O Mais Recente Entendimento do Supremo Tribunal Federal e a Investigação Criminal pelo Ministério Público
Rômulo de Andrade Moreira*
A Segunda Turma do STF, em julgamento realizado no dia 10 de março de 2009, reconheceu por unanimidade que existe a previsão constitucional de que o Ministério Público tem poder investigatório. A Turma analisava o Habeas Corpus (HC) 91661, referente a uma ação penal instaurada a pedido do MP, na qual os réus são policiais acusados de imputar a outra pessoa uma contravenção ou crime mesmo sabendo que a acusação era falsa. Segundo a relatora do HC, ministra Ellen Gracie, é perfeitamente possível que o órgão do MP promova a coleta de determinados elementos de prova que demonstrem a existência da autoria e materialidade de determinado delito. “Essa conclusão não significa retirar da polícia judiciária as atribuições previstas constitucionalmente”, poderou Ellen Gracie. Ela destacou que a questão de fundo do HC dizia respeito à possibilidade de o MP promover procedimento administrativo de cunho investigatório e depois ser a parte que propõe a ação penal. “Não há óbice a que o Ministério Público requisite esclarecimentos ou diligencie diretamente à obtenção da prova de modo a formar seu convencimento a respeito de determinado fato, aperfeiçoando a persecução penal”, explicou a Ministra. A relatora reconheceu a possibilidade de haver legitimidade na promoção de atos de investigação por parte do MP. “No presente caso, os delitos descritos na denúncia teriam sido praticados por policiais, o que também justifica a colheita dos depoimentos das vítimas pelo MP”, acrescentou. Na mesma linha, Ellen Gracie afastou a alegação dos advogados que impetraram o HC de que o membro do MP que tenha tomado conhecimento de fatos em tese delituosos, ainda que por meio de oitiva de testemunhas, não poderia ser o mesmo a oferecer a denúncia em relação a esses fatos. “Não há óbice legal”, concluiu. Fonte: STF.
I – Introdução
O tema em epígrafe diz respeito a uma das mais importantes atribuições do Ministério Público e, muitas das vezes, de fundamental importância para a persecução criminal: a investigação de infrações penais.
Nada obstante opiniões em contrário, o certo é que tal atribuição transparece suficientemente possível à luz da Constituição Federal e de textos legais, como procuraremos demonstrar a seguir.
Desde logo, atentemos que o “Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (art. 127 da Constituição Federal). Parece-nos ser este um grande indicativo do que acabamos de afirmar.
II – O art. 129 da Constituição Federal
“I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei.”
“II –
“VI –
“VIII –
“IX –
Aqui, acolhemos a teoria dos poderes implícitos, na forma explicada pelo Ministro Celso de Mello:
“(…) Impende considerar, no ponto, em ordem a legitimar esse entendimento, a formulação que se fez em torno dos poderes implícitos, cuja doutrina, construída pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América, no célebre caso McCULLOCH v. MARYLAND (1819), enfatiza que a outorga de competência expressa a determinado órgão estatal importa em deferimento implícito, a esse mesmo órgão, dos meios necessários à integral realização dos fins que lhe foram atribuídos. Cabe assinalar, ante a sua extrema pertinência, o autorizado magistério de MARCELO CAETANO (“Direito Constitucional”, vol. II/12-13, item n. 9, 1978, Forense), cuja observação, no tema, referindo-se aos processos de hermenêutica constitucional – e não aos processos de elaboração legislativa – assinala que, ´Em relação aos poderes dos órgãos ou das pessoas físicas ou jurídicas, admite-se, por exemplo, a interpretação extensiva, sobretudo pela determinação dos poderes que estejam implícitos noutros expressamente atribuídos` (grifei). Esta Suprema Corte, ao exercer o seu poder de indagação constitucional – consoante adverte CASTRO NUNES (Teoria e Prática do Poder Judiciário, p. 641/650, 1943, Forense) – deve ter presente, sempre, essa técnica lógico-racional, fundada na teoria jurídica dos poderes implícitos, para, através dela, mediante interpretação judicial (e não legislativa), conferir eficácia real ao conteúdo e ao exercício de dada competência constitucional, consideradas as atribuições do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça, tais como expressamente relacionadas no texto da própria Constituição da República. Não constitui demasia relembrar, neste ponto, Senhora Presidente, a lição definitiva de RUI BARBOSA (Comentários à Constituição Federal Brasileira, vol. I/203-225, coligidos e ordenados por Homero Pires, 1932, Saraiva), cuja precisa abordagem da teoria dos poderes implícitos – após referir as opiniões de JOHN MARSHALL, de WILLOUGHBY, de JAMES MADISON e de JOÃO BARBALHO – assinala: ´Nos Estados Unidos, é, desde MARSHALL, que essa verdade se afirma, não só para o nosso regime, mas para todos os regimes. Essa verdade fundada pelo bom senso é a de que – em se querendo os fins, se hão de querer, necessariamente, os meios; a de que se conferimos a uma autoridade uma função, implicitamente lhe conferimos os meios eficazes para exercer essas funções. (…). Quer dizer (princípio indiscutível) que, uma vez conferida uma atribuição, nela se consideram envolvidos todos os meios necessários para a sua execução regular. Este, o princípio; esta, a regra. Trata-se, portanto, de uma verdade que se estriba ao mesmo tempo em dois fundamentos inabaláveis, fundamento da razão geral, do senso universal, da verdade evidente em toda a parte – o princípio de que a concessão dos fins importa a concessão dos meios (…).” (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 2.797-2 – Distrito Federal).
No inciso II, permite-se a promoção de
Comentando
“Trata-se, à
“
Se
III – A Lei Orgânica do Ministério Público e o Estatuto do Idoso
“I –
“II –
“V –
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“Trata-se de todas as
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“Art. 27 – Cabe ao
“I –
“II –
“(omissis).
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“Apresentado o
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“Art. 74. Compete ao
(…)
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“b)
“c)
“VI –
(…)
“IX –
IV – O art. 144 da Constituição Federal
Costuma-se
Ocorre
“
A
Partindo-se desse pressuposto,
Lênio Luiz Streck e Luciano Feldens escreveram: “Recorrentemente, aqueles que desafiam a legitimidade do Ministério Público para proceder a diligências investigatórias na seara criminal esgrimem o argumento de que tal possibilidade não se encontraria expressa na Constituição, locus político-normativo de onde emergem suas funções institucionais. Trata-se, na verdade, de uma armadilha argumentativa. Esconde-se, por detrás dessa linha de raciocínio, aquilo que se revela manifestamente insustentável: a consideração de que as atribuições conferidas ao Ministério Público são taxativas, esgotando-se em sua literalidade mesma. Equívoco, data venia, grave.”[17]
Ainda bem a
“Sendo
A
“O
Da
“Obviamente,
“
“O art. 4º. do CPP
V – O Direito Comparado
Há
No
Neste
Na Alemanha, lê-se no
“StPO § 160: (1) (omissis)
“(2). A
“(3). As
“StPO § 161:
Na Itália
“Art. 326 – O
“Art. 327 – O
“O
VI – Conclusão
Neste aspecto, importante é a observação de Enzo Bello, no sentido que “diante da escassez de recursos humanos e materiais do Ministério Público – afinal a sua quantidade de membros e de estrutura física é ínfima em relação ao tamanho da sua demanda de trabalho -, cumpre a cada membro da instituição conferir um cunho seletivo às suas atividades profissionais (…), de maneira a atribuir uma índole prioritária aos casos em que se tratem de condutas delitivas cuja potencialidade lesiva seja capaz de ocasionar uma verdadeira disfunção social e atingir ou obstar os princípios, fundamentos e metas da República brasileira (isto é, os verdadeiros anseios e perspectivas da nossa sociedade).”[21]
O
Vejamos a
“
Afinal de
Note-se
Bem a calhar a lição de M. Costa Manso: “A autoridade incumbida de descobrir o criminoso, especialmente nos casos graves e obscuros, é muitas vezes dominada pelo desejo de triunfar, de revelar argúcia e capacidade, perdendo, em conseqüência, a calma e a imparcialidade.” (O Processo na Segunda Instância e suas Aplicações à Primeira, São Paulo: Livraria Acadêmica, 1923, Vol. I, p. 615).[27]
Interessante, a
“(…)
“Neste derradeiro artigo é possível resumir algumas conclusões fundamentais visando decifrar a esfinge da investigação criminal: 1.ª) O desafio não se resolverá pela interpretação de textos (CF, CPP, leis federal e estadual do MP, etc.); 2.ª) A Polícia Judiciária não detém (desde o advento do CPP) o monopólio da apuração dos ilícitos penais; 3.ª) O procedimento preparatório da ação penal deverá designar-se inquérito criminal em oposição ao inquérito civil, assim nominado pela Constituição (art. 129, III) e pela Lei n.º 7.347/85 (ação civil pública, art. 8.º, § 1.º); 4.ª) O inquérito criminal deve constituir um procedimento único, vale dizer, não se pode admitir a investigação paralela (inquérito, pela Polícia Judiciária, e Procedimento Administrativo, pelo Ministério Público); 5.ª) Uma reordenação constitucional e legal é indispensável para estabelecer o concurso de funções e superar o conflito de atribuições entre o MP e a Polícia Judiciária; 6.ª) Quando for necessária a abertura de inquérito criminal pela Polícia Judiciária, a colheita de prova deve ser sumária e, em breve prazo ser remetido ao MP; 7.ª) Recebendo os autos, o MP poderá propor o arquivamento, oferecer denúncia ou prosseguir, ele mesmo, com a investigação; 8.ª) Não haverá mais a baixa ou devolução de autos, rotina que alimenta a usina de prescrição; 9.ª) O chamado Procedimento Administrativo Investigatório do Ministério Público (ou designação correlata) ofende o princípio do devido processo legal porque: a) não existe prazo de encerramento; b) não há controle jurisdicional; c) o indiciado ou suspeito não tem a faculdade de requerer diligência, em atenção ao princípio da verdade material; 10.ª) O aludido procedimento administrativo tem sido utilizado como alternativa contra a burocracia, abuso de poder ou corrupção do inquérito policial; 11.ª) Uma nova concepção de Política Processual Penal deverá modificar textos constitucionais e legais para atribuir ao MP o controle da investigação, sem prejuízo do trabalho auxiliar da Polícia Judiciária; 12.ª) A investigação criminal é exercício do poder estatal; deve coordená-la o órgão que promove a ação penal de natureza pública.”[29]
Devemos, na
Julita Lemgruber, Leonarda Musumeci e Ignacio Cano, em excelente estudo sobre o controle externo da polícia no Brasil, atentaram para “o fato de o Ministério Público ter poder de investigar por conta própria crimes cometidos por policiais e de iniciar o processo judicial à revelia dos procedimentos conduzidos pelas Corregedorias é percebido como ´invasão` dos promotores na área de competência das polícias. (…) Portanto, além de uma inércia interna, a limitada atuação do Ministério Público nessa área deriva também do acirramento das resistências corporativas, sustentadas pelo próprio hibridismo do modelo processual brasileiro.”[31]
* Procurador de Justiça na Bahia. Foi Assessor Especial do Procurador-Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador-UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). É Coordenador do Curso de Especialização em Direito Penal e Processual Penal da UNIFACS. Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador-UNIFACS (Curso coordenado pelo Professor J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais e do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim e ao Movimento Ministério Público Democrático. Integrante, por duas vezes consecutivas, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação da Universidade Federal da Bahia, do Curso JusPodivm, do Curso IELF, da Universidade Jorge Amado e da Fundação Escola Superior do Ministério Público. Autor das obras “Direito Processual Penal”, “Comentários à Lei Maria da Penha” (em co-autoria) e “Juizados Especiais Criminais”– Editora JusPodivm, 2008, além de organizador e coordenador do livro “Leituras Complementares de Direito Processual Penal”, Editora JusPodivm, 2008. Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados na Bahia e no Brasil.
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[1] Na verdade, um dever jurídico tendo em vista o princípio da obrigatoriedade que rege a ação penal pública.
[2] Lei dos Juizados Especiais Criminais, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 91.
[3]
[4]
[5] J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra: Almedina, 6ª. ed., 2002, p. 1.210.
[6] Adiante mostraremos disposições semelhantes na Lei Complementar n.º 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União).
[7]
[8]
[9]
[10]
[11] Ob. cit., p. 239.
[12]
[13] A Polícia Federal tem, com exclusividade, apenas a prerrogativa de exercer as funções de polícia judiciária da União, função que não se confunde com a de apurar crimes (a distinção é feita pela própria Constituição Federal (art. 144, § 1º., I e IV). As funções de polícia judiciária compreendem, por exemplo, aquelas previstas no art. 13, I, II e III do Código de Processo Penal. No processo de Extradição nº. 974, o Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, destacou o papel da Polícia Federal como “polícia judiciária da República”; nesta condição, destacou o Ministro que a instituição precisaria “se aparelhar para cumprir suas atribuições constitucionais.” Entre elas, a de dar totais condições para o bem-estar daqueles que se encontram presos em suas unidades prisionais. “A Polícia Federal há de se aparelhar visando ao cumprimento das atribuições constitucionais – entre estas, as que encerram a qualificação de polícia judiciária”, anotou o Ministro.
[14] Carlos Maximiliano,
[15]
[16]
[17] Crime e Constituição – A Legitimidade da Função Investigatória do Ministério Público, Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 81.
[18]
[19] Ob. cit., p. 84.
[20]
[21] Perspectivas para o Direito Penal e para um Ministério Público Republicano, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 335.
[22] Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim, nº. 127 – Junho de 2003, p. 11.
[23] Quanto à neutralidade, faz-se uma ressalva, pois não acreditamos
[24] Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, pp. 154/155.
[25]
[26] Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim, nº. 188 – Julho de 2008, p. 02.
[27] Apud Roberto Delmanto Junior, “As Modalidades de Prisão Provisória e Seu Prazo de Duração”, Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2ª. edição, 2001, p. 123 (nota de rodapé).
[28] O
[29]
[30] Roberto Lyra,
[31] “Quem Vigia os Vigias?”, Rio de Janeiro: Record, 2003, págs., 124/125.