Pena De Morte, Criminalidade Violenta e os Direitos Humanos
Cândido Furtado Maia Neto*
A violência e a criminalidade são as maiores preocupações sociais, o aumento da delinquência se apresenta assustador, multiplicam-se as vítimas fatais de crimes hediondos, brutais, pavorosos, sordidos, depravados, imundos, etc.. Contra as mulheres são cometido delitos de lesões corporais, estupros e homicídios passionais; os homens de negócio são sequestrados e mortos.
Os menores infratores, futuros marginais de amanhã, infelizmente, dia a dia nas ruas, são autores atos repugnantes, em geral, sob efeitos do alcool e das drogas proibidas. O barbarismo atual choca a sociedade.
Concomitantemente, sem a violência física, mas com grandes prejuízos aos cofres públicos, os deliquentes do “colarinho branco” (white collor crime) gozando do permanente e forte tráfico ilícito de influências políticas, assegurados pela impunidade (“imunidades”) do sistema de repressão estatal.
Somando-se as falhas estruturais dos órgãos de segurança pública, e o dever do Estado imposto pela Constituição federal (art. 144) de garantir a paz e a ordem, as deficiências da polícia preventiva, a má aplicação e fiscalização da lei, reproduz a insegurança jurídica e cidadã, bem como o descrédito popular da administração de Justiça Penal.
Os aproveitadores de situações, entre eles os políticos demagõgos, usufruem das situações de insegurança pública, e para angariar votos usam de inaceitáveis subterfúgios, como por exemplo, o incitamento a aprovação do chamado “homicídio legal” como solução à diminuição da criminalidade.
A história da humanidade, desde a pena de Talião – “dente por dente, olho por olho…” – quando se permitia fazer justiça pelas próprias mãos, e hoje, em alguns regimes autoritários de governo, na China, nos países Ãrabes, e no próprio E.U.A., este último apresentando-se falsamente como modelo de desenvolvimento e de democracia mais perfeita, a sanção Capital não trouxe resultados eficazes para conter a delinquência, isto é, facilmente demonstrável pelas estatísticas oficiais.
O cárcere, como instituição de combate à deliquência despersonaliza cruelmente o homem, coisifica-o e desumaniza-o. Os estabelecimentos de segregação social – presídios, cadeias públicas geram a reincidência criminosa, principalmente a criminalidade violenta.
Na sua quase totalidade os ilícitos considerados hediondos são perpetrados por egressos do sistema penitenciário, pessoas que viveram no sub-mundo da prisão.
Em verdade quando a sociedade vota pela implantação da pena de morte, o faz inconscientemente, está farta de assistir privilégios e tratos especiais ante os Tribunais. A isonômia perante a lei não passa de mais um dos mitos do direito.
César Beccaria, filósofo italiano a quase 2 séculos, no ano de 1764, quando publicou sua famosa obra “Dos Delitos e Das Penas”, sobre a sanção de morte disse: ” é necessário escolher os meios que devem provocar no espírito humano a impressão mais eficiente e mais perdurável, e igualmente, menos cruel no organismo do culpado; a pena de morte é prejudicial à sociedade, pelas demonstrações de crueldade que apresenta aos homens; o homicídio, que nos surge como um delito horrendo, nós vemos a vingança premeditada do Estado praticada com frieza e sem arrependimento”.
A lei penal assegura para cada cidadão o direito de repelir injusta agressão, em nome próprio ou de outrem, trata-se de legítima defesa (art. 23,II e 25 do Código Penal).
No Brasil a pena de morte é executada por justiceiros particulares e também por homicidas fardados, contra pessoas pertencentes a camada financeira mais baixa da sociedade. Estes “clientes” do sistema de Justiça Penal serão óbviamente os mais vulneráveis à condenação de morte.
Aqueles que são a favor da pena de morte, e pertencem a este estrato social, estão votando para a própria eliminação física.
A intimidação como objetivo ameaçador prático da pena inexiste, não há prova científica alguma de que a sanção de morte impede o cometimento de delitos. Equivocam-se aqueles que acreditam e apostam nos rigores das leis penais como instrumento eficiente para freiar ou minimizar a criminalidade.
A pena privativa de liberdade não ressocializa, não reeduca e muito menos reintegra o preso à coletividade. Por isso, necessita urgentemente ser desmitificada, as penitenciárias não foram criadas pelo homem para este fim.
A prevenção da criminalidade é dever do Estado, a repressão precisa ser controlada ao máximo. Quando levantamos o standarte contra a pena de morte, não nos colocamos a favor de delinquentes ou ao lado de criminosos, mas, em defesa da própria sociedade e de um direito penal mais democrático e humanitário.
O sistema de administração de Justiça, exclusivamente o Penal, está caótico, já faliu, por isso, a polêmica da pena de morte é ressucitada de tempo em tempo para atender interesses da elite dominante.
Já no ano de 1989, entre os dias 18 e 22 de setembro, realizou-se em Goiânia o Primeiro Seminário Nacional sobre “Controle da Criminalidade Violenta”, organizado pelo Governo daquele Estado, da qual tivemos a oportunidade de contribuir com propostas ao lado de ilustres cientístas sociais e penalistas de renome, quando exerciamos a função de Secretário de Justiça e Segurança Pública do Ministério da Justiça.
Entendo primordial, destacar algumas das aínda vigentes Recomendações e Conclusões do importante Evento, amplamente apoiado por nós.
Medidas de curto prazo: efetivação de uma polícia aparelhada e de uma política penal e penitenciária eficiente com direcionamento social; desburocratização dos julgamentos e adoção de formas eficazes de execução da condenação; enfrentar não só a criminalidade violenta, como também a não violenta (não convencional); e envolver os meios de comunicação para transmitir à sociedade atitudes positivas e humanas através de campanhas educativas e não sensacionalistas.
Medidas de médio prazo: revisão de toda legislação penal para adequa-la à Constitutição Federal; construções de presídios, privilegiando os estabelecimentos semi-aberto e abertos, contra o regime fechado (de segurança máxima); e conscientizar os profissionais do direito que atuam na área criminal, em destaque os do Ministério Público por ser a instituição de defesa dos direitos indisponíveis da sociedade, para desenvolver um comportamento de assistência e de prevenção,
em câmbio da repressão, formando agentes de defesa dos Direitos Humanos.
Medidas de longo prazo: permanente atualização da prevenção da criminalidade; melhoria das condições de vida, e apoio do Estado ao ensino público e privado para captar a participação e esclarecimento da população nos problemas sociais envolvidos na criminalidade.
Do grupo de juristas que tive a honra de compor, cito: Prof. René Ariel Dotti (PR); Prof. Miguel Reale Junior, Prof. Rogério Lauria Tucci, Dr. Eduardo Augusto Muylaert e Dr. Joo Benedicto Azevedo Marques (SP); Prof. Técio Lins e Silva (RJ); Profa. Marilia Murici Machado Pinto (BA); Prof. Ariovaldo Campos Pires (MG); Dra. Vera Regina Muller (RS); Prof. Licínio Leal Barbosa (GO); e aínda os Ministros do Superior Tribunal de Justiça Dr. Luiz Vicente Cernicchiaro e Dr. Francisco de Assis Toledo (DF).
Ressalto que todos foram, e eu sou radicalmente, contra a adoção da Pena de Morte na República Federativa do Brasil, sem excessões.
Discussões que se abrem, quase que todos os dias, sobre a sanção de Morte é altamente inconstitucional, porque juridicamente nem mesmo com uma emenda à Carta Magna, é possível restabelecer-la. O artigo 60 parágrafo 4, inciso IV, da Lei Suprema expressa: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: os direitos e garantias individuais”.
Os Direitos e Garantias Fundamentais (coletivos e individuais) estão definidos no artigo 5 e incisos do Texto Maior, entre eles ao Estado incumbe tutelar obrigatoriamente a inviolabilidade da vida como regra geral indiscutível, portanto, a Lei proibe taxativamente a aplicação da Pena de Morte e da prisão perpétua, inciso XLVII, “a” e “b”. Se aínda não bastasse, o legislador constituinte de 88, prevendo que poderiam acontecer interpretações hediondas ou deturpadas, fez acrescentar na Constituição Federal, de forma redundante porém justificadamente necessária, que também não haverá penas cruéis; ou seja, de morte e a prisão perpétua.
Técnicamente falando, segundo as regras impostas pela legislação brasileira, é inadimissível uma emenda à Constituição que adote a pena de morte, ou sua própria discussão. Para ocorrer tal feito, se faz mister que o Governo brasileiro renuncie o sistema Democrático de Direito (art. 1 CF), a prevalência dos Direitos Humanos como um dos princípios regentes da República, bem como todos os Pactos, Convenções, Tratados e Documentos internacionais de Direitos Humanos aderidos ao ordenamente pátrio interno, desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos adotada em 1948 pela ONU, e principalmente a Convenção Americana sobre Direitos Humanos adotada recentíssimamente pelo próprio Presidente Itamar Franco, através de Decreto n. 678, de 6 de novembro de 1992, publicada no Diário Oficial da União em 9.11.92, onde o item 3 do artigo 4, reza: “Não se pode restabelecer a pena de morte nos Estados que a hajam abolido, e, tampouco se estenderá sua aplicação a delitos aos quais não se aplique atualmente”.
Juridicamente é impossível adotar a sanção capital, para os chamados delitos “hediondos”, somente em caso de guerra, a Constituição Federal estabelece a pena de morte para os delitos militares (art. 5, XLVII, “a” CF). Mesmo assim, pensamos que tal dispositivo fere o princípio básico de prevalência pelos Direitos Humanos, com a proibição de aplicação de penas cruéis, sendo incabível qualquer excessão a regra geral do direito à inviolabilidade da vida (art. 5 “caput Cf), uma vez que a Carta Magna proibe taxativamente (art 60, parágrafo 4 CF) deliberações e propostas de emenda tendente a abolir qualquer um dos direitos e garantias individuais.
* Promotor de Justiça de Foz do Iguaçu-PR. Membro do Movimento Ministério Público Democrático.Professor Pesquisador e de Pós-Graduação (Especialização e Mestrado). Associado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Pós Doutor em Direito. Mestre em Ciências Penais e Criminológicas. Expert em Direitos Humanos (Consultor Internacional das Nações Unidas – Missão MINUGUA 1995-96). Secretário de Justiça e Segurança Pública do Ministério da Justiça (1989/90). Assessor do Procurador-Geral de Justiça do Estado do Paraná, na área criminal (1992/93). Membro da Association Internacionale de Droit Pénal (AIDP). Conferencista internacional e autor de várias obras jurídicas publicadas no Brasil e no exterior. E-mail: candidomaia@uol.com.br
Compare preços de Dicionários Jurídicos, Manuais de Direito e Livros de Direito.