Caso Isabella Nardoni: por que punir?
Paulo Queiroz*
Supondo que o pai e a madrasta de Isabella Nardoni tenham sido efetivamente os autores do crime perpetrado, a justificar provável condenação penal, cabe perguntar, não obstante, o seguinte: por que punir? Ou ainda: qual o sentido do castigo?
Bem, não parece ser o caso de punir para fins de ressocialização (prevenção individual), porque os supostos autores não têm registro de antecedentes criminais, exercem atividade lícita etc., e até então se relacionavam normalmente com as pessoas com as quais conviviam, a criança morta inclusive; e nada sugere que voltarão a delinqüir, especialmente contra os outros filhos, se mantidos em liberdade. Ao contrário, enclausurá-los na prisão parece tender mais à dessocialização, inclusive dos outros filhos do casal, pois a prisão tende a atingir não apenas os efetivamente encarcerados, mas também aqueles que dependem destes.
Também não parece ser o caso de prevenção geral negativa, isto é, evitar que outras pessoas tomem o caso como exemplo e tendam a praticar crimes semelhantes. É que, como regra, os pais não maltratam ou matam seus filhos simplesmente porque não têm razão alguma para tanto. Afinal, seus interesses e instintos são normalmente no sentido contrário, isto é, de preservá-los a todo custo, por vezes sacrificando suas próprias vidas. Dito de outro modo: a eventual impunidade dos pais que ofendam ou matem seus filhos dificilmente será tomada como referência para prática de atos semelhantes.
Talvez se pudesse então dizer que castigar tal delito é necessário como forma de prevenir reações públicas ou privadas arbitrárias contra os autores do crime (Ferrajoli), mas também esse argumento não parece convincente. Sim, porque, sendo os pais e a família, além da própria criança, as principais vítimas dessa tragédia, é pouco provável que tal viesse a ocorrer. De todo modo, caberia aos interessados, ao Estado inclusive, agir de modo a prevenir tais atos de vingança.
Parece enfim que as teorias preventivas não são capazes de justificar, razoavelmente, a inflição do castigo neste caso específico.
Restariam assim três possibilidades: castigar simplesmente porque um crime foi cometido, ou seja, independentemente de considerações utilitárias ou preventivas (Kant/Hegel); ou, ainda, inflingir o castigo como forma de afirmação contrafática da validade do direito (Jakobs); e, finalmente, não castigar porque a pena é absolutamente irracional e, como tal, constitui uma violência que se acrescenta inutilmente a uma outra violência, que nenhum benefício pode acarretar para os indivíduos ou para a sociedade (Hulsman/Scheerer). Seria um simples fato de poder sem nenhum fim legítimo (Zaffaroni).
Seja como for, parece não existir uma razão universal para castigar, isto é, aplicável a todo e qualquer caso e, pois, válida para além do tempo e do espaço, motivo pelo qual cada caso pede uma legitimação/deslegitimação particular.
Além do mais, as leis penais supõem uma regularidade de expectativas, emoções e interesses que simplesmente não existem. É que no fundo praticamos crimes pelas mesmas razões que não os praticamos, isto é, porque temos ou não motivações para tanto; e essas motivações variam de pessoa para pessoa e são sempre novas, permanentemente em mutação.
Talvez por isso ou também por isso tenha razão Nietzsche quando afirmara que é impossível saber por que realmente se castiga, e que o que chamamos justiça não é outra coisa senão uma transformação do ressentimento e, pois, uma forma de vingança com nome diverso.1
1 A Genealogia da Moral. S. Paulo: Centauro editora, 2004.
* Doutor em Direito (PUC/SP), é Professor Universitário (UniCeub), Procurador Regional da República em Brasília, e autor, entre outros, do livro Direito Penal, parte geral. Rio: Lumen juris, 2008, 4ª edição. Website: www.pauloqueiroz.net
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