Milícias e malícias da história
Gisele Leite[1]
Milícias, exércitos particulares, guardas elitizados e clandestinos custeados pelo desconforto e pela insegurança geral sempre foi um mau presságio pois foi exatamente assim que sedimentou na Alemanha após a primeira Grande Guerra Mundial a ideologia nacional-socialista, o que vulgarmente chamamos de nazismo.
Também naquele tempo, representantes do povo se envolviam diretamente na formação e no desenvolvimento das milícias que muitas das vezes agradavam a opinião popular e galgavam respeito e o temor dos cidadãos.
Se percorrermos o grande túnel do tempo, ainda podemos detectar na Santa Inquisição slogans justificadores da prática das milícias: “Matamos por um bem maior”.
Mas uma coisa temos que entender: que o direito a associação e à livre reunião exercido por qualquer cidadão, não pode por si só caracterizar a formação de milícia, que em geral seguem estatutos bem similares aos militares, com hierarquias, e valores éticos paritários.
Embora, sejam de legalidade discutível e, por vezes, mal intencionadas, transformando a segurança pública de um local ou comunidade nenhum rendoso negócio.
A complexidade do problema social, político e jurídico da questão só faz evidenciar que o povo é refém do medo e do poderio do Estado paralelo.
O curioso que a milícia traça um particular código de condutas alheio à legalidade, a moralidade e, mesmo a supremacia do interesse público. Montam tribunais de julgamento sumário e, outros requintes. Não raramente usam de tortura e extorsão entre seus métodos mais cotidianos.
A questão da imunidade parlamentar e prerrogativa de julgamento perante o TJ deverá tornar ainda mais relevante as questões jurídicas envolvidas.
Outro busilis é a admoestação de jornalistas por parte de milícias, que utilizam torturas para evitar que esses possam informar a real situação em que se encontram as comunidades e, sua submissão às ordens e tarifações milicianas.
Recentemente o TJ carioca decidiu sobre aceitar a denúncia contra os acusados de formação de milícia, e
a principal polêmica surgiu exatamente que entre os desembargadores que terminou com o seguinte placar: quatorze desembargadores votaram pelo recebimento da denúncia enquanto que sete optaram por converter o julgamento em diligência.
Trocando em miúdos: Para haver a legítima instauração do processo penal precisamos de certeza da materialidade delitiva (ou seja, identificarmos nitidamente que houve CRIME) e, ainda, a indicação de autoria.
Ou seja, hesitaram os desembargadores se havia PROVAS suficientes para aceitarem a denúncia, ou se precisavam de MAIORES diligências para colher provas suficientes para instaurar o processo penal.
Lembremos que um dos primaciais princípios do processo penal é a presuntiva inocência do réu, o que acarreta que IN DUBIO pro réu… ou seja, na dúvida, se absolve o réu…
Complementando vale o adágio popular: todo mundo é inocente até que se prove O CONTRÁRIO.
O correto mesmo é instaurar o processo penal realmente embasado em provas sólidas e suficientes, isso até porque estamos diante do Estado de Direito… e o devido processo deve ser observado SEMPRE.
Outro fator que agrava as controvérsias é que são vários os possíveis autores, ou seja, os criminosos, o que carreia a necessidade de MAIOR número de provas.
Os chamados “homens da lei” não distam muito dos homens que transgridem a lei, e cometem crimes , formam quadrilhas e impérios criminosos… a milícia não pode ser encarada como melhor que o tráfico, mas pode legitimar sua atuação através dos agentes do Estado e autoridades competentes e, por uma polícia bem equipada, bem remunerada, e recebendo constante treinamento e aporte técnico adequado para atuar nas situações de conflito principalmente nas comunidades carentes. Principalmente por um polícia que atua dentro dos estritos limites da lei.
Mas, precisamos preservar a integridade e idoneidade do processo penal a ser instaurado, pois quanto maior for o conteúdo probatório , maior a probabilidade de condenar os verdadeiros culpados e responsáveis pelos crimes cometidos pelas milícias.
Apontou recentemente em entrevista ao ODIA o Delegado -titular da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas e Inquéritos Especiais (Draco-IE), Claudio Ferraz(Delegacia de Repressão às Ações Criminosas e Inquéritos Especiais) in verbis: “que certas irregularidades nutrem ainda mais a criação das milícias tais como o transporte alternativo não regulamentado, desvio de sinal a cabo, e tantas outras práticas que esquadrinham um ciclo vicioso de ilegalidade e crueldade(…).”
De qualquer maneira, a milícia armada incide em crimes como: tortura, seqüestro e cárcere privado, roubo, formação de quadrilha, extorsão. Enfim, representa crime organizado que só pode ser combatido com Estado eficiente, munido de Judiciário, de Polícia e de Executivo capazes de amparar o cidadão e, coibir a prática criminosa e, o avanço do chamado Estado paralelo.
O Estado paralelo só tem vez quando o Poder constituído estatal que tem legitimidade para atuar é negligente, omisso ou desidioso. Do contrário, não surgir nem a oportunidade e nem a razão para este existir e lucrar.
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[1] Colunista da Revista Eletrônica Investidura. Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, Doutora em Direito Civil. Leciona na FGV, EMERJ e Univer Cidade. Conselheira-chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas (INPJ).