Direito Penal

Tímon de Atenas. O elevado valor da vida

Resumo: O nobre ateniense era muito generoso e de extrema bondade, sendo um respeitável cidadão de Atenas que acaba por dissipar toda sua fortuna, mas, ao perdê-la, deixa de ter o séquito amigos e, conhece a hipocrisia humana. O texto nos dá a oportunidade de cogitar sobre curatela de pródigo, da invalidade da doação universal e, ainda, da inconstitucionalidade da legítima defesa da honra no Tribunal do Júri, conforme o STF.

Palavras-Chave: Riqueza. Curatela. Doação Universal. Legítima Defesa da Honra. Jurisprudência brasileira. Tribunal do Júri.

Acredita-se que nessa obra, o bardo falava de si mesmo. Afinal, o pai de Shakespeare, John[1] faliu. E, há registros de que ele foi multado duas vezes por não comparecer ao Tribunal. Há também registros de que teria sido fiador de um latoeiro de Stratford e que foi forçado pagar a dívida do afiançado.

O pai de Shakespeare chegou até receber uma ordem de prisão. Enfim, quando veio a crise financeira, nenhum amigo de seu pai, o ajudou e, então, o pequeno William assistiu a falência e o isolamento social do pai.

Acredita-se, ainda, que quando escreveu a peça em comento, sua mãe Mary[2] já havia falecido, por essa razão é prevalente um clima triste no enredo.

Em “The Life of Tímon of Athens[3] ocorre a narrativa da história de Tímon que era um homem rico e perdulário[4] que esbanja sua fortuna com bajuladores que o rodeiam. Apesar de avisado sobre a natureza interesseira de seus supostos amigos, Tímon é extremamente vaidoso e não dispensa adulações.

Assim, quando o dinheiro se vai totalmente, somem todos os amigos. Tímon chega a pedir a restituição de presentes que outrora dera, nos tempos de abundância, mas ninguém atende às suas súplicas.

Desta forma, Tímon convence-se da absoluta hipocrisia humana e, promove então, seu derradeiro banquete, no qual serve fumaça e água quente. No banquete agride seus convidados e, por fim, despeja uma torrente de vitupérios. Finalmente, os expulsa, com esses impropérios, todos de sua casa. Muito decepcionado, Tímon decide deixar Atenas e, viver longe dali, como um eremita, desprezados os vivos.

Lamenta-se, constantemente, por não ter cessado a prodigalidade[5], antes de ter dissipado toda a sua fortuna. Tímon afasta-se de tudo e de todos. Quando alguém tenta aproximar-se, resiste e informa: “Sou misantropo e odeio a humanidade. Quanto ao que a ti se refere, desejaria que fosses um cão, para que pudesse amar-te um pouco”.

Porém, a sorte não abandona Tímon, e por acaso, encontra valiosíssimo tesouro justamente quando procurava raízes para comer e, acaba achando muito ouro. Quando a notícia se espalha, forma-se novamente um séquito de bajuladores que volta a procura-lo em sua caverna. Até mesmo os senadores de Atenas vão atrás de Tímon.

Querem até que ele os ajude no que concerne à ameaça de um general Alcebíades, que busca vingança contra Atenas planejando invadir a cidade. Porém, nada o comove, tornou-se amargo Tímon e mergulhado em profundo desprezo pela raça humana.

Tímon morre. Mas, qual lição se obtém disso? Tímon vivia nos extremos. Era um pródigo, sem ter mínimos cuidados com seus bens. Fez doações e dilapidou seu patrimônio. Ao experimentar a miséria, transformou-se em misantropo. Quem seria o culpado pela desgraça de Tímon? A humanidade? Ele mesmo?

Curiosamente, Karl Marx cita Tímon de Atenas em seu “Manuscritos Econômico-Filosóficos” de 1844 e, também em “O Capital” de 1867. Utiliza a famosa passagem do Ato IV, Cena III como nota para referendar a afirmação de que: “No dinheiro desaparecem todas as diferenças qualitativas das mercadorias, e o dinheiro, nivelador radical, apaga todas as distinções”.

Nessa passagem Marx aponta que o poder do dinheiro e ressalta duas propriedades do dinheiro, a saber: “1. Ele é a divindade visível, a transformação de todas as qualidades humanas e naturais em seus antônimos, a confusão e inversão universal das coisas; ele converte a incompatibilidade em fraternidade; 2. Ele é a meretriz universal, o alcoviteiro universal entre homens e nações.” (In: In: MARX, K. O Capital. Volume I. Capítulo 1. Seção 3. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/marx/1867/capital/livro1/index.htm Acesso em 13.01.2022; ________. O Capital. Disponível em:  https://marxismo21.org/ler-o-capital/ Acesso em 13.01.2022).

Conforme alude Ana Cotrim, Marx esmiúça o atributo do dinheiro capaz de inverter as qualidades individuais de seu possuidor. O possuidor do dinheiro tem acesso imediato a todos os objetos, qualidades e pessoas. Mas esse acesso não advém das suas capacidades individuais.

A tensão e o mal-estar entre Alcebíades[6], o general grego e o Senado ateniense começam antes, quando o general vai ao Senador para pedir misericórdia, ou seja, é o perdão a um soldado de sua confiança, acusado de assassinato. E, em sua defesa, Alcebíades apresenta o passado do réu, pleno de méritos de guerreiro.

Shakespeare narra que mesmo antes de ouvir a súplica de Alcebíades, os senadores já haviam acertados, entre si, o veredicto. Denuncia-se assim que a sentença já fora proferida até mesmo antes da defesa apresentar seus fundamentos e argumentos.

A misericórdia é a virtude da lei.[7] E, o comandante expõe que seu protegido, embora inicialmente contido, perdeu os sentidos, agindo em nobre fúria, para proteger a reputação mortalmente ferida. Trata-se da célebre legítima defesa da honra.

A propósito, sobre a legítima defesa da honra o Supremo Tribunal Federal, através do Ministro Gilmar Mendes ao votar pela inconstitucionalidade da tese da legítima defesa da honra. O referido voto foi proferido na ADPF 779 que discute a aplicação de tese pelo Tribunal do Júri. Em seu voto, o Ministro reconhece que vivemos em uma sociedade marcada por relações patriarcais que tenta justificar com os argumentos mais absurdos e inadmissíveis as agressões e mortes de mulheres[8], cis ou trans, em casos de violência doméstica e de gênero. (Vide a decisão disponível em: gilmar-legitima-defesa-honra.pdf (conjur.com.br) )

De acordo com o referido ministro, as defesas e jurados usam a tese para justificar, manifestamente de modo absurdo e inadmissível, atos aberrantes de homens que se sentem traídos e julgam-se legitimados a defender a sua honra ao agredir, matar e abusar de outas pessoas. Portanto, conclui, pela total abusividade da tese.

E, ainda confirmou a inaplicabilidade da tese deve igualmente valer para todos os envolvidos no julgamento, incluindo o magistrado. Em atenção a isonomia e paridade entre as partes, a limitação argumentativa assentada nesta ADPF deve ser estendida a todos os envolvidos na persecução penal e, não somente à defesa.

Acompanhou o relator, o Ministro Dias Toffoli, sobre a nulidade do ato e do julgamento quando houver a veiculação da tese, mas divergiu apenas com relação à aplicação da decisão a todas as partes processuais.

E, Toffoli votou para que a decisão abrangesse apenas a defesa dos réus. Citou o Ministro, o livro dos professores Rodrigo Faucz e Daniel Avelar (Manual do Tribunal do Júri, São Paulo: Editora RT, 2021) que trata, entre outros, da relevância da ata da sessão de julgamento e da gravação audiovisual da sessão, de modo a registrar os debates, alegações e fundamentos das partes. Desta forma, somente assim, será possível o devido controle em plenário do Júri[9]. (In: VIAPIANA, Tábata. Legítima defesa da honra é inadmissível e inconstitucional, diz Gilmar. Disponível em:  https://www.conjur.com.br/2021-mar-07/legitima-defesa-honra-inconstitucional-gilmar Acesso em 13.01.2022).

Analisando-se a tipificação do homicídio, o Código Penal brasileiro, no artigo 121, §1º, permite ao juiz reduzir a pena do criminoso, se este agiu movido por violenta emoção ao responder a injusta provocação.

É a modalidade de homicídio privilegiado[10] cometido imediatamente diante de injusta provocação da vítima. São três as condições cujo simultâneo implemento autoriza na espécie, a diminuição de pena, a saber: a emoção violenta do agente, injusta provocação da vítima e, ainda, a sucessão imediata entre a provocação e reação.

Em tempo, o homicídio será considerado como “privilegiado” se os motivos que levaram a pessoa a praticá-lo forem relevantes, o que afasta as qualificadoras relacionadas aos motivos (qualificados) que impulsionaram o agente a delinquir.

O general grego suscita exatamente essa “nobre fúria” a fim de atenuar a condenação de seu amigo. Reconhece Alcebíades que seu amigo, a quem defende, foi tomando de cólera, mas aponta que o acusado era um homem de virtudes notáveis.

Um senador reclama que o general sustenta um paradoxo auspicioso, procurando embelezar uma ação feia e cruel. O verdadeiro valente é aquele que sabe suportar o que a boca humana pode exalar de pior que transforma o ultraje numa espécie de vestimenta exterior que se usa com indiferença, não permitindo que a injúria governe o coração, ao ponto de fazê-lo cometer um crime.

Afinal, o valor da vida é o mais elevado.

A Constituição federal brasileira vigente reconhece o instituto do júri no artigo 5º, inciso XXXVIII e, ainda, institui alguns princípios basilares que somam aos de natureza geral do processo penal, tal como a presunção de inocência do réu, in dubio pro reo, proibição de prova ilícita, contraditório e ampla defesa, entre outros).

Os princípios específicos expressos são o da plenitude da defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

A plenitude de defesa caracteriza-se como potencialização do princípio da ampla defesa. Logo, a defesa ampla é menos abrangente que a defesa plena. Pois essa última, precisa ser completa, perfeita, absoluta, isto é, deve ser oportunizada ao acusado a utilização de todas as formas legais de defesa possíveis, podendo causa, inclusive, um desequilíbrio em relação à acusação.

O princípio da plenitude de defesa desdobra-se em defesa técnica e autodefesa e, nesse aspecto, o acusado tanto pode sustentar qualquer versão que entender adequada para sua defesa, quanto ficar em silêncio ou sequer participar do julgamento.

E, por essa razão, que a autodefesa é considerada um direito disponível, podendo o acusado confessar ou colaborar com a acusação, caso seja de seu interesse.

Lembremos que a defesa técnica, por sua vez, é caracterizada pela necessidade de completa e consistente atuação do defensor.

Afinal, os jurados julgam pela íntima convicção, daí ser fundamental não apenas mera formal defesa técnica, mas sim, a defesa efetiva. Sublinhe-se ainda que a defesa adequada possui grande importância até para o legislador que concedeu ao juiz-presidente os poderes de dissolver o Conselho de Sentença e nomear novo defensor, caso este não atue satisfatoriamente, vide o artigo 497 CPP.

Portanto, diferentemente, da autodefesa, a defesa técnica é direito indisponível, portanto, se relaciona com a materialização do próprio princípio da plenitude da defesa e do devido processo legal (além do próprio contraditório).

Afinal, o Direito manifestado através da doutrina e da jurisprudência deve enfatizar que o mais elevado valor é a vida humana.

Referências

COTRIM, Ana. Marx, Shakespeare e o Nexo do Dinheiro. Disponível em:  https://www.revistas.ufg.br/sig/article/view/56341 Acesso em 13.01.2022.

E SILVA, Rodrigo Faucz Pereira; DE AVELAR, Daniel Ribeiro Surdi. A perspectiva prática da plenitude da defesa. Disponível em:  https://www.conjur.com.br/2021-ago-21/tribunal-juri-perspectiva-pratica-plenitude-defesa Acesso em 13.11.2022.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Especial, 2017.

HELIODORA, Barbara. Shakespeare o que as peças contam: tudo o que você precisa saber para descobrir e amar a obra do maior

dramaturgo de todos os tempos. Rio de Janeiro: Edições de Janeiro, 2014.

JOWETT, John. The Life of Timon of Athens. Colection The Oxford Shakespeare. Oxford: Oxford University Press, 2004.

MARX, K. O Capital. Volume I. Capítulo 1. Seção 3. Disponível em:  https://www.marxists.org/portugues/marx/1867/capital/livro1/index.htm   Acesso em 13.01.2022.

________. O Capital. Disponível em:  https://marxismo21.org/ler-o-capital/   Acesso em 13.01.2022).

MAXIMILIANO, Carlos. Comentários à Constituição brasileira. 5ª.ed. Rio de Janeiro-São Paulo: Freitas Bastos, 1954.

NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Penal. Volume 2, 2017.

SHAKESPEARE, William. Tragédias e comédias sombrias: teatro completo. Volume 1. Traduzido por Bárbara Heliodora. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2009.

VIAPIANA, Tábata. Legítima defesa da honra é inadmissível e inconstitucional, diz Gilmar. Disponível em:  https://www.conjur.com.br/2021-mar-07/legitima-defesa-honra-inconstitucional-gilmar Acesso em 13.01.2022.



[1] John Shakespeare foi vereador e prefeito de Stratford (Inglaterra), que na época era o cargo mais alto que um civil poderia conquistar na política. John Shakespeare era um fabricante de luvas. Luvas eram normalmente feitas de peles de animais que ele tinha preparado, como cabras, bezerros, ovelha, veados e até mesmo cães. Peles de coelho foram muitas vezes utilizados para alinhá-los. John Shakespeare realizado vários deveres cívicos como uma figura de liderança na comunidade de Stratford e sociedade. Começando como um provador de cerveja e um oficial de justiça no conselho da cidade, ele levantou-se para o cargo de prefeito na Câmara Municipal em 1565. Como um provador ale ele teria inspecionados por medidas irregulares de álcool e água em certas cervejas. John Shakespeare também participou de algumas atividades ilegais. Ele vendeu lã sem licença, e emprestou dinheiro a juros. Havia uma pesada multa em lugar de participar em ambas as atividades e, provavelmente devido a esta, ele perdeu sua posição no conselho da cidade na época em que seu filho, William, foi retirado da escola com idade de 14 anos.

[2] Mary Arden era o caçula de oito filhas, cuja família era de agricultores relativamente ricos perto de Stratford-upon-Avon em Wilmcote. Seu pai, Robert Arden, era proprietário rural, casou-se com John Shakespeare e morreu, deixando-a fazenda em seu testamento.

[3] Tímon de Atenas ou Timão de Atenas (Timon of Athens) é uma peça de teatro de 1606 do dramaturgo inglês William Shakespeare, escrita provavelmente com Thomas Middleton, em que é narrada a trajetória de um misantropo ateniense, Tímon de Atenas (personagem provavelmente inspirado no filósofo homônimo). Foi publicada pela primeira vez em 1623 no First Folio. É a última peça do “período trágico” de Shakespeare, mas alguns estudiosos a posicionam entre as peças shakespearianas de definição mais problemática, complexa ou ambígua.

[4] Cumpre alertar que o pródigo de acordo com o disposto do artigo 1.782 do Código Civil brasileiro vigente, é passível de interdição que só o privará de, sem curador, emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado e, praticar, em geral, os atos que não sejam de mera administração.

[5] A doação universal (art. 1.175 do CC/1916; art. 548 do CC/2002) é vedada porque, como leciona a doutrina, “mesmo os que não possuem herdeiros, não podem doar simplesmente tudo o que têm”, motivo pelo qual “o doador sempre deve manter em seu patrimônio bens ou renda suficientes para a sua subsistência”.

[6] General e político ateniense nascido em Atenas, sobrinho de Péricles, importante figura na famigerada Guerra do Peloponeso (431-404 a. C.). Descendia de família ilustre e após ter ficado órfão, foi educado por Péricles, de quem era sobrinho. Tanto Plutarco quanto Cornélio Nepos escreveram biografias sobre a vida de Alcibíades, mas Tucídides é a melhor autoridade em tudo o que lhe diz respeito. No Banquete, Alcibíades aparece bêbado, ovacionando Sócrates, concomitante dizendo que ele não o ama mais, e o mesmo Sócrates rejeitando-o.

[7] O Papa Francisco promulgou a Bula de Proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia. Misericordiae Vultus em 2015 vide no link disponível em:  https://www.vatican.va/content/francesco/pt/bulls/documents/papafrancesco_bolla_20150411_misericordiae-vultus.html   Acesso 13.01.2022.

[8] Como o privilégio é causa de diminuição, não se aplicam às qualificadoras subjetivas, isto é, relacionadas com os motivos ou fins, como nos casos dos incisos: I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II – por motivo fútil; V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime; VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino; e VII – contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição: A explicação é mais simples do que parece. O homicídio será considerado como “privilegiado” se os motivos que levaram a pessoa a praticá-lo forem relevantes, o que afasta as qualificadoras relacionadas aos motivos (qualificados) que impulsionaram o agente a delinquir.

[9] Alguns doutrinadores entendem que a ideia de Júri provém da inquisitio primitiva, que substituiu os processos contraproducentes do duelo judiciário, das ordalia (provas da água e do fogo) e da conjuração (juramento prestado em juízo pelos litigantes e pelos seus pais, vizinhos e amigos). Era, portanto, antes de mais um meio de descobrir a verdade. No julgamento o magistrado escolhia de dez a vinte e quatro pessoas para deporem depois de tomarem uma decisão em conjunto. Havia, desde o princípio, o direito de recusa e a incomunicabilidade. O Juiz podia pronunciar-se de acordo com a decisão a ele transmitida por um jurado eleito pelos outros para esse fim, ou afastar-se dela. Assim sendo, em Atenas, duas instituições judiciárias desejam denodadamente a restauração da paz social, a saber o Areópago e a Heliéia. Ambas apresentam pontos em comum com o Júri. O Areópago, encarregado de julgar os crimes de sangue, era guiado pela prudência de um senso comum jurídico. Era constituído por antigos arcontes, que seguiam apenas a sua consciência. A Heliéia, por sua vez, era um tribunal popular, integrado por um número significativo de heliastas (de 201 a 2.501), sendo eles todos os cidadãos optimo jure. Estes últimos, que também julgavam, após ouvir a defesa do réu, segundo sua íntima convicção.

[10] Inicialmente, apesar de ser chamado de “privilegiado”, tecnicamente está nomenclatura está equivocada, pois o crime verdadeiramente “privilegiado” deve ter penas mínima e máxima menores (impactando na primeira fase da dosimetria da pena), o que não acontece nesse caso. Como se depreende da lei penal vigente, haverá uma redução da pena de 1/6 a 1/3. Portanto, é uma causa de diminuição de pena e deverá ser levada em consideração na 3ª fase da dosimetria da pena. Para trazer um exemplo de crime privilegiado, temos o infanticídio, o qual é formalmente um crime autônomo (artigo 123), mas materialmente é um homicídio “privilegiado”, pois possui penas mínima e máxima menores do que a do homicídio simples. Importante mencionar que, se os jurados reconhecerem essa causa de diminuição de pena, o juiz deverá (e não poderá como diz o texto legal) reduzir a pena de 1/6 a 1/3. Não é uma faculdade do magistrado. Relevante valor social: interesse de ordem geral, coletiva (agressão a traidor da pátria); Relevante valor moral: sentimento de ordem pessoal (agressão do pai da vítima ao estuprador da filha).

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. Tímon de Atenas. O elevado valor da vida. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2022. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/timon-de-atenas-o-elevado-valor-da-vida/ Acesso em: 22 nov. 2024