O poema de um adolescente infrator[1]
Foi notícia no jornal argentino El País: “Um interno da Fundação CASA é finalista de um concurso nacional de poesia – Sonhar com o prêmio, diz o adolescente de 17 anos, mudou a sua vida.” A matéria jornalística, assinada pela periodista María Martín, afirma que o adolescente é finalista da Olimpíada de Língua Portuguesa.
Informa-se que “o tema escolhido este ano para o concurso nacional de poesia da Olimpíada de Língua Portuguesa foi O Lugar Onde Vivo. Entre os quase 54.000 poemas recebidos, chegou à final o de um garoto de dezessete anos, preso pela terceira vez por tráfico de drogas na Fundação CASA, como são chamados de forma amigável os centros de internação para menores infratores em São Paulo. O lugar onde ele vive é formado por quatro celas, um banheiro dividido entre 30 internos, um refeitório e duas salas de aula com vista para uma pista esportiva. Os muros com arame farpado não deixam ver nada do que está do lado de fora. O jovem, que tem dois filhos gêmeos de um ano, aos quais só conseguiu ver duas vezes, intitulou seu poema de Vida em Transição. A semifinal em Belo Horizonte, de onde saíram trinta e oito finalistas, levou o menino pela primeira vez para fora de São Paulo com sua professora e um agente de segurança. Nunca havia entrado em um avião – como é grande, né?, disse ao vê-lo de perto –, nem sabia o que era se hospedar em um hotel. Estava com medo porque pensei que iam me tratar mal, eu era o diferente, há muito preconceito. Mas fiz amigos e vi pessoas que não conhecia chorando pela minha vitória. Nunca havia tido essa experiência de gente apostando pelo bem dos outros. Essa viagem mudou minha vida, me fez ver que, apesar de estar onde estou e o que fiz, há outras vidas que eu também posso viver, conta na sala de aula onde estuda das 7h30 às 12h. O concurso premiou os finalistas com uma tablet, um computador e um vale de 300 reais em livros. Ele gastou o dinheiro em vários contos infantis, mas também em José Saramago e Agatha Christie.”
O diário portenho aproveitou o ensejo para indicar alguns dados da Fundação CASA, tais como: 1) 10.203 jovens estão internados hoje nos 149 centros da Fundação CASA. 95,36% deles são homens; 2) 31,8% dos internos são brancos. O maior porcentual é de pardos (53,8%). Os pretos são 13,9%; 3) O crime mais comum dos internos é roubo qualificado (43,44%), seguido de tráfico de drogas (37,57%); 4) Uma minoria foi detida por crimes mais graves. Assim, o latrocínio – roubo seguido de morte – representa 0,79% do total. Os homicídios somam 1,44% de internos e o estupro 0,76%; 5) A reincidência nestes centros é hoje de 13,5%. Em 2006 era de 29%. (Fonte: Fundação CASA).
Continua a matéria:
“A primeira vez que ‘Luan Santana’, apelido que foi dado pelo diretor do centro, pisou na instituição tinha 13 anos e foi preso pelo mesmo delito que faz com que 37,5% dos 10.000 menores internos ingressem nestes centros em São Paulo. Me pegaram na viela da minha casa com dinheiro e disseram que era do tráfico de drogas, afirma. Entre idas e vindas, Luan passou preso mais de dois anos de sua vida.Hoje, depois de 12 meses na instituição, espera que o juiz lhe conceda a liberdade pela última vez. Segundo o centro, está pronto para se integrar de novo a sociedade e ele não tem dúvidas: Este não é um lugar apropriado para ninguém. Eu vou mudar minha vida. Antes nem pisava na escola, hoje quero ir à universidade. Com tudo isto, descobri um potencial que tinha escondido. Na 5ª série, Luan está seis anos atrasado nos estudos. Faltava tanto que repeti muitas vezes, mas o empenho é a base de tudo. Vou chegar. Agora tenho que ser o exemplo para meus filhos, anima-se.Luan sabe que só a intenção de querer mudar seus passos não será suficiente. “Uma boa parte dos rapazes que saem daqui com planos de mudança, emprego e família, acaba voltando a delinquir ao se reencontrar com suas antigas amizades”, explica o diretor do Centro, Christian Lopes de Oliveira. Quero voltar ao meu bairro, mas não quero mais viver ali. Pretendo sair, fazer novos amigos para ter uma vida diferente”, diz Luan sem afastar os olhos da conversa. “Estou vendo muito o sofrimento da minha família e dos meus filhos. Luan, filho menor de quatro irmãos, vê pouco seus filhos gêmeos e sua mulher, aos que prefere manter longe dali.Independente do ato que cometi, minha família não merece isto. Preferi que ela não viesse me ver aqui e tenho que aprender a lidar com isso.De seu pai, com quem morava, sabe pouco, tirando seus problemas com álcool. Viver com ele fez com que despertasse desde cedo algo em mim: tentar ser independente. Assim, com 10 anos, começou sua prematura carreira de trabalho em trabalho: em uma oficina de motos, de carros, em uma empresa de produtos de limpeza e, no final, na rua. O bom de estar aqui é que consegui dar a volta para acima. Por fim entendi que não quero mais isto para mim, quero é estar perto da minha família.Na semifinal de Belo Horizonte, disse, sentiu-se estranho por estar rodeado de tantas crianças, pois o concurso tem como foco meninos entre 10 e 11 anos. Era esquisito no começo, porque eu era o mais velho de todos. Achava que não ia me enturmar, que não seria capaz de demonstrar minha capacidade, mas voltei a ser criança. Até os meninos que não ganharam se alegraram por mim, me disseram que eu merecia.A final da Olimpíada será em Brasília no próximo dia 1º de dezembro de 2014. Sua mãe, uma auxiliar de limpeza desempregada que hoje chora de orgulho, viajará com ele pela primeira vez. O juiz deve decidir se podem ir sozinhos ou acompanhados de um agente da instituição. A liberdade é tudo, senhora.Depois de deixar um caderno alguns minutos em suas mãos, Luan o devolve com uma palavra escrita no meio de uma página em branco: saudade.” (Fonte: http://brasil.elpais.com/m/brasil/2014/11/05/cultura/1415220381_799096.html).
Vejamos, então, o poema do garoto, “Vida em Transição“:
“Viver na Fundação não é bom / Bom é ser livre em toda situação / Mas tenho minha opinião / Sobre esse período de transição / Que muitos dizem ser prisão / Nesse lugar, maldade… Que ao mesmo tempo é saudade / Por estar privado de liberdade / Mas tem um lado positivo / Nessa realidade / Estou me reabilitando para a sociedade / Acordo e vejo grades / Meu peito dói de verdade / Só quem passou / Por isso sabe / De todas as realidades / E crueldades… / A maior necessidade / É a Liberdade! / Aqui lições de vida transmitem / Muitas coisas boas / Reconhecimento como pessoa / Que errar é humano / Mas aprender é a melhor coisa / Atrás desses momentos tem algo impressionante / Hoje me tornei um estudante / Descobri que sou inteligente /Produzi este poema e me sinto importante.”
Depois de ler o texto, pensei: será que se este adolescente estivesse em uma penitenciária, como querem uns hipócritas (pois falseam a verdade), uns ingênuos (pois acreditam que o sistema penal ressocializa) e outros ignorantes (pois não conhecem o texto constitucional e, sequer, sabem o que é uma clásula pétrea), teria sido capaz de compor este poema ou mesmo de participar do certame? Claro que não! Até porque ele estaria ocupado, especializando-se em tráfico de drogas, e não estudando literatura.
Érica Babini do Machado (Doutora em Direito Penal pela Universidade Federal de Pernambuco e Professora de Direito Penal e Criminologia da Universidade Católica de Pernambuco e da Universidade de Pernambuco) e Marília Montenegro de Mello (Doutora em Direito Penal e Criminologia pela Universidade Federal de Santa Catarina e Professora de Direito Penal e Criminologia da Universidade Católica de Pernambuco e da Universidade Federal de Pernambuco), escreveram um texto intitulado “Nas ruas, o eco à redução da violência estatal perpassa necessariamente o apoio à não redução da idade penal“, publicado no Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, nº. 253, em dezembro do ano de 2013, que vale a pena ser transcrito:
“É notória a ocupação das ruas por todo o Brasil. População insatisfeita com suas instituições, ativamente demandando atenção dos poderes públicos, no exercício da democracia. Algumas exigências são uníssonas, como investimentos em educação e saúde e especialmente a redução da violência estatal na repressão destes movimentos, outras não. Não é sobre a falta de unidade que aqui se quer abordar, mas a preocupação diz respeito a questões que: 1) são construídas com base em informações superficiais, na maioria das vezes distorcidas pela mídia; 2) democracia não significa maioria e quantidade. Comecemos pelo fim.A compreensão da democracia perpassa a salvaguarda de direitos fundamentais como consagração da Dignidade da Pessoa Humana. Não se restringe a números em votação, o que consagraria a forma, destituindo o conteúdo (Oliveira, 2010). Nesse sentido, a democracia não se reduz a mero sistema político, é ela que garante a ideia do Estado de Direito, o qual não cumpre apenas os princípios formais de legalidade, igualdade… mas vai além. Quer-se dizer que a democracia convive com a indeterminação (Lefort, 1991), cujo fundamento último é o reconhecimento da dignidade da pessoa (Rabenhorst, 2001, p. 48), a qual, nem mesmo pela maioria pode ser aviltada. É nesse sentido racional do debate político que se entende que a população deve ser empoderada de argumentos sobre as suas reivindicações, a fim de que os esforços da ida às ruas não sejam despiciendos, a partir de demandas inconciliáveis com o respeito à dignidade humana.Volta-se a dizer, a pluralidade é essência da democracia (e por isso variadas as reclamações políticas), que em seus fundamentos não dispõe de valores absolutos, exceto o valor que a faz existir: o próprio homem – eis “o ‘ethos’ da moralidade democrática” (Rabenhorst, 2001, p. 48). Resta claro que os direitos fundamentais não necessitam do consentimento da maioria da população, devendo ser garantidos sempre. Não valendo, portanto, o argumento de que a maioria da população é a favor do rebaixamento da menoridade penal.”
E continuam, agora citando Ferrajoli: “Ninguna mayoría, se ha dicho, puede decidir la supresión de un inocente o la privación de los derechos fundamentales de un individuo o un grupo minoritario; y tampoco puede dejar de decidir las medidas necesarias para que a un ciudadano le sea asegurada la subsistencia y la supervivencia. En suma, el principio de la democracia política, relativo al quién decide, se encuentra subordinado a los principios de la democracia social relativos a qué no es lícito decidir y a qué es lícito dejar de decidir” (Ferrajoli, 1997, p. 865). A relação entre a democracia e os direitos humanos não pode restringir-se apenas aos direitos políticos, mas deve atingir também os direitos econômicos, sociais e culturais, razão pela qual não pode reduzir-se à realização de eleições: “A construção de uma democracia real e o fortalecimento do Estado de Direito hão de dar-se à luz da interrelação ou indivisibilidade de todos os direitos humanos” (Cançado Trindade, 1993, p. 211).“
Então, dizem elas com base em Alexy, “para que haja uma exigência dos direitos humanos é necessária a existência de um Estado Democrático de Direito, em que “derechos fundamentales y democracia, a pesar de todas las tensiones, entren en una inseparable asociación” (Alexy, 1995, p. 136). É com base nessas considerações e na tentativa de produzir conhecimento a partir de informações que se pretende munir a população de informações a respeito da PEC 33/2011 que visa reduzir a idade penal para 16 anos e do Projeto de Decreto Legislativo do Senado 539/2012, que tem como objeto a convocação de Plebiscito para consulta dos eleitores no primeiro turno das eleições de 2014 sobre a alteração da maioridade penal.Vejamos:a) O adolescente é um ser em desenvolvimento da sua personalidade. Extremamente informado, cada vez mais cedo depara com uma gama de escolhas e decisões a tomar. No entanto, informação não se confunde com maturidade, ponderação de consequências ante as escolhas. Os adolescentes são impulsivos, subestimam riscos, suscetíveis ao stress, são mais instáveis no sentido de controlar suas emoções. Desse modo, as decisões contam apenas com os efeitos a curto prazo, sem mencionar a necessidade de condutas específicas para integração, num movimento de pertencimento (Mercurio, 2010). Os jovens parecem procurar uma obtenção de prestígio e saliência social, as quais passam a ser alcançadas por condutas de riscos, justificadas como a busca de novas experiências de prazer e emoção. Afirma-se que “sem rebeldia e sem contestações não há adolescência normal” (Osório, 1992). Por isso é viável afirmar que a normalidade da adolescência é contestadora, arredia, desbravadora e ousada, razão pela qual a adolescência é infratora (e isto é um pleonasmo!); no entanto, o que se costuma afirmar é que somente alguns o são. Na verdade, nem toda transgressão é delinquência, razão pela qual este status (delinquente), além de transitório, não está incorporado na estrutura cognitivo-emocional; até porque com o amadurecimento dos adolescentes, pequenas infrações são deixadas de lado, ao passar por uma fase chamada peack-age (Albrecht, 1990), sem necessidade de cerco punitivo.b) A Convenção dos Direitos da Criança de 1989 é um marco de superação do paradigma tutelar, quando “menores” eram objeto e não sujeitos de direito. À CDC somam-se vários outros documentos que se convencionou denominar Doutrina das Nações Unidas de Proteção Integral à Criança, os quais têm por fundamentos os valores em Direitos Humanos. O Brasil é pioneiro na América Latina em aderir à Convenção, por meio do Decreto 99.710/1990, de modo que crianças e adolescentes têm direitos e garantias fundamentais atribuídos a qualquer cidadão brasileiro. Pela primeira vez na história das constituições, o Brasil prevê dois artigos específicos (227 e 228) sobre a temática, neste último estabelece a idade penal aos 18 anos, adequando-se às recomendações internacionais.c) A definição de uma idade penal deriva da condição da personalidade infantojuvenil, que está em processo de desenvolvimento, garantindo esse desenvolvimento sadio e paulatino. Ou seja, inimputabilidade, que não se confunde com irresponsabilidade, torna-se um direito fundamental (Sposato, 2009), razão pela qual é cláusula pétrea e impassível de modificação, tal como define o art. 60, § 4.º, IV, da CF. Aliás, o estabelecimento de uma idade mínima para início da responsabilização atende a instruções das Regras de Beijing (item 4.1).d) Desse modo, não pode haver alteração da idade penal, nem mesmo mediante plebiscito. Somente uma nova Constituinte poderia alterar o direito à inimputabilidade. Outrossim, vigora no Brasil o princípio da proibição do retrocesso (Silva, 2010), segundo o qual a sociedade não pode abandonar conquistas históricas e sociais, especialmente as positivadas na Constituição. Para além, considerando ser o Brasil signatário daqueles documentos internacionais, prévios à EC 45, e sendo fundados em direitos humanos, aqueles têm natureza supralegal, dado o julgamento dos RE 466.343/SP e RE 349.703 do STF. Ou seja, os ditos tratados internacionais situam-se entre as normas constitucionais e a legislação infraconstitucional, de modo que não podem afrontar/revogar os dispositivos da Carta Magna, porém, têm o condão de paralisar os conteúdos normativos expressos nas legislações infraconstitucionais que com eles sejam conflitantes.e) A pretensão social de redução da idade penal decorre de um falso conhecimento da realidade da infância e juventude brasileiras, seja porque a alta criminalidade não é praticada por adolescentes, seja porque os atos infracionais não são graves. Segundo o IBGE de 24.461.666 de adolescentes no Brasil, apenas 0,1425% representa a população dos que se encontram em conflito com a lei, o que em números absolutos significa 34.870; bem diferente do que passa a mídia, no seu contexto de alarme social. Além disso, a maioria dos atos infracionais são roubo, tráfico de entorpecentes, homicídio. Outros delitos com proporções muito menores (CNJ, 2011).f) Há um mito da impunidade. Os adolescentes em conflito com a lei são devidamente responsabilizados por seus atos infracionais, e na maioria das vezes mais do que os adultos. A afirmativa decorre do desconhecimento jurídico e da realidade das medidas socioeducativas, que são muito assemelhadas às penas estabelecidas na legislação penal. A exemplo disso é que no sistema infracional não há previsão do instituto da prescrição (coube à jurisprudência – Súm. 338 do STJ), da execução de medidas socioeducativas (a Lei do Sinase não prevê a concessão de benefícios, tal como estabelece a Lei de Execução Penal), da cominação proporcional e individualizada de penas e delitos (todas as medidas socioeducativas têm prazo mínimo e máximo para a reavaliação, independentemente do tipo de ato infracional praticado). Não somente. As condições de internação são de superlotação.”
Residentes em Recife, registram que em Pernambuco, àquela época, existiam 12 unidades de internação, com o total de 737 vagas, mas com 13.719 internos, o que significava um déficit de 12.982 vagas. No que tange ao encaminhamento dos processos no Judiciário é comum se perceber internações desprovidas de fundamento legal, como é o caso da prática de tráfico de entorpecente (inclusive o STJ promulgou a Súmula 492 proibindo tal hipótese) em clara violação ao princípio da legalidade, mas eufemisticamente justificado pelo caráter pedagógico da medida, afirmando:
“A crença popular de que a lei penal é capaz de promover defesa social ampara-se na promessa de prevenção geral, a qual, porém, inexiste. Tal assertiva pode ser percebida no âmbito dos adultos com comparação entre os dados carcerários e a produção legislativa em matéria penal desde a década de 90. Ou seja, o efeito simbólico da lei penal de intimidação não funciona. A sociedade desconhece a realidade socioeconômica e o grau de vitimização da população infantojuvenil. Segundo o IBGE em 2005 e 2006, o Brasil tinha 24.461.666 adolescentes entre 12 e 18 anos, entre os quais existem discrepantes diferenças sociais: há maior pobreza nas famílias dos adolescentes não brancos do que nas de brancos. Outrossim, mais de 8.600 crianças e adolescentes foram assassinados no Brasil em 2010, ficando o país na quarta posição entre os 99 países com as maiores taxas de homicídio de crianças e adolescentes de 0 a 19 anos, um índice que cresce vertiginosamente ao longo dos anos (Waiselfisz, 2012, p. 47).”
Mostram dados: em 2012, mais de 120 mil crianças e adolescentes foram vítimas de maus-tratos e agressões. Desse total de casos, 68% sofreram negligência, 49,20% violência psicológica, 46,70% violência física, 29,20% violência sexual e 8,60% exploração do trabalho infantil, conforme levantamento feito entre janeiro e agosto de 2011 (Abrinq, 2012). Em 34 instituições brasileiras, pelo menos um adolescente foi abusado sexualmente e são eles vítimas de homicídio. Em 2002 (Paiva) já verificava que os adolescentes submetidos às medidas socioeducativas eram 90% do sexo masculino; com idade entre 16 e 18 anos (76%); da raça negra (mais de 60%); não frequentavam a escola (51%), não trabalhavam (49%) e viviam com a família (81%) quando praticaram o delito. Não concluíram o ensino fundamental (quase 50%); eram usuários de drogas (85,6%). Recentemente, verificou-se que esse quadro não sofreu modificações (Ministério da Justiça, 2010).
“Como se percebe há uma extrema violência praticada por adultos contra crianças e adolescentes pobres e negros, de modo que é possível alegar que, se se argumenta que a criminalidade praticada por adolescentes aumenta, esta assertiva é o atestado da incompetência estatal no que tange ao abandono. Porém, no espaço social alarmado e amedrontado, é politicamente mais eleitoreiro falar em soluções simplistas de segurança pública, em vez de cuidar da infância pobre e vitimizada brasileira. Ou seja, a penalização dos problemas sociais é a política de pão e circo do poder público ante a sociedade desinformada e acrítica“, afirmam. “Portanto, o que se verifica é que a desigualdade social entre adolescentes na população brasileira é reproduzida no âmbito dos adolescentes ditos infratores, sendo fácil compreender que os problemas sociais são resolvidos no espaço da institucionalização, de modo que é possível perceber que a proposta de redução da idade penal é uma forma simplista de retardar/desvirtuar a responsabilidade estatal e da sociedade civil organizada de inclusão social e resgate cidadão da infância marginalizada. Não obstante todas essas questões, nada adianta a transferência do adolescente para o sistema carcerário com déficit de 84,9% de vagas (Ministério da Justiça, 2012). Sem levar em conta a cultura violenta e criminógena do cárcere, a qual se instalará fortemente nos adolescentes, visto estarem os estes em desenvolvimento da sua personalidade. Enfim, todos esses argumentos são levantados no sentido de alertar a população de que a demanda nas ruas, entre outras, de redução da violência estatal, perpassa necessariamente a diminuição da violência do Estado perante a adolescência marginalizada, e que a defesa da redução da idade penal, contrariamente ao que se reivindica, é uma carta de alforria para o Estado continuar violentando adolescentes pobres, desconhecidos das políticas públicas, mas perseguidos pelos mecanismos de segurança pública.Nesse momento, os sentimentos da população são de emotividade e, associados com o desconhecimento da realidade e de consequências a longo prazo, esta termina por agir muito mais na pauta dos instintos. Isso porém não pode afetar a racionalidade que justifica a existência de poderes públicos para a governança – cujo dever é garantir a essência que une e sustenta a democracia – a Dignidade da Pessoa Humana.”
Aliás, como foi amplamente divulgado pelos mais diversos meios de informação, a República Oriental do Uruguai aproveitou o ensejo das eleições presidenciais e parlamentares realizadas no dia 26 de outubro de 2014, para fazer um plebiscito a fim de que se definisse se haveria ou não a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Segundo a Corte Eleitoral daquele País, 53,23% dos votos foram contra a diminuição. A proposta de redução previa os seguintes crimes: homicídio, homicídio qualificado, graves lesões, lesões gravíssimas, furto, roubo, extorsão, sequestro e estupro. Propunha também que os antecedentes criminais dos adolescentes – mesmo aqueles cometidos antes da redução da maioridade – não seriam desconsiderados e contariam nos processos penais a que seriam submetidos após completarem 16 anos. A reforma, caso aprovada, alteraria o art. 43 da Constitución de la República Oriental del Uruguay: “La ley procurará que la delincuencia infantil esté sometida a un régimen especial en que se dará participación a la mujer“.
Viva a lucidez do povo uruguaio![2]
Não é à toa que se trata de um dos países economicamente mais desenvolvidos da América do Sul, com um dos maiores Produto Interno Bruto per capita, em 48º. lugar no índice de qualidade de vida (2011) e no 1º. em qualidade de vida/desenvolvimento humano na América Latina, quando a desigualdade é considerada.[3] Outrossim, foi o país latino-americano melhor classificado no Índice de Prosperidade Legatum.[4] Aliás, é um dos poucos países reembolsados pela Organização das Nações Unidas pela maioria dos seus gastos militares, visto que a maior parte desses gastos é implantada nas forças de paz.
É conhecido por ser pioneiro em medidas relacionadas com direitos civis e democratização da sociedade. Enquanto nós passamos anos sob os dogmas da igreja católica, o Uruguai foi o primeiro país a legalizar o divórcio, isso no ano de 1907 e o segundo país da América a conceder às mulheres o direito ao voto, em 1932. Em 2007, foi o primeiro país sul-americano a legalizar uniões civis entre pessoas do mesmo sexo e a permitir a adoção homoparental.[5]
Em 2013, o país se tornou a segunda nação sul-americana a aprovar o casamento entre pessoas do mesmo sexo e o primeiro do mundo a legalizar o cultivo, a venda e o consumo de cannabis, levando a revista britânica The Economist a classificá-lo como o país do ano de 2013, pela promoção de “reformas inovadoras que não se limitam apenas a melhorar um país, mas que, se imitadas, poderiam beneficiar o mundo“.[6]
Pois bem.
Enquanto o nosso vizinho evolui, continuamos discutindo esta questão, como sendo um bálsamo para o clamor público.
Aliás, segundo a Agência Senado, “o recente assassinato de uma adolescente de 14 anos em Brasília pelo namorado prestes a completar 18 anos levou senadores a voltar a defender, em Plenário, mudanças na maioridade penal. Mais cedo, o presidente do Senado, Renan Calheiros, havia recebido a visita de Joselito Dias e Rosemari Dias, pais da jovem morta, Yorraly Ferreira Dias. O assassino filmou o crime e divulgou o vídeo entre amigos por meio de um aplicativo de troca de mensagens. A principal proposta de mudança na maioridade é a PEC 33/2012, do senador Aloysio Nunes Ferreira, que abre a possibilidade de a Justiça aplicar a adolescentes de 16 a 18 anos envolvidos em crimes como homicídio qualificado, extorsão mediante sequestro e estupro penas impostas hoje somente a adultos. A PEC foi rejeitada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, mas vai a votação em Plenário, depois de apresentação de recurso. Ao pedir a aprovação da PEC 33, Aloysio Nunes explicou que a proposta mantém a regra da maioridade aos 18 anos, mas abre uma exceção que contempla os casos de crimes hediondos. Ele disse que, pelo texto, o promotor que atua na Vara da Criança e do Adolescente perante a qual esteja sendo apurado ato infracional pode pedir a exceção para que o menor de 16 a 18 anos seja julgado como adulto. – Assim, o juiz, depois de uma apuração criteriosa, poderá chegar à conclusão de que aquele adolescente que cometeu crime hediondo poderá ser submetido à lei penal, e não ao ECA – argumentou o senador. Para o senador Magno Malta (PR-ES), a proposta de Aloysio é um gesto positivo, pois é a uma resposta a uma sociedade que sofre, que se angustia e que “agoniza de dor e de lágrimas”. Ele criticou o governo, que teria “mandado derrubar” a PEC, e lamentou o crime que tirou a vida de Yorraly. – O Senado não pode se acovardar, não pode se apequenar, não pode, enfim, deixar de enfrentar esta questão que angustia a família brasileira – declarou Malta. O senador Ricardo Ferraço), que relatou sete projetos relativos à maioridade penal na CCJ, apontou um diferencial no texto de Aloysio Nunes. Para ele, o projeto foi o único a propor uma “uma saída razoável e equilibrada” para uma questão em que as opiniões tendem a se radicalizar. Para Ferraço, o Senado não pode ter medo de enfrentar temas polêmicos. O senador alertou para o risco de que, na falta de uma decisão no Congresso, o Supremo Tribunal Federal tenha de se pronunciar. O senador Eduardo Suplicy disse que está refletindo a respeito de uma possível modificação no Estatuto da Criança e do Adolescente. Segundo Suplicy, há um diálogo importante, construtivo e respeitoso, em torno da proposta de Aloysio. O presidente Renan Calheiros afirmou que vai conversar com os líderes partidários para definir um momento adequado para a apreciação do requerimento para votar a matéria. Ele reconheceu que o assunto “é complexo”, mas disse acreditar que até abril a PEC seja apreciada no Plenário. – Será a oportunidade para que cada um vote da maneira que entender como deve votar. Democracia é isso – disse.” (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado).
Já a Agência Brasil noticiou a redução da maioridade penal de 18 anos para 16 anos nos casos de crime hediondo, in verbis: “O presidente do Senado, Renan Calheiros disse hoje que pretende colocar, em breve, na pauta de votação da Casa a proposta de emenda à Constituição que reduz a maioridade penal de 18 anos para 16 anos em casos de crimes hediondos. O presidente deu a declaração após encontro com os pais da adolescente Yorraly Ferreira, de 14 anos, que morava no Distrito Federal e foi assassinada pelo namorado. O rapaz foi preso duas horas antes de completar 18 anos.”
Na TV iGnão deu outra:“Nós vamos conversar com os líderes e já assumimos o compromisso de pautar essa matéria. É evidente que é uma matéria complexa, mas será sobretudo a oportunidade para que cada um vote da maneira que ache que deve votar”, disse o presidente do Senado.A proposta, do senador Aloysio Nunes Ferreira, foi rejeitada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, pela maioria governista. No entanto, ele apresentou recurso para que seja analisada no plenário do Senado. O texto da proposta estabelece que jovens maiores de 16 anos poderão cumprir penas equivalentes às dos adultos nos crimes de tortura, terrorismo, tráfico de drogas e os demais enquadrados como hediondos. A penalidade também poderá ser imposta em casos de lesão corporal grave ou roubo qualificado. Conforme a proposta, a punição só poderá ser pedida pelo Ministério Público. A decisão sobre esses casos também caberá a juízes da infância e da adolescência.A mãe de Yorraly, Rosemary Dias da Silva, pediu que Renan Calheiros interceda para que ela seja recebida pela presidenta Dilma Rousseff. “Quero que a presidenta me ouça, porque ela é mãe como eu sou, e ajude a aprovar a redução da maioridade penal para que outras mães não passem pelo que eu estou passando”, disse ao sair do encontro.Rosemary desmaiou e precisou ser atendida no serviço médico do Senado. Após se recuperar, ela disse que ficará acampada em frente ao Palácio do Planalto até ter um encontro com a presidenta Dilma.”
Tudo balela, fantasia, para aplacar, como escrevemos acima, o clamor público causado por mais um ato infracional grave praticado por um adolescente infrator. Ademais, é óbvio que o art. 228 da Constituição Federal constitui-se, de forma induvidosa, em cláusula pétrea e, portanto, não sujeito, sequer, à modificação por emenda à Constituição. Somente uma nova Assembleia Nacional Constituinte poderia tornar penalmente inimputáveis os menores de dezesseis anos. Aprende-se nos primeiros da faculdade de Direito que os direitos e garantias fundamentais não estão apenas inscritos no art. 5º., da nossa Constituição, muito pelo contrário: estão contidos em outros dispositivos (cfr., verbi gratia o art. 7º.).
Também no início do estudo do Direito Constitucional, ensina-se que cláusula pétrea não pode ser modificada por norma constitucional derivada, mas, apenas, oriunda do Poder Constituinte Originário. O que o Congresso faz é demagogia com o povo brasileiro, mesmo porque a diminuição da maioridade penal em nada, absolutamente em nada, resolveria o problema da criminalidade. Qual a vantagem de se colocar um adolescente de dezesseis anos em uma penitenciária, uma verdadeira universidade do crime?
O modelo clássico de Justiça Penal, fundado na crença de que a pena privativa de liberdade seria suficiente para, por si só, resolver a questão da violência, vem cedendo espaço para um novo modelo penal, este baseado na idéia da prisão como extrema ratio e que só se justificaria para casos de efetiva gravidade. Passa-se gradativamente de uma política paleorrepressiva ou de hard control, de cunho eminentemente simbólico (consubstanciada em uma série de leis incriminadoras, muitas das quais eivadas com vícios de inconstitucionalidade, aumentando desmesurada e desproporcionalmente a duração das penas, inviabilizando direitos e garantias fundamentais do homem, tipificando desnecessariamente novas condutas, etc.) para uma tendência despenalizadora, traduzida em leis como a que ora nos referimos ou como a que criou os Juizados Especiais Criminais (Lei n.º 9.099/95).[7]
Hoje, portanto, ainda que o nosso sistema penal privilegie induvidosamente o encarceramento (acreditando, ainda, na função dissuasória da prisão), o certo é que a tendência mundial de alternativizar este modelo clássico vem penetrando no Brasil e tomando força entre os nossos melhores doutrinadores. Penalistas pátrios consagrados como Luiz Flávio Gomes, Cezar Roberto Bitencourt, Damásio de Jesus, Miguel Reale Júnior, René Ariel Dotti, e tantos outros, já se debruçaram sobre a matéria. Este último, aliás, lembrando Ferri, afirma que “a luta contra os excessos do poder punitivo não é recente. Ela é apenas reafirmada em atenção às novas perspectivas de causas antigas.”[8]
É indiscutível que a pena de prisão em todo o mundo passa por uma crise sem precedentes. A ideia disseminada a partir do século XIX segundo a qual a prisão seria a principal resposta penológica na prevenção e repressão ao crime perdeu fôlego, predominando atualmente “uma atitude pessimista, que já não tem muitas esperanças sobre os resultados que se possa conseguir com a prisão tradicional”[9], como pensa Cezar Roberto Bitencourt.
É induvidoso que o cárcere deve ser concebido como última via para a problemática da violência, pois não é, nunca foi e jamais será solução possível para a segurança pública de um povo.
É de Hulsman a seguinte afirmação: “Em inúmeros casos, a experiência do processo e do encarceramento produz nos condenados um estigma que pode se tornar profundo. Há estudos científicos, sérios e reiterados, mostrando que as definições legais e a rejeição social por elas produzida podem determinar a percepção do eu como realmente ‘desviante’ e, assim, levar algumas pessoas a viver conforme esta imagem, marginalmente. Vemo-nos de novo diante da constatação de que o sistema penal cria o delinquente, mas, agora, num nível muito mais inquietante e grave: o nível da interiorização pela pessoa atingida do etiquetamento legal e social.”[10]
O próprio sistema carcerário brasileiro revela o quadro social reinante neste País, pois nele estão “guardados” os excluídos de toda ordem, basicamente aqueles indivíduos banidos pelo injusto e selvagem sistema econômico no qual vivemos; o nosso sistema carcerário está repleto de pobres e isto não é, evidentemente, uma “mera coincidência”. Ao contrário: o sistema penal, repressivo por sua própria natureza, atinge tão-somente a classe pobre da sociedade. Sua eficácia se restringe, infelizmente, a ela. As exceções que conhecemos apenas confirmam a regra.
E isto ocorre porque, via de regra, a falta de condições mínimas de vida (como, por exemplo, a falta de comida), leva o homem ao desespero e ao caminho do crime, como também o levam a doença, a fome e a ausência de educação na infância. Assim, aquele que foi privado durante toda a sua vida (principalmente no seu início) dessas mínimas condições estaria mais propenso ao cometimento do delito, pelo simples fato de não haver para ele qualquer outra opção; há exceções, é verdade, porém estas, de tão poucas, apenas confirmam a regra.
Aliás, a esse respeito, há uma opinião bastante interessante de Maria Lúcia Karam, segundo a qual “hoje, como há duzentos anos, mantém-se pertinente a indagação de por que razão os indivíduos despojados de seus direitos básicos, como ocorre com a maioria da população de nosso país, estariam obrigados a respeitar as leis.”[11]
De forma que esse quadro socioeconômico existente no Brasil, revelador de inúmeras injustiças sociais, leva a muitos outros questionamentos, como por exemplo: para que serve o nosso sistema penal? A quem são dirigidos os sistemas repressivo e punitivo brasileiros? E o sistema penitenciário é administrado para quem? E, por fim, a segurança pública é, efetivamente, apenas um caso de polícia?
Ao longo dos anos a ineficiência da pena de prisão na tutela da segurança pública se mostrou de tal forma clara que chega a ser difícil qualquer contestação a respeito. Em nosso País, por exemplo, muitas leis penais puramente repressivas estão a todo o momento sendo sancionadas, como as leis de crimes hediondos, a prisão temporária, a criminalização do porte de arma, a lei de combate ao crime organizado, etc, sempre para satisfazer a opinião pública (previamente manipulada pelos meios de comunicação), sem que se atente para a boa técnica legislativa e, o que é pior, para a sua constitucionalidade. E, mais: o encarceramento como base para a repressão.
Assim, por exemplo, ao comentar a lei dos crimes hediondos, Alberto Silva Franco afirma que ela, “na linha dos pressupostos ideológicos e dos valores consagrados pelo Movimento da Lei e da Ordem, deu suporte à idéia de que leis de extrema severidade e penas privativas de alto calibre são suficientes para pôr cobro à criminalidade violenta. Nada mais ilusório.”[12]
Querer, portanto, que a aplicação da pena de privação da liberdade de adolescentes de dezesseis anos resolva a questão da segurança pública é desconhecer as raízes da criminalidade, pois de nada adiantam leis severas, criminalização excessiva de condutas, penas mais duradouras ou mais cruéis… Vale a pena citar o grande advogado Evandro Lins e Silva, que diz:
“Muitos acham que a severidade do sistema intimida e acovarda os criminosos, mas eu não tenho conhecimento de nenhum que tenha feito uma consulta ao Código Penal antes de infringi-lo.”[13] O mesmo jurista, Ministro aposentado do STF, em outra oportunidade afirmou: “precisamos despenalizar alguns crimes e criar punições alternativas, que serão mais eficientes no combate à impunidade e na recuperação do infrator (…). Já está provado que a cadeia é a universidade às avessas, porque fabrica criminosos, ao invés de recuperá-los.”
A miséria econômica e cultural em que vivemos é, sem dúvida, a responsável por este alto índice de violência existente hoje em nossa sociedade; tal fato se mostra mais evidente (e mais chocante) quando se constata o número impressionante de crianças e adolescentes infratores que já convivem, desde cedo e lado a lado, com um sistema de vida diferenciado de qualquer parâmetro de dignidade, iniciando-se logo na marginalidade, na dependência de drogas lícitas e ilícitas, na degenerescência moral, no absoluto desprezo pela vida humana (inclusive pela própria), no ódio e na revolta. Para Vico Mañas, é preciso “despertar a atenção para a relevante questão do adolescente infrator, conscientes de que, enquanto não se estabelecer eficaz e efetiva política pública de enfrentamento dos problemas verificados nessa área, será inútil continuar punindo a população adulta, como também continuará sendo inútil, para os juristas, a construção de seus belos sistemas teóricos”.[14]
Temos repetido, cotidianamente, que a nossa realidade carcerária é preocupante; os nossos presídios e as nossas penitenciárias, abarrotados, recebem a cada dia um sem número de indiciados, processados ou condenados, sem que se tenha a mínima estrutura para recebê-los; e há, ainda, milhares de mandados de prisão a serem cumpridos; ao invés de lugares de ressocialização do homem, tornam-se, ao contrário, fábricas de criminosos, de revoltados, de desiludidos, de desesperados; por outro lado, a volta para a sociedade (através da liberdade), ao invés de solução, muitas das vezes, torna-se mais uma via crucis, pois são homens fisicamente libertos, porém, de tal forma estigmatizados que tornam-se reféns do seu próprio passado.[15]
A propósito, os presos da Penitenciária Mista de Parnaíba, no Piauí, estão se alimentando em sacos plásticos em vez de vasilhas ou pratos. Conforme amplamente divulgado pela imprensa, “sem talheres, presos se alimentam com as mãos e mostram a precariedade da unidade prisional. A denúncia é do Sinpoljuspi (Sindicato dos Agentes Penitenciários), que registrou o problema em vídeos e fotos.Segundo o Sinpoljuspi, pelo menos mais da metade dos presos está recebendo as refeições em sacos plásticos. “Com o uso diário e o tempo, o plástico dessas vasilhas endurece e se quebra. A Sejus [Secretaria de Estado de Justiça] não está repondo e disponibiliza sacos plásticos para as refeições serem distribuídas”, disse o presidente do sindicato, Vilobaldo Carvalho, destacando que não é somente os presos da triagem que recebem a alimentação em sacos plásticos. “Não vimos nenhum tipo de talher sendo distribuído, ou seja, os presos se alimentam com as próprias mão. É inaceitável, é um desrespeito ao ser humano”, completou o diretor administrativo do sindicato, Kleiton Holanda.A penitenciária de Parnaíba tem lotação para 136 presos, mas está com 479, mais três vezes mais que a capacidade para custodiar presos. O sistema prisional do Piauí possui 3.500 presos.A unidade prisional possui presos sentenciados em regime fechado, presos que conseguiram progressão de pena e estão no semiaberto e internos provisórios, aguardando julgamento. “Para piorar a situação, a unidade é mista. Tem homens e mulheres. Trabalhar numa unidade sem estrutura e com três regimes e para ambos os sexos num só local é uma irresponsabilidade e uma atitude descabida.”Segundo relatório do Conselho Nacional de Justiça, elaborado em novembro de 2013, a falta de controle dos presos do regime semiaberto da penitenciária de Parnaíba foi apontada como principal problema da unidade prisional.De acordo com o relatório, apenas 14% dos presos voltaram para dormir no presídio e esses internos trabalham em empregos informais – o que não justificaria a saída deles durante o dia.Segundo o relatório, o controle dos presos em cumprimento de pena no regime semiaberto, em situação de trabalho externo em Parnaíba, é inexistente. “No horário de chegada à noite, durante entrevista individual, constatei que dos 89 relacionados pela unidade, apenas 13 retornaram e declararam que trabalham informalmente em locais sem cadastro na unidade ou no Poder Judiciário”, apontou o juiz Marcelo Menezes Loureiro, que coordenou o Mutirão Carcerário do CNJ no Piauí em 2013.O magistrado disse que os presos condenados e no regime semiaberto que não retornam à unidade prisional para pernoite com frequência, “passam o dia em suas próprias casas e não se apresentam a unidade para recolhimento aos finais de semana.” O sindicato reclama da falta de condições de trabalho dos agentes penitenciários e destaca que os presos de Parnaíba estão em condições insalubres, em celas úmidas, sem ventilação e o prédio, por ser de tijolos, a salina está “desmanchando” as paredes. “A penitenciária de Parnaíba funciona em um prédio adaptado, onde era o antigo mercado da cidade, sem condições de trabalho para os agentes manterem presos em segurança. As falhas na adaptação do prédio facilitam fugas, que são constantes”, disse Carvalho. A administração fica muito próxima às celas e os pavilhões são um labirinto. “O presídio também têm muitos problemas recorrentes nas instalações elétricas e hidráulicas, além da falta de estrutura. Não bastava ali de uma reforma, mas sim de um presídio novo”, destacou Carvalho. Segundo relatório do CNJ, a penitenciária não possui aparelhos de raio-x e as revistas das visitas ocorrem “com a retirada de vestes e a prática de agachamento para fiscalização da entrada”. O CNJ detalhou que os profissionais que trabalham na penitenciária de Parnaíba precisam de mais aparato para segurança, pois não existem coletes balísticos, radiocomunicadores, espargidores de gás de pimenta, escopetas com balas de borracha, capacetes e escudos antitumulto. “Nenhum preso quer comer em saco e tem cuidado com a sua vasilha, porém devido ao uso o material se quebra”, destacou o sindicato.”[16]
Aliás, não é somente nesta Penitenciária (sic) em que se come (os presos, óbvio) como os mamíferos bunodontes (expressão pernóstica para designar os porcos). Antes da matéria acima transcrita, “um vídeo anônimo enviado à reportagem do UOL mostra presos da penitenciária Major César de Oliveira, em Teresina, recebendo refeições em sacos plásticos reaproveitáveis. Sem talheres, os reeducandos afirmam que são obrigados a comer com as mãos. Na cela, com quatro homens, não existem colchões, e jornais são usados como cama. Em uma cela suja, sem ventilação ou banheiro, os presos aparecem pedindo água e afirmam que estão sem remédios e sem apoio de entidades ligadas aos Direitos Humanos. O Sindicato dos Agentes Penitenciários confirmou a denúncia, e a Ordem dos Advogados do Brasil informou que vai pedir providências ao Ministério Público. No vídeo, os presos dizem que a sujeira na cela se acumula também porque os restos das comidas não são recolhidos. Na hora do almoço ainda havia sacos usados no jantar do dia anterior. Eles também reclamam que há tratamentos diferenciados. O vídeo é datado de 25 de junho deste ano. As imagens mostram que no refeitório os presos também se alimentam em vasilhas e sacos comendo com as mãos. Eles ainda acusam que a ordem de servir a alimentação em saco vem da direção da unidade e do chefe de disciplina. No início do mês, o UOL já havia mostrado a falta de higiene na Penitenciária Regional Irmão Guido, na zona rural de Teresina. Um vídeo mostrou que a cozinha está infestada de baratas, e os alimentos estão acondicionados sem higiene. Devido às más condições, o Sindicato dos Agentes Penitenciários e Servidores Administrativos das Secretarias da Justiça e de Segurança Pública do Estado do Piauí elaborou um relatório mostrando a situação de todas as unidades prisionais do Estado. O documento foi entregue em maio à Sejus, OAB-PI, MP, Corregedoria Geral de Justiça e parlamentares da bancada federal do Piauí, entre outros entidades. O relatório consta o levantamento dos recursos aplicados nas unidades e convênios para construção de obras paralisadas. O presidente do Sinpoljuspi, Vilobaldo Carvalho, disse que “a falta de planejamento de gestão que vem ocorrendo ao longo dos anos fez o sistema prisional do Piauí entrar em colapso”. “Existem graves problemas nas unidades prisionais que não se resumem a apenas problemas de situação precária dos presos, mas sim a um problema global, que envolve profissionais e famílias que residem próximas as unidades prisionais”, disse. Segundo ele, os prédios são antigos e não oferecem condições de segurança. Tentativas de fugas seriam constantes. “Os presídios também têm vários problemas recorrentes nas instalações hidráulicas, elétricas e estão em reformas intermináveis. São obras caríssimas, e não vimos a verba ser aplicada em quase nada.” “Os presos estão em situação extremamente dramática, os agentes não têm condições de segurança para trabalhar, faltam armamentos, e assim a população que mora próximo aos presídios corre risco de invasão de fugitivos”, afirmou Carvalho. Ele disse que está orientando os agentes penitenciários a se recusarem a fazer escolta de presos quando não estiverem com armamento suficiente para dar segurança durante o transporte e avisarem por meio de ofício ao juiz da comarca da unidade sobre o problema. “Tem penitenciária que está com 140 homens presos e apenas quatro agentes trabalhando. Os agentes têm apenas duas escopetas e um revólver 38. Trabalhar no peito e na raça não dá segurança de trabalho.” O presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-PI, Lúcio Tadeu Ribeiro dos Santos, também criticou a ausência de intervenções emergenciais para resolver os problemas das unidades prisionais do Piauí. Santos disse que vai, nos próximos dias, cobrar ações do MP. “A situação é grave e envolve vários setores por ser uma mazela social antiga. Alguma medida tem de ser tomada e não podemos deixar as coisas acontecerem e ficarmos parados, pois verba tem para reformar e dar melhores condições de trabalho para agentes e, por consequência, aos presos também”, afirmou.”[17]
Hoje, o homem que cumpre uma pena ou de qualquer outra maneira deixa o cárcere encontra diante de si a triste realidade do desemprego, do descrédito, da desconfiança, do medo e do desprezo, restando-lhe poucas alternativas que não o acolhimento pelos seus antigos companheiros; este homem é, em verdade, um ser destinado ao retorno: retorno à fome, ao crime, ao cárcere (só não volta se morrer). Imagine um adolescente de dezesseis anos?
Bem a propósito é a lição de Antônio Cláudio Mariz de Oliveira: “Ao clamar pelo encarceramento e por nada mais, a sociedade se esquece de que o homem preso voltará ao convívio social, cedo ou tarde. Portanto, prepará-lo para sua reinserção, se não encarado como um dever social e humanitário, deveria ser visto, pelo menos, pela ótica da autopreservação.” (Folha de São Paulo, 06/06/2005).
O Professor de Sociologia da Universidade de Oslo, Thomas Mathiesen avalia que “se as pessoas realmente soubessem o quão fragilmente a prisão, assim como as outras partes do sistema de controle criminal, as protegem – de fato, se elas soubessem como a prisão somente cria uma sociedade mais perigosa por produzir pessoas mais perigosas -, um clima para o desmantelamento das prisões deveria, necessariamente, começar já. Porque as pessoas, em contraste com as prisões, são racionais nesse assunto. Mas a informação fria e seca não é suficiente; a falha das prisões deveria ser ‘sentida’ em direção a um nível emocional mais profundo e, assim fazer parte de nossa definição cultural sobre a situação.”[18]
Veja-se que lição ímpar de Paulo Sérgio Leite Fernandes: “Em suma, reduziu-se a idade em que a criatura, normativamente, apresenta condições adequadas à plenitude da capacidade de entender o caráter criminoso de uma ou outra conduta, determinando-se de acordo com tal entendimento, assemelhadamente à verificação da sanidade mental, em que são usadas preferencialmente tais conotações.O Código de Processo Penal, denotando tal tendência, já foi recentemente modificado no artigo 194, extirpando-se a exigência de curador a menor com idade situada entre 18 e 21 anos. A lei atinente a tal modificação foi sancionada pelo presidente metalúrgico, assinando-a também o ministro Márcio Thomaz Bastos. Paradoxalmente, ou com suma negligência, esqueceu-se o legislador de examinar a lei processual penal como um todo. Aquilo é imitação da vida. Espeta-se um prego no dedão do pé enquanto infante, a mãe deixa de praticar assepsia adequada e o cirurgião precisa extirpar a perna, cinquenta anos depois.Tocante a tais considerações, é bom dizer que o cronista, com todos os títulos que tem no baú, se transformou numa espécie de processualista maldito, porque nenhum doutrinador clássico há de usar tal exemplo num rotundo rodapé (v. Pitigrilli, O experimento de Pott). Mas é assim: o escriba se cansou de falar difícil. Poderia utilizar muitos brocardos latinos, porque estudou em “Colégio de Padre”, lembrando-se ainda das declinações, sem exceção de “Ego, Mei, Mihi, Me, Me”. Não vale a pena. É preciso bem fixar, entretanto, que “caxumba”, linguagem de tia velha, é sinônimo de “parotidite”, termo que os leigos não conhecem. Daí, os comentários ficam brutos, rústicos, básicos, porque o povo precisa conhecer o que está acontecendo, sem rebuscamentos assemelhados às tentativas de se entender, ainda hoje, a receita posta em garranchos pelo médico, depois da consulta.Volte-se à maioridade penal: há país de língua inglesa processando criminalmente menor com dez anos de idade. No Brasil, somos até razoáveis. Na medida em que o Código Civil modificou critérios atinentes à capacidade plena, a legislação criminal o acompanha. Acontece que a lei nova veio manquitola, pois não se atentou para o artigo 564, III, “c”, do Código de Processo Penal, considerando nulidade a não nomeação de curador a menor com idade posta entre 18 e 21 anos, embora até nisso, na origem, o dispositivo esteja mal posto, porque menor de 21 anos, sem especificação outra, pode ser a criatura com seis meses de idade. Parta-se para o Estatuto da Criança e do Adolescente. Tem-se o menor até 18 anos na qualidade citada. Dos 18 aos 21, excepcionalmente, o ECA ainda se aplica (artigo 2º, parágrafo único). Invalida-se somente o artigo 194 já mencionado, deixando ao intérprete a difícil tarefa da extensão. É bem verdade não se usar mais advertência “revogam-se as disposições em contrário”. Melhor seria, entretanto, a limpeza do remanescente. Finalize-se com consideração de caráter científico. António Damásio, um dos maiores neurologistas que o mundo tem, profundo estudioso do cérebro humano, acentua que até os 20 anos o ser humano não exibe seus sistemas plenamente desenvolvidos, sem exceção dos 85 bilhões de neurônios que carregamos dentro da cabeça. Já se percebe, na simples e primária análise da alteração legislativa posta em vigor, o embrulho resultante do açodamento. Será caso, quem sabe, de importação da jurisprudência posta a viger nos Estados Unidos da América do Norte. Aqui, vale o brocardo: “Quem pariu Mateus, que o crie”. (Revista Consultor Jurídico, acesso em 28 de outubro de 2014, 8h33).
Vale a pena citar, mais uma vez, Lins e Silva, pela autoridade de quem, ao longo de mais de 60 anos de profissão, sempre dignificou a advocacia criminal brasileira e a magistratura nacional; diz ele:“A prisão avilta, degrada e nada mais é do que uma jaula reprodutora de criminosos”, informando que no último congresso mundial de direito criminal, que reuniu mais de 1.000 criminalistas de todo o mundo, “nem meia dúzia eram favoráveis à prisão.”[19]
Ademais, as condições atuais do cárcere, especialmente na América Latina, fazem com que, a partir da ociosidade em que vivem os detentos, estabeleça-se o que se convencionou chamar de “subcultura carcerária”, um sistema de regras próprias no qual não se respeita a vida, nem a integridade física dos companheiros, valendo intra muros a “lei do mais forte”, insusceptível, inclusive, de intervenção oficial de qualquer ordem.
Já no século XVIII, Beccaria, autor italiano, em obra clássica, já afirmava: “Entre as penalidades e no modo de aplicá-las proporcionalmente aos crimes, é necessário, portanto, escolher os meios que devem provocar no espírito público a impressão mais eficiente e mais perdurável e, igualmente, menos cruel no organismo do culpado.”[20]
No Boletim nº. 259, junho de 2014, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, Maíra Cardoso Zapater, Doutora em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, escreveu: “A cada ocorrência pontual de crimes violentos supostamente praticados por adolescentes ressurgem os defensores da redução da idade penal, arguindo-se a brutalidade das condutas para justificar o “tratamento diferenciado” para estes casos “excepcionais”. Um dos argumentos centrais sobre o qual se apoiam os defensores do rebaixamento da idade penal pode ser sintetizado na seguinte assertiva: “As crianças e adolescentes do mundo de hoje têm muito mais acesso a muito mais informação, e por isso sabem o que fazem. Quando praticam um crime, sabem que estão fazendo algo errado. Portanto, devem responder como adultos”. Este argumento central pode ser dividido em duas ideias:(i) Que crianças e adolescentes de hoje disporiam de um repertório pessoal amplo o suficiente para discernir condutas “certas” e “erradas”, “boas” e “más”. Como fatores de formação deste repertório pessoal, apontam-se comumente os dados disponibilizados pelas tecnologias de informação (internet, redes sociais, televisão etc.) e a chamada “liberalização dos costumes”, sobretudo no que diz respeito à moral sexual. Abundam argumentos no sentido de afirmar uma suposta “frouxidão de valores”, ou ainda uma “confusão entre liberdade e libertinagem”, que, imagina-se, traria aos jovens da atualidade mais elementos para decidir por esta ou aquela conduta, tornando mais reprovável a opção pela conduta criminosa. (ii) Por consequência, se esses jovens dispõem de tantas informações para livremente decidir, e ainda abusam de sua liberdade individual violando direitos de outrem, suas escolhas em praticar ou não um crime devem ser equiparadas àquelas feitas pelos adultos, e se tais escolhas lesionarem um bem jurídico de extremo valor (que, em tese, são os bens jurídicos objetos de tutela penal), devem responder como um adulto que fez o mesmo tipo de escolha. A este argumento, costuma-se acrescentar que os adolescentes, por não responderem “por nada”, são frequentemente utilizados para encobrir crimes praticados por adultos.Indaga-se: está correta esta dedução acerca do grau de maturidade desses jovens? E, sendo correta a dedução, é lógica a conclusão de ser justo e útil fazer com que respondam como adultos por seus crimes?“O jovem de ontem” e “o jovem de hoje”: um mito sem lógica. A ideia segundo a qual “o jovem de hoje sabe o que faz” procura se justificar, em grande medida, pela disseminação de novos meios de comunicação, tal como a expansão do acesso à televisão aberta e paga, e a internet com suas redes sociais e seu conteúdo quase infinito. É fácil verificar, porém, que “informação” não é equivalente a “formação”. E mesmo “formação” não necessariamente acarreta maturidade de quem a tem. Coloca-se aqui a seguinte provocação: seria o jovem de hoje realmente mais “maduro” e menos “inocente” que esse mítico “jovem do passado”? Não são poucas as estatísticas que mostram que a idade dos casamentos(1) e da entrada no mercado de trabalho,(2) tradicionais indicadores de autonomia individual, vem ocorrendo em idade posterior ao limite etário legal para a adolescência. “Maturidade” e “discernimento” costumam ser predicados de indivíduos que vivem de forma autônoma e independente. Por outro lado, reforçar que a “liberação dos costumes sexuais” justificaria um “melhor saber” da infância e da juventude atuais é o mesmo argumento que serve aos interesses de quem defende a redução do limite etário para se considerar uma criança vulnerável para fins de caracterizar crimes sexuais.Não se pretende defender a elevação da idade para imputabilidade penal, e menos ainda redução da idade para configuração dos crimes sexuais praticados contra vulneráveis, mas sim demonstrar a fragilidade do argumento que vincula de forma simplista e imediata a aquisição de maturidade e discernimento à existência de sítios eletrônicos de busca ao alcance dos dedos de quem tem acesso a um computador com internet.Justamente para se evitar um debate raso (e por isso mesmo perigoso) sobre a maturidade e capacidade de argumentação dos jovens, é prudente deixar seu aprofundamento aos estudiosos do tema nas áreas da psicologia, pedagogia e sociologia, sem deixar, contudo, de fornecer aqui alguns elementos para a reflexão. Mas, para os fins deste trabalho, é mais produtivo adentrar a questão da segunda ideia que compõe o argumento anterior, segundo o qual se os jovens “sabem o que estão fazendo”, portanto “devem ser punidos como adultos”.A constatação de o adolescente “saber o que faz” parece justificar de per si que sua punição seja igual à do adulto. Vale arriscar aqui uma análise a tal respeito, propondo-se duas possibilidades para justificar a assertiva: a primeira seria a vingança, ou a simples retribuição do mal pelo mal. Já que a punição do adulto seria – ao menos, em tese – mais severa, então que se aplique à criança ou ao adolescente a retribuição na medida da severidade do ato por ele praticado. A segunda seria a prevenção, ou seja, a crença no poder dissuasivo exercido pelo temor da gravidade da sanção imposta. Todavia, diante dessas duas explicações possíveis para o argumento que defende a punição de crianças e adolescentes como adultos, deve-se questionar: com que finalidade se pretende aplicar uma sanção que cause um sofrimento maior ao autor de um delito? Viver em uma sociedade que sofre menos crimes? Ou que castiga mais os criminosos? Quais são as evidências empíricas a demonstrar que a possibilidade de envio de uma pessoa para o cárcere – cujas condições de extremo sofrimento são mais que conhecidas – torna os “potenciais criminosos” menos propensos a delinquir, ou fortalece o sentimento de segurança dos “cidadãos de bem”? Afirmar que “se o adolescente sabe o que faz, deve ser punido com severidade” é retórica vazia e que não se sustenta por si só.Redução da idade penal: medida antijurídica, inútil e socialmente injusta.Mas não é só: além de ser vazia em argumentos, a proposta de redução da idade penal é antijurídica, é inútil e é socialmente injusta.É uma proposta antijurídica: a vedação à redução da idade penal decorre da inafastável interpretação do art. 228 da CF – em que se prevê o limite etário de 18 anos para início da responsabilização criminal – como um desdobramento do direito à igualdade, conferindo-lhe natureza de cláusula pétrea. O frágil argumento de que a posição topográfica do art. 228 da CF impediria de considerá-lo como direito fundamental não resiste a uma singela interpretação sistemática do texto constitucional: a criança e o adolescente são seres em fase de formação e desenvolvimento, e, por isso, diferentes dos adultos. A ampliação do acesso a informações e a meios de comunicação não acarreta de maneira causal uma maturidade e uma capacidade de discernimento equiparada à de adultos, principalmente para fins penais: crianças e adolescentes têm a informação objetiva de quais condutas são certas ou erradas, mas ainda não concluíram sua formação subjetiva de forma amadurecida que os torne capaz de avaliar, de fato, a extensão das consequências de seus atos. Por outro lado, o fato de serem indivíduos em processo de formação os torna mais aptos a processos pedagógicos ressocializadores. O princípio da isonomia, que informa o direito à igualdade, não se satisfaz com a mera igualdade formal perante a lei, mas exige que se dê tratamento desigual aos desiguais. E, vale lembrar, o Brasil é signatário da Convenção dos Direitos da Criança, que, sendo pacto internacional sobre Direitos Humanos, deve ser interpretado como norma de hierarquia constitucional. Alterar a norma contida no art. 228 da CF configuraria, dessa forma, flagrante inconstitucionalidade.É uma proposta inútil: a função preventiva da pena jamais mostrou qualquer resultado em relação aos acusados adultos. Quanto ao argumento de que os adolescentes são instrumentalizados por adultos, que os utilizam para a prática de delitos por acreditarem na impunidade das pessoas com menos de 18 anos, é importante ressaltar a existência de problemas notoriamente graves nas investigações policiais, que recorrentemente se satisfazem com uma confissão – seja da verdade ou não. Além disso, tanto a situação de um adolescente praticar um crime ou assumir falsamente a autoria de um crime praticado por um adulto são situações que já encontram previsão de punição criminal no ordenamento jurídico e não há por que pensar que punir o adolescente da mesma forma que o adulto iria evitar o fato já não evitado pela punição atual. Ademais, deve-se frisar que nada impediria que adultos continuassem a aliciar adolescentes e crianças mais novas para que respondessem por seus crimes, a enfraquecer ainda mais o argumento.É uma proposta socialmente injusta: punir adolescentes como se pune (mal) os adultos somente fará estender a essa parcela da população a seletividade social e econômica característica do sistema penal. Em pesquisa a respeito de adolescentes em cumprimento de medida de internação, Vania Fernandes e Silva traça uma aprofundada análise acerca do tema à luz da criminologia crítica e observa que “não representa nenhuma heresia dizer que a delimitação do que é considerado delito é feita pela classe que detém o poder de definir o que é crime, e consequentemente, quem é o criminoso”.(3) A criminologia contribui para o debate ao propor reflexões que demonstram que conceitos como “crime” e “criminoso” flutuam no tempo, na história e na cultura. Nas palavras da autora: “[…] a criminologia crítica contribui para o entendimento, porém não aceitação, da rotulação e, consequente estigmatização do jovem das classes populares como ‘delinquentes’, ‘desviados’, ‘anormais’, ‘perigosos’, uma vez que é sabido que não são todos os jovens, principalmente aqueles que pertencem às classes economicamente privilegiadas, que cumprem uma medida socioeducativa de internação”.(4) Assim, alargar as fronteiras do “público elegível” para a punição penal corresponderá a incluir mais pessoas na exclusão extrema do sistema de encarceramento, o que é também inconstitucional em face dos fundamentos da cidadania e da dignidade da pessoa humana (art. 1.º, II e III, da CF) e dos objetivos propostos nos incs. I e III do art. 3.º da CF, quais sejam, de “construir uma sociedade livre, justa e solidária” e de “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. Reduzir a idade penal não irá solucionar o problema da violência urbana e criará outros, tais como o aumento da população carcerária e a submissão de adolescentes já estigmatizados ao convívio com criminosos. Aponta-se uma “solução” ilícita, inútil e injusta para um problema que sequer se sabe ao certo qual é, pois não há consenso sobre os múltiplos fatores que levam o jovem a delinquir, ou a representatividade dos atos infracionais no universo de crimes praticados, e menos ainda se explorou toda a potencialidade da doutrina da proteção integral que informa o ECA. Ainda que propostas extremamente punitivas encontrem amplo apoio popular deve-se fortalecer a consciência de que o objetivo comum a todos – mesmo que muitos não tenham se dado conta – não é o de viver em uma sociedade mais punitiva, mas sim menos violenta e mais justa.“
Por sua vez, Marat, em obra editada em Paris no ano de 1790, já advertia que “es un error creer que se detiene el malo por el rigor de los suplicios, su imagen se desvanece bien pronto. Pero las necesidades que sin cesar atormentan a un desgraciado le persiguen por todas partes. Encuentra ocasión favorable? Pues no escucha más que esa voz importuna y sucumbe a la tentación.”[21]
abogado, magíster en Ciencias Penales y Criminológicas, docente de Derecho Penal y Derecho Procesal Penal, docente de Postgrado en Programas de Maestrías y Diplomados en Ciencias Penales y coordinador académico del Programa de Maestría en Ciencias Penales y Criminológicas de la Unidad de Postgrado de la Facultad de Derecho y Ciencias Políticas), em trabalho que denominou de “La responsabilidad penal del menor de 14 años – Una aproximación reflexiva sobre la disminución de la edad penal en el Código Niña, Niño, Adolescente“, pLa Gaceta Jurídica, acessado à / , afirmou:
“Imagino un cuadro agudo, mordaz y desatinado en la Plataforma de Atención de la Fuerza Especial de Lucha contra el Crimen (felcc) en la ciudad de La Paz con un “adolescente” de 14 años sentado en un banquillo destinado a personas que han sido arrestadas o aprehendidas por acción directa o por orden fiscal.El banquillo se encuentra situado frente a la oficina de la Fiscalía de turno (el mismo banquillo tiene pegado un aviso que dice “arrestados” y solo es necesario ir a la Plataforma de Atención de la felcc para observar ese banquillo), ahí precisamente estará el adolescente de 14 años como presunto autor o partícipe de un delito. Esa es la realidad que se presentará con la vigencia del reciente Código Niña, Niño, Adolescente, promulgado por la Ley Nº 548 de 17 de julio de 2014, puesto en vigencia a partir del 6 de agosto de este año.El Código Niña, Niño, Adolescente, en su artículo 5, señala que son sujetos de derechos los seres humanos hasta los 18 años cumplidos; también define como etapas de desarrollo a la niñez, que comprende desde la concepción hasta los 12 años cumplidos, y a la adolescencia, desde los 12 años hasta los 18 cumplidos.Estos parámetros de desarrollo humano hasta los 18 años posiblemente tengan relevancia a efectos de la identificación e individualización del menor de edad, precisando y delimitando en la primera infancia a las niñas y niños comprendidos entre las edades de 6 a 12 años, conforme al artículo 6 de la Ley Nº 548.Además, posiblemente sirvan solo para destacar la tutela a la que se hacen merecedores bajo principios constitucionales, como los que se establecen y se han desarrollado en el ámbito de los derechos fundamentales a partir del artículo 58 de la Sección V, Derechos de la Niñez, Adolescencia y Juventud, Capítulo V de los Derechos sociales y económicos de la Primera Parte de la Constitución Política del Estado (cpe). En ese marco normativo constitucional de la concepción de los derechos fundamentales a favor de la niñez y adolescencia se puede subrayar, por ejemplo, el derecho a su desarrollo integral, el interés superior de la niña, niño y adolescente, el acceso a una administración de justicia pronta, oportuna y con asistencia de personal especializado, la prohibición y sanción de toda forma de violencia contra las niñas, niños y adolescentes o la prohibición del trabajo forzado y la explotación infantil.En conjunto, estos derechos se complementan con el respeto a la dignidad y reserva de la identidad del adolescente que se encuentre privado de libertad, previsto en el parágrafo II del artículo 23 del mismo texto constitucional, pero, sobre todo, en el ámbito internacional la niñez y adolescencia gozan de la protección que la comunidad internacional ha acordado a partir de significativos y sustanciales instrumentos jurídicos protectivos.Entre ellos están, por ejemplo, la Convención sobre los Derechos del Niño de 20 de noviembre de 1989, ratificada por nuestro país el 14 de mayo de 1990, mediante Ley Nº 1152, que se incorpora en el bloque de constitucionalidad conforme al parágrafo II del artículo 410, sin haber sido cuestionado, reclamado o modificado conforme a la Disposición Transitoria Novena, ambos de la cpe.También están como instrumentos procesales cardinales las Reglas Mínimas Uniformes de la Naciones Unidas para la Administración de Justicia de Menores, conocidas como las Reglas de “Beijing”; las Reglas Mínimas de las Naciones Unidas para los Jóvenes Privados de Libertad; las Directrices de las Naciones Unidas para la Administración de la Justicia Juvenil, conocidas como las Directrices de “Riyadh”, y, complementariamente, el Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos de 1966 y la Convención Americana sobre los Derechos Humanos de 1969.La estructura del Código Niña, Niño y Adolescente en su Libro Primero presenta un primer ámbito de regulación normativa de los derechos, garantías, deberes y protección de las niñas, niños y adolescentes sistematizando la guarda, la tutela y la adopción, así como la protección de la niña, niño y adolescente en sus relaciones laborales; particularmente, en el Capítulo V establece el derecho a opinar, participar y pedir, como expresiones legítimamente democráticas en un Estado Constitucional de Derecho. Es una cuestión saber si las niñas, niños y adolescentes han ejercitado su derecho a opinar y a participar cuando particularmente era tratada la reducción de la edad penal para la imputabilidad. En el Libro Primero se establecen también los deberes de la niña, niño y adolescente y las políticas, programas y medidas de protección, así como la distribución de responsabilidades para la gestión del sistema de protección de la niña, niño y adolescente, considerando el nivel central, el departamental, el municipal y el indígena originario campesino. De manera novedosa y trascendente, también establece la conformación de comités de niñas, niños y adolescentes; en suma, el Código Niña, Niño, Adolescente establece derechos, deberes y mecanismos de protección institucional de la niñez y adolescencia fijando áreas competenciales institucionales.En el Libro Segundo, como un segundo ámbito de regulación normativa, se establece los alcances de la protección jurisdiccional de la niñez y adolescencia, estableciéndose la competencia de los órganos jurisdiccionales en procesos judiciales donde se encuentren comprometidos los intereses, derechos y deberes de la niña, niño o adolescente.En el Libro Tercero se establece la regulación normativa del sistema penal para adolescentes, vinculada a las funciones y competencias de los órganos de persecución penal como el Ministerio Público y la Policía y la función jurisdiccional penal de los órganos jurisdiccionales encargados de llevar adelante el proceso penal contra adolescentes, pretendiendo consolidar un sistema de administración de justicia para “menores de edad”.Por los antecedentes de este Código, se sabe que en el primer ámbito de regulación normativa de los derechos, deberes y mecanismos de protección institucional de la niñez y adolescencia habrían participado instituciones públicas y privadas tuteladoras del menor como actoras y operadoras de los mecanismos que pueden garantizar y hacer posible el desarrollo integral, la protección y la prioridad del interés superior de la niña, niño y adolescente.Incluso se habrían realizado aportes para regular la protección jurisdiccional de la niñez y adolescencia, sin embargo, no se tiene evidencia sobre la participación de los menores de 14 años hasta los 18 (destinatarios de la ley penal) y menos se conoce si “opinaron” con respecto a la reducción de la edad penal.Es evidente que el Código Niña, Niño, Adolescente ha sido concebido y realizado por los “mayores” para los “menores”, apartando la legitimidad de estos últimos para contribuir sobre el conocimiento de la realidad de su formación y los requerimientos de su desarrollo integral, pero sobre todo para manifestarse sobre la edad de 14 años como límite para hacerse responsable penalmente frente a la comisión u omisión de un delito, precisamente atendiendo la prioridad del interés superior de la niña, niño y adolescente.En la exposición de motivos de la Ley Nº 548 no existe tampoco un estudio justificado sobre la concepción de un sistema de administración de justicia para adolescentes, máxime si se toma en cuenta que se trata de temas de especialidad que involucran necesariamente ramas del conocimiento jurídico como el Derecho Penal, el Derecho Constitucional y el Derecho Procesal Penal.Aunque la concepción y funcionamiento de un sistema procesal penal para adolescentes o los procesos de criminalización secundaria para ellos y ellas exceden la intención del presente trabajo, es necesario atender sus debilidades, vacíos, justificaciones y alcances. Este es el otro problema de análisis que compromete el debate sobre un sistema procesal penal determinado para los adolescentes que cuentan con 14 años de edad, sistema procesal penal que no tiene que ser el mismo para “adultos”.Sin embargo, al plantearse un sistema de administración de justicia penal para adolescentes no es posible dejar de lado la visión de un proceso penal en el que se encuentren comprometidos los intereses y derechos del adolescente y, puesto que el Capítulo I del Título I del Libro III del Código Niña, Niño, Adolescente ha establecido un Sistema Penal para Adolescentes, una regulación de justicia especializada para adolescentes con responsabilidad penal, eso importa una aproximación a la concepción especializada de un sistema de administración de justicia penal que requiere de la concepción de un sistema procesal penal especial, cuyo sentido teleológico se concentre en el respeto a la dignidad e identidad del adolescente y en su desarrollo integral.También en la amplificación de sus derechos y garantías constitucionales dentro de un proceso penal en el que se encuentre involucrado el adolescente por la comisión de un presunto hecho delictivo y en el que eventualmente pueda ser privado de libertad o se encuentre ya privado de libertad a consecuencia del proceso penal, no bastando la aplicación de mecanismos de justicia restaurativa irreconciliables con el cumplimiento de una pena privativa de libertad emergente de un proceso penal cuya meta será asignar responsabilidad penal, realizar o no el Derecho Penal, mediante la determinación de la culpabilidad del adolescente en los hechos y, consecuentemente, posibilitar la asignación de la pena que corresponda a la comisión u omisión del hecho delictivo. Además, aquellos mecanismos de justicia restaurativa requieren centros especializados y personal multidisciplinario y ya sabemos que el Estado no se encuentra en la capacidad de cumplir con aquellas condiciones. Pero, como se advirtió anteriormente, el análisis del sistema de administración de justicia penal para adolescentes excede el motivo de este trabajo que solo se concentra en aproximar las razones para contradecir la disminución de la edad en la responsabilidad penal de un adolescente de 14 años. A partir de la pretensión de establecer una justicia especializada para adolescentes con responsabilidad penal, de ahora en adelante la ley penal se aplicará a los adolescentes a partir de los 14 años de edad hasta los 18. Esta proposición conlleva expresamente la determinación de 14 años como la edad para hacer posible la responsabilidad penal del adolescente, modificando el artículo 5 del Código Penal en actual vigencia, del cual se concluía la asignación de responsabilidad penal a partir de los 16 años.Cuando se revisa la fuente material del Código Niña, Niño, Adolescente no se encuentra la motivación o justificación material para reducir la edad de la responsabilidad penal a los 14 años, esa fuente material particular o la exposición de motivos del legislador en la ley con respecto a la edad penal no existen; por tanto, no se conoce a ciencia cierta los motivos que indujeron al legislador o al proponente del Código Niña, Niño, Adolescente a disminuir la edad penal en la responsabilidad penal por un hecho ilícito penal.No existe una explicación sobre ese límite de edad a partir del cual se considera imputable y responsable penalmente al adolescente de 14 años, simplemente no tiene justificación en el Código Niña, Niño y Adolescente.En los antecedentes constitucionales de nuestro país se advierte que la libertad es uno de los valores incólumes de los modelos de Estado que hemos tenido, un valor primordial que justifica el sistema de garantías constitucionales para su efectividad; por tanto, la libertad es el valor más importante que tenemos después de la vida para que el Estado lo proteja de manera muy especial (artículo 22 de la cpe). A partir de esa apreciación específica de resguardar al máximo la libertad de las personas se ha reconocido ahora en nuestra Constitución mandatos específicos para el tratamiento de adolescentes en materia penal, evitándose la imposición de penas privativas de libertad y, en caso de ser aplicables, exigir en el ámbito del sistema penal el respeto a su dignidad y la reserva de su identidad, así como la necesidad de disponer de recintos distintos de los asignados para adultos. Sin embargo, un sistema “especializado” de administración de justicia penal para adolescentes de 14 años de edad no alcanza a cubrir este ideario de protección y restricción limitada de la libertad, no alcanza a cubrir el principio de prohibición de exceso como límites a la actividad y ejercicio punitivo del Estado, al contrario, su amplificación punitiva ahora alcanza a los adolescentes de 14 años, discrepando con los principios, valores y fundamentos constitucionales del Estado boliviano.En un recuento histórico de los códigos penales bolivianos para establecer las razones por las que el legislador determinó la disminución de la “edad penal” para responder por la comisión u omisión de un determinado delito, es pertinente recordar que la Asamblea Constituyente de 1825 autorizó la vigencia del Código Penal de España de 1822.Luego, desde 1826 hasta que el 2 de abril de 1831 entró en vigencia el primer Código Penal boliviano que estuvo en vigor por tres años y siete meses, hasta el 6 de noviembre de 1834, cuando fue promulgado el Código Penal denominado Código Penal Santa Cruz, texto punitivo que no modificó sustancialmente el Código español de 1822.El Código Penal de España no hizo distinción de niños o adolescentes, estableció que la edad para responder penalmente era a los 7 años, manejando el concepto de “exención de responsabilidad penal” hasta antes de esa edad, una forma de eximente de responsabilidad penal. El Código Penal de 1834, que tuvo vigencia hasta el 3 de abril de 1973, estableció que un niño de 10 años no tenía culpabilidad sobre un acto delictivo porque consideraba que los menores de esa edad obraban “sin discernimiento”, por lo que no se los considera responsables; al fundamentar la responsabilidad penal en el criterio de discernimiento, aparentemente, exigía que el menor tuviera juicio, sensatez cordura, comprensión o madurez para elegir o escoger algo, sólo así se hacían responsables penalmente los niños mayores de 10 años.Adempero, el Código Penal de 1834 determinó que en los menores con edad superior a 10 años e inferior a 17 el criterio del discernimiento era condicional y sujeto a prueba, pues, si se comprobaba que habían obrado sin “malicia” y “discernimiento” en la comisión de un delito, no se les imponía ninguna pena, es decir, obraba una eximente de pena, no obstante de existir el delito, determinándose únicamente la entrega a sus padres o progenitores para que lo corrigieran y cuiden.Alternativamente, ante la imposibilidad de entregar al menor a los progenitores o que éstos no pudieran llevar adelante sus deberes, el juez podía internarlos en una casa de corrección por el tiempo que considerará conveniente; de manera discrecional, el Código señalaba que esto ocurría siempre que no pase los 20 años de edad.Asimismo, el Código Penal de 1834 también señalaba que si se demostraba que los mayores de 10 años y menores de 17 habían actuado con discernimiento en el hecho delictivo, se les podía imponer la cuarta parte o la mitad de la pena señalada para el delito.Vinculados al menor o al adolescente, la historia normativa de los Códigos del Menor en Bolivia presenta algunas precisiones con respecto a la edad de la responsabilidad penal. El Código del Menor de 1966 modificó el Código Penal de 1834 estableciendo la inimputabilidad plena a los 17 años y dejó de lado el criterio del discernimiento como elemento para determinar la responsabilidad penal, instituyendo un modelo de protección y control sustentado en la “peligrosidad” del menor para la sociedad. El segundo Código del Menor en 1975, basándose en la modificación de la responsabilidad penal del Código Penal de 1972, que fijó la edad mínima de los 16 años (artículo 5), reguló insuficientemente el tratamiento especial en los procesos penales de los menores imputables de 16 a 21 años. El tercer Código del Menor en 1992 pretendió regular una administración de justicia de menores, manteniendo la edad de los 16 años para la responsabilidad penal.Por último, el Código del Niño, Niña y Adolescente de 1999 reguló el procesamiento de los menores estableciendo la competencia de los jueces para el procesamiento de infracciones atribuidas a los adolescentes entre los 12 y 16 años de edad.A estas infracciones se les asignó una responsabilidad denominada “responsabilidad social”, concluyendo que los niños y niñas hasta los 12 años quedaban exentos de responsabilidad penal y, con relación a los adolescentes mayores de 16 años, el Código de 1999 les asignó una “protección especial” en el ámbito de la aplicación de la legislación ordinaria.Sin embargo, ninguno de los códigos penales ni códigos del menor han establecido los fundamentos o las razones sociales “científicas” para considerar y justificar la edad fijada para la responsabilidad penal del menor de edad, tampoco la fuente real o material reflejada en la exposición de motivos de las leyes contiene algún razonamiento prudente, lógico y real vinculado a las condiciones biopsicosociales del desarrollo del menor que permitan justificar una edad penal. Tanto la determinación de la edad penal como su disminución en ámbitos internacionales han sido objeto de un debate doctrinal punitivo, biológico, psicológico y social y aun así no se ha llegado a conclusiones satisfactorias.El Código Penal de 1973, elevado a rango de Ley de la República por Ley Nº 1768, ha establecido que la edad para responder por la comisión u omisión de un delito es de 16 años; que, bajo las reglas del cómputo natural del tiempo, una persona que tiene 15 años, 364 días, 23 horas y 59 minutos de vida y que ha participado en presuntos hechos de carácter delictivo no es responsable penalmente porque no tiene 16 años cumplidos (a este efecto será determinante la hora y minutos precisos del nacimiento de una persona consignado en el certificado de nacimiento). Parece simplemente un cálculo aritmético vinculado al transcurso del tiempo para aplicar lógicamente la norma jurídica penal y aunque es ilógico desde el análisis de los procesos psicológicos del individuo, porque el menor abruptamente sería imputable al cumplir los 16 años, es determinante para sustraer o comprometer la aplicación del Código Penal y de las leyes penales especiales. Algunos autores han considerado que el eje central para considerar una edad penal se encuentra en la función preventiva de carácter general y de carácter especial que se le asigna a la pena y, aunque los efectos de la prevención se constituyen en un parámetro determinante desde la política criminal de un Estado, es un argumento insuficiente para determinar la edad penal. Considerando la prevención general, se ha dicho simplemente que “si se elevara la edad de 16 años” se dejaría sin control un espacio de criminalidad real que podría ser importante, aunque no se cuenta con datos o estadísticas criminales confiables o pronósticos reales si se elevara esa edad.Considerando la prevención especial, se argumenta que, como la persona de 16 años es adolescente, la pena privativa de libertad causaría daño con efectos nocivos para su desarrollo y formación integral, más aún si no existen medios ni recursos humanos y económicos para cumplir la finalidad de la sanción.Siguiendo una línea argumentativa con fundamento de razonabilidad lógica se ha señalado que la mayoría de edad penal no podía encontrarse alejada de la mayoría de edad civil, es decir que si para tener capacidad de contraer obligaciones se exige que el adolescente tenga 21 ó 18 años de edad es porque sus decisiones requieren suficiente “madurez” o capacidad para comprender las obligaciones contractuales o extracontractuales adquiridas y cumplirlas, por eso la mayoría de edad estaría fijada a los 18 años.Este es el mismo argumento de “madurez” que se requiere para comprender la ilicitud o antijuricidad de su conducta en la comisión u omisión de un determinado delito contando con la edad de 21 o 18 años; por eso quizá países como Brasil, Chile, Colombia, Costa Rica, Ecuador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicaragua, Panamá, Paraguay, Perú, República Dominicana, Uruguay y Venezuela han fijado la edad penal a los 18, antes de esa edad las personas serían inimputables, es decir, utilizando los conceptos de la teoría del delito, no serían capaces de comprender la antijuricidad de su conducta. La Convención de Derechos del Niño considera mayor de edad al que cumple 18 años. En conclusión, la lógica nos dice que si la mayoría de edad civil requiere decisiones con suficiente “madurez” y ésta se alcanza a los 18 años, entonces, con mayor razón la edad penal debería exigir esa “madurez” a los 18 años, porque sus decisiones importan la misma o mayor “responsabilidad” que la edad civil.Tal parece que la cuestión se encuentra en determinar “cierta capacidad” ya sea para comprender los alcances de una obligación contractual o los alcances de la antijuricidad de una conducta, bajo éste último enfoque interesa saber si frente a la comisión u omisión de un determinado delito es posible establecer algunas premisas básicas de la comprensión que debe poseer un ser humano frente a la realización de su conducta frente a lo que decide en un entorno cultural tan complicado como el nuestro, si entendemos comprensión como juicio, sensatez, reflexión y madurez para decidir. Indudablemente que estas premisas tienen un contexto sociocultural y psicológico que excede el marco de este trabajo, pero no dejan de ser referentes necesarios para encontrar los contenidos de aquella comprensión en el sentido y alcance permitido por el legislador con el artículo 17 del Código Penal al establecer la condicionante de “comprender la antijuricidad” para hacer responsable penalmente a una persona.La capacidad para comprender la antijuridicidad de una conducta supone, en términos de la teoría del delito, capacidad de culpabilidad, es decir, imputabilidad, pues quien no tiene alterada su estructura psíquica en sus elementos intelectivos, cognoscitivos, afectivos y volitivos básicos tendrá capacidad de llevar adelante una conducta y para entender la realización de esa conducta, por tanto, también tendrá capacidad para comprender los alcances de esa conducta.Sólo así se puede estructurar la comprobación de los elementos del delito, incidiendo en la capacidad para comprender las prohibiciones y los mandatos que el legislador ha establecido en el tipo penal como juicios de valor traducidos en normas no escritas que se encuentran por detrás o por encima del tipo penal.Estas prohibiciones y mandatos son exigencias valorativas para el comportamiento humano que el legislador espera de todos los destinatarios de la ley penal, es decir, espera que la conducta humana se desarrolle observando y acatando esas prohibiciones o esos mandatos que el legislador ha distribuido en los diferentes tipos penales de la legislación penal primaria y secundaria.Solo así es posible entender el alcance de una norma jurídica penal, por ejemplo, cuando el artículo 251 del Código Penal describe la conducta de matar y asocia a esa conducta una sanción, se espera que no se realice esa conducta, se advierte un mensaje motivacional para no tener esa conducta porque es nociva o dañina para un bien jurídico, la vida.Precisamente, en ese mensaje negativo de la prohibición y en ese mensaje positivo de respetar la vida, radica también la capacidad para comprender la antijuricidad de la conducta, por tanto, quienes son capaces de observar con suficiente “juicio”, “sensatez”, “reflexión” o “madurez” la realización de sus actos deben ser capaces de comprender la antijuricidad de su conducta y, si son capaces de comprender, entonces pueden ser responsables de sus actos. Este es el simple mecanismo con el que opera la ley penal en su dimensión valorativa al determinar, en base a la teoría del delito, la responsabilidad penal, exigiendo que el sujeto tenga capacidad de acción al realizar una conducta típica antijurídica y sea capaz de ser reprochado penalmente por no haber acatado las prohibiciones o mandatos contenidos en cada norma jurídica penal, pero ser reprochado penalmente o emitir un juicio de reproche sobre la conducta humana requiere, ineludiblemente, que la persona tenga capacidad de comprender la ilicitud de su acción.Por tanto, la cuestión es a qué edad se adquiere esa capacidad para comprender la antijuricidad de su conducta, a qué edad se debe advertir determinada capacidad de acción para sostener su imputabilidad no bastando que la persona solo sea capaz de distinguir si lo que hace está bien o está mal, por el grado de relatividad que tienen esos juicios de valor vinculados a determinadas creencias y comportamientos culturales.Por ejemplo, cuando se afirma que mentir está mal, cuando para otras personas en su vida social y cotidiana mentir no está mal todo dependerá del grado de asimilación cultural en el que se encuentre el sujeto, pero siempre responderá a sus propias creencias culturales y sociales, por tanto, no es suficiente distinguir el bien del mal, sino es a partir de una referencia hacia la norma jurídica, particularmente, a partir de las referencias esenciales que provee la norma jurídica penal con las prohibiciones o los mandatos que son las únicas a ser valoradas dentro de la obligatoriedad y vinculatoriedad de la norma jurídica penal. Si no es suficiente distinguir el bien del mal para responsabilizar por sus actos a una persona, ¿qué más se requiere para hacerlo responsable de sus actos? Motivación, porque la culpabilidad exige motivación, la culpabilidad es el juicio de reproche penal que se impone a quien se encuentre suficientemente motivado por la norma penal (núcleo esencial del juicio de reproche) y que será dado a conocer por el Juez en una sentencia penal condenatoria cuando se determine la responsabilidad penal como requisito para imponer una pena, pero no una motivación simple, sino “suficiente motivación” con las normas de prohibición o las normas de mandato, según se trate de un delito de comisión o de un delito de omisión que permita asegurar el juicio lógico de responsabilidad penal.Por eso es que no basta que el sujeto distinga el bien del mal en sus actos si no es a partir de una referencia jurídica normativa como la que se tiene del tipo penal para afirmar que una persona reúne las condiciones para que se les atribuya culpabilidad o responsabilidad penal y dado que la culpabilidad exige una “suficiente motivación” por las normas de prohibición o las normas de mandato, reitero ¿cuándo o a qué edad la persona estaría suficientemente motivada por la ley penal desde el punto de vista de la teoría del delito para justificar el reproche penal que trae consigo la culpabilidad?Bajo los parámetros de los derechos fundamentales en el estado constitucional de derecho y el desarrollo y la formación integral de la niña, niño o adolescente existen razones sobradas para no considerar suficiente la capacidad de un menor de 14 años para comprender la antijuricidad o ilicitud de su conducta, teniendo en cuenta su desarrollo humano mental, emocional y psicológico en la sociedad boliviana, carente de niveles de desarrollo humano adecuados y con déficits de carácter psicológico, educativo, formativo, laboral, social, económico e, incluso, déficits de salud.Por otro lado, desde el punto de vista de la sanción, considerando la finalidad de la pena y particularmente la orientación resocializadora que el parágrafo III del artículo 118 de la Constitución Política del Estado (cpe) imprime a la misma, no se puede tener la misma concepción cuando se trata de adolescentes.En otras palabras, la finalidad prevista constitucionalmente considera desde un plano general a los adultos formados, maduros y experimentados y no a los adolescentes, porque sancionar a los adolescentes de 14 años con las “penas de los adultos” invierte el proceso lógico de la función preventiva y la finalidad de la pena, doctrinal y tradicionalmente aceptada, aun cuando la pena para el adolescente sea “atenuada”.Esta atenuación, además, no se encuadra dentro de las circunstancias modificativas de la responsabilidad penal referidas a las condiciones objetivas y subjetivas concurrentes en la comisión u omisión del hecho delictivo, sino más bien en la simple consideración de la edad del adolescente, teniendo en cuenta incluso la tremenda carencia de infraestructura, de recursos humanos y de una política penitenciaria en nuestro país que, en conjunto, eclipsa la pretensión de utilizar mecanismos restaurativos sobre el menor, como una forma de distinguir y aplicar un tratamiento preventivo especial sobre el mismo.Las finalidades preventivo generales podrían quedar cubiertas mediante una legislación específica que establezca infracciones generales y sanciones a los adolescentes de 12 años a 16, pero no con penas privativas de libertad en recintos penitenciarios (aunque las “casas de internamiento” también representan formas de actuación punitiva con discurso no punitivo), sino con medidas socio-educativas como se encontraban previstas en el artículo 222 del anterior Código del Niña, Niño y Adolescente, excluyendo la responsabilidad penal de los adolescentes comprendidos 12 y 16 años y estableciendo responsabilidad social de los mismos al momento de la comisión de un hecho tipificado como delito en el Código Penal o en las leyes penales especiales.El propio sistema procesal penal ajeno al desarrollo integral que se persigue sobre las niñas, niños y adolescentes es contraproducente frente a la protección integral que exige la Constitución cuando se rebaja la edad penal sin tomar en cuenta que no existe una justicia “especializada” para adolescentes con responsabilidad penal.Por tanto, no existe posibilidad de aplicar el “sistema procesal penal” vigente a los adolescentes sin generar consecuencias adversas e infortunadas en los procesos de criminalización secundaria a quienes en el momento del hecho tipificado como delito en el Código Penal o las leyes penales especiales tengan 14 años, porque la acción institucional que se ejerce con los procesos de criminalización secundaria desde que se denuncia o se pone en conocimiento la perpetración de un delito hasta que se concluye con una decisión jurisdiccional es por naturaleza “violenta” e inherente a los mecanismos de persecución y punición del sistema penal.Por ello no se logrará proteger o satisfacer el respeto a la dignidad e identidad del adolescente, su desarrollo y formación integral o el ejercicio pleno de sus derechos cuando un adolescente tenga alguna forma de participación criminal y se pretenda averiguar su responsabilidad penal.Por tanto, la incidencia del “sistema procesal penal” para adolescentes de 14 años requiere un análisis desde las bases ideológicas y políticas del estado constitucional de derecho, desde la teoría del delito en el nivel de culpabilidad, plataforma necesaria para ingresar al debate sobre la capacidad del menor de 14 años para comprender la antijuricidad de su conducta y que actualmente se encuentra en un debate doctrinal penal, social, psicológico y biológico, en otros países.Asimismo, el sistema de administración de justicia penal debe integrar y aplicar adecuadamente un conjunto específico de derechos y garantías procesales penales, concordantes con los principios y valores constitucionales bajo principios generales de administración de justicia y de la jurisdicción ordinaria, previstos en los artículos 8, 178 y 180 de la cpe, respectivamente.No obstante, es evidente que la cuestión de un “sistema procesal penal para adolescentes” es todavía objeto de múltiples críticas y, aunque sería apropiado, correcto y justo contar con una legislación procesal penal independiente para adolescentes, considerando los intereses, principios, identidad, derechos y garantías marcados por una concepción basada en el interés superior del adolescente y en su proceso de desarrollo y formación integral, en sujeción al sistema constitucional de garantías jurisdiccionales previsto en el Capítulo Primero, Título IV, Primera Parte de la Constitución Política del Estado, es muy posible que esa pretensión no pase de ser solamente un discurso jurídico que no logre integrar efectivamente el interés de justicia y el interés de los adolescentes para lograr una eficiente y efectiva administración de justicia penal para ellos.El Código Niña, Niño y Adolescente no se aparta del pensamiento lineal, reduccionista, cartesiano e individual que ha entrado en crisis, únicamente compatible con los modelos de Estado liberales y no compatible con la pluralidad del Estado boliviano.La nueva metodología en la construcción de leyes, en particular la definición de la edad de la imputabilidad y la utilización de las categorías de la teoría del delito como base de nuestro sistema penal debe obedecer a un proceso dinámico de construcción plural de leyes, adaptado al sistema constitucional vigente, al sistema democrático participativo, al principio democrático de la participación y control social previstos en los artículos 241 y 243 de la Constitución.“
E, em homenagem ao nosso adolescente poeta, concluo com outra poesia, esta de Chico Buarque: “Quando, seu moço, nasceu meu rebento, não era o momento dele rebentar. Já foi nascendo com cara de fome e eu não tinha nem nome para lhe dar. Como fui levando, não sei lhe explicar, fui assim levando, ele a me levar e na sua meninice ele um dia me disse que chegava lá: olha aí! Ai o meu guri, olha aí! Olha aí! É o meu guri. E ele chega! Chega suado e veloz do batente, traz sempre um presente para me encabular: tanta corrente de ouro seu moço, que haja pescoço para enfiar; me trouxe uma bolsa já com tudo dentro, chave, caderneta. terço e patuá, um lenço e uma penca de documentos para finalmente eu me identificar. Olha aí! Ai o meu guri, olha aí! É o meu guri e ele chega! Chega no morro com carregamento, pulseira, cimento, relógio, pneu, gravador. Rezo até ele chegar cá no alto essa onda de assaltos está um horror. Eu consolo ele, ele me consola, boto ele no colo para ele me ninar, de repente acordo, olho para o lado e o danado já foi trabalhar! Olha aí! É o meu guri e ele chega! Chega estampado manchete, retrato, com venda nos olhos, legenda e as iniciais. Eu não entendo essa gente seu moço, fazendo alvoroço demais! O guri no mato, acho que tá rindo, acho que tá lindo, de papo para o ar; desde o começo eu não disse seu moço, ele disse que chegava lá! Olha aí! Ai o meu guri, olha aí. É o meu guri!” (“O Meu Guri “– adaptei para a prosa esta linda canção-poesia).
[1] Rômulo de Andrade Moreira é Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador – UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador – UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de CiênciasPenais, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação dos Cursos JusPodivm (BA), FUFBa e Faculdade Baiana. Autor das obras “Curso Temático de Direito Processual Penal” e “Comentários à Lei Maria da Penha” (este em coautoria com Issac Guimarães), ambas editadas pela Editora Juruá, 2010 e 2014, respectivamente (Curitiba); “A Prisão Processual, a Fiança, a Liberdade Provisória e as demais Medidas Cautelares” (2011), “Juizados Especiais Criminais – O Procedimento Sumaríssimo” (2013), “Uma Crítica à Teoria Geral do Processo” e “A Nova Lei de Organização Criminosa”, publicadas pela Editora LexMagister, (Porto Alegre), além de coordenador do livro “Leituras Complementares de Direito Processual Penal” (Editora JusPodivm, 2008). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.
[2] Veja a observação feita pelo penalista Juarez Tavares, em e-mail enviado para mim, a propósito de um outro artigo em que tratei do mesmo assunto: “é um absurdo rematado pretender reduzir a maioridade penal. Ao contrário do que se afirma, em muitos países a tendência é aumentar a idade da imputabilidade, como ocorreu no Japão, onde a maioridade penal é alcançada agora aos 21 anos“. Palavra do Mestre!
[3] In the most unequal region, Uruguay has highest human development index – MercoPress En.mercopress.com. Visitado em 12/02/2010.
[4] The 2010 Legatum Prosperity Index Prosperity.com. Visitado em 02/12/2010.
[5] O Estado de São Paulo, “Do divórcio ao aborto, Uruguai teima em estar na vanguarda“, edição do dia 04 de março de 2013.
[6] The Economist: Earth’s got talent (21 de dezembro de 2013). Visitado em 27 de janeiro de 2014. ‘Economist’ escolhe Uruguai como o país do ano (19 de dezembro de 2013). Visitado em 27 de janeiro de 2014.
[7] A despenalização traduz o princípio da intervenção mínima do Direito Penal, pelo qual “limita-se o poder punitivo do Estado, que com freqüência tende a se expandir, principalmente nas situações de crises político-institucionais e nas comoções de natureza sócio-econômica, quando a repressão procura ser uma barragem contra a revolta e a marginalidade que alimentam a delinqüência patrimonial violenta.” (crf. René Ariel Dotti, in Bases e Alternativaspara o Sistema de Penas, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 266).
[8] Idem.
[9] Bitencourt, Cezar Roberto, NovasPenasAlternativas, São Paulo: Saraiva, 1999, p. 1.
[10] Hulsman, Louk e Celis, Jacqueline Bernat de, Penas Perdidas – O SistemaPenalemQuestão, Niterói: Luam, 1997, p. 69
[11] Karam, Maria Lúcia, De Crimes, Penas e Fantasias, Rio de Janeiro: Luan, 1991, p. 177.
[12] Franco, Alberto Silva, CrimesHediondos, São Paulo: Revista dos Tribunais, 4ª. ed., 2000, p. 97.
[13] Ciência Jurídica – Fatos – nº. 20, maio de 1996.
[14] O Judiciário e a Comunidade – Prós e Contras das Medidas Sócio-Educativas emMeioAberto, Núcleo de Pesquisas do InstitutoBrasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim, São Paulo, 2000, p. 10.
[15] Em manifesto aprovado pela unanimidade dos presentes ao VIII Encontro Nacional de Secretários de Justiça, realizado nos dias 17 e 18 de junho de 1991, em Brasília, foi dito que havia no Brasil, segundo o Ministério da Justiça, milhares de mandados de prisão aguardando cumprimento, e que as prisões, em todos os estados da federação, estavam superlotadas, o que comprometia o tratamento do apenado e pavimentava o caminho para a reincidência (in Prisão – Crepúsculo de uma Era, Leal, César Barros, BeloHorizonte: Del Rey, 1998, p. 55).
[18] ConversaçõesAbolicionistas – Uma Crítica do SistemaPenal e da SociedadePunitiva, São Paulo: IBCCrim, 1997, p. 275.
[19] idem
[20] Dos Delitos e das Penas, São Paulo: Hemus, 1983, p. 43.
[21] Marat, Jean Paul, Plan de Legislación Criminal, Buenos Aires: Hamurabi, 2000, p. 78 (tradução espanhola do original Plan de Legislation Criminelle, Paris, 1790).