A inviolabilidade dos escritórios de advocacia
Francisco César Pinheiro Rodrigues*
Contrário, embora, à chamada “criminalização da violação das prerrogativas profissionais” do advogado, em razão dos termos — vagos e ambiciosos demais — em que foi proposta no Congresso Nacional, não constato má-intenção de privilégios pessoais no projeto de lei que, especificamente, cuida da inviolabilidade dos escritórios de advogados, modificando o art.7º da Lei 8.906/94, o Estatuto da Advocacia.
O Dep. Michel Themer, redator do projeto, visou apenas resguardar papéis, documentos, disquetes, etc, dos clientes do escritório, clientes que nada têm a haver com o mandado de apreensão. Ele quis impedir a genérica “devassa”. Obviamente, se os policiais se depararem, por mera casualidade, com objetos que por si só subentendam infração penal, poderão fazer a apreensão. Se, na diligência, por exemplo, for encontrada uma tela roubada de Portinari, mala com silenciadores ou granadas de mão, armas com identificação raspada, bastões de dinamite, máquina de fazer dinheiro, dólares falsos, ou — exagerando propositalmente — uma geladeira com membros de corpos humanos, será obrigação legal a apreensão, conste ou não do mandado. Ignorar tais objetos seria o mesmo que fingir não ver o assassinato de alguém no recinto só porque isso não consta do mandado. E se a polícia tem conhecimento de que criminosos escondem objetos roubados no escritório do causídico, pedirá ao juiz o mandado de busca alegando que o profissional está agindo de forma criminosa, sendo cúmplice do cliente. O projeto não proíbe a busca, nesses casos. Até mesmo a prevê, na modificação do §7º. Minha impressão é que muitos que manifestam opinião sobre o tema não se deram ao trabalho de ler, cuidadosamente, o projeto, disponível na internet.
Minha única restrição é quanto à obrigatoriedade da presença de um representante da OAB na diligência, exigência que pode propiciar demoras na escolha do representante e eventuais alertas de solidariedade profissional. Alertas que permitiriam o desaparecimento de provas. Isso, sem falar na alta probabilidade da apreensão se transformar em conflito pessoal, conforme o temperamento dos envolvidos.
Uma melhoria possível no projeto seria este dispor que a OAB só seria intimada da diligência quando já presentes os policiais no local, sem ter que esperar ninguém, limitada a atuação do representante, quando chegar, a simplesmente acompanhar o andamento do trabalho, podendo fotografar, gravar e filmar o que bem entenda, mas sem direito de estabelecer um “contraditório local”. “A posteriori” o valor probatório da apreensão poderá ser analisado, mais friamente, em juízo. O mais sensato, porém, será afastar a exigência da presença do representante da OAB, porque conflitos pessoais haverá.
O projeto é equilibrado, na sua essência, e não abusa da circunstância de o Congresso Nacional ter em sua composição grande número de bacharéis em direito. Em suma, repetindo, se houver veto, que este se limite à referida exigência da presença de um representante da OAB.
Por vezes, a discussão do tema “abuso das escutas” mistura-se com outros: “abuso da invasão de escritórios” para apreensão de provas e a “criminalização da violação das prerrogativas”. A escuta não autorizada por juiz é sempre ilegal. Cabe à polícia reprimi-la, seja quem for a vítima. E presume-se que o juiz, antes de autorizá-la, examine sua pertinência, não se contentando com um vago “consta que”, ou “dizem…”. Se há convincentes informações de que, por exemplo, um magistrado está vendendo decisões; se um advogado está desvirtuando sua profissão, agindo mais como criminoso do que como defensor; se um sacerdote está servindo como “pombo correio” de traficantes, ou vendendo segredos obtidos em confissão; se um médico tira proveito econômico revelando a existência de um câncer do cliente a um inimigo ou concorrente — exemplos dificílimos de ocorrer, mas que comprovam uma tese — não há porque impedir escutas autorizadas, porque nenhum classe paira acima do bem e do mal. E o mesmo se diga da apreensão de prova em qualquer recinto.
* Advogado, desembargador aposentado e escritor. É membro do IASP Instituto dos Advogados de São Paulo. Website do autor: www.franciscopinheirorodrigues.com.br
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