Breves aspectos sobre as violações nos crimes contra a propriedade imaterial
Brief aspects on violations of proprety crimes immaterial
Resumo: A proteção da propriedade imaterial abrange um núcleo de normas, no ordenamento jurídico brasileiro, que deve ser analisado em conjunto e em harmonia. Além da tutela prevista no Código Penal brasileiro, existem leis de vital importância para o referido amparo, dentre as quais elencamos a Lei nº. 9279/96, a Lei nº. 9609/98, e a Lei nº. 9610/98. O presente artigo versa especialmente sobre a análise da violação à proteção da propriedade intelectual de programas de computador e a possibilidade de o sujeito ativo, ao praticar este tipo penal, incorrer também na conduta de estelionato.
Palavras – chave: propriedade imaterial, crimes, tutela penal, estelionato.
Abstract: The protection of immaterial property comprises a core of rules, the Brazilian legal system, which should be considered together. Besides the protection provided for in the Brazilian Penal Code, laws of vital importance for such protection, among which we list the Law. 9279/96, Law no. 9609/98, and Law no. 9610/98. This article focuses specifically on the analysis of violation of intellectual property protection of computer programs and the possibility of the active subject, to practice this type criminal, also incur in the conduct of embezzlement.
Keywords : intangible property, crimes, criminal custody, larceny.
Sumário: 1) Breves considerações acerca da propriedade imaterial; 2) Violação à proteção da propriedade intelectual de programas de computador; 3) Conclusões; 4) Referências bibliográficas.
1) Breves considerações acerca da propriedade imaterial
O Direito possui estrita relação com a sociedade[1]. Dentre todas as ramificações que compõem o ordenamento jurídico brasileiro abordaremos, para o presente artigo, as normas específicas do Direito Penal brasileiro, relacionadas com o tema. As normas penais podem ser preventivas ou repressivas e possuem inúmeras funções, dentre as quais destacamos: o controle social, a repressão à infração cometida, a proporcionalidade entre o fato típico cometido e a respectiva dosimetria de pena, além da garantia da estabilidade e da pacificação social.
As normas penais e processuais penais devem estar em conformidade com as diretrizes constitucionais. De acordo com os princípios constitucionalmente consagrados – da anterioridade e da legalidade – para que um fato seja considerado como típico, é necessária expressa previsão legal para a incriminação de uma conduta, e esta (a incriminação) deve ser aplicada aos fatos posteriores à sua promulgação. Ou seja, é indispensável a previsão de uma conduta na legislação para que esta seja considerada criminosa. Ao lado desta previsão, existe a necessidade de esclarecimento sobre a sanção que será aplicada, caso a infração seja praticada. Portanto, preventivamente, os indivíduos têm ciência das conseqüências jurídicas para a prática de seus atos.
A vertente repressora do Direito Penal ocorre justamente quando o fato típico é cometido. Estas funções são de extrema valia justamente porque o Direito Penal não tutela todas as situações que ocorrem na sociedade. Seria impossível tutelar penalmente todos os fatos ocorridos. Dentre os fatos típicos que são penalmente tutelados, destacamos os crimes praticados contra a propriedade imaterial. Antes, porém, faz-se necessário trazer uma definição sobre esta. Segundo Rogério Tadeu Romano[2]:
Tais crimes são aqueles que ocorrem contra a atividade criadora das pessoas, que é fruto de seu intelecto e cuja proteção constitucional está prevista no artigo 216 da Constituição Federal.
Podemos listar neste desiderato os seguintes ilícitos: violação do direito autoral, artigos 184 e 186; aqueles previstos na Lei 9729/96 (crimes contra as patentes – artigos 183 a 186; crimes contra os desenhos industriais – artigos 187 e 188; crimes contra as marcas – artigos 189 e 190; crimes cometidos por meio de marcas – artigos 189 e 190; título de estabelecimento e sinal de propaganda – artigo 191; crimes contra as indicações geométricas e demais indicações – artigos 192 a 194; crimes de concorrência desleal – artigo 195.
O estudo sobre a proteção da propriedade imaterial abrange tanto a propriedade intelectual quanto os direitos de personalidade. A análise a respeito da propriedade intelectual apresenta a seguinte subdivisão:
– Direitos autorais e conexos; e
– Propriedade industrial.
Tutela-se, portanto, a atividade intelectual nos domínios:
– Industrial;
– Científico;
– Literário; e
– Artístico.
Trata-se, desta maneira, da proteção de bens intangíveis, frutos da criatividade humana[3].
Para o desenvolvimento do presente artigo, o foco da pesquisa se voltará para a Lei 9609/98, que dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de programa de computador, sua comercialização no País, e as condutas violadoras desta norma. A análise das condutas transgressoras deve ser realizada à luz do Código Penal brasileiro. Isto porque a violação a estas normas não incide apenas nesta legislação específica, como reverbera também no codex repressivo brasileiro.
Ao enganar a outra parte no ato de comercialização dos programas de computador (softwares), além da violação da propriedade intelectual, o infrator pode cometer diversos outros crimes como, por exemplo, estelionato, concorrência desleal e sonegação fiscal. A classificação legal, logicamente, depende das condutas cometidas pelo sujeito ativo.
2) Violação à proteção da propriedade intelectual de programas de computador
A Lei nº. 9609/98 encarrega-se de tutelas a propriedade intelectual de programas de computador.[4] Trata-se de proteção importantíssima para o desenvolvimento da tecnologia do País. Ainda, deve-se observar que, com o advento da globalização, os programas de computador vêm sendo cada vez mais desenvolvidos e utilizados, para que a comunicação (entre as pessoas jurídicas e pessoas físicas) ocorra com maior rapidez, e as distâncias sejam superadas. As transações virtuais são cada vez mais presentes[5].
As empresas vêm utilizando os mais diversos programas de computador, para atenderem às suas necessidades, bem como a de seus clientes. Esta diversidade de utilização de programas ocorre justamente porque as empresas atuam nos mais diferenciados mercados. O desenvolvimento e a venda destes programas contam, por inúmeras vezes, com empresas muito bem estruturadas e com diversos funcionários compondo a(s) equipe(s), para a execução destas atividades.
O que se espera deste corpo de trabalhadores é uma postura respeitosa e ética frente aos direitos legalmente garantidos acerca da propriedade intelectual. Existe, entretanto, previsão legal para esta tutela quando os referidos direitos são violados.
Como exemplo desta violação, citemos a conduta de um funcionário que trabalhe em uma empresa que desenvolve e vende programas de computador, cuja função seja estar encarregado de atender as empresas-clientes, agendando os atendimentos e implantando o sistema de computador desenvolvido em sua empregadora para os clientes.
Imaginemos, então, que este funcionário atue desviando-se das funções contratualmente estabelecidas, abrindo uma empresa clandestinamente para desviar os clientes da empresa, e que forneça um software desenvolvido pela empresa que o emprega, para a empresa de outrem, sem o consentimento ou sem a ciência da empresa detentora da tecnologia, enganando tanto os clientes quanto o(s) empregador(es).
Este funcionário, ao consumar esta conduta, teria praticado o crime de furto do programa, o qual é considerado bem móvel conforme artigo 3º, da lei nº 9.610/98; e o crime de violação do direito do autor (art. 12, §1º, da Lei 9.609/98 ).
Caso o funcionário tenha se comprometido e não tenha entregado o programa, tenha ludibriado a outra empresa, e, com esta promessa de venda do software tenha obtido (para si ou para outrem) vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento, terá cometido o crime de estelionato.
Desta forma, recapitulando as condutas do infrator,caso o funcionário tenha se aproveitado de seu cargo na empresa para subtrair cópia do software, incidirá na conduta tipificada no CP, art. 155, §4º, II, em virtude do abuso de confiança.
É necessário esclarecer que o programa de computador, nos termos do art. 3º da Lei nº 9.610/98, é considerado coisa móvel, de modo que fica tipificado o crime de furto (art. 155, CP, subtração de coisa alheia móvel, na modalidade qualificada pelo abuso de confiança e pelo concurso de duas ou mais pessoas, § 4º, II e IV, reclusão de dois a oito anos, e multa). Também se aplica a Lei nº 9.609/98 (Lei do Software), art.12, § 1º (Pena – Reclusão de um a quatro anos e multa), pela violação dos direitos do autor da criação do software e Lei nº 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial), art. 195, III, em virtude da concorrência desleal.
Ainda, é possível também a configuração do crime de sonegação fiscal, o que se comprova quando há ausência de nota fiscal na prestação de serviços. Por fim, deve-se destacar a possibilidade da configuração do concurso de crimes, tanto em face da empresa vítima, quanto em face de terceiros que adquiriram os programas de maneira ilícita, mas desconheciam tal condição.
Neste caso hipoteticamente narrado, os clientes (as empresas que adquiriram os serviços) foram vítimas de estelionato (art. 171, CP, pena de reclusão de um a cinco anos e multa), ou seja, pensavam estar adquirindo legitimamente o programa, quando havia violação de direito à propriedade imaterial, e pagaram por ele ao(s) sujeito(s). Percebe-se que estas condutas fraudulentas configuram concurso material com os crimes de furto, violação de direito de autor e concorrência desleal, além, eventualmente, da falsificação de documentos (que pode ser ideológica, art. 299, CP) e sonegação fiscal.
Ainda, é importante esclarecer que caso o infrator conte com a participação de outros indivíduos, será considerada a configuração de quadrilha ou bando[6].
Logicamente, tanto a empresa que teve os direitos violados quanto os clientes que foram enganados devem observar o comportamento suspeito do(s) funcionários e reunir provas que comprovem a irregularidade deste comportamento. A comprovação para o embasamento da ação pode contar, por exemplo, com e-mails e transações bancárias que demonstrem a fraude cometida, além dos depoimentos (prova testemunhal).
É possível, também a solicitação da busca e apreensão dos computadores e pen drives dos infratores, para que a perícia específica seja comprovada. A busca e apreensão deste material, portanto, não apenas permite a reunião das provas referentes a esta infração, como também é fundamental para a fixação do termo inicial da decadência do direito de ação no caso em tela. Conforme previamente esclarecido, o direito de queixa nos crimes contra a propriedade imaterial deve seguir a regra especial quanto ao prazo para seu oferecimento.
Trata-se de medida de vital importância para que o direito à proteção imaterial seja respeitado. A violação aos bens intangíveis encontra-se penalmente tipificada, e devem ser utilizados todos os meios lícitos e legalmente previstos para a proteção destes direitos.
3) Conclusões
O presente estudo nos remete às seguintes conclusões:
1. O Direito encontra estrita relação com o Direito. Um dos ramos do Direito é o Direito Penal. Trata-se do ramo que apresenta normas preventivas e repressivas, para promover a pacificação social. Nem todas as condutas humanas são tuteladas por este ramo do Direito.
2. A propriedade imaterial é de extrema relevância para a sociedade, e é tutelada penalmente. O estudo sobre a proteção da propriedade imaterial compreende tanto a propriedade intelectual quanto os direitos de personalidade. A propriedade intelectual engloba tanto os direitos autorais e conexos quanto a propriedade industrial. Tutela-se, a atividade intelectual em quatro domínios: industrial, científico, literário e artístico. Trata-se da proteção de bens intangíveis.
3. Os direitos contra a propriedade imaterial encontram tutela na legislação brasileira, tanto no Código Penal quanto em legislação esparsa. Todas estas normas devem ser interpretadas e aplicadas em harmonia e à luz da Constituição Federal brasileira.
4. Existem diversas maneiras para que ocorra a violação dos direitos que tutelam a propriedade imaterial. O presente artigo se dedicou a uma breve análise acerca dos crimes contra a propriedade intelectual de programas de computador.
5. Para a defesa deste direito, a parte lesada pode requerer judicialmente a seguinte medida cautelar: busca e apreensão do computador e dos meios utilizados para a prática do crime. Sem sua efetivação, o direito pode perecer, perdendo-se, irreversivelmente, toda e qualquer possibilidade de reparação.
6. A referida medida cautelar também tem como função a fixação do termo inicial da decadência do direito de ação quanto aos tipos penais em relação aos quais somente se procede mediante queixa. Ressalte-se que, de acordo com a legislação brasileira, o direito de queixa nos crimes contra a propriedade imaterial se sujeita à regra especial quanto ao prazo para seu oferecimento.
4) Referências bibliográficas
AZEVEDO, Vicente de. Curso de direito judiciário, II, apud TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Processo penal, v. 3, 33. ed, São Paulo: Saraiva, 2011.
DINAMARCO, CÂNDIDO RANGEL. Instituições de direito processual civil, III, apud ZANETI, Paulo Rogério, Flexibilização das regras sobre o ônus da prova, São Paulo: Malheiros, 2011.
MITTERMAIER. Tratado da prova em matéria criminal, Tradução para o português de Herbert Wüntzel Heinrich, Campinas-SP, 1997.
ROMANO, Rogério Tadeu. Processo e julgamento dos crimes contra a propriedade imaterial.p.01. Disponível em http://www.jfrn.gov.br/institucional/biblioteca/doutrina/Doutrina257_Processo_e_JulgamentoCrimes.pdf. Acesso em 06 de janeiro de 2013.
http://www.onu.org.br/onu-no-brasil/ompi. Acesso em 06 de janeiro de 2013.
Maria Fernanda Soares Macedo
[1] É conhecido o seguinte brocardo: ubi ius, ibi societas. Significa que onde está a sociedade está o Direito.
[2] ROMANO, Rogério Tadeu. Processo e julgamento dos crimes contra a propriedade imaterial. p.01. Disponível em http://www.jfrn.gov.br/institucional/biblioteca/doutrina/Doutrina257_Processo_e_JulgamentoCrimes.pdf. Acesso em 06 de janeiro de 2013.
[3] A Organização Mundial da Propriedade Intelectual – uma das agências especializadas da ONU (Organização das Nações Unidas) -, com sede em Genebra, visa estabelecer, atualizar e preservar os padrões internacionais para a tutela da propriedade intelectual. Para maiores informações, é importante a consulta ao site: http://www.onu.org.br/onu-no-brasil/ompi. Acesso em 06 de janeiro de 2013.
[4] Estabelece o artigo 1º da referida Lei que: “Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados.”
[5] Atualmente, é pacífico o entendimento de que vivemos na sociedade da informação. Insta salientar que o economista Fritz Machlup foi um dos primeiros a estudar sobre este fenômeno.
[6] De acordo com o artigo 288 do Código Penal brasileiro, extraímos a definição sobre quadrilha ou bando, senão vejamos: “Quadrilha ou bando
Art. 288 – Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes:Pena – reclusão, de um a três anos. (Vide Lei 8.072, de 25.7.1990). Parágrafo único – A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado.”