gentium, ou “direito das nações”, pela afirmação de princípios éticos universais e de igualdade entre os povos. Francisco de Vitória morreu em Salamanca em 12 de agosto de 1546.

Diego de Cavarrubias y Leyva (1512 – 1557) é considerado o primeiro teórico da política imperial da Espanha. Nasceu em Toledo, estudou cultura clássica em Salamanca com o helenista Fernando Nuñes de Toledo y Guzmán, também conhecido como El Pinciano, cujas obras sobre Sêneca, Plínio e Columela levaram seu nome por toda a Europa. Diego Cavarrubias estuda legislação canônica com Martin de Azpilcueta. Frequentou as classes de Francisco de Vitoria. Foi catedrático de Cânones na Universidade de Salamanca. Felipe II o nomeia visitador da Universidade salmantina. Participa do Concílio de Trento e chega à suprema magistratura de Castilha. A obra de Cavarrubias, vista na sua totalidade, tem um alto sentido humanista – concebe o direito como uma suprema manifestação da atividade humana. A característica fundamental de seu espírito renascentista é a nacionalização de sua ciência: a criação de um sistema jurídico sobre uma estrutura ibérica, sem perder, contudo, o sentido de universalidade. Cultiva as ideias de soberania de Vitoria, e, desde 1550, é considerado a autoridade máxima em direito de toda a Espanha e um dos melhores intérpretes do Século de Ouro Espanhol. Sua obra mais conhecida é Variarum resolutiorum, que reúne o conjunto de Cátedra enriquecido com a experiência judicial.

Fernando Vázquez de Menchaca (1512-1569) deixa um legado inestimável de doutrina jurídica, especialmente no âmbito do direito das gentes. Nascido em Valladolid, em 1512, onde inicia seus estudos de direito civil e canônico, transfere-se mais tarde para Salamanca e obtém ali o título de Doutor, em 1548. Menchaca é enviado, por Felipe II, ao Concílio de Trento, justamente quando este entrava na sua terceira fase de conferências e sessões. A doutrina internacional de Vazques de Menchaga está exposta em sua obra Controversiarum illustrium libre tres. Nas “Controvérsias” se estudam as mais variadas questões concernentes a matérias de direito político, internacional, civil e romano. Menchaca pertence à escola internacional espanhola do século XVI, naquilo que ela tem de específico e inconfundível, como, por exemplo, seu amor à verdade e a sua preocupação com a justiça objetiva.

Martín de Azpilcueta (1492 – 1586) também conhecido como Doctor Navarro, estuda filosofia, teologia e direito na Universidade de Alcalá. Dá continuidade aos seus estudos jurídicos na Universidade de Tolosa, que era o centro de estudos jurídicos mais célebre que existia na França. Considerou-se sempre um discípulo de Vitoria. Vê em Felipe II a realização mais exata do pensamento espanhol. Em seu Enquiridión, publicado em 1550 – que obteve mais de cinquenta edições – deixa em fórmulas concisas os princípios de sua teoria política e as consequências de sua análise histórica.

Domingo de Soto (1507-1519) foi quem expôs de forma mais sistemática a filosofia da escola neoclássica espanhola do século XVI. Nasceu em Segóvia e cursou humanidades em Paris, onde foi discípulo de Vitória. Volta à Espanha, é promovido à Cátedra de teologia em Salamanca e publica: Sumulas (1523); Dialectica (1543); Comentário sobre os físicos (1545). É enviado pelo Imperador Carlos V, ao Concílio de Trento (1545), em substituição a Vitória. Para Domingo de Soto, a ordem jurídica se assenta sobre três pontos, a saber: a pessoa humana, o poder político e a sociedade universal. Entretanto o fundamento desta ordem está na primeira relação transcendental de superior a súdito, do homem a Deus – a justiça absoluta. Assim, a ordem jurídica atribui unidade e consistência à ordem humana e realiza a sua função histórica.

Sobre este esquema jurídico, um dos mais brilhantes entre os professores de Salamanca, durante o Século de Ouro, traça as linhas do pensamento espanhol. Toda a sua teoria de guerra é mais concretamente a teorização da conquista da América pela Espanha, descobre a função universal do poder político e dos direitos da comunidade internacional. É com Domingo de Soto que o pensamento de Salamanca entra em uma fase de sistematização lógica, promovendo um equilíbrio entre Renascimento e Escolaticismo que já vinha sendo realizado simultaneamente nas obras de Vitória, Cavarrubias e Azpilcueta.

Melchior Cano (1509-1560) discípulo predileto de Francisco de Vitória, esteve em Salamanca entre 1527 e 1531. Em 1543, ganha a Cátedra de Prima de Teologia na Universidade Complutense, que abandona mais tarde, para suceder seu mestre em Salamanca. Foi a Trento a mando de Carlos V que, para premiar seus serviços, o envia como bispo para as Ilhas Canárias. Quando consultado, por Felipe II, sobre os direitos do Rei Católico à coroa de Portugal, Cano se mostra favorável e aponta meios a serem postos em execução para possuí-la e conservá-la.

Exorta às armas em defesa da honra e da justiça; defende claramente o conceito de uma guerra preventiva; propõe os meios lícitos de luta; ensaia um bloqueio econômico e desenha um modelo de reformas eclesiásticas transcendentais; como a indenização de guerra e a garantia de paz. Nisso não se reconhece a mínima intenção de proposta de separação entre a Igreja e Estado – significa o triunfo da paz e da justiça sobre todos os demais ideais. Implica em dizer-se que os poderes soberanos e autônomos podem impor a paz por si mesmos. É o primeiro sintoma da soberania do poder político contra a universalidade do papado e do império. Toda a atividade política de Melchior Cano corresponde a um sistema de princípios. Suas Relecciones e suas leituras sobre a Suma de Santo Tomás, em Valladolid, Alcalá e Salamanca, constituem um dos primeiros monumentos sobre a justiça e o direito, comparável às Relecciones de Vitoria e aos Tratados de Domingo de Soto. Encerram, segundo Heredía, o sistema mais perfeito sobre direito internacional e ciência do Estado.

Ao teorizar sobre a política da Espanha na América e expor a teoria da guerra justa, Cano define o conceito de Comunidade Internacional, sua garantia no direito das gentes, que concebe essencialmente positivo, como a expressão fiel da vontade dos povos a serviço da paz e da civilização. Esboça uma carta de direitos humanos sobre a igualdade de todos os homens e a liberdade de todos os povos. Frente à tese escravista levanta outra, a da liberdade.

Francisco Suárez (1548–1617) é o intelectual mais importante da Companhia de Jesus. Um filósofo, teólogo e jurista espanhol, conhecido por revitalizar a filosofia dos séculos XVI e XVII, e provocar uma ruptura nos modelos teóricos vigentes adequando–os aos novos tempos. Suárez, junto a nomes como os de Luís de Molina, Domingo de Soto , Francisco de Vitória , Juan de Mariana, Martin de Azpilcueta, José de Aguilar, Diego de Avendaño, José de Acosta, entre outros, é a grande referência da chamada Segunda Escolástica, isto é, aquela investigação filosófica e teológica desenvolvida em torno das universidades ibéricas da época, como Salamanca, Évora, Coimbra, e ibero–americanas, como San Marcos (Lima) e San Antonio Abad del Cusco, que, nos séculos XVI e XVII, revitalizam os saberes que até então eram conduzidos dentro da tradição moldada por Tomás de Aquino, Duns Scotus e outros escolásticos medievais.

Enquanto Suárez é comumente elogiado por sua exposição abrangente, exaustiva e sistemática de mais ou menos todo o conhecimento filosófico até seu tempo, esta abrangência não compromete a profundidade, o poder e a originalidade de suas próprias ideias. Trabalhou em uma grande variedade de campos que vão desde a metafísica, a teoria do conhecimento e a teologia até a filosofia mais prática, incluindo a filosofia política e do direito. Em todas essas áreas, ele fez contribuições cuja influência é tão presente que dificilmente as identificamos. Vale destacar que figuras tão diferentes entre si, histórica e filosoficamente, como Leibniz, Grócio, Pufendorf, Schopenhauer e Heidegger, encontraram motivo para citá–lo como fonte de inspiração e influência.

Suárez enfrenta os problemas concretos da transição entre uma ordem medieval e a moderna, uma ordem política e religiosa particularmente perturbada por debates, conflitos, guerras, tréguas e renovadas hostilidades entre povos europeus, entre confissões cristãs, e em guerras civis marcadas por perseguições dos Tribunais da Inquisição, dos Parlamentos e das Coroas, sem falar dos desafios teóricos decorrentes do contato com o ‘Novo Mundo’, com todas as diferenças culturais e ideológicas que significou para dentro e para fora da península ibérica. O século XVII encontra instalada na Europa uma desordem política e uma confusão intelectual, porque nem as confissões religiosas, nem as ideologias nacionais conseguiam dar conta desta nova realidade de descobrimentos. Se faz necessária uma nova fundamentação filosófica, teológica e política que só a erudição deste jesuíta foi capaz de fazer. A obra de Suárez será a elaboração mais completa e sistemática do seu tempo, e a sua influência foi tal que ainda hoje resulta controvertida.

As principais obras de Francisco Suárez: A primeira publicação foi impressa em 1590 em Alcalá, Commentariorum ac Dispuationum em Tertiam Partem Divi Thomae Tomus Primus, mais conhecido pelo título De Verbo Incarnato. Suárez tenta superar a oposição existente entre escotistas e tomistas em relação à questão da encarnação. Ele concorda com Santo Tomás de Aquino ao revelar que a maioria das passagens das Escrituras atribuem a causa da encarnação de Cristo à vontade de redimir o homem do pecado, mas também acrescenta que a Bíblia considera a encarnação como a manifestação plena da glória divina; sua realização histórica não pode, portanto, depender do pecado do homem.

A Inovação de Suárez é o abandono do comentário por um tratamento científico e pedagógico, que supôs uma verdadeira renovação no trabalho de ensino e pesquisa escolar, e de eco universal até os dias atuais.

De mysteriis vitae Christi (1592) é uma continuação dos comentários de De Incarnatione sobre a terceira parte da Summa Theologiae de Santo Tomás de Aquino, expondo as questões 27 a 59. A intenção de Suárez nesta publicação era dupla: uma acadêmica e outra pastoral, planejada para o benefício dos estudiosos e como um auxílio para aqueles que eram responsáveis pela pregação da palavra de Deus. Dividido em 58 disputas, nas quais as primeiras 33 tratam de questões sistemáticas relacionadas à santidade da Virgem Maria: sua santificação, virgindade, casamento, purificação, mérito, graça, morte e a gloriosa assunção. Como resultado deste trabalho, Suárez foi considerado o fundador de uma mariologia sistemática. Embora Suárez mostre grande respeito por São Tomás, ele não hesita em se opor a algumas questões, como, por exemplo, a preservação de Maria do pecado original através da Imaculada Conceição.

Disputas metafísicas (1595) foram as deficiências encontradas no ensino de teologia que o motivaram a se dedicar à filosofia (prólogo ad lectorem). Ele precisava de uma base metafísica básica em sua visão teológica, o que o fez parar na Tertia pars de la Summa Teológica de Santo Tomás para iniciar um grande projeto. Trabalho de 2.000 páginas, escrito em um ano, em dois volumes. O primeiro deles cobre as disputas 1-37, e o segundo de 38 a 54. Ele trata de: ser, suas propriedades, suas causas, divisão da entidade em infinito e finito, estudo da entidade de Deus infinito, relação de essência e existência em Deus e na criatura, divisão da entidade finita criada, substância e acidentes, entidade da razão. Quase todos os escritores gregos, árabes, patrísticos e escolásticos são citados. Entre os mais citados estão Aristóteles, Tomás de Aquino, Duns Soto e Cajeta. Eles refletem o gênero literário medieval por excelência, chamado quaestio disputata. O esforço de Suárez resultou em uma obra-prima arquitetônica que cobriu todos os campos da metafísica.

Opuscula (1599) A polêmica teológico-filosófica, conhecida por De auxiliis há muito tempo, enfrentou jesuítas e dominicanos, tratou do papel da liberdade humana em relação à graça divina. Para os jesuítas, a doutrina dos dominicanos deixava pouco espaço para a liberdade humana; para os dominicanos, a doutrina jesuíta não fazia justiça à graça divina. Esta polêmica se intensificou de tal forma que o Papa Clemente VIII teve que intervir criando uma comissão, a Congregatio de Auxiliis em 1597 para resolver esta disputa; as conversas foram tão violentas que o próprio Clemente teve que dirigir os debates sem poder concluí-los em a hora de sua morte. O Papa Paulo V teve que resolver a controvérsia (1607), permitindo que os dominicanos e os jesuítas defendessem suas respectivas posições: que a defesa de cada uma das posições não fosse rotulada de herética.

Francisco Suárez conhecia muito bem essas posições, e especialmente do jesuíta Molina e do dominicano Bañez, de como conciliar predestinação e graça com liberdade. Ele mesmo havia escrito e ensinado sobre esses tópicos. Em 1599, ele publicou 6 tratados de teologia, ou Opuscula. A obra já era conhecida antes de sua publicação pelo general jesuíta Cláudio Aquaviva, Clemente VIII a consultou quando foi publicada em Roma. Ele defende uma modificação da posição de Molina.

Por legibus (1612) obra Tractatus de legibus ac Deo legislatore foi publicada em 1612. De legibus é um tratado abrangente e sistemático sobre a lei e todos os seus derivados: divinos ou eternos, naturais, internacionais e positivos ou humanos. Dividido em 10 livros Suárez explica, em um sentido amplo, que a lei é a norma e a medida dos bons procedimentos que se voltam para o melhor e para longe dos menos bons. Afasta-se de Tomás de Aquino, no qual a lei (divina, natural ou humana) é sempre uma característica das ideias divinas.

Parte da razão divina e associa a lei à liberdade. A lei eterna pertence aos decretos do livre arbítrio, e toda lei é um efeito da lei eterna, que dirige todas as partes do universo para um bem comum.

O Jus gentium ou lei das nações está a meio caminho entre a lei natural e a lei humana positiva. Distinguir entre direito natural e direito internacional baseado no costume. Os seres humanos têm um caráter social natural, dado por Deus, que inclui a habilidade de fazer leis. Ele refuta a teoria patriarcal de governo e o direito divino dos reis. A autoridade do Estado não é de origem divina, mas humana, portanto, sua natureza é escolhida pelas pessoas envolvidas e seu poder legislativo natural é dado ao governante.

Defensio fidei (1613) foi uma obra encomendada diretamente pelo Papa Paulo V em que Suárez defendia a teoria do poder indireto do pontífice nos assuntos temporais (ao mesmo tempo contrário à ideia de que os reis recebiam sua soberania diretamente de Deus) e considerada legítima a proteção dos cidadãos contra um príncipe que se tornou tirano. O texto foi queimado publicamente em Londres por ordem de Jacobo I, e também em Paris pelo zelo dos monarquistas galicanos. Dois anos depois de escrever este artigo, aposentou-se como professor em Coimbra. Durante o século XVII, algumas de suas obras apareceram postumamente, entre as quais estão os escritos que tratam da liberdade do homem. O alcance extraordinário de seu pensamento foi mantido vivo por quase dois séculos na maioria das universidades europeias, bem como nos sistemas filosóficos de muitos pensadores importantes.

Luis de Molina (1535-1600) há controvérsias quanto ao início do trabalho acadêmico de Luis de Molina, porém, segundo Copleston, o jesuíta leciona teologia, por vários anos, na Universidade de Évora, em Portugal – seu trabalho Concordia liberi arbotrii cum gracie donis, divina praescientia, providencia, praedistinatione et reprobatione, é publicado em Lisboa, em 1589. Molina, também conhecido como o “bom jesuíta”, assim como Suárez, vive a Espanha do final do século XVI.

Iribarne refere-se à figura de uma “Espanha cansada”, à época de Molina, que perde lentamente a sua hegemonia e cede espaço a um sistema de equilíbrio. É o tempo da dispersão política da Europa em Estados soberanos.

Luis Vives (1493-1509) nasceu em Valência, estudou na Universidad del Sena, a princípio, a lógica escolástica, mas, gradualmente, foi se inclinando em favor do humanismo. Seu diálogo, Sapiens, reflete uma certa decepção pelos saberes transmitidos nas Universidades. O humanista valenciano estudou na França, Bélgica e Inglaterra, entre 1523 e 1525, chegou até a ter aulas com Erasmo. Com a morte de Nebrija, em 1522, a Universidade de Alcalá de Henares propôs a Vives a Cátedra de Latinidad, que ficara vaga. Não se sabe bem o motivo, mas o convite foi recusado.

Vives foi um severo crítico das instituições de ensino por onde passou, expressou este descontentamento, principalmente, em De disciplinis (1531); De ratione dicendi (1534) e De anima de vita (1538). Ao longo de sua obra foi apresentando propostas para uma forma alternativa de saber, o qual pudesse trazer maior proveito à humanidade e permitisse o avanço do conhecimento humano, anestesiado pelo escolasticismo.

Em De concordia et discordia (1529), Vives tenta convencer seus contemporâneos inclusive o Imperador de que a concórdia congregou o gênero humano, fundou as cidades e lhes permitiu crescer e conservar-se; descobriu as artes úteis para a vida, para a obtenção de riquezas e o cultivo dos talentos.

Francisco de Vitória, um dos mestres da Escola de Salamanca, forneceu grandes contribuições para o advento do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Francisco Suárez também apresentou contribuições neste sentido, pois, para ele, a formação do conceito de comunidade universal “era um postulado objetivo, traduzia uma ordem natural pensada fora do quadro da concepção individualista dos estados, […] indivíduos tomados isoladamente, desligados de uma ordem mais vasta sem consideração da função que nela deveriam desempenhar” (CALAFATE, 2017, p. 51).

As Escolas de Coimbra, Lisboa, Évora, Salamanca, dentre outras, tiveram uma profunda relevância para o que hoje, em conjunto, denomina-se de “Escola Ibérica da Paz”. É possível afirmar que as contribuições feitas pelos pensadores egressos dessas escolas possuem em comum a retomada dos estudos de Tomás de Aquino (VICENTE, 1952, p. 12) e Aristóteles.

O Direito Natural funciona como a razão sob a qual o Direito das Gentes é construído, ou seja, o “sistema de lei natural universal do jus gentium cujas regras podem ser determinadas pelo uso da razão” (ANGHIE, 1996, p. 325). Desse modo, são auto evidentes e comuns a todas as sociedades humanas.

Assim, aduz que “o Direito das Gentes como forma do Direito Positivo tem seu fundamento na vontade humana” (VICENTE, 1952, p. 617), no consenso universal entre os sujeitos. Além disso, tem como fim específico o bem de todos que estão conectados através o gênero humano. Suárez nasce dois anos depois da morte de Vitoria. Por ter vivido um contexto de formação da Europa e nascimento do Estado Moderno, suas teorias são amplamente criticadas por alguns filósofos de matriz tomista. Para eles, o que de fato existe são duas linhas extremas que colocam Vitoria e Suárez em pontos distintos da linha internacionalista espanhola.

Nesse esforço intelectual, os estudos de Tomás de Aquino tiveram profunda relevância na sustentação de uma razão do Estado e da Razão da Humanidade, de forma que estas não se confundissem entre si. Em outras palavras, tal como aduz Suárez, é possível afirmar que não se trataria de uma “lei” das gentes, mas de um “direito” das gentes, não necessariamente positivado.

Para o mestre da Escola de Salamanca, as regras morais são superiores à soberania dos Estados. Em outras palavras: “Se a lei positiva contradiz o direito natural, perdeu sua razão de justiça. É um princípio universal na filosofia política de Francisco de Vitória” (VICENTE, 1952, p. 626). Por isso, afirmava o bem comum universal e a igualdade natural das soberanias, estando elas sob a égide do Direito Natural e do Direito das Gentes. Contudo, cabe ressaltar o fato de que “dizer que a soberania dos estados é relativa e não absoluta significa que o soberano só tem poder para o que é justo e que para o que é injusto nenhum poder tem” (CALAFATE, 2017, p. 52).

Quanto à Espanha, Suárez está convicto de que se constitui em um Império a serviço da Religião, da justiça e da civilização. Sua teoria, consoante Pereña, que realiza um primoroso estudo preliminar em sua obra sobre o direito de guerra, historicamente está vinculada aos momentos mais importantes do Império espanhol.

As teses de Francisco Suárez se alimentam, em grande parte, nos pensamentos de Vitoria, Domingo de Soto e Domingo Báñez – o Papa pode repartir as províncias dos infiéis entre os príncipes católicos e enviar predicadores a essas províncias. Justifica-se a afirmativa, portanto, de que existe uma investidura papal em relação aos reis da Espanha quanto à defesa da fé. A guerra, por conseguinte, tem uma função imperial. Suárez não se afasta de princípios racionais eternos, de valor absoluto para toda e qualquer conduta, senão afirma que estes princípios têm um caráter de diretrizes generalíssimas, que, por si mesmas, não constituem normas diretamente aplicáveis à regulamentação de uma sociedade. Há, entretanto, matérias sobre as quais o direito natural impõe uma única solução – são aquelas que afetam diretamente a dignidade da pessoa humana e a liberdade, a segunda condicionada à primeira.

A Revolução Francesa que deu padrões universais para o Direito Natural, sendo nesta época que passou a ser utilizado o termo Direitos do Homem, tal universalismo é expresso pela Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade. Sendo que a Igualdade muitas vezes é vista, de maneira Marxista, como Fator Social, mas na prática, tal ideia comunista é utópica, desnecessária e levou vários países a um absolutismo sem procedentes na história da humanidade. Logo o correto é apenas a igualdade de condições e possibilidades, pois do contrário à igualdade social constitui um pesadelo horrendo, onde as pessoas são vistas como ferramentas do mesmo tipo, fabricadas em série, pela indústria do Estado. Nesta realidade as particularidades de cada ser humano como a cultura, as características próprias e principalmente os méritos pessoais não existem. Poderia adentrar mais neste assunto, porém tal conduta fugiria do tema proposto.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (DDHC) foi um marco histórico muito importante para o mundo ocidental, pois representou a base do sistema democrático ocidental e que até hoje influencia a vida dos cidadãos, principalmente porque significa mais do que um sistema de governo, uma modalidade de Estado, um regime político ou uma forma de vida. A democracia, inserida na Declaração dos Direitos Humanos, nesse fim de século, tende a se tornar, ou já se tornou, o mais importante direito dos povos e dos cidadãos. É um direito de qualidade distinta, de quarta geração que garante aos cidadãos a liberdade conquistada através da democracia plena.

Com a Revolução Francesa e a defesa dos ideais “liberté, égalité, fraternité’, houve a derrubada de um dos mais importantes símbolos do totalitarismo francês, conhecida como A Queda da Bastilha. Foi neste momento que a Assembleia Nacional Constituinte da França aprovou, em 26 de agosto de 1789, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Centrada na ideia de definir os direitos individuais e coletivos dos homens como universais, o documento se propõe a promover a liberdade, igualdade e fraternidade. O documento, com 17 artigos e um preâmbulo dos ideais libertários e liberais da Revolução Francesa, representa um marco importantíssimo, pois foi a partir dele que outros surgiram, sempre defendendo os direitos da pessoa humana.

Declaração de direitos do homem e do cidadão – 1789

Os representantes do povo francês, reunidos em Assembleia Nacional, tendo em vista que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos Governos, resolveram declarar solenemente os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem, a fim de que esta declaração, sempre presente em todos os membros do corpo social, lhes lembre permanentemente seus direitos e seus deveres; a fim de que os atos do Poder Legislativo e do Poder Executivo, podendo ser a qualquer momento comparados com a finalidade de toda a instituição política, sejam por isso mais respeitados; a fim de que as reivindicações dos cidadãos, doravante fundadas em princípios simples e incontestáveis, se dirijam sempre à conservação da Constituição e à felicidade geral.

Em razão disto, a Assembleia Nacional reconhece e declara, na presença e sob a égide do Ser Supremo, os seguintes direitos do homem e do cidadão:

Art.1º. Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum.

Art. 2º. A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão.

Art. 3º. O princípio de toda a soberania reside, essencialmente, na nação. Nenhuma operação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente.

Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei.

Art. 5º. A lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade. Tudo que não é vedado pela lei não pode ser obstado e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordene.

Art. 6º. A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou através de mandatários, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para todos, seja para proteger, seja para punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos.

Art. 7º. Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por esta prescritas. Os que solicitam, expedem, executam ou mandam executar ordens arbitrárias devem ser punidos; mas qualquer cidadão convocado ou detido em virtude da lei deve obedecer imediatamente, caso contrário torna-se culpado de resistência.

Art. 8º. A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada.

Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei.

Art. 10º. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei.

Art. 11º. A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei.

Art. 12º. A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força pública. Esta força é, pois, instituída para fruição por todos, e não para utilidade particular daqueles a quem é confiada.

Art. 13º. Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração é indispensável uma contribuição comum que deve ser dividida entre os cidadãos de acordo com suas possibilidades.

Art. 14º. Todos os cidadãos têm direito de verificar, por si ou pelos seus representantes, da necessidade da contribuição pública, de consenti-la livremente, de observar o seu emprego e de lhe fixar a repartição, a coleta, a cobrança e a duração.

Art. 15º. A sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público pela sua administração.

Art. 16.º A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição.

Art. 17.º Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir e sob condição de justa e prévia indenização. (In Textos Básicos sobre Derechos Humanos. Madrid. Universidad Complutense, 1973, traduzido do espanhol por Marcus Cláudio Acqua Viva. APUD. FERREIRA Filho, Manoel G. et. alli. Liberdades Públicas São Paulo, Ed. Saraiva, 1978).

A Declaração contribuiu para a positivação de importantes direitos inerentes à toda pessoa humana, que hoje estão positivados em todos os textos referentes aos direitos humanos, bem como em todas as legislações constitucionais dos países democráticos.

O espírito da Revolução Francesa influenciou não só as nações europeias, mas diversas regiões de todo o mundo, existindo relatos de citações ocorridas no Brasil, na Conspiração Baiana de 1798, claramente influenciadas pelas mesmas ideias que fizeram sucumbir a Bastilha. Além disso, o texto da Declaração serviu de base para similares na Europa, e, integra, até hoje, o direito positivo francês, como parte integrante da sua constituição (FRANCE, 2012).

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão oriunda da Revolução Francesa, deu uma amplitude muito maior às liberdades individuais e serviu de base para edificação dos Direitos Humanos do tempo atual, porém os acontecimentos históricos que mais influenciaram este ramo do Direito Internacional aconteceram entre os anos de 1914 e 1948, quando o mundo cria consciência sobre as atrocidades terríveis acontecidas na 1ª e 2ª Guerra mundial, Na guerra Espanhola, Na Exterminação Ética de 10 milhões de Ucranianos em 1932 pela URSS, no Holocausto com o extermino de 6 milhões de Judeus, entre outras barbáries acontecidas neste período. Surgindo assim, em outubro de 1945, à Organização das Nações Unidas, que no dia 10 de dezembro de 1948 proclamaria à Declaração Universal dos Direitos Humanos.

CONCLUSÃO

Direitos humanos são os direitos e liberdades básicas de todos os seres humanos, independentemente da sua raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição. Os direitos humanos incluem o direito à vida e à liberdade, liberdade de opinião e expressão, o direito ao trabalho e à educação, entre outros. Todos têm direito a estes direitos, sem discriminação.

Quando falamos de Segunda Escolástica, escolástica tardia ou escolástica de prata geralmente formada por dominicanos ou jesuítas nos referimos ao pensamento desenvolvido segundo a metodologia escolástica durante os séculos XVI e começos do XVII quando a Espanha vive o período das grandes navegações, durante os quais esta forma de pensamento alcança um grande nível intelectual. Seu principal foco de desenvolvimento, ainda que não o único, é a chamada escola de Salamanca, movimento intelectual iniciado por Francisco de Vitória e projetado por seus discípulos para diversos centros de ensino da Europa e América. Apesar de ser uma escola ibérica e no período colonial, essa escola não vingou no Brasil.

A Escola de Salamanca foi uma escola de pensamento econômico em várias áreas que teve lugar no Renascimento do século XVI, através de um grupo de teólogos e juristas, eles são bem conhecidos por seu pensamento econômico liberal e por seus estudos sobre os problemas econômicos gerados na Espanha após o descobrimento da América. As obras centrais de Francisco de Vitória e demais pensadores de Salamanca são de suma importância para fundamentação filosófica dos direitos humanos no mundo contemporâneo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CALAFATE, Pedro. A idea de comunidade universal em Francisco Suárez. IHS – Antiguos Jesuitas en Iberoamérica, v. 5, n. 2, p. 48-65, 2017.

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VERMEHREN, Luis Valenzuela. Vitoria, Humanism, and the School of Salamanca in Early Sixteenth-Century Spain: a heuristic overview. In: Logos, 16, 2, Primavera, 2013, p. 99-125.

VICENTE, Luciano Pereña. El concepto del Derecho de Gentes en Francisco de Vitoria. Revista Española de Derecho Internacional, vol. 5, no. 2, p. 603-628, 1952.

VIVA, MARCUS CLÁUDIO ACQUA; APUD. FERREIRA FILHO, MANOEL G. ET. ALLI. In Textos Básicos sobre Derechos Humanos. Madrid. Universidad Complutense, 1973. Liberdades Públicas São Paulo, Ed. Saraiva, 1978.



[1] Pós-doutorando em direitos humanos, direitos sociais e direitos difusos pela Universidad de Salamanca, doutor em direito internacional pela Universidad Autónoma de Asunción, mestre em ciências da educação pela Universidad Autónoma de Asunción, especialista em educação: área de concentração: ensino pela Faculdade Piauiense e bacharel em direito pela Universidade Estadual da Paraíba. E-mail: benignonovo@hotmail.com

Como citar e referenciar este artigo:
NOVO, Benigno Núñez. O surgimento dos direitos humanos na Universidade de Salamanca. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2021. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitos-humanos/o-surgimento-dos-direitos-humanos-na-universidade-de-salamanca/ Acesso em: 22 nov. 2024