Direito Penal

Você conhece o seu vizinho? Racismo & Violência

Resumo: O dia internacional pela eliminação da discriminação racial foi estabelecido em 1966, como 21 de março. Trata-se de data relevante, muitas vezes esquecida e, menos respeitada. É importante, nas relações sociais e jurídicas travadas pela sociedade humana que preservemos o respeito a dignidade humana. Dois episódios recentes e trágicos apontam onde o racismo e a violência deságuam, em dois homicídios de pessoas negras.

Palavras-Chave: Racismo. Violência. Vizinho. Legítima Defesa. Erro de Pessoa. Erro de Execução. Direito Penal. Direitos Humanos. Direito Constitucional.

As imagens do circuito interno de segurança de um condomínio em São Gonçalo, situado na Região Metropolitana do Rio de Janeiro mostram que o sargento da Marinho matou o vizinho na porta de Casa. O autor dos disparos afirmou que o confundiu com um bandido[1].

Assim, Durval Teófilo Filho, com 38 anos quando chegava em casa as 23 horas, depois do trabalho, segurando uma mochila. A porta do condomínio, havia um carro parado na entrada de uma garagem onde estava o sargento da Marinha Aurélio Alves Bezerra.

Como o controle remoto não estava funcionando e ele aguardava a esposa para abrir o portão da garagem. Assustado, o sargento da Marinha saiu do carro e atirou mais duas vezes. A vítima ainda acenou com a mão, já caído.

Quando, finalmente, percebeu que Durval estava desarmado e, era um vizinho, o autor dos disparos socorreu a vítima, porém, Durval veio a falecer no hospital. Aurélio Bezerra, ainda no hospital, foi preso em flagrante delito por policiais militares de plantão.

E, foi levado para delegacia e indiciado por homicídio culposo. O MPRJ aceitou passar a tipificação para homicídio doloso.[2] Essa qualificação do indiciamento poderá mudar em até trinta dias. Em depoimento, alegou legítima defesa. O autor dos disparos afirmou que acreditava que sofria uma tentativa de assaltou quando a vítima caminhava em sua direção mexendo na mochila, para procurar as chaves do portão.

Afirmou ainda, que o lugar é perigoso e habitualmente ocorrem muitos assaltos. A vítima cresceu em uma comunidade próxima e se mudou para o condomínio há doze anos e, foi para lá, justamente para viver com maior segurança.

No local do crime havia estilhaços de vidro espalhados pelo chão. Era uma pessoa admirada por todos, sendo uma pessoa prestativa e alegre. A vítima deixa mulher e filha de seis anos.

De acordo com relatos de moradores do condomínio, Durval, a vítima, apenas estaria tentando abrir o portão eletrônico que estava emperrado. A vítima estava abaixada tentando abrir o portão, quando foi baleado.

O militar afirma que não reconheceu Durval e pensou se tratar de um ladrão. Mas o autor dos disparos morava há pouco tempo no referido condomínio. O tio da vítima e a família afirmam que se trata de racismo.

A cada vinte e três minutos, um jovem negro morre no país, afirma a ONU ao lançar a Campanha chamada “Vidas Negras” lançada em novembro de 2017. A ONU ainda afirma que a violência no país está relacionada ao racismo.

O congolês Moïses Kabagambe, de 24 anos, foi morto no dia 24.1.2022, foi vítima de uma sequência de agressões na Barra da Tijuca (RJ) após ter cobrado por dois dias de pagamentos em atraso. Seu corpo foi achado amarrado em uma escada. De acordo com o laudo do Instituto Médico Legal (IML) indica que a causa da morte foi traumatismo do tórax, com contusão pulmonar, causada por ação contundente. Pelo menos 12 (doze) pessoas já foram ouvidas e três homens foram presos pelas agressões e morte de Moïses.

Desde o início do atual governo federal já se alterou trinta e uma vezes a política de acesso às armas no país. No todo, foram quatorze decretos, quatorze portarias de ministérios ou órgãos do governo, há ainda dois projetos de lei que ainda não foram aprovados e, uma resolução que flexibilizou e facilitou o acesso para compra de armas e de munição.

Dessas trinta e uma alterações já existem duas judicializadas e, o Ministro do STF Edson Fachin suspendeu em dezembro do ano passado os efeitos da resolução que zerou o imposto para importação de armas. De 2019 a 2021, o registro de armas de fogo pela Polícia Federal mais que triplicou em comparação aos três anos anteriores. O registro de porte de armas pela Polícia Federal também cresceu na ordem de 50%, comparando-se os três anos de governo de Jair Bolsonaro. Rafael Alcadipani, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Professor da FGV e PHD pela Manchester Business School considera um erro bruto a política armamentista do governo federal atual.

Trata-se de uma política pública baseada no achismo e, não tem respaldo em nenhuma evidência científica. Enquanto cresce vertiginosamente o número de armas nas mãos da população, cai a cada dia a apreensão de armamentos.

Eis as principais diferenças entre o crime de racismo e o de injúria racial, a saber:

Racismo

Injúria Racial

Previsão legal: Lei 7.716/89

Previsão legal: Código Penal, artigo 140, §3º.

Conduta discriminatória dirigida a determinado grupo ou coletividade.

Ofensa à honra de determinada pessoa valendo-se de elementos referentes à raça, cor, etnia ou origem

Ação penal pública incondicionada[3]

Inafiançável

Ação penal pública condicionada a representação do ofendido[4].

Cabe fiança[5]

Imprescritível

Prescrição em 8 anos (art. 109, inciso IV, Código Penal).

Você conhece o seu vizinho? Seja o barulhento ou o quieto. Enfim, todo cuidado ainda é pouco para sobreviver num contexto onde a violência e racismo[6] trafegam livremente.



[1] O erro quanto à pessoa está previsto no artigo 20, §3º, do Código Penal brasileiro, que assim dispõe: “O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. O erro na execução NÃO se confunde com o erro sobre a pessoa. No erro na execução, o agente se equivoca ao praticar o delito, no erro sobre a pessoa, o agente executa o delito perfeitamente, porém na pessoa errada, por erro de representação.

[2] A Justiça do Rio de Janeiro manteve, em audiência de custódia nesta sexta-feira (4/2/2022), a prisão do sargento da Marinha Aurélio Alves Bezerra, que matou o vizinho Durval Teófilo Filho com três tiros, em São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio. A Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense indiciou o militar por homicídio culposo. Porém, na audiência de custódia, o Ministério Público informou à Justiça que entende que a tipificação correta é homicídio doloso.

[3] A ação penal pública incondicionada é promovida pelo Ministério Público, independente da vontade ou interferência de quer que seja, bastando, para tanto, que concorra às condições de ações e pressupostos processuais.

[4] A ação penal pública condicionada é aquela que, embora deva ser ajuizada pelo MP, depende da representação da vítima, ou seja, a vítima tem que querer que o autor do crime seja denunciado. Nestes crimes, o inquérito policial pode se iniciar: Representação do ofendido ou de seu representante legal.

[5] A fiança paga por uma pessoa acusada criminalmente, segundo o Código de Processo Penal (CPP), é uma caução que serve para eventual pagamento de multa, de despesas processuais e de indenização no caso de sua condenação judicial transitada em julgado (definitiva).

[6] O dia 21 de março é considerado por ser o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial. No Brasil, a Lei 7.716 define os crimes de racismo e foi assinado em 05 de janeiro de 1989, conhecida como lei do Caó, ex-deputado Carlos Alberto Caó de Oliveira que era jornalista, advogado, militante do movimento negro. Lutou para alterar a Lei Afonso Arinos de 1951 que tratava a discriminação racial como contravenção.

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. Você conhece o seu vizinho? Racismo & Violência. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2022. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/voce-conhece-o-seu-vizinho-racismo-a-violencia/ Acesso em: 26 dez. 2024