A espetacularização e o sensacionalismo está presente em diversos locais e situações do cotidiano, seja no espaço midiático ou na política, estão cada vez mais presentes na sociedade midiática. Esse fenômeno tem sido bastante frequente, principalmente quando se fala em jornalismo televisivo sustentando elevados índices de audiência por meio da indústria do medo social.O livro a “Sociedade do Espetáculo” do francês Guy Debord, reflete a ideia acerca das imagens na sociedade, o que elas representam e significam, seus efeitos sobre os que as veem, bem como discute também a alienação do público através da espetacularização e sobre a opinião pública.
Embora o autor não aborde com mais afinco acerca da indústria do medo como meio de controle social, ele caracteriza o espetáculo como meio de dominação da sociedade, atuando a favor do capitalismo, tendo como consequência o consumo desinformado. Idéia esta, que se pode aferir no trecho do livro “Comentários da Sociedade do Espetáculo”, do mesmo autor, quando afirma que:
“O Poder do espetáculo, que é tão essencialmente unitário, centralizador pela força própria das coisas, e perfeitamente despótico no seu espírito, indigna-se com a frequência ao ver constituir-se dentro do seu reino uma política-espetáculo, uma justiça-espetáculo, uma medicina –espetáculo, ou tantos outros também surpreendentes excessos mediáticos. Assim, o espetáculo nada mais seria que o excesso do mediático, cuja natureza, indiscutivelmente boa já que serve para comunicar, é por vezes dada a excessos. (DEBORD, 1988, p. 9)
No que diz respeito ao crime, pode-se afirmar que a mídia explora, em demasia, uma das fragilidades humanas mais primitiva: o medo, estimulando a constante sensação de insegurança por meio da perpetuação do sofrimento excessivamente demonstrado em reportagens de atos violentos nas redes de televisão nacional. Segundo Bauman (2008, p.8) “ O medo é o nome que damos a nossa incerteza: nossa ignorância da ameaça e do que deve ser feito”. Ele pode surgir das mais variadas maneiras, o que antes era produto de relatos, mitos e estórias de viajantes e aventureiros, hoje é demonstrado por meio da mídia em tempo real e com uma gama de detalhes e informações que trazem o sentimento de pertencimento à notícia veiculada. Com isso, pode-se sustentar que existe uma relação sólida entre as ondas de informação e a sensação de insegurança. Debord explica como o público vê e vivencia esse espetáculo:
“Quanto mais ele contempla, menos vive; quanto aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos compreende sua própria existência e seu próprio desejo. Em relação ao homem que age, a exterioridade do espetáculo aparece no fato de seus próprios gestos já não serem seus, mas de um outro que os representa por ele. É por isso que o espectador não se sente em casa em lugar algum, pois o espetáculo está em toda parte” (DEBORD, 1997, p. 24).
As artimanhas do espetáculo estão constantemente atuando na luta pela identificação de seus receptores com a sociedade do medo. Segundo afirma Mirceia Eliade, em sua obra “O Mito do Eterno Retorno” a vida é um ciclo repetitivo em que sempre se está preso a um número limitado de fatos, fatos estes que se repetiram no passado, ocorrem no presente e se repetirão no futuro, como por exemplo a forma de moradia e estrutura dos condomínios privados que se isolam do meio externo das cidades com a perspectiva de fuga do perigo e da insegurança e suprimento da maior parte das necessidades humanas, coloquialmente chamados de “feudos metropolitanos” altamente equipados, se comparando com cidades internas e super protegidas do iminente perigo que o cerca.
E, assim, passa-se a construir a imagem de supostos inimigos e fantasmas que são veiculados nos noticiários. A noção de inimigo é reforçada com o abandono e traição do contrato social de Rousseau, ideia esta, também defendida por Kant que afirma que quem ameaça constantemente a sociedade, um estado comunitário e legal deve ser tratado como inimigo, quem não traz segurança para a sociedade não pode ser tratado como um indivíduo comum. Para Jakobs o criador da teoria do Direito Penal do Inimigo (2008, p.58) “quem por princípio se conduz de modo desviado não oferece garantia de um comportamento pessoal; por isso, não pode ser tratado como cidadão, mas sim deve ser combatido como inimigo”. Ele apresenta uma proposta que permitiria ao Estado punir de forma diferenciada aqueles que cometessem infrações de elevada gravidade ofensiva, despersonalizando o inimigo enquanto pessoa de direito, o tratando como perigoso ou daninho, o qual deve ser interceptado no estágio prévio, para evitar a concretização de um mal maior à sociedade, tal como afirma no trecho de seu livro
Quem não presta uma segurança cognitiva sufi ciente de um comportamento pessoal, não só não pode esperar ser tratado ainda como pessoa, mas que o Estado não deve tratá-lo, como pessoa, já que do contrário vulneraria o direito à segurança das demais pessoas. (JAKOBS, 2008, p. 42)
Muitos doutrinadores criticam a teoria do direito penal do inimigo defendida por Jakobs, pois este aponta que o indivíduo deverá ser punido pelo o que ele é ou representa, pela mera cogitação do crime, e não por um fato criminoso que o mesmo tenha cometido. Tal crítica compara esse modo de pensar com o projeto desenvolvido por Mezger durante o regime nazista, de Hitler, posto que, naquele período, se punia as pessoas pelo o que elas eram negras, homossexuais, judeus, deficientes físicos, etc) e não pelo fato criminoso cometido, dando margem para a criação de um direito penal “preconceituoso, racista e discriminatório”. Partindo de tal analise, pode-se afirmar que o Direito Penal do Inimigo não é progressista, mas sim regressista adotando ideologias antigas, já superadas servindo como forma de exclusão, marginalização e até a exclusão daqueles enquadrados como inimigos ao almejar eliminar perigos. Um dos doutrinadores que se manifesta de forma contrária a tal teoria é Zaffaroni que aponta que nesse contexto a redução de direitos e garantias processuais não se limitariam apenas aos inimigos, mas atingiria todos os cidadãos por Jakobs não ter determinado e definido o conceito de quem é de fato inimigo social. Destarte, ele achou mais relevante suscitar a discussão de que:
Não é se podemos tratar alguns estranhos de maneira diferenciada, porém se o estado de direito pode limitar as garantias e a liberdade de todos os cidadãos. Pois, ao permitir a intervenção das comunicações privadas se afeta a intimidade de todos; ao limitar garantias processuais se coloca todos em risco, de serem indevidamente processados e até condenados por terrorismo; ao tipificar atos preparatórios equívocos com pena, se atinge a todos, por condutas que na maioria dos casos são inofensivas. (ZAFFARONI apud MARTINS, Lígia Inoue, 2009, p. 5)
A propagação do discurso do inimigo social é veiculada fortemente pela mídia no mundo todo, no que chama-se de totalitarismo cool, o qual se favorece da brevidade e do impacto emocional por meio de programas de televisão que dramatizam de forma exacerbada os crimes e os interpretam segundo a voz de especialistas, parentes da vítima e apresentador que suplica por justiça. Este processo de construção do inimigo e desconstrução do ser humano, popularizando aquele, é feita pelos meios de comunicação de massa, tendo em vista sua abrangência e alcance que vão desde novelas, propagandas, entrevistas passando a ideia de luta contra o crime, que muitas vezes tem local no Brasil, favela, e acusado, traficante, já predeterminados. Na atualidade, pode-se dizer que são vários os discursos que pregam o extermínio e a higienização social afastando do convívio aqueles que para Jakobs não seriam de fato pessoas, não garantindo o direito sequer à vida. Tal ideia tem tomado uma grande proporção nacionalmente, por meio de campanhas por pena de morte e de se fazer justiça com as próprias mãos, vide os pronunciamentos do parlamentar, o deputado Jair Bolsonaro, cotado em segundo lugar na opinião pública a presidente da república do Brasil para as próximas eleições, o qual defende um discurso de ódio, discriminação e totalitarismo ao apoiar a pena de morte, a tortura, a ditadura e a demonização das minorias, quando afirma:
“Quando eu falo em pena de morte é que uma minoria de marginais aterroriza a maioria de pessoas decentes. Quando se fala em menor vagabundo, como esse que foi preso num poste no Rio de Janeiro, você tem que ter uma política para aprisionar esses caras, buscar a redução da maioridade penal e não defender esses marginais como se fossem excluídos da sociedade, são vagabundos”
“Eles devem ser torturados para revelar os nomes de todos os seus cúmplices.”
“Quando você bota um menor na cadeia, você consegue que as pessoas de bem não sofram violência.”
“Minha proposta é defender direitos da maioria e não da minoria. (…) Minoria tem que se calar, se curvar à maioria”
“E eu também defendo a pena de morte. Se levar o cara para a cadeira elétrica, ele nunca mais vai matar, nem vai assaltar.” (BRASIL, Jair Bolsonaro 2018)
Jair Bolsonaro
Outros inimigos que pode-se citar são os russos. Acadêmicos veem a postura rígida e durona do presidente russo, Vladimir Putin, como a razão para a presença cada vez maior de vilões russos atualmente no cinema Hollywoodiano. “Principalmente depois da volta de Putin à Presidência, com um regime muito mais linha dura, surgiu essa sensação de que a Rússia continua sendo uma ameaça geopolítica e uma potência hostil, mesmo depois do fim do comunismo”, afirma James Chapman (2015) professor de estudos do cinema na Universidade de Leicester, na Grã-Bretanha. Ele afirma ainda que outro grupo que vem sendo retratado negativamente nos cinemas há décadas, em vários graus de intensidade, crueldade e requinte é o dos árabes e muçulmanos. Mesmo antes do sucesso de Rodolfo Valetino em filmes como The Sheik, de 1921, havia uma tendência a se retratar os árabes como malandros que roubavam e assassinavam. Após os ataques do 11 de Setembro, houve uma grande preocupação entre a comunidade árabe-americana sobre se eles seriam marcados como terroristas no cinema.
Concorda ainda que são tão poucas nacionalidades para Hollywood demonizar hoje em dia, que está claro que os produtores precisam encontrar novos vilões. O autodenominado “Estado Islâmico” poderia ser uma fonte de personagens cruéis, mas a possibilidade é encarada com cautela porque a organização é composta por pessoas de várias nacionalidades, incluindo dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha.
Mas o terrorismo é vendido e encarado mundialmente como o medo e o perigo do século ameaçando a soberania não só de algumas nações, mas sim de todo o mundo. O combate ao terrorismo tenta legitimar violações aos direitos humanos e ao Estado de Direito Democrático e faz uso da arbitrariedade contra uma conspiração, uma iminente guerra que nem se sabe se acontecerá. Com isso, políticos e chefes de Estado fazem uso de discursos altamente discriminatórios, tais como as propostas do então presidente dos EUA, Donald Trump, que com relação aos refugiados, acredita que os EUA não devem receber sírios, iraquianos e outros que venham de países de maioria muçulmana. Ele propôs, inclusive, uma proibição da entrada de qualquer muçulmano no país até que “se descubra o que está acontecendo”. Tem-se aí uma política de exclusão apenas pela suspeita de um possível, mas não concreto perigo, característica principal da teoria do direito penal do inimigo, eliminar o perigo. Ele defende também a adoção de táticas de tortura e diz que poderia aprovar técnicas ainda mais duras do que o “waterboarding”, um tipo de afogamento proibido atualmente, violando tratados internacionais que preservam os direitos humanos e sociais despersonalizando a pessoa e retirando sua dignidade tendo como justificativa o combate ao crime e ao terrorismo.
Diante disso, pode-se analisar que a manipulação e o sensacionalismo das notícias nos meios de comunicação aumentam de forma significativa os medos e induzem os telespectadores ao pânico, reforçando uma falsa política criminal reafirmando, desta forma, a repressão, medo e a criminalidade legitimando uma intervenção cada vez mais arbitrária e punitiva, diga-se de passagem, característicos do Estado de exceção. A política de higienização social é fortemente pregada e exposta na mídia não só nacional, mas também mundial como vimos nos exemplos apontados. Cada vez mais os cidadãos são expostos a questões criminais que parecem nunca acabar ou solucionar desencadeando um sentimento de insegurança e intranquilidade, tendo em vista a impossibilidade de defesa. De fato, o medo e o emocional se tornaram as principais moedas de troca da indústria midiática nacional fomentando o consumo e a acarretando em altíssimos lucros.
Referências
JAKOBS, Günther; CANCIO MELIÁ, Manuel. Direito Penal do Inimigo, Noções
Críticas. 3. e. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
BAUMAN, Zygmunt. Medo Líquido. Tradução, Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; Ed. 2008.
MARTINS, Lígia Inoue. Direito Penal do Inimigo. 2009.Disponível em: << http://www.unigran.br/revista_juridica/ed_anteriores/21/artigos/artigo07.pdf>>. Acesso em: 19 Jun. 2017
BRASIL, Jair Bolsonaro 2018. Entrevistas: Jair Bolsonaro. 2015. Disponível em: << http://jairbolsonaro2018.com.br/index.php/defendo-pena-de-morte-prisao-perpetua-e-que-cada-cidadao-tenha-uma-arma-diz-bolsonaro/>>. Acesso em: 20 Jun. 2017
SAINT-PIERRE, Héctor Luis. 11 de Setembro: do terror à injustificada arbitrariedade e o terrorismo de Estado. 2014. Disponível em: << http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782015000100009>>. Acesso em: 20 Jun. 2017
BAYER, Diego Augusto. A formação de uma sociedade do medo através da influência da mídia. 2014. Disponível em: << https://diegobayer.jusbrasil.com.br/artigos/157541312/a-formacao-de-uma-sociedade-do-medo-atraves-da-influencia-da-midia >>. Acesso em: 20 Jun. 2017
Laura Judith de Jesus Gama – Acadêmica de Direito da Universidade Estadual do Maranhão