Direito Penal

Política Penitenciaria Mundial

Política Penitenciaria Mundial

 

 

Cândido Furtado Maia Neto*

 

 

A história da privação da liberdade, do “ius libertatis” ou do direito de ir e vir, é a história do direito penal, melhor falando, dos castigos utilizados pelas civilizações, propriaemente dito. Desde os tempos mais remotos o homem já ensaiava, criava e produzia métodos de aprisionamento.

 

 

As sanções criminais eram aplicadas segundo as fases do direito penal, assim recordamos a fase da vingança privada, divina e pública (1) e as teorias absoluta (escola Clássica, retribuição), relativa (escola positivista reintegração) e eclética da pena.

 

No direito penal – na política criminal – de hoje vigora forte herança consuetudinária; especificamente, fazemos referência a atual praxis impregnada na administração de justiça que vem sendo carregada, veladamente, ao longo dos séculos, desde os costumes da inquisição – praxis dos Tribunais do Santo Ofício -, e as teorias criminológicas positivistas de classificação de delinquentes – lombrosiana e ferriana – bem como a proposta da Escola da Defesa Social de Felippo Gramantica e de Marc Ancel, das decadas de 60 e 70 deste século, que propugna por critérios de tratamento redutor da perigosidade em base a sanção curativa e indeterminada via “Medidas de Segurança”. Segmentos universitários pelo escasso nível de informação estão reproduzindo estes discursos tradicionais ultrapassados.

 

Historicamente, pode-se dizer que o modo de encarcerar, surge quando os homens eram amarrados em árvores, colocados em covas profundas – buracos -, jogados em túneis, calabouços ou masmorras de castelos e fortalezas medievais.

 

Também o direito canônico possui formas de reclusão. Pena corporal aos eclesiásticos que cometem faltas graves, como exemplo cito os “mosteiros”, que além de servirem aos objetivos propostos à determinadas Ordens religiosas -monges-utiliza-se a estrutura física-arquitetônica, em face de sua localização sempre distante de centros urbanos, para enclausurar penitencialmente seus representantes, a fim de fazer com que os condenados expiem suas faltas, em especial pela meditação espiritual. Mais tarde os “mosteiros” foram lugares destinados ao cumprimento de penas corporais para os hereges.

 

As prisões religiosas eram também chamadas de “murus strictus” e “murus largus”(2), o caráter divino e religioso da prisão, para São Agostino, na primeira parte da idade média, é a retribuição; já na segunda parte de idade média, para São Tomas de Aguino, a “justiça é comutativa e intimidativa”.

 

Hoje com sentido disciplinatório, as instituições militares também possuem prisões para seus pares. As antigas “Galeras”, de 1488, tinham um sentido de utilidade econômica para as empresas militares, ao substituirem a pena de morte e castigos corporais, exploravam gratuitamente o esforço humano, no trabalho de conduzir navios ao descobrimento e colonização de novos mundos. Razo pela qual as sanções de deportação e de desterro são atenuantes-comutativas da pena de prisão.

 

Nos ensina Erving Goffman (3) quando define o que são as “instituições totais”. Pelo autoritarismo e hierarquização podem ser aquelas que albergam os perigosos (hospitais psiquiátricos); que tutelam os incapazes (cegos, idosos, órfãos e indigentes); de proteção à sociedade (prisões, penitenciárias, cadeias públicas); as consideradas ideais para determinadas atividades (colégios, internatos, quartéis, grande fábricas, navios, frentes de trabalho rural, mosteiros), todas elas não correspondem aos costumes da sociedade “extra murus”, onde seus membros trabalham em determinado lugar, residem em outro e divertem-se em diferentes locais.

 

A pena privativa de liberdade, tem para alguns um sentido muito mais profundo do que se imagina, é impossível justificá-la na contemporaniedade como método funcionalista reeducador, readaptador, ou ressocilizador, onde Zaffaroni pede para que começemos a elaborar uma filosofia de trato humano redutor da vulnerabilidade, para aumentar o nível de invulnerabilidade de determinadas pessoas (presos).

 

Um excelente trabalho do Instituto Interamericano de Direitos Humanos, com sede em San José/Costa Rica, coordenado pelo prof. Raúl Zaffaroni (4), informa que todos ou quase todos os Código Penitenciários ou Leis de Execução dos países latino-americanos e do mundo, expressam que o objetivo da prisão é a reintegração social do apenado.

 

Saliento que no começo da idade média as sanções eram estritamente pecuniárias. Até o século xvii as prisões ou denominadas “Casas Correcionais” (5) foram lugares para vagabundos, bebados, mendigos, leprosos, doentes mentais, prostitutas, para toda a espécie de indivíduos incomodos à sociedade em geral; muito mais para os presos provisórios, uma vez que as sanções eram a pena de morte e de mutilações, usava-se as prisões como locais de segregação até o término do processo penal, para impedir que o acusado fuja da execução.

 

 

Em resposta a grande demanda e escassa mão-de-obra, com a implantação do Mercantilismo (fins do sec. xvi e xvii), era irracional continuar aplicando penas corporais do tipo, mutilações de partes do corpo humano e a sanção capital. Os métodos punitivos começam a sofrer câmbios, camuflado pelo interesse da exploração da mão-de-obra.

 

 

Enganam-se aqueles que acreditam que a prisão foi criada para ressocializar criminosos, a prisão como pena privativa de liberdade institucionalizada, aparece a 200 anos, no século xviii, no apogeu da Revolução Industrial, para delinear o mercado de trabalho, a produção, o consumo de bens e proteger, em especial, a propriedade privada da classe financeiramente abastada.

 

Para Melossi e Pavarini (6) a prisão surge relacionada com o sistema capitalista, fazendo aparecer as leis que punem a mendicância e vadiagem; para outros como Norval Morris (7) a prisão nasce como reação ao excessivo caráter punitivo das penas, como forma de humanização.

 

No final do século xviii e início do ix, denominado período do iluminismo, da ilustração, século da “luzes”, da “razo” ou “humanitário”, abre-se o movimento da Escola Clássica, neste momento histórico, alguns filósofos e jurístas se declaram contra o sistema de arbítrio, crueldade e desumanidade imperante na época. Foi exatamente com César Bonesana ou o conhecido Marques de Beccaria que no ano de 1763/64 publica-se o célebre opúsculo “Dos Delitos e Das Penas”,proclamando pela reforma da administração de justiça penal, pela propocionalidade das penas, contra a obscuridade das leis, e para que as penas não fossem além da necessidade de salvação da ordem pública.

 

Também o “pai da ciência penitenciária”, John Howard, entre os anos 70 e 80 do século xviii, encabeçou um movimento de reforma nas prisões da Europa, especificamente na Inglaterra, descreveu horrores que conheceu em suas viagens de pesquisa no livro “The State of Prisions in England”, publicado em 1770, e elaborou regras penitenciárias para um sistema celular mais justo e humanitário. “Las infectas prisiones europeas, sin luz, sin aire, con su población penal enferma, mal alimentada, maltratada, mereciendo la censura áspera y dolorosa de este gran filântropo inglés (8).

 

Nesta mesma linha de conduta e pensamento destacamos os seguintes filósofos: Montesquieu (+1755) que proclamava por uma reforma do direito penal vigente e pela independência do Poder Judiciário; Voltaire (+1768) que predicava pela renovação dos costumes judiciais ou por uma nova praxis nos Tribunais; e Rosseau (+1778) que lutava pelos fundamentos de liberdade política e de igualdade entre os cidados.

 

No passado a restrição da liberdade era comutada pelo trabalho forçado e “útil” ao Estado e à classe dominante. Na atualidade conhecemos a sanção de “prestação de serviços gratuitos à comunidade” (9); nada mais é do que, em outros términos, trabalho forçado, via ameaça da efetivação da execução da pena privativa de liberdade.

 

Não podemos dissociar a prisão do sistema de administração de justiça, passado e presente, como forma de controle social do Estado e principalmente de manipulação da classe dominante. A seletividade da repressão estatal é muito bem colocada por Leauté, quando afirma: “a polícia quando lança suas redes não são os peixeis pequenos que escapam mais os maiores” (10); de outro lado, Becker (11) indaga: quais são os critérios de legitimação da criminalização ? que tipo de conduta e de pessoas são catalogadas como crime e delinquentes ?. E para Quinney (12), o Estado é criado e dirigido pela classe social que detêm o poder político e econômico, impondo sua vontade ao resto da sociedade, a polícia, o Ministério Público e o Poder Judiciário, servem como força de auxílio, são agentes da lei e de proteção da classe dominante, qualquer ameaça a classe dirigente aciona-se a norma e seus representantes públicos, fazendo funcionar o sistema de administração da justiça com trocas de favores e influências políticas.

 

Rusche e Kinchheimer (13) mantêm a posição de que tanto o sistema de produção como o mercado de trabalho em uma sociedade capitalista, dependem de um sistema punitivo ou a ele está intimamente ligado.

 

A prisão como se apresenta atualmente, isto é, como depósito de seres humanos, é atentatória à dignidade do homem, para que sempre esteja em níveis de pouca aceitação popular, e seja comparada a um “verdadeiro inferno”, a fim de forçar a grande parte da população a receber o salário oferecido pelo Estado e pela iniciativa privada; do contrário, resta aos cidadãos a economia informal ou o labor ilícito e consequentemente a prisão=inferno. Conclui-se, forçadamente que é preferível receber baixos salários, mas permanecer em “liberdade”, mesmo que em precárias condições de vida.

 

Reformas estruturais eficazes no sistema prisional, somente serão possíveis com a transformação total do sistema sócio-econômico-político da sociedade, em especial das subdesenvolvidas ou daquelas em desenvolvimento, motivo pelo qual encontra-se inviabilizado o respeito as Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento do Recluso de 1955.

 

Pensar em privatização dos estabelecimentos penitenciários é outro erro, uma vez que esta Proposta vincula-se ao sistema capitalista. Prisões administrada por particulares – empresas – tem objetivo de lucro, consequentemente, maior exploração do valor da mão-de-obra.

 

A solução que visualizamos, para amenizar os problemas que atualmente se apresentam quanto a administração penitenciária estatal, seria transferir o gerenciamento dos presídios diretamente para a comunidade em geral, de uma forma mais democrática possível, isto é, para um Conselho da Comunidade (14) composto por diversos segmentos da sociedade civil -profissionais, estudantes de direito, associações, sindicatos, igrejas, etc. – na forma de voluntariado, deixando o Estado somente com a incumbência da construção do prédio e da segurança externa do estabelecimento. Justifico esta proposta em dois aspectos, primeiro pela comprovada falta de capacitação dos agentes penitenciários de tratar o interno -preso- segundo aos objetivos reeducadores; bem como pela preemente necessidade de transferir, para a sociedade, a responsabilidade de aceitar e reintegrar o egresso; talvez só assim, diminuiriam-se os encarceramentos.

 

Os problemas da prisão não se resolveram com ela, seus resultados negativos somente desapareceram com sua abolição, é ilógico ou impossível querer que alguém possua responsabilidade em um mundo que cerceia a liberdade de todas as formas, diz Lola Aniyar (15) “o melhor sistema penitenciário é o que não existe”, o cárcere não serve para ressocializar (Roxin – “ninguém pode apreender a viver em liberdade sem liberdade”); é o mesmo que tentar ensinar a jogar futebol dentro de um elevador, um verdadeiro absurdo (Elbert). Sem olvidarmos Foucault (16) “a prisão não serve para aquilo que se diz servir”, não foi inventada para a ressocialização, este objetivo, apresentado hoje, foi desvirtuado com o intuito de justificá-la de alguma maneira.

 

Foucault (17) se expressa: “a prisão por melhor que seja cuidada e por melhor que seja disfarçada, arrasta sempre más consequências para a saúde do sentenciado, perturbações mentais, psicose carcerária e outros males físicos e morais”; este é o “processo de prisionalização” ou de “desculturalização, conforme conceituam Donald Clemmer e E. Goffman, respectivamente, o que corresponde ao processo de deterioração institucional para a perda da auto-determinação e auxilia a desintegração social. Segundo Vernon Fox cria uma “personalidade institucionalizada”, onde as mazelas da prisão começa pela superpopulação carcerária, passa pela corrupção interna entre agentes penitenciários e presos, trilha na ociosidade, na promiscuidade, homosexualismo, tráfico de tóxicos, etc. Tudo que está proibido para a sociedade livre, é “permitido” “intra-murus”, com ciência plena da administração prisional que somente se interessa em tentar evitar evasões e manter a calma interna; por isso é que as drogas (maconha) é permitido seu uso.

 

Indubitavelmente os presos são os cidadãos vulneráveis do sistema, vítimas impotenciais das ações repressivas do Estado, seja pela seletividade, tráfico ilícito de influências ou em face do “status-quo” socio-cultural-financeiro.

 

A reincidência criminosa é produto da prisão, entre 70 a 80% dos ex-presidiários voltam ao cometimento de crimes. Este índice é produzido inconscientemente pelos protagonistas do sistema, que encarceram e solicitam a detenção – as forças policiais – gerando a impunidade, via criminalização de direito (primária-processo legislativo) e descriminalização de fato (secundária-policial) (18), esta ação é referendada também inconsciente pelo Ministério Público e pela magistratura.

 

A prisão entendida como ela é hoje tem suas origens nos anos de 1700, na Belgica e nos Estados Unidos da América. O modelo Pensilvânico que representava um sistema penitenciário excessivamente drástico, com a obrigação de silêncio absoluto durante todo o tempo, isto é, de dia e de noite, isolamento e trabalho forçado (19). Posteriormente, o modelo de segurança máxima se ameniza, com o sistema Auburniano (“silente system”) ou denominado “public work”, cambiando os objetivos de expiação da culpa via castigo da meditação, pelo de trabalho recuperacional. Aparece no ano de 1876, em New York, o modelo Elmira visando a reeducação contra a reincidência e prevenção do crime em base a pena indetermninada; logo o chamado modelo progressivo inglês que possuía uma fase incial de isolamento até o condenado beneficiar-se da liberdade condicional. Atualmente, com as devidas adaptações, este sistema foi ampliado com as regras de progressão de regimes, do fechado ao semi-aberto e ao aberto (20).

 

Não se conhece outro método para substituir as prisões, a não ser o uso das medidas alternativas ou a abolição por completa das prisões, é a tese defendida M. Pavarini, pois a p.p.l se revela um fracasso a qualquer critério de utilidade social, seja como penas de curta e de longa duração. Louk Hulsman catedrático de direito penal da Universidade de Rotterdam/Holanda, prope a abolição global do sistema de Justiça Penal (21).

 

Não poderemos jamais trabalhar com as medidas alternativas/substitutivas de encarceramento, quando legitimamos comitantemente o uso da prisão através da “cultura da emergência” ou da “doutrina da insegurança pública”, como resposta à paz social e à ordem pública.

 

 

Devemos dar prevalência as Medidas Alternativas da pena privativa de liberdade que, por características diferem das Substitutivas. Maria Angélica Jiménez (22), comenta que as primeiras “são aquelas que por sua natureza e aplicação, se desprendem tanto desde o ponto de vista normativo como prático da p.p.l…, a característica principal é que se outorga diretamente pelo delito cometido”; já estas últimas “são aquelas que se contemplam para os delitos de penas curtas de prisão. A característica fundamental é que a p.p.l. é substituída sob o cumprimento de certas condições”.

 

São inúmeras as Medidas Alternativas e Substitutivas da prisão (23), seja de caráter processual ou executório, ambas servem ao mesmo objetivo, à excarceração provisória ou defintiva; dentre elas, cito: as sanções administrativas e civis (princípio “non bis in idem”);suspensão condicional da pena; o “sometimento a juício” (uma espécie de sursis para processados existente na legislação venezuelana); a liberdade provisória baixo fiança; multa; sistema probation; liberdade condicional; prisão albergue ou sistema aberto de execução da p.p.l.; limitação de fim-de-semana; interdição de direitos; prestação de serviço gratuito; remição pelo tempo de trabalho; admoestação com reserva de pena; a “binding over” (deposito em dinheiro pelo tempo da prisão); utilização das penas acessórias como principais; perdão judicial; a “diversión” (permite ao MP o sobrestamento do processo, como consta las leis na Bélgica, França, Japo, Inglaterra ou Estados Unidos).

 

Considerando que inexiste vontade política para a aplicação das Medidas alternativas/substitutivas da pena privativa de liberdade, o caminho é o chamado “Direito Penal Mínimo” ou o “Reducionismo Penal”, que tem por fim reduzir a violência punitiva estatal para assegurar a proteção do mais débil contra o mais forte.

 

Do ponto de vista sustentado por Luigi Ferrajoli a base da perspectiva crítica deve ser a deslegitimação da eficácia do sistema repressivo, que o fim da prevenção geral negativa (intimidação), deve cumprir uma dupla função, a prevenção dos delitos, porém, desde que as penas não sejam arbitrárias e nem desproporcionais; assim a sanção não serve somente para tutelar o ofendido, mas também, do mesmo modo, para proteger o delinquente das reações punitivas legais excessivas e extra-legais.

 

Dentro desta concepção minimalista do direito penal Alessandro Baratta roga pela garantia de necessidades reais, de respeito para a criação de um Estado de Direitos Humanos.

 

Se o direito penal fosse efetivamente a “ultima ratio” das ciências do ordenamento jurídico, a prisão – a pena privativa de liberdade – seria consequentemente usada racionalmente, como “ultima ratio” das espécies de sanção criminal, e o princípio da excepcionalidade da prisão preventiva não estaria sendo a regra, ou violado. Heleno Fragoso nos ensina que a prisão deveria ser o último recurso utilizável pelo Estado; dentro desta ótica, se fosse feito um mutirão nos cárceres observariamos inúmeras pessoas presas por “delitos de bagatela”, acreditamos que mais da metade dos detentos poderiam receber imediatamente a liberdade (provisória, condicional ou defintiva); desnecessário é, portanto, a construção de mais estabelecimentos penais, em face ao argumento de sua inviabilidade prática de objetivo (não ressocializador) e pela grande dificuldade financeira quanto ao custo da edificação (24). Melhor seria utilizar os recursos econmicos do Estado para a construção de escolas, centros de saúde, orfanatos, asilos, e principalmente, empregar o erário público em frentes de trabalho.

 

A ideologia repressiva da praxis jurídica-penal urge da “insegurança cidadã”, devemos comitantemente propugnar, também, pela mediação entre ofendido e acusado, dando-se a vítima, a verdadeira titular dos bens tutelados pelo Estado, a oportunidade de composição, para que ela -vítima- deixe de ser o “convidado de pedra” do sistema processual. Trata-se de um esforço de conscientização, que deve ter início na análise da viabilidade do exercício do “ius persequendi”, na busca de resultados positivos e concretos para reestabelecer a ordem violada; ao passo que as Medidas alternativas e substitutivas da p.p.l. em geral referem-se a um trabalho finalístico, isto é, de atenuação da aplicação do “ius puniendi” com a pena de prisão.

 

Outra tentativa, como via legal, para se evitar a superpopulação carcerária e para fazer com que os funcionários e autoridades do sistema de administração de justiça penal-penitenciária, passem a usar menos a pena privativa de liberdade, seja na forma de medida cautelar – prisão preventiva – ou como sanção condenatória, propriamente dita, é responsabilizar civilmente o Estado via indenização pela injustiça da detenção por erro judicial, quando o tempo da prisão tenha sido indevido, isto é quando não tenha sido declarada a culpabilidade, ou processado absolvido por insuficiência de provas de haver cometido a infração penal, ou quando não constitua o fato ilícito criminal. Consequentemente para se efetivar a ação regressiva contra o funcionário – policia – e/ou autoridade judiciária – representante do Ministério Público e do Poder Judiciário – porque são os que solicitam e executam o encarceramento.

 

 

Bem como, a obrigação de considerar a execução da pena privativa de liberdade, inconstitucional, quando no caso “in concreto” ela, por sua natureza, torne-se sanção cruel, degradante e desumana; vez que os Estados que adotaram o regime democrático-humanitário de direito, está taxativamente proibida a aplicação destas espécies de pena, onde consta expressamente na “lex fundamentalis” e nos Documentos internacionais de Direitos Humanos aderidos pelo processo legislativo interno (25). Sem descartarmos a hipótese da obrigatoriedade de interdição judicial dos estabelecimentos prisionais que se apresentem sem condições de internamento em face da falta de higiene e de habitabilidade.

 

O importante, neste momento histórico é pleitear por um “Direito Penal do Perdão” (26), a fim de que a administração de justiça criminal possibilite amenizar os conflitos, buscando soluções para as vítimas, e não aumentando ainda mais os problemas familiares do réu (“princípio de proibição de transcendência da pena”). Necessário se faz, procurar dentro dos princípios de direito penal humanitário vias legais e doutrinárias de acesso para a atenuação das questões sociais de ordem política-penal-penitenciária.

 

 

 

 

NOTAS

 

 

(1) Vingança privada: surge a “Lei de Talião” baseada no princípio da aplicação do castigo proporcional a ação praticada. Esta legislação aparece pela primeira vez no Código de Hamurabi, sec. xxiii a.C.

 

Durante os séculos xiv e xv d.C. a sanção penal passa a ser comandada pela religião-igreja. Já naquela época o sistema de aplicação de penas era desigual, variava de acordo com a classe social. A prisão era especialmente destinada aos pobres porque não possuiam condições financeiras para o pagamento da multa; aos nobres, por sua vez estabelecia-se as penas pecuniárias, onde o dinheiro comutava a pena de prisão e redimia suas faltas.

 

Com a desordem do Poder Pontífice no final da alta idade média o poder político dos civis aumenta, passando a responsabilidade de aplicar sanções aos príncipes. Até hoje é o Poder Público o responsável pela aplicação das penas pela administração da justiça, onde o Estado-Executivo é parte principal da execução da sanção.

 

(2) “murus estrictus”: muro estrito, para detenção em calabouços escuros, onde o preso era amarrado em correntes pregadas nas paredes; e “murus largus”: regime mais liberal.

 

(3) Goffman, Erving: “Internados”; ed. Amorrortu, Buenos Aires, 1961.

 

(4) Zaffaroni, Raúl: “Sistemas Penales y Derechos Humanos en América Latina”, ed. Depalma, Buenos Aires, 1986.

 

(5) House of Correction (Londres-1552), para vagabundos e prostitutas; Rashuys (1595), para homens vagabundos e delinquentes jóvens; Spinnbyes (Amesterdam/Holanad, 1597) para mulheres.

 

(6) Melossi, Dario; e Pavarini, Massimo: “Control y Dominación: Teorias criminológicas burguesas y proyecto hegemónico”; ed. siglo xxi, México-DF, 1983.

 

(7) Morris, Norval: “El futuro de las Prisiones”, ed. siglo xxi, México-DF, 1987.

 

(8) Asúa, Luis Jiménez de: “La Ley y el Delito”; ed. Sudamericana, Buenos Aires, 1980, pg. 36.

 

(9) A lei n. 7.209/84, Código Penal brasileiro, expresa no art. 43, I e 46 a sanção de prestação de serviços gratuitos à comunidade.

 

(10) Aniyar de Castro, Lola: “Criminologia da Reação Social”, ed. Forense, RJ, 1983, cita Leauté pg.67

 

A impunidade seletiva do sistema fere flagrantemente os princípio da obrigatoriedade da ação penal, da legalidade, e da igualdade perante a lei e o trato antes os Tribunais. Estatísticas informam que apenas 10% dos ilícitos cometidos chegam aos Tribunais, números que alimentam as cifras negras e douradas da criminalidade.

 

(11) Becker, Howard: “La Desviación e la Respuesta de Outros”; mimeo Biblioteca do Inst. de Criminologia Lola Anyiar de Castro, da Univ. del Zulia/Maracaibo-Venezuela.

 

(12) Quinney, Richard: “Teoria Crítica del Derecho Penal”; apêndice do trabalho “Una Filosofia Crítica del Ordem Legal”, mimeo Biblioteca do Inst. de Criminologia Dra. Lola Anyiar de Castro, Univ. del Zulia, Maracaibo-Venezuela.

 

(13) Rusche, George; e Kirchheimer, Otto: “Pena y Estructura Social”, ed. Temis, Bogotá, 1984.

 

(14) Conselho da Comunidade como órgão de execução penal (ver Lei de Execução Penal do Brasil, n. 7.210/84, art. 61,viii, e 80/81).

 

(15) Ver Aniyar de Castro, Lola: “Notas para um Sistema Penitenicário Alternativo”, in Rev. de Jurisprudência Brasileira Criminal, n. 35, 1995; tradução Maia Neto, Cândido Furtado.

 

(16) Foucault, Michael: “Vigiar e Punir”; ed. Vozes, Petrópolis/RJ., 1983.

 

(17) Foucault..: in “Vigiar e Punir”, 1983, pg.236

 

(18) A corrupção da polícia e seu despreparo é público e notório,inclusive que as forças de segurança atuam contra a sociedade e não a seu favor. Para a polícia o que impera é o princípio onde todos são culpados até prova em contrário, versus princípio da presunção de inocência. A prova da verdade ou que pode inocentar não é produzida, mas somente aquela que prejudica.

 

(19) Sistema semelhante ao “Panoptico” idealizado por Jeremías Bentham, em 1787, princípio de segregação absoluta, disciplina e inspeção utilitária, para que com um mínimo de esforço se pudesse obter o máximo de controle. Cópia do zoológico de Le Vaux em Versalles (París), onde o homem é substituido pelo animal, prisão de forma octagonal; e igual a “Maison de Force”, modelo belga de 1773, a prisão menos humana, onde surgiu o dito “o que não trabalha não come”.

 

(20) Fala-se que o sistema progressivo de execução da pena privativa de liberdade baseia-se no senso de responsabilidade do detento, o que não é correto, pois, o interno não é preparado para ter nenhuma responsabilidade; pelo contrário, dentro da prisão aprende, conhece e faz todo o tipo de coisas proibidas no mundo livre. O que impera dentro da prisão é o “Codigo do Recluso”, a “Lei do Silêncio”, e a “Lei do Mais Forte”.

 

(21) Os abolicionistas propõem abolir a prisão e o direito penal, substituindo este sistema pelo de intervenções comunitárias, e uma Justiça popular de micro-sociedade, para uma estrutura menos desigual e menos injusta (ver Martines, Maurício: “Que pasa en la Criminologia Moderna”; ed. Temis, Bogotá, 1990.; e, “La abolición del sistema penal”, ed. Temis, Bogotá, 1990.

 

Ver Louk Hulsman: “La Perspectiva Abolicionista”, in Rev. Do Insti. de Ciencias Penales y Criminologicas, Univ. Externado Colombia; in Rev. Derecho Penal y Criminologia, vol. viii, n. 25, Bogotá, 1985; e in Criminologia Critica “Alternatives Pour Le Systeme de Justice Criminelle” ed. Cejup, 1990.

 

Para Zaffaroni o grau de cultura da sociedade latino-americana é muito baixo, pela escassa consideração à dignidade humana, para ele, não seria possível qualquer composição que não fosse a volta ao barbarismo. Por sua vez Lola Aniyar entende que o abolicionismo é ideal para o sistema capitalista, pois torna os delitos um objeto de mercado.

 

Em geral a imprensa tem feito inconscientemente apologia do crime e do criminoso quando notícia que o menor infrator segundo o Estatuto da Criança de do Adolescente do Brasil (Lei n. 8.069/90) não pode ser preso; e quando declara em campanhas, pelos meios de comunicação de massa, que as penas são muito brandas.

 

(22) Jiménez, Maria Angélica: “Medidas Alternativas en el Sistema Penal y Perspectivas Criminológicas”; ed. Univ. del Zulia, Maracaibo/Venezuela, 1991.

 

(23) Lola…: ob cit…

 

(24) Segundo dados do Ministério da Justiça – do Brasil -, o custo da construção de um estabelecimento prisional com capacidade para 500 internos gira em torno de 15 milhões de dolares-americanos, e o custo mensal “per capta” do preso varia de 3 a 4 salários-mínimos. Existe atualmente no Brasil cerca de 130 mil presos.

 

(25) O processo legislativo interno pátrio está previsto no art. 59 usque 69 da CF, segundo a “lex fundamentalis” compete privativamente a União legislar sobre norma penal, em respeito ao princípio da representação popular. Os Documentos de Direitos Humanos aceitação universal, aderidos pelo governo, via processo legislativo próprio pertence ao ordenamento jurídico positivo, e possuem grau de hierarquia superior perante as leis ordinárias; exemplo, o Pacto de San Jose (Declaração Americana de Direitos Humanos, 1969); a Convenção sobre Tortura da ONU e OEA; a Declaraçao Universal dos Direitos Humanos; o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, todos, bem como a Carta Magna nacional proibem taxativamente a aplicação de pena cruel, desumana e infamante, letra “e”, inc.xlvii do art.5 CF.

 

(26) Beristain, Antonio: “Nueva Criminología desde el Derecho Penal y la Victimología”, ed. Tirante Banch Libros, Valencia-España, 1994.

 

 

* Promotor de Justiça de Foz do Iguaçu-PR. Membro do Movimento Ministério Público Democrático.Professor Pesquisador e de Pós-Graduação (Especialização e Mestrado). Associado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Pós Doutor em Direito. Mestre em Ciências Penais e Criminológicas. Expert em Direitos Humanos (Consultor Internacional das Nações Unidas – Missão MINUGUA 1995-96). Secretário de Justiça e Segurança Pública do Ministério da Justiça (1989/90). Assessor do Procurador-Geral de Justiça do Estado do Paraná, na área criminal (1992/93). Membro da Association Internacionale de Droit Pénal (AIDP). Conferencista internacional e autor de várias obras jurídicas publicadas no Brasil e no exterior. E-mail: candidomaia@uol.com.br

 

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Como citar e referenciar este artigo:
NETO, Cândido Furtado Maia. Política Penitenciaria Mundial. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/politica-penitenciaria-mundial/ Acesso em: 27 dez. 2024