Crime de Usura: Juros excessivos em desrespeito aos Direitos Humanos
Cândido Furtado Maia Neto*
Usura significa juros excessivos, cobrança exorbitante de dinheiro nos empréstimo financeiros caracterizando crime no direito penal brasileiro. Seu autor (agente ativo do ilícito) é denominado de agiota, não só o particular na forma da lei que define crimes contra o sistema financeiro nacional ( SFN – lei n. 7.492/86), conhecida como “lei dos crimes do colarinho branco”, sendo delinquente todo aquele que especula indevidamente, que ultrapassa o máximo da taxa legal-constitucional. A usura também é conhecida como “vantagens leoninas”.
O Governo federal via Banco Central e o Conselho Monetário Nacional (CMN) ou o COPON (Comitê de Política Econômica Nacional), por seu presidente, diretores e membros, vem ao longo do tempo praticando agiotagem, autorizando altas taxas de juros que configuram prática criminosa acobertada por resoluções, portarias e circulares flagrantemente inconstitucionais, via Lei n. 4.595/64, do período anti-democrático e de ditadura militar. Tenta-se, hoje legalizar o grave e hediondo ilícito, praticado em co-autoria (“concursus delicitorum” e “in persona”) envolvendo todos os Bancos estaduais e privados, recepecionando e dando-se valor a lei inferior, totalmente em desacordo com a previsão do Texto Maior vigente.
Estabelece claramente a Constituição federal que as taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não podem ser superior a 12% ao ano, e a cobrança acima deste limite é usura, portanto crime (art. 192, parág. 3.º CF).
A Carta Magna anterior, no art. 154, também proibia a usura, sendo ela repudiada desde as Ordenanças do Reino Unido de Portugal quando vigoravam na época do Brasil colônia.
Por sua vez, a lei dos Crimes Contra a Economia Popular (n.º 1.521/51) e o Código de Defesa do Consumidor (lei n.º 8.078/90), autorizam a modificação das cláusulas contratuais de empréstimos financeiros que estabelecem prestações desproporcionais e excessivamente onerosas, sendo ainda, proibida cobrança de dívida que exponha a ridículo o inadimplente, assegurando, também que o pagamento indevido deve ser ressarcido em dobro. Podemos dizer que a própria avareza é por si ridícula.
Art. 4º “Constitui crime da mesma natureza a usura pecuniária ou real, assim se considerando:
a) cobrar juros, … superior à taxa permitida por lei” (Lei n. 1.521/51).
O teto legal para definir o percentual da taxa de juros é o previsto na Carta Magna e não em lei inferior, resolução, portaria, etc.
Compete ao CMN limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, sem ofender a “lex fundamentalis”, indo além, a maior ou a mais daquele percentual expresso constitucionalmente.
Para a correta aplicação e interpretação da lei o Supremo Tribunal Federal deve seguir o legislador constituinte e não os agentes do Conselho Monetário Nacional, a fim de rever o Enunciado contido na Súmula 596 STF. Tribunais pátrios tem entendido desta forma.
A estipulação de juros ou lucros aberrantes, em qualquer tipo de contrato, como de financiamento para casa própria, compra de veículos, crédito pessoal, etc., apresentam taxas ao ano que ultrapassam a correspondente autorizada pela “lex fundamentalis”, sendo portanto nulas; devendo o juiz ajustá-los à medida legal-constitucional e ordenar a restituição da quantia paga em excesso, como determina o código civil brasileiro em vigor.
Qualquer contrato de empréstimo financeiro poderá ser liquidado com antecipação, descontado e reduzido os juros proporcionais e todos os acréscimos. Aquele que recebe o que não lhe é devido fica obrigado a restituir (art. 964 do código civil). Também o código comercial pátrio proibe a cobrança de juros sobre juros (art. 253).
E a lei n.º 7.492/86 dos crimes contra o sistema financeiro impõe pena de até 4 anos de reclusão para quem exige juros e comissões sobre operação de crédito, em desacordo com a legislação (leia-se em desacordo com a Constituição).
O artigo 8º (Lei 7.492/86) dispõem: “Exigir, em desacordo com a legislação, juros…”. Ao interpretar-se esta norma é de se ressaltar que a expressão “em desacordo com a legislação (leia-se “em desacordo com a Constituição”); de outro lado, o sistema financeiro não exige, ele é mais drástico e cruel, ele impõem e obriga a aceitação da taxa de juros apresentada no mercado.
A prática de crime contra o sistema financeiro nacional é uma atividade dos delinquente do “colarinho branco”, conceito definido por Edwin Sutherland (“white color crime”), desde 1949 ante a Sociedade Americana de Criminologia, incluía no conceito os criminosos de privilegiada posição econômica que desfrutam do tráfico ilícito de influências políticas, e sempre impunes, apesar dos preceitos legais. Comparativamente é de se dizer que os responsáveis pelos juros aberrantes, cobrados acima do limite permitido, encontram-se impunes e longe de sofrer qualquer sanção, verdadeiros criminosos do colarinho branco.
O Banco Central e qualquer instituição financeira não podem determinar ou cobrar estes altos juros, mesmo alegando ser medida de política econômica para conter a inflação e fazer valorizar o real ante o dólar americano.
Para regular a oferta de moeda e a taxa de juros no mercado, existe somente uma previsão legal, fixada na Constituição, ou seja, deve o Banco Central comprar ou vender títulos do Tesouro Nacional (art. 164, parág. 2.º CF).
O código civil de 1916, Decreto n.º 22.626/33, na parte que disciplinam sobre os juros, é da época que vigoravam as Constituições de 1891 e de 1934, respectivamente; naquele período histórico o código civil estipulava 6% ao ano, possibilitando a cobrança em 12% como limite máximo, sem exceção. Hoje o código civil Lei n.º 10.406 /2002, em vigor desde janeiro de 2003, estabelecendo que os juros não podem se abusivos.
Hoje a disposição sobre os juros encontra-se prevista diretamente na Constituição federal de 1988, recepcionando aquele limite máximo de 12% para cobrança de juros.
Não é possível a justificativa de cobrança a mais de 12% de juros ao ano, sob nenhum pretexto político ou pela falta de lei regulamentar, posto que o dispositivo constitucional, se refere a uma norma auto-aplicável, isto é, que dispensa qualquer regulamentação, é um artigo integral, completo, fechado e/ou taxativo que não permite interpretações de tipo extensiva, devendo ser aplicado restrita e imediatamente.
Em observância ao princípio da lei no tempo, da soberania e da hierarquia vertical das normas, qualquer mudança no percentual previsto na Constituição, seja por meio de resolução, portaria do Banco Central, decisão do CMN ou do COPON, ou até mesmo através de lei inferior (código civil), é proibida; somente uma emenda à Carta Magna poderá alterar o percentual dos juros pré-estabelecidos pela Assembléia Nacional Constituinte. E se isto, vier a ocorrer, todos as cobranças de juros excessivos, até a presente data devem ser restituídos aos cidadãos lesados.
O STF através de sua Súmula n.º 121, anterior a Constituição de 1988, “veda o anatocismo, ou seja a capitalização de juros (conversão do juros em capital, ou tirar proveito dos juros) ainda que expressamente convencionada. Proibindo os denominados “juros compostos”, juros de juros ou juros sobre juros, é a própria capitalização das instituições financeiras a seu favor e contra os tomadores de empréstimo, trata-se de capitalização versus descapitalização.
Por sua vez a Súmula n.º 596 do Pretório Excelso, também é anterior a vigência da Carta Magna, definindo que “as disposições do dec. 22.626/33 não se aplicam as taxas de juros e aos encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro”. Não é mais necessária a aplicação do referido decreto, considerando que o artigo 192, paráf. 3.º da Carta Magna é completo, dispensando, tecnicamente a necessidade de regulamentação. Regulamenta-se para completar, e na hipótese de ser o dispositivo completo, passa ser inócua qualquer tentativa de adicionar mais regras no texto maior.
É de se destacar que as Súmulas do Pretório Excelso (STF) são fontes do direito, e não lei, portanto está hierarquicamente abaixo do valor da Constituição. Ao Supremo Tribunal Federal não lhe é autorizado, através de suas decisões, contrariar, ampliar ou modificar o Texto Maior, vez que se trata de Corte máxima incumbida da guarda e controle da constitucionalidade (art. 102 “caput” CF) no país.
Ademais, a jurisprudência atual por seus julgados mais recentes, vem pecando no sentido de não observar o princípio da hierarquia vertical das normas e a lei no tempo; posto que em data anterior a vigência da Constituição de 1988, vigorava a Lei n. 4.380/64 que previa taxa de juros contratuais de 10% ao ano, sendo recepcionada pela Carta Magna. É inaplicável e completamente inconstitucional julgados que autorizem cobranças de juros acima de 12% ao ano, ante a regra atual constitucional máxima disciplinadora da matéria.
A taxa de juros não poderá ser nunca superior ao previsto na Constituição federal, considerando que a cobrança acima de 12% ao ano configura delito de usura de ação penal pública incondicionada, vigorando o princípio da legalidade, da obrigatoriedade do exercício do “ius persequendi” e “ius puniendi”, desta forma, o direito pátrio vigente não permite convenção entre partes para fixar outro percentual, vez que caracteriza delito e não exime a ilicitude. Se crime de ação penal privada fosse, poder-se-ia falar em renúncia do direito de queixa ou em perdão tácito ou expresso da vítima, nos termos do código penal (arts. 103, 104 e 105) e código de processo penal (arts. 38, 39 e 51), mas não o é.
De outro lado é de se destacar que a Lei n. 7492/86 trata-se de norma penal em branco recepcionada e complementada pela própria Constituição. Não podendo, portanto, ser complementada, como norma penal em branco, por outra norma inferior e inconstitucional.
As infrações financeiras e aquelas contra os consumidores sujeitam os autores a responsabilidade administrativa, civil e penal. A cobrança de juros além do fixado legalmente (constitucionalmente) pode ocasionar a revogação da concessão ou permissão de funcionamento das entidades bancárias.
É manifestamente ilegal e punível a atividade dos dirigentes do Banco Central, dos membros do Comitê de Política Econômica Nacional, incidindo, todos individualmente, nas penas cominadas, na medida de suas culpabilidades, o presidente, o(s) diretor(es), o(s) administrador(es) e/ou o(s) gerente(s) da pessoa jurídica, ato este agravado, segundo a lei, quando cometido pelo serviço público, cujo servidor na sua condição-social lesa a vítima-cidadã.
A competência de processamento e julgamento do crime de usura é da Justiça federal, devendo a denúncia, como um ato de ofício (“ex officio”), ser apresentada pelo Procurador da República com atribuição ante o juízo respectivo, e o indiciamento em inquérito policial, se necessário a instauração pela Polícia Federal. Já os diretores e gerentes de Bancos estaduais e privados deverão ser processados pela Justiça estadual na comarca das sedes principais de cada instituição financeira.
Destaco que não sendo tomadas as medidas cabíveis à espécie pelas autoridades competentes, acarreta crime de prevaricação, por deixar de praticar ato de ofício, sujeitando à pena de até 1 ano de detenção, nos termos do art. 319 do Código Penal.
A usura além de ser crime, é amoral e anti-ética, razão pela qual deve ser abominável pela Justiça brasileira em todos os sentidos e imperdoável a sua prática.
Desde os primórdios da humanidade, a usura sempre foi condenada, tanto pelas regras da justiça dos homens, como para a igreja católica que considera a usura pecado, assim se manifesta Santo Tomás de Aquino. Ressaltando-se, também, que “toda injustiça é pecado” (1 Jn. 5,17), ou seja aquela originária das injustiças penais e sociais, como especulações financeiras e ganhos de lucros fáceis.
Nossa sociedade necessita de segurança jurídica, isto é respeito a Carta Magna, necessitamos efetivar o Estado Democrático de Direito e uma Constituição não meramente de “papel”.
As autoridades brasileiras responsáveis pela política econômica estão gerando o Estado de Anomia (não como ausência de lei, mas como ausência de cumprimento das leis em vigor, inclusive a Constituição federal), pela forma de cobrança das taxas de juros.
Agrego ainda que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais.
O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1966 e 1948, respectivamente, expressam que todas as pessoas, em uma sociedade democrática, possuem direito, a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família bem-estar e segurança social, como indispensável à dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade.
É de se observar que as atuais taxas de juros impostas pelo Banco Central e o CMN ou COPON violam flagrantemente os objetivos fundamentais da nossa República e as disposições constantes nos instrumentos internacionais de Direitos Humanos.
Concluindo observo de maneira objetiva e clara os principais fundamentos jurídicos apresentados neste estudo:
1) Juros acima do percentual de 12% ao ano, incluído neles todas as espécies de comissões ou taxas extras, foi expressamente proibido pela Constituição federal, no art. 192, parág. 3.º, considerado pratica criminosa pela própria Lei Maior (“lex fundamentalis”), o que implicava em responsabilidade criminal tanto ao particular como para as autoridades públicas. É de se salientar que o particular que cobra a taxa superiores a 12% definida na Constituição iguais aquelas aplicadas pelo sistema financeiro nacional para empréstimos pessoais, não encontra-se sujeito ao delito de agiotagem, posto que está amparado pelo princípio da isonomia, dever de igualdade perante a lei e de respeito de tratamento ante os Tribunais. Devriam ser, do contrário, penalizados os particulares e os responsáveis pelas instituições bancárias;
2) Percentual a mais de 12% ao ano não poderia ser, em hipótese alguma, autorizado por nenhum Tribunal estadual ou federal, sejam Tribunais de Justiça dos Estados ou Superiores (STF / STJ), considerando que se tratava de uma limitação do Poder originário constituinte (Assembléia Nacional Constituinte de 1988); portanto o Poder Judiciário através de suas decisões (súmulas, acórdão e sentenças – jurisprudência de 1a ou 2a instância). O dispositivo constitucional não poderia ter sido modificado por Emenda Constitucional nº 40/2003, mas foi; e
3) Também as partes (instituições financeiras e clientes) não poderiam mudar o percentual de 12% ao ano de juros, via pactos ou convenções de cunho particular, vez que qualquer cobrança acima deste limite configura(va) ilícito penal (delito de usura) e o direito nacional não permite acordos privados, portanto não há que se falar, neste caso, de “Pacta Sunt Servanda”, por ser um crime de Ação Penal Pública incondicionada, onde impera o princípio da legalidade e da obrigatoriedade da propositura da demanda “ex officio”; em outras palavras, deveria ser oferecida denúncia e instaurado processo criminal, do contrário, sujeitando todas as autoridades judiciárias competentes as sanções previstas ao delito de prevaricação (art. 319 do código penal), se assim não agissem.
* Promotor de Justiça de Foz do Iguaçu-PR. Membro do Movimento Ministério Público Democrático.Professor Pesquisador e de Pós-Graduação (Especialização e Mestrado). Associado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Pós Doutor em Direito. Mestre em Ciências Penais e Criminológicas. Expert em Direitos Humanos (Consultor Internacional das Nações Unidas – Missão MINUGUA 1995-96). Secretário de Justiça e Segurança Pública do Ministério da Justiça (1989/90). Assessor do Procurador-Geral de Justiça do Estado do Paraná, na área criminal (1992/93). Membro da Association Internacionale de Droit Pénal (AIDP). Conferencista internacional e autor de várias obras jurídicas publicadas no Brasil e no exterior. E-mail: candidomaia@uol.com.br
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