LA (IN) CONSTITUCIONALIDAD DEL ARTÍCULO 235 DEL CÓDIGO PENAL MILITAR: UN ANÁLISIS DESDE LA PERSPECTIVA DEL CUMPLIMIENTO DE LA RAZÓN FUNDAMENTAL ARGUIÇÃO 291
Talita Emanuelle Gomes Silva[1]
Edmilson Araújo Rodrigues[2]
RESUMO
ODireito Processual Penal Militar objetiva de forma especializada a aplicação da legislação trazida por meio de regras próprias e especificas do Decreto–Lei n. 1.002/69 que cuida dos procedimentos ordinário e especial a serem observados perante a Justiça Militar da União e a Justiça Militar do Estado. Nesse sentido, abordou-se no presente artigo a verificação do artigo 235 do Código Penal Militar (CPM) destacando os principais pontos dos votos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 291, tendo em vista a possibilidade de discriminação por orientação sexual dos militares das forças armadas, o que poderia trazer insegurança jurídica sobre os interessados, gerando possíveis conflitos. Metodologicamente empregou-se, no desenvolvimento desta análise o métodode pesquisa bibliográfica e referenciação científica de legislações vigentes, sendo a abordagem da pesquisa qualitativa e de cunho exploratório. Os resultados apontam para a inconstitucionalidade da norma trazida por meio do artigo 235 do Código Penal Militar, uma vez, que este coloca em xeque apontamentos abarcados por princípios constitucionais, bem como, traz à baila insegurança jurídica para militares que possam se reconhecer em situações nas quais o uso da norma e de seus termos firam sua honra subjetiva, vez que, por sua orientação sexual os mesmos podem ser punidos na seara penal e não só administrativa caso ajam de forma libidinosa.
Palavras-Chave: forças armadas; código penal militar; homossexualidade; discriminação.
abstracto
La Ley de Procedimiento Penal Militar tiene como objetivo de manera especializada la aplicación de la legislación generada por normas específicas y específicas del Decreto-Ley n. 1.002 / 69 que atiende los procedimientos ordinarios y especiales a observar ante la Justicia Militar de la Unión y la Justicia Militar del Estado. En este sentido, este artículo abordó la verificación del artículo 235 del Código Penal Militar (CPM) destacando los puntos principales de las votaciones de la Alegación de Incumplimiento del Precepto Fundamental (ADPF) 291, ante la posibilidad de discriminación por orientación sexual de miembros de las fuerzas armadas, lo que podría traer inseguridad jurídica a las partes interesadas, generando posibles conflictos. Metodológicamente, se utilizó en el desarrollo de este análisis el método de investigación bibliográfica y referencial científico de la legislación vigente, siendo el enfoque de investigación cualitativa y de carácter exploratorio. Los resultados apuntan a la inconstitucionalidad de la norma que trae el artículo 235 del Código Penal Militar, ya que cuestiona notas amparadas por principios constitucionales, así como genera inseguridad jurídica para el personal militar que pueda reconocerse en situaciones del que el uso de la norma y sus términos lesiona su honor subjetivo, ya que, por su orientación sexual pueden ser castigados en el ámbito penal y no solo administrativo si actúan de forma libidinosa.
Palabras clave: fuerzas armadas; código penal militar; homosexualidad; discriminación.
Introdução
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) pode ser entendida como uma ação do controle concentrado destinada a combater o desrespeito aos conteúdos mais relevantes da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88), praticados por atos normativos ou não normativos, quando não houver outro meio eficaz (MARCO, 2008).
O presente artigo objetiva verificar a (in) constitucionalidade no artigo 235 do Código Penal Militar (CPM). Tendo em vista o ajuizamento da ADPF 291, em 2015, pela Procuradoria Geral da República (PGR), em que foi julgada, por maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), parcialmente procedente.
O Direito é um conjunto de normas que organizam a conduta humana em sociedade, baseando-se para tanto na moral e princípios sociais que se alteram de acordo com cada tipo de sociedade, já que diversas são as culturas, costumes e organogramas globais (KELSEN, 1934).
Consigna aduzir que o Direito Penal é um conjunto de normativos que interligam a conduta tida como criminosa e a pena em consequência desta ação, disciplinando também as relações jurídicas que se derivem disso, estabelecendo assim a aplicabilidade de medidas de segurança e tutela do direito de liberdade em face do poder de punir do Estado (MARQUES, 1954).
Dentre as noções de Direito Penal, nunca é demais aduzir sobre as nuances especiais, tais como, o Direito Penal Militar que possui regras próprias e específicas positivadas do Decreto-Lei n. 1.002/69 que cuida dos procedimentos ordinário e especial, a serem observados perante a Justiça Militar da União e a Justiça Militar do Estado (BRASIL, 1969).
Salienta-se que independente de os códigos possuírem nuances especiais como é o caso do CPM 1969, em caso de lacunas ou possíveis inseguranças, os mesmos devem-se pautar pelas bases principiológicas que constituem o direito pátrio positivado.
Os Princípios Constitucionais merecem alusão especial, pois, é o ápice do ordenamento jurídico pátrio, de modo que, tudo que lhes segue têm que estar em perfeita harmonia e conformidade com seus preceitos. Logo, tais valores serão os parâmetros que servirão para os futuros regulamentos e serão concretizados à medida que as normas forem sendo editadas e efetivadas (MARCO, 2008).
Especificamente analisando, o artigo 235 do CPM, bem como, as estruturas sociais que permeavam à época evidenciam-se o fato de que a comunidade LGBTQI+[3] nos anos de ditadura teve seus direitos reprimidos. Percebia-se que, a homossexualidade poderia ter instrumento de subversão, que, segundo o governo poderia interferir nos valores morais da família tradicional daquela época (GREEN; QUINALHA, 2014).
Foi ajuizada pela PGR, a ADPF 291, em que questionava a constitucionalidade do art. 235 do CPM, arguindo violação aos princípios da liberdade, isonomia, dignidade da pessoa humana, direito à privacidade, na qual se pleiteava que fosse declarada a não recepção do referido dispositivo pela CRFB/88.
Subsidiariamente, postulava-se também a declaração de inconstitucionalidade dos termos “pederastia” e “homossexual” na esfera penal. Para a PGR, a norma contestada, Lei n. 1.001/69, foi editada no contexto histórico de um regime militar ditatorial, marcado pelo autoritarismo e pela intolerância às diferenças (BRASIL, 1969).
Por maioria do Plenário do STF, foi julgada parcialmente procedente a ADPF 291. Explicando melhor, o STF declarou ainda como não recepcionados pela CRFB/88 os termos “pederastia ou outro” e ‘homossexual ou não”, expressos no referido artigo, tendo em vista que os termos mencionados violavam alguns dos princípios constitucionais (BRASIL, 2015).
Deste modo, a primeira seção do presente artigo visa à apresentação direcionada especificamente ao contexto histórico de criação do CPM (1969) traçando uma linha evolutiva sobre noções de aceitação e respeito às diferentes orientações sexuais na sociedade à época e atual.
Na segunda seção, far-se-á uma explicação da análise da efetividade e a conceituação dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, isonomia, igualdade, liberdade, direito à privacidade, verificando sua disposição na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Na terceira seção se examinará os principais pontos dos votos da ADPF 291 trazendo comentários acerca dos mesmos de forma a esclarecer o resultado desta e as modificações trazidas em relação ao artigo 235 do CPM.
Para um melhor esclarecimento acerca do tema em questão, optou-se pela metodologia de revisão de literatura, uma vez que, está permite a reunião de teses e discussões teóricas necessárias para alcançar a fundamentação de desenvolvimento dos temas e objetivos que serão explanados por meio das seções supracitadas.
Partindo da premissa de relevância jurídica e social do tema e reconhecendo o direito como instrumento que regula as relações sociais e segue as modernizações culturais, o tema será desenvolvido e tratado especialmente sob essa ótica, visto que, o possível caráter discriminatório de homossexualidade dos militares nas Forças Armadas demanda um estudo com fulcro no reconhecimento jurídico e social de proteção dos envolvidos na temática abordada.
Destarte, abordar-se-á de forma ulterior a perspectiva do contexto histórico de criação do Código Penal Militar Brasileiro, vez que, a mesma será de grande relevância para a construção da discussão acerca do problema analisado, é dizer, a possibilidade de (in) constitucionalidade no art. 235 do CPM tendo em vista o ajuizamento da ADPF 291, em 2015, pela PGR.
Contexto Histórico de Criação do Código Penal Militar Brasileiro e a Comunidade LGBTQI+
Antes que se verifique a (in) constitucionalidade do art. 235 do CPM haja vista o ajuizamento da ADPF 291, em 2015, pela Procuradoria Geral da República, em que foi julgada, por maioria dos ministros do STF, parcialmente procedente far-se-á necessário algumas considerações acerca do contexto histórico da criação do CPM, afim de contextualizar a questão a ser abordada com a comunidade LGBTQI+.
Por conseguinte, ainda que não seja possível precisar com exatidão o período em que surgiu o tipo de direito designado a atividade bélica, existem relatos que o mesmo teria sido utilizado em períodos passados concomitantemente com a aparição dos primeiros exércitos.
[…] os primeiros exércitos do mundo foram formados por civilizações antigas, ainda no período que antecede o nascimento de Cristo. Os exércitos são até mesmo mais antigos do que a própria ideia de país. Estima-se que os primeiros exércitos foram formados muito antes de 2500 a.C. Esses primeiros grupos de soldados foram formados para defender determinados territórios e atacar inimigos do Sul da Mesopotâmia. E parece que a coisa não mudou muito, uma vez que atualmente esse mesmo território é onde fica hoje o Irã, Síria e Iraque. […] Sendo os três exércitos mais importante e com maior destaque da história, o Exército de Cartago, Exército da Macedônia e o Exército Romano (USE MILITAR, 2018).
Nessa quadra de ideias, percebe-se que, havia a necessidade de um órgão soberano habilitado para julgar os crimes praticados em época de guerra em ambiente de atividades bélicas, surgindo, portanto a Justiça Militar para que os crimes de guerra fossem avaliados em âmbito diverso do direito penal comum (NEVES; STREIFINGER, 2013).
Quanto à evolução histórica do Direito Penal Militar Brasileiro, ele teve a sua origem na legislação penal portuguesa, sendo que, anteriormente a criação do atual CPM vigorou o Código Penal da Armada até o ano de 1944, quando o Decreto-Lei n. 6.227, de 24 de janeiro foi editado. Ressalta-se que o CPM de 1944 vigeu até 31 de dezembro de 1969 com a entrada em vigência do atual CPM (NEVES; STREIFINGER, 2013).
Para compreender o momento histórico em que foi criado o CPM de 1969, é importante analisar os acontecidos do ano de 1967 quando a Constituição Federal do mesmo ano sofreu uma emenda, que foi decretada por Ministros Militares que formaram a Junta Militar no exercício da Presidência da República. (NEVES; STREIFINGER, 2013).
Em 13 de dezembro de 1968, surgira o Ato Institucional nº 5, que instituiu o Decreto-Lei n. 1.002. E durante o governo dessa Junta Militar surgiu o Ato Institucional nº 16, onde nasceu o Decreto-Lei n. 1.001, em 21 de outubro de 1969, que instituiu o CPM o qual entrou em vigência em 01 de janeiro de 1970 e ainda vigora atualmente (NEVES; STREIFINGER, 2013).
O Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, marcou o início do período mais duro da ditadura militar (1964-1985). Editado pelo então presidente Arthur da Costa e Silva, ele deu ao regime uma série de poderes para reprimir seus opositores […]Ao todo, 333 políticos têm seus direitos políticos suspensos em 1969 (dos quais 78 deputados federais, cinco senadores, 151 deputados estaduais, 22 prefeitos e 23 vereadores). O Congresso permanece fechado até outubro, quando é reaberto para eleger Médici.
O AI-5 –que foi seguido por mais 12 atos institucionais, 59 atos complementares e oito emendas constitucionais– duraria até 17 de outubro de 1978. Sobre ele disse Costa e Silva, em discurso transmitido por rádio e TV, no último dia de 1968: ‘Salvamos o nosso programa de governo e salvamos a democracia, voltando às origens do poder revolucionário’ (FOLHA DE SÃO PAULO, 2008a).
Considerada como uma nova Constituição outorgada, qual seja a Constituição de 1969, refere-se àquela imposta pelo governo, em que não há caráter democrático, as leis são elaboradas de acordo com a vontade de alguns detentores do poder, o que alterou consideravelmente o texto anterior, havendo uma maior concentração do poder nas mãos do Executivo. É importante frisar que vivia-se a ditadura militar à época (ROMANO, 2018).
O vigente CPM de 1969, durante o mandato do então Presidente Arthur Costa e Silva, editado por meio do Decreto-Lei n. 1.001/69 alcança os membros das Forças Armadas (Justiça Militar Federal), Policias Militares e Corpos de Bombeiros Militares (Justiça Militar Estadual) que devem obedecer e respeitar as regras militares (BARRETO FILHO, 2013).
Atualmente, sob a supremacia da CRFB/88, entende-se que a Justiça Militar tem competência restrita. À luz do artigo 124, tem-se que cabe à Justiça Militar processar e julgar os crimes definidos em lei. Tal competência será ratione materiae[4] ou ratione personae[5], a Súmula 298 do STF aduz “O legislador ordinário só pode sujeitar civis à Justiça Militar, em tempos de paz, nos crimes contra a segurança externa do país ou às instituições militares” (BRASIL, 1963).
Por meio desse aparato sobre o contexto histórico do Direito Penal Militar, nota-se que a proteção é principalmente direcionada à disciplina e à hierarquia das instituições militares, visto que tais princípios específicos (ordem e disciplina) constituem inúmeros preceitos do Direito Penal Militar Brasileiro e, inclusive, servem de fundamento para a criminalização elencada no art. 235 do CPM (BORBA, 2013).
Especificamente analisando, o artigo 235 do CPM, bem como, as estruturas sociais que permeavam à época evidencia-se o fato de que a comunidade LGBTQI+ nos anos de ditadura teve seus direitos reprimidos. Percebia-se que, a homossexualidade poderia ser instrumento de subversão, que, segundo o governo poderia interferir nos valores morais da família tradicional daquela época (GREEN; QUINALHA, 2014).
No que tange a figura da repressão no período da ditadura civil-militar de 1964, houve direcionamento explicito aqueles ora considerados “subversivos” e “comunistas”, não obstante, prostitutas, travestis, homossexuais e pessoas consideradas “perversas” ou “anormais”, também se tornaram alvo de perseguições, expurgos de cargos públicos, detenções arbitrárias, censura e outras formas de violência, os quais eram considerados como aparatos de controle moral e social contra comportamentos “desviantes” (MEMORIAS, 2010).
Em 1969, após o AI-5, o órgão formulou uma lista que culminou com a cassação de 44 funcionários, a maior da história deste órgão, sob a acusação de afrontarem os valores do regime em suas condutas na vida privada. Dentre quinze pedidos de exoneração de diplomatas, sete tinham como justificativa a “prática de homossexualismo” e a “incontinência pública escandalosa”. Outros dez diplomatas suspeitos de tal prática deveriam passar por exames médicos e psiquiátricos e, caso ficassem comprovadas as acusações, eles também seriam ser afastados (MEMORIAS, 2010).
Caminhando nesse mesmo norte, é de curial importância destacar que. Nesse ínterim,
A comunidade LGBT brasileira manteve seus locais de sociabilidade em guetos. Longe de poderem se organizar como movimento político, os homossexuais encontravam-se em casas noturnas, bailes de carnaval ou em fã clubes de artistas, em que se sentiam mais à vontade para afirmar sua identidade. Aos poucos, foram se ampliando os espaço de sociabilidade e interação homossexual nas grandes cidades, que eram procurados pelas pessoas LGBT’s de todo o Brasil, em busca de anonimato e de encontros entre iguais (MEMORIAS, 2012).
O CPM de 1969 deixou marcas do período em que foi elaborado, isto é, do período ditatorial (NEVES; STREIFINGER, 2013). Considerados como os “anos de chumbo”, a ditadura militar trouxe vestígios de um período de intensa repressão sofrida pela comunidade LGBTQI+, onde essas pessoas eram vistas como ameaças subversivas ao regime autoritário (GREEN; QUINALHA, 2014).
À época da ditadura preconizavam-se os valores morais conservadores na produção de políticas repressivas de Estado contra pessoas LGBTQI+, pelos riscos que estas representavam à “família”, à “moral” e aos “bons costumes”. E para restringir direitos desse segmento LGBTQI+ e hostilizar essas pessoas de lugares públicos haviam grupos de extermínio e impunidade, perseguição, tortura e assassinatos dos LGBTQI+ (GREEN; QUINALHA, 2014).
Portanto, é com base nesse breve histórico do Direito Penal Militar Brasileiro que, no decorrer do trabalho, será analisado o art. 235 do CPM, verificando-se o referido dispositivo legal está eivado de inconstitucionalidade examinando os principais pontos da ADPF 291 e as modificações trazidas pela jurisprudência.
Verifica-se tratar de tema que possui relevância jurídica e social, nesse sentido, nota-se que o mundo caminha para interpretar a orientação sexual como opção individual e não problema de saúde; e a dificuldade perpetua-se nas culturas de reprovação as diferentes orientações sexuais, com a intolerância atingindo, inclusive, à condenação penal (MENEZES; BRITO; HENRIQUES, 2010).
Cumpre frisar ainda, que desde a antiguidade já existiam as práticas homossexuais, bem como a discriminação contra os homossexuais não sendo, portanto algo recente na história, o fenômeno atual é de luta da comunidade LGBTQI+ contra o preconceito e as práticas discriminatórias. (RIOS; SCHAFER; BORBA, 2012).
Com origem no livro de Genesis, em relato do Antigo Testamento, a relação entre pessoas do mesmo sexo era denominado sodomia[6] (PRETES; VIANA, 2008). Era uma expressão que denominava um ato sexual e que a religião cristã caracterizava como um pecado. A Igreja a época, que “[…] zelava ‘pela pureza da religião e pelos bons costumes’, condenaram a sodomia, uma forma de luxuria”, considerando-a um pecado-crime que infringia não apenas a lei de Deus, como também a própria natureza, sendo punida com a pena de morte (GOMES, 2010).
Logo, entendia-se que toda prática sexual que não fosse com o objetivo da procriação era considerado sodomia, e um pecado perante Deus (PRETES; VIANA, 2008). E essas pessoas que atualmente são denominadas homossexuais estavam sob autoridade jurídica e proibidas de manter relacionamentos com a justificativa de estarem violando as leis bíblicas (GOMES, 2010).
No decurso da colonização do Brasil, Portugal transpôs para a colônia a norma jurídica-politica-cultural portuguesa, e assim a prática homossexual passou a ser considerada crime, no Brasil, com a punição de sodomia (PRETES; VIANA, 2008).
No Reino Português haviam as Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, que foram muito inflexíveis no julgamento do pecado-crime, continham expressa disposição de pena de morte por fogo àquele que exteriorizasse sua homossexualidade (BOMFIM, 2011).
Frisa-se que a Lei de 29 de janeiro de 1643 ratificou as Ordenações Filipinas, determinando que fosse mas mesmas percebidas em todos os reinos da Coroa Portuguesa, o que incorporava também o Brasil (BOMFIM, 2011), tendo elas vigorado no País por mais de duzentos anos, após a independência brasileira (PRETES; VIANNA, 2008).
Em 1830, procedeu-se o Código Penal do Império, o qual aboliu as diretrizes criminais das Ordenações Filipinas e, sob a influência iluminista, eliminou o delito de sodomia (MARTINS, 2010), fazendo que fosse extinta do Brasil a criminalização da homossexualidade deixada por Portugal (BOMFIM, 2011).
O Código Penal do Império e os códigos penais que o sucederam não criminalizavam as práticas homossexuais (BOMFIM, 2011). Durante um certo intervalo de tempo não houve um regulamento penal criado especificadamente para hostilizar o homossexualismo, contudo, isso mudou, no âmbito militar, com a constituição do Código Penal da Armada em 1891 (RIOS; SCHÄFER; BORBA, 2012).
O Código Penal da Armada, instituído pelo Decreto n. 18, de 07 de março de 1891, trouxe a primeira previsão pertinente à proibição das práticas homossexuais, com o crime militar de libidinagem mencionado em seu artigo 148[7] (MARTINS, 2010). No entanto, para que configurasse crime, previsto no artigo 148 do Código Penal da Armada, era necessário que o propulsor estivesse a serviço da Armada, assim como que o crime transcorresse mediante violência ou grave ameaça.
Não obstante, houve várias declarações de inconstitucionalidade do Código Penal da Armada até o advento do CPM de 1944, instituído pelo Decreto-Lei nº. 6.227, de janeiro de 1944. Ressalta-se, por oportuno, que o CPM de 1944 prevaleceu até o momento da criação do atual CPM com o Decreto-lei n. 1.001/1969. Roger Raupp Rios, Gilberto Schäfer e Felipe Farias Borba (2012) perpetuam que no artigo 235 do CPM de 1969 surge a especificação do ato libidinoso, com a inclusão do termo “pederastia” e com o ênfase à expressão “homossexual ou não”.
Para Martins (2010), a novidade está apenas no nome da infração e na adição da expressão “homossexual ou não” na definição do tipo, haja vista que tanto no CPM, em seu artigo 235, quanto o Código Penal da Armada, em seu artigo 148, já puniam a conduta sexual em ambiente da administração militar.
A despeito do artigo 235 do CPM, Nucci (2014) defende que:
Por certo, é inquestionável que, em lugar sujeito à administração militar, onde deve prosperar a disciplina rigorosa, não há cabimento para qualquer tipo de relacionamento sexual. Porém, tal infração deve ser punida, quando for o caso, na órbita administrativa; jamais na esfera penal, que deve ser considerada sempre a ultima ratio [8](a última opção para compor conflitos). Portanto, reputamos inconstitucional tal preceito penal. De todo modo, a conduta típica prevê a prática de qualquer ato libidinoso (ato capaz de gerar prazer sexual), nas mais variadas formas (conjunção carnal, coito anal, felação, beijo lascivo etc.). A inserção do termo homossexual é descabida e preconceituosa. Se a punição se volta a qualquer ato libidinoso, por óbvio ele pode ser homossexual ou heterossexual. A menção é proposital, com o fito de destacar a repulsa à pederastia na unidade militar, possivelmente o que mais assombra o quartel. (NUCCI, 2014, p. 365-366, grifo nosso).
Por intermédio desse breve histórico, e dessa linha evolutiva da criminalização da homossexualidade no Brasil, entende-se que desde a antiguidade já existia essa discriminação contra os homossexuais e que nesse período as leis que regiam o país penalizavam as práticas homossexuais de maneira muito intransigente, com a pena de morte. Todavia, o Código Penal do Império, de 1830, afastou do sistema legal brasileiro a criminalização das práticas homossexuais que havia sido herdada de Portugal (CASTRO, 2015).
Por conseguinte, durante um intervalo de tempo não houve nenhum regulamento de lei que punisse especificadamente a homossexualidade, bem como a heterossexual, que só passaram a ser penalizadas em 1891 com o surgimento do Código Penal da Armada, e perdurou sendo criminalizadas no CPM de 1944, tal como no CPM de 1969, em seu artigo 235, que é objeto muitas discussões e apreciações jurídicas (CASTRO, 2015).
No período da ditadura, o movimento homossexual adquiriu espaço na impressa alternativa com o surgimento do jornal Lampião da Esquina[9], idealizado por um grupo de intelectuais assumidamente gays. Foi o primeiro jornal de grande circulação explicitamente dirigido ao público homossexual no Brasil, publicado em 1978, o Lampião da Esquina foi um marco no movimento cultural na década de 1970, dado que, tanto a impressa alternativa, quanto a própria comunidade LGBTQI+, foram demasiadamente silenciados pela censura e pela repressão militar. (CANDIDO, 2017).
Cumpre frisar que, os homossexuais utilizavam de outros elementos para demonstrar sua resistência às situações opressivas, para reagir à opressão que lhes acometia. Nesse sentido, Edmar Davi relata que a comunidade LGBTQI+:
Por meio de músicas, representações teatrais, textos anônimos, inversões, performances e utilizações jocosas de signos do poder, os (as) homossexuais demonstram sua resistência a situações que lhes são opressivas. Valendo-se de metáforas, explorando sua criatividade, tendo o riso, a arte, a linguagem, a música e outros elementos como arma, procuram reagir às formas de opressão que sobre eles (elas) incidem. Não são, portanto, passivos (as) e impotentes, nem ficam à mercê de forças históricas externas e dominantes. Pelo contrário, desempenham um papel ativo e essencial na criação de sua própria história e na definição de sua identidade cultural e sexual (DAVI, 2011, p. 143).
Com o fim da ditadura militar, novos desafios foram expostos para a comunidade LGBTQI+, e o primeiro aspecto que colaborou com o aumento do preconceito contra aos homossexuais e a dificuldade de lutar contra eles foi a AIDS[10]. No período de 1970 e 1980 os LGBTQI+ ficaram estigmatizados por essa doença. Contudo, essa doença transformou a luta dessas pessoas. A comunidade foi à principal articuladora das campanhas contra a doença, auxiliando no combate, na orientação e no acolhimento de pessoas diagnosticadas como soropositivas (CANDIDO, 2017).
A história da luta por direitos concorreu para o fortalecimento do movimento LGBTQI+. Houveram significantes mudanças nos direitos alcançados pela comunidade, haja vista a resistência, tais como: a autorização de adoção por casais homoafetivo; o reconhecimento da união estável e o direito legal ao casamento homoafetivo, pelo STF; a cirurgia de redesignação sexual realizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS); e a autorização da mudança do nome social nos documentos para pessoas transexuais (CANDIDO, 2017).
Ademais, diversamente do período da ditadura militar, nos tempos atuais os LGBTQI+ dispõe do apoio de vários órgãos governamentais e não-governamentais, o que denota que, apesar dos desafios ainda serem vastos, atualmente as lutas estão amparadas e possuem reconhecimento do Estado, o que não ocorreu no regime ditatorial militar (CANDIDO, 2017).
Contudo, o Brasil segue liderando o ranking dos países que mais matam LGBTQI+. Segundo dados do Grupo Gay da Bahia[11], o Brasil é o pais que mais mata travestis e transexuais no mundo. Em 2016, foram 127 casos, um a cada 3 dias. A expectativa de vida das pessoas que fazem parte desse grupo são de 35 anos, menos da média nacional, que é de 75 anos. De acordo com o relatório de 2018, foram computadas 420 mortes no país, sendo 76% homicídios e 24% foram suicídios. Números estes que colocam o Brasil no topo da lista. Logo, em relatório parcial de 2019, entre janeiro e maio já foram documentadas 141 mortes, com uma média de 28 mortes por mês, sendo 126 homicídios e 15 suicídios.
Nesse ínterim, na próxima seção tratar-se-á da observância dos direitos, garantias fundamentais e princípios constitucionais verificando-se a norma do artigo 235 do CPM e sua compatibilidade com os referidos preceitos.
Direitos, Garantias Fundamentais e Princípios Constitucionais Frente ao Crime de Pederastia
Os direitos e princípios fundamentais manifestam-se para assegurar a evolução da pessoa humana e a proteção a sua dignidade, igualmente para estabelecer e delimitar a intervenção do Estado no âmbito jurídico privativo, sendo que para a estruturação de um legitimo Estado Democrático de Direito é indispensável o respeito a esses direitos (MORAES, 2013).
Nesse contexto, os princípios constitucionais assumem papel fundamental, na medida em que, viabilizam ao aplicador do direito prestar a tutela jurisdicional, pois, são frutos de uma grande evolução social, retratados nas dimensões dos direitos constitucionais (SILVA, 2010).
Segundo Barroso (1999),
Os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui. A atividade de interpretação da constituição deve começar pela identificação do princípio maior que rege o tema a ser apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar à formulação da regra concreta que vai reger a espécie […] Em toda ordem jurídica existem valores superiores e diretrizes fundamentais que ‘costuram’ suas diferentes partes. Os princípios constitucionais consubstanciam as premissas básicas de uma dada ordem jurídica, irradiando-se por todo o sistema. Eles indicam o ponto de partida e os caminhos a serem percorridos. (BARROSO, 1999, p. 147-149, grifo nosso).
Sobretudo, a CRFB/88 e os princípios constitucionais preservam o cidadão frente ao poder arbitrário do Estado, evitando retrocesso social e o monopólio do poder nas mãos de um cidadão, além de conferir sentido unitário à vontade da Constituição (SILVA, 2010).
Então, considerando que a CRFB/88 precedeu de um período marcado por forte dose de autoritarismo, foi atribuída a importância aos direitos fundamentais como reação do Poder Constituinte e das forças sociais e políticas nele representadas (SILVA, 2010).
Diante desse aparato, é importante lembrar que:
A relevância atribuída aos direitos fundamentais, o reforço de seu regime jurídico e até mesmo a configuração do seu conteúdo são frutos da reação do Constituinte das forças sociais e políticas nele representadas, ao regime de restrição e até mesmo de aniquilação das liberdades fundamentais (SARLET, 2007, p. 85).
Contudo, antes de se tratar do crime militar de pederastia, é necessário analisar os princípios da dignidade da pessoa humana, isonomia, liberdade, igualdade, direito à privacidade, para posteriormente verificar se a norma do artigo 235 do CPM é compatível com os referidos preceitos.
Dentre esses princípios destacam-se vários como a dignidade da pessoa humana que é um princípio constitucional explícito e que visa a proteger todo e qualquer ser humano contra tudo que lhe possa levar ao desrespeito, sendo-lhe inerente e independente de qualquer requisito ou condição, tais como raça, cor, sexo ou religião. A dignidade representa o valor absoluto de cada ser humano. Dentro dessa perspectiva, segue o escólio de Sarlet (2007), consignando que:
[…] [a dignidade da pessoa humana] é a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos (SARLET, 2007, p. 62, grifo nosso, acréscimo nosso).
A CRFB/88 é um importante marco jurídico dos direitos humanos no Brasil. Pois com ela vieram mudanças essenciais do ponto de vista dos direitos humanos no tocante à história constitucional do país, o que sugere ter sido uma decorrência natural do contexto histórico vivido pelo Constituinte, que teve a atribuição de exceder o regime de exceção que persistiu por quase duas décadas (BARRETO, 2014).
O primeiro dispositivo da CRFB/88, no que diz respeito aos fundamentos do Estado brasileiro, positiva, no inciso III, a dignidade da pessoa humana, o que já seria suficiente para ser considerado uma verdadeira “revolução” do ponto de vista jurídico (BARRETO, 2014).
Nessa perspectiva, Rafael Barreto (2014, p. 59) diz que, “Ao elencar a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado brasileiro, a Constituição está indicando que a dignidade é o parâmetro orientador de todas as condutas estatais, o que implica romper com um modelo patrimonialista de ordem jurídica”.
A CRFB/88 elenca em seu art. 3º, os objetivos fundamentais do Estado brasileiro, e evidencia novamente preocupação ao sustentar a dignidade da pessoa humana, haja vista que todos os propósitos estão associados com a busca da dignidade da pessoa humana (BARRETO, 2014).
Nesse sentido, tem-se como primeiro objetivo construir uma sociedade livre, justa e solidaria, isto é uma sociedade em que todos os indivíduos desfrutem das liberdades e onde haja justiça social, o que está propriamente relacionado com a proteção à pessoa (BARRETO, 2014).
O segundo objetivo trazido é garantir o desenvolvimento nacional, o que da mesma forma correlaciona com a ideia de afirmação da dignidade da pessoa, pois a ideia de desenvolvimento não se trata de mero progresso cientifico, está ligada com uma melhora qualitativa do exercício estatal e na vida das pessoas. Haja vista que um Estado onde os direitos humanos não são respeitados jamais será um Estado desenvolvido (BARRETO, 2014).
O terceiro objetivo é erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, e está pontualmente ligado a ideia de afirmação da pessoa, principalmente da ótica dos direitos sociais e econômicos, visto que aqui busca garantir a todos os indivíduos uma escala mínima evolutiva de riqueza que permita erradicar a pobreza no pais (BARRETO, 2014).
Tem-se como quarto, e último, objetivo, promover o bem todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, conduz a um pensamento universalista que prevalece nos tempos atuais no debate dos direitos humanos, de afirmação da dignidade humana pela simples condição humana, sem que haja qualquer tipo de discriminação (BARRETO, 2014).
O princípio da isonomia, também conhecido como princípio da igualdade, representa a personificação da democracia, pois indica um tratamento integro para os cidadãos, ou seja, ao tratar-se do princípio da isonomia tem-se a máxima de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida das suas desigualdades (SILVA, 2010).
O princípio da isonomia compreende tanto a igualdade formal quanto a igualdade material. A CRFB/88 traz que esse princípio possui dois aspectos: igualdade formal e igualdade material. Formal, é a igualdade perante a lei, é quando todos recebem um tratamento igual ou desigual, de acordo com a situação: “Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades”. (NERY JUNIOR, 1999, p. 42).
Entende-se como isonomia na fase da interpretação e aplicação de uma lei já elaborada, sem critérios seletivos ou discriminatórios que não decorram claramente da própria lei. Destina-se ao interprete e a o aplicador, que devem interpretar e aplicar a lei de forma igualitária, ainda que nela há discriminações, como disposto no art. 5º, caput, da CRFB/88 (BERNARDES; FERREIRA, 2014).
Já a igualdade material é quando se trata de iguais na lei, logo, segundo previsão do art. 5º da CRFB/88, homens, mulheres e todos os cidadãos brasileiros são iguais conforme a legislação (NERY JUNIOR, 1999). Determina o tratamento isonômico na elaboração da lei, tal como proibição de aplicar leis discriminatórias. Vincula tanto os interpretes/aplicadores quanto o próprio legislador, a exemplo disso o art. 7º, XXX, que proíbe a diferença por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil) e o XXXI que veda a discriminação quanto ao salário e aos critérios de admissão de emprego portador de deficiência física) (BERNARDES; FERREIRA, 2014).
Quanto ao princípio da igualdade, está previsto no art. 5º caput da CRFB/88, e prevê que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (BRASIL, 1988; 2019). Não sendo admitido discriminação de qualquer natureza em relação aos seres humanos. Esse princípio vem sendo reiterado em vários dispositivos constitucionais, salientando a preocupação do constituinte com a questão da busca pela igualdade no pais (PINHO, 2011).
O referido princípio estende-se a várias áreas, formando princípios igualitários conexos e interdependentes: a) igualdade entre homens e mulheres; b) igualdade jurisdicional (vedação aos tribunais de exceção, garantia de assistência jurídica gratuita); c) igualdade tributária (capacidade contributiva); d) igualdade sem distinção de origem, cor e raça; e) igualdade sem distinção de sexo e orientação sexual; f) igualdade sem distinção de idade (BERNARDES; FERREIRA, 2014).
O direito à liberdade é inerente à própria natureza humana. Liberdade consiste na escolha da forma de pensar e agir. A CRFB/88 consagrou esse direito no rol dos direitos e garantias individuais em suas diversas modalidades, tendo uma pluralidade de liberdades abordadas pela CRFB/88, tais como, liberdade da pessoa física, liberdade de expressão, liberdade de pensamento dentre outros. Logo, Bueno diz que, “A liberdade é sempre uma e a mesma, mas como ela pode ser considerada em diferentes relações, por isso costuma-se dividi-la ou classificá-la” (BUENO, 1958, p. 384).
Liberdade é a prerrogativa que uma pessoa possui de fazer ou não fazer determinada coisa. Compreende sempre um direito de escolher entre duas ou mais opções, conforme a sua própria vontade. O direito de liberdade não é absoluto, pois a ninguém é atribuído a escolha de fazer tudo que bem entender. Esse entendimento de liberdade levaria a subordinação dos mais fracos pelos mais fortes. Para que uma pessoa seja livre é imprescindível que os outros respeitem a sua liberdade (PINHO, 2011).
Em termo jurídicos, um indivíduo é livre para fazer tudo que a lei não proíbe, é o direito de fazer ou não fazer alguma coisa, senão em virtude da lei. Considerando o princípio da legalidade (art. 5º, II), apenas as leis podem limitar a liberdade individual (PINHO, 2011).
Nesse sentido, José Afonso da Silva diz que “liberdade consiste na possibilidade de coordenação consciente dos meios necessários à realização da felicidade pessoal” (2005, p. 233).
Ao Direito Positivo interessa cuidar apenas da liberdade objetiva (liberdade de fazer, liberdade de atuar). Costuma-se utilizar o termo liberdades, no plural, porque na verdade são várias as expressões externas da liberdade, são formas da liberdade, e são distintas em cinco grupos: i) liberdade da pessoa física (liberdade de locomoção, de circulação); ii) liberdade de pensamento, com todas as suas liberdade (opinião, religião, informação, artística, comunicação do conhecimento); iii) liberdade de expressão coletiva em suas várias formas (de reunião, de associação); iv) liberdade de ação profissional (livre escolha e de exercício de trabalho, oficio e profissão); v) liberdade de conteúdo econômico e social (liberdade econômica, livre iniciativa, liberdade de comércio, liberdade ou autonomia contratual, liberdade de ensino e liberdade de trabalho) (SILVA, 2010).
Em suma, encontra-se duas grandes tendências a sobre a inquisição da liberdade. Para os apreciadores do livre-arbítrio, o indivíduo teria a opção de escolher o próprio destino, dispondo de plena liberdade de agir conforme a sua consciência. Para os apreciadores do determinismo, a opção de escolher do homem seria determinada pela conjuntura (PINHO, 2011).
É notório que ainda existam correntes intermediárias. Mas cumpre frisar que o homem, como ser racional, é sujeito e objeto da história. Atua em consonância do ambiente social em que nasceu e vive (PINHO, 2011).
O direito à privacidade previsto no art. 5º, X, da CRFB/88 estabelece que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
O direito à privacidade no meio da sistematização instituída pela CRFB/88, trata de uma intitulação ampla, que compreende a tutela da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. Haja vista os avanços tecnológicos, diante de uma maior viabilidade de invasão na vida intima das pessoas, é imprescindível assegurar-se, o respeito à privacidade de cada indivíduo (PINHO, 2011).
Logo,
Dos direitos fundamentais que dizem respeito à proteção da dignidade e personalidade humanas, o direito à privacidade (ou vida privada) é um dos mais relevantes, embora nem sempre tenha sido contemplado nas constituições, ao menos, não expressamente. No caso da evolução constitucional brasileira, foi apenas na Constituição Federal que proteção da vida privada e da intimidade foi objeto de reconhecimento de modo expresso. Por outro lado, o direito à vida privada articula-se com outros direitos fundamentais, como é o caso, da proteção da intimidade (vida íntima) e também da inviolabilidade do domicilio, que é o espaço onde se desenvolve a vida privada. Também tais direitos, em especial a intimidade, nem sempre são expressamente positivados nos textos constitucionais e internacionais, pois em geral a intimidade constitui uma dimensão da privacidade. Na Constituição Federal, todavia, embora ambas as dimensões (privacidade e intimidade) tenham sido expressamente referidas, haverão de ser analisadas em conjunto, pois se cuida de esferas (níveis) do direito à vida privada. Dada a sua relação ‘íntima’ com aspectos da vida privada, também serão comentados neste capítulo a proteção do domicílio, o sigilo fiscal e o sigilo bancário. Por outro lado, muito embora também exista uma forte conexão com os direitos à honra e à imagem, esses dizem mais de perto com a identidade e integridade moral da pessoa humana, razão pela qual serão versados em item apartado. Já o sigilo da correspondência e das comunicações, assim corno a proteção de dados pessoais, dada a sua importância e maior autonomia em relação a intimidade e vida privada, igualmente serão analisados em separado. De qualquer sorte, os pontos de contato entre o direito à privacidade e os demais direitos ora referidos não afastam importantes conexões entre a privacidade e outros direitos fundamentais (SARLET, 2007, p. 391).
Nesse nexo de raciocínio, percebe-se que a Declaração Universal dos Direitos Humanos antevê que todo o ser humano tem direito à vida, ao livre-arbítrio e à segurança pessoal, sendo todos iguais perante a lei, com direitos e proteção contra nenhuma distinção. Devem ter acesso à liberdade, sem distinção de qualquer tipo, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião: “todos os seres humanos nascem livres e iguais, em dignidade e direitos” (DECLARAÇÃO, 1948).
Nesse interim, o artigo 11 do Pacto de San José da Costa Rica[12] assegura a proteção da honra e da dignidade, com a seguinte redação:
Toda pessoa tem direito ao respeito da sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação; toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas (CADH, 1969, grifo nosso).
Seguindo o mesmo ínterim, o Código Civil (CC/02) indica no seu artigo 4º: “Quando a Lei foi omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”, assim os princípios são indispensáveis tanto para a formação como para a aplicação das normas (BRASIL, 2002).
Verificados os princípios da dignidade da pessoa humana, isonomia, liberdade, igualdade e direito à privacidade, importante que se trate do crime militar de pederastia para que se analise se a norma do artigo 235 do CPM é compatível com os referidos preceitos.
A criminalização da pederastia foi normatizada, no Brasil, com o Decreto-Lei n. 1.001/69 que instituiu o CPM, no período da ditadura, e que estabeleceu pena de seis meses a um ano para o militar que praticasse tal ato (BRASIL, 2015).
Desde o ano de 2000, tramitaram na Câmara dois Projetos de Lei que pleiteavam a retirada dos termos “pederastia” e homossexual ou não”, o Projeto de Lei n. 2773-A, de 2000, proposto pelo Deputado Alceste Almeida, e o Projeto de Lei n. 6.871 proposto pela Deputada Laura Carneiro, em 2006.
A Deputada alhures alegava que a expressão “homossexual ou não” possui “[…] caráter preconceituoso e de forma desnecessária, visto que todo ato libidinoso é relativo ao sexo e, portanto, pode ser tanto de caráter homossexual como heterossexual” (BRASIL, 2006; 2019, p. 3). E nesse mesmo sentido, “o termo ‘pederastia’ contém atualmente odioso conteúdo pejorativo, não convindo que conste do ordenamento jurídico brasileiro” (BRASIL, 2006, p. 3).
Nessa perspectiva, a Deputada Laura Carneiro argumenta ainda que:
O conceito de administração militar é intuitivo, abrangendo todos os imóveis e locais destinado ao exercício da função militar ou à acomodação, transitória ou permanente, dos militares e seus petrechos, 3 como quartéis, campos de instrução, acampamentos, presídios militares e vilas residenciais destinadas aos militares e suas famílias. (BRASIL, 2006, p. 2).
O Deputado Alceste Almeida defendeu que,
Tão infeliz é a redação do citado artigo 235 que a sua correta interpretação conduz à inevitável proibição de relacionamento sexual mesmo entre marido e mulher que por ventura, venham a se hospedar em uma casa de hóspedes situada em área sujeita à administração militar […] Ademais, uma breve reflexão por mais superficial que seja, nos leva a concluir que a expressão que pretendemos excluir do texto da norma (‘homossexual ou não’) é absolutamente irrelevante para a aplicação da sanção penal ao praticante do ato libidinoso, pois tanto a tipificação do delito quanto a pena independem da diferença ou da igualdade de sexo dos parceiros na infração que o real propósito do redator do referido Decreto-Lei n. 1.001/69, era o de punir criminalmente a prática homossexual no Interior das unidades militares […] No momento em que países do mundo inteiro asseguram aos homossexuais o acesso a qualquer tipo de atividade profissional, inclusive nas fileiras aas Forças Armadas, o Brasil não pode situar-se na contramão da história (BRASIL, 2000, p. 2-3).
Ainda dentro desse mesmo itinerário e de acordo com reportagem da Folha UOL, de 2008, segundo levantamento feitos com dados do Superior Tribunal Militar, pelo menos 21 homens militares já haviam sido processados por praticarem sexo homossexual em dependências das Forças Armadas, nos 10 anos anteriores, pode o número de casos serem maiores, haja vista que não foram considerados os casos que passaram apenas por instâncias inferiores da Justiça Militar. (FOLHA DE SÃO PAULO, 2008b).
Nesse diapasão, na próxima seção tratar-se-á da observância da proposta de ajuizamento, principais pontos dos votos, resultado e modificações trazidas em relação ao artigo 235 do CPM pela ADPF 291, a fim de se analisar a possível inconstitucionalidade do referido artigo, bem como, (des) respeito às normas pátrias e princípios constitucionais.
ADPF 291: Proposta de Ajuizamento, Principais Pontos dos Votos, Resultado e Modificações Trazidas em Relação ao Artigo 235 do Código Penal Militar
A ADPF pode ser encontrada no art. 102, § 1º, da CRFB/88, de acordo com a Emenda Constitucional n. 03/93, e estabelece que a ADPF, decorrente da CRFB/88, será apreciada pelo STF, a forma da lei. Sendo, posteriormente, regulamentada com o advento da Lei 9.882/99 (LENZA, 2016).
É cediço que a referida ação precisa tratar de preceito fundamental, nas formas que a doutrina e jurisprudência os entendem. Em síntese, são os direitos fundamentais e as cláusulas pétreas ou qualquer outro dispositivo que confiram “densidade normativa ou significado específico a [o] principio [fundamental]” (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009).
Feitas as considerações iniciais, passa-se à análise da ADPF recebida eletronicamente no sitio do STF sob a numeração 291, ajuizada na data de 09 de setembro de 2013, pela Ex-Procuradora Geral da República, Helenita Caiado de Acioli, com pedido de medida cautelar, alegando a não recepção do art. 235 do CPM pela CRFB/88, sob o argumento de violação de alguns dos princípios constitucionais (ACIOLI, 2013).
O julgamento da mencionada ação ocorreu no dia 28 de outubro de 2015, tendo como relator Luís Roberto Barroso, sendo que, o requerente na ação foi a PGF e os requeridos foram o Presidente da República Ministro do Estado da Defesa, e o Congresso Nacional (BRASIL, 2015).
Na petição inicial, da ação, a Ex-Procuradora argumentara que o artigo 235 do CPM evidencia visões de um período político autoritário e pouco aberto às diferenças e à exposição delas, considerando-se ter sido criado no contexto histórico de um regime militar ditatorial, instaurado no Brasil em 1964 (ACIOLI, 2013).
Ressalta ainda que os termos “pederastia e “homossexual ou não” demarcam o viés totalizante e anti plural da norma de forma pejorativa e discriminatória (ACIOLI, 2013). A Ex-Procuradora argui que é evidente que o tipo penal fortalece um discurso que parte de uma visão de mundo restrita, emblemático do momento histórico em que foi elaborado. O cenário social mudou, porém e hoje se conforma a partir de uma visão mais complexa (ACIOLI, 2013).
Segundo Roger Raupp Rios (2008) ensina as diferentes formas de discriminação vedadas pela CRFB/88: I) a direta (intencional); e II) a indireta (não intencional). Segundo o autor, a discriminação direta se manifesta “de três modos: discriminação explicita, discriminação na aplicação do direito e discriminação na concepção do direito.”
A discriminação direta explícita é a evidente, ou seja, a que nitidamente exclui, impede, trata diferencialmente, um determinado grupo ou pessoas com base em critérios proibido de discriminação. A discriminação aplicada do direito é aquela que verifica quando a execução do ato normativo, ainda que elaborado sem o propósito de discriminar, é feia de modo deliberado para prejudicar certo grupo (RIOS, 2008).
Por fim, a discriminação na concepção do direito ocorre quando o ato normativo, aparentemente neutro, foi estabelecido intencionalmente para prejudicar certa pessoa ou grupo. Assim, a intenção de discriminar está presente desde a origem do ato, foi estabelecido com a intenção de prejudicar e discriminar determinado grupo ou pessoa (RIOS, 2008).
Helenita Caiado alega que, nesse caso estão presentes todas essas formas de discriminação. Além do que, a discriminação também é explícita porque cita homossexuais e intitula o crime de “pederastia”, deixando clara a intenção normativa (ACIOLI, 2013).
Na ação, a Ex-Procuradora, argui ser notório que a grande maioria do contingente das Forças Armadas é masculina, tendo o ingresso de mulheres em seus quadros sido permitido só a partir de 1980. Deste modo, o contato físico diário e constante que normalmente acontece se dá entre homens.
Isto é, para Helenita Caiado, a norma atinge mais a homossexualidade do que a heterossexualidade, visto que “[…] em um ambiente estritamente masculino, os heterossexuais, em tese, não seriam atingidos pela norma de austeridade sexual”.
Portanto, a petição inicial da ADPF 291, busca reiterar que o tipo penal do art. 235 do CPM é nitidamente discriminatório ao direcionar e penalizar pessoas ou grupos específicos.
No que tange ao julgamento da ADPF 291, que ocorreu em 28 de outubro de 2015, presidida pelo ministro Ricardo Lewandovski, tendo como resultado procedência parcial quanto a análise de inconstitucionalidade do artigo 235 do CPM, vale frisar os principais pontos que levaram aos votos dos ministros do STF, bem como, a análise de seu resultado frente aos dispositivos legais pátrios.
Na análise dos argumentos e das justificativas presentes nos votos proferidos pelos ministros do STF ao julgar a ADPF 291, que versava sobre a possibilidade de considerar o art. 235 do CPM inconstitucional por não garantir os direitos fundamentais aos homossexuais Luís Roberto Barroso, ministro relator do julgamento da referida ADPF, ao argumentar a sua decisão expressa que:
[…] embora esteja convencido de que o dispositivo como um todo viola o princípio da intervenção mínima do direito penal, bem como que produz um impacto desproporcional incompatível com a igualdade, considero que, no mínimo, há um consenso de que as expressões ‘pederastia’ e ‘homossexual ou não’ são discriminatórias, supérfluas e devem ser excluídas da legislação (BRASIL, 2015, p. 42).
Assim, o ministro relator votou a princípio pela procedência integral do pedido, para reconhecer a não recepção do art. 235 do CPM pela CRFB/88. Posteriormente, o ministro reajustou o seu voto, haja vista ter sido o entendimento da maioria, acolhendo apenas o pedido sucessivo da inicial, declarando-se a não recepção das expressões “pederastia” e “homossexual ou não” (BRASIL, 2015).
O ministro Marco Aurélio iniciou o seu voto fazendo uma comparação, “traço um paralelo entre o art. 235 do CPM e o art. 233 do Código Penal, que versa sobre ato obsceno e está prevista pena de detenção de três meses a um ano, enquanto, no art. 235 do CPM, tem-se a pena de seis meses a um ano” (BRASIL, 2015, p. 48).
O ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello proferiu que:
No caso do Código Penal, o objeto jurídico protegido, e impõe-se levar em conta o objeto jurídico protegido pela normal penal é o Poder Público. Sujeito ativo é qualquer pessoa, independentemente do sexo; sujeito passivo, a coletividade. Ato obsceno é gênero, em relação ao qual há espécies. Questiona-se qual é o bem protegido pela norma do art. 235 do CPM? A Administração Militar, a disciplina e a hierarquia (BRASIL, 2015, p. 48).
Deste modo, o ministro votou pela procedência do pedido sucessivo formalizado, concluindo como “desrespeito a direitos fundamentais, no que consta do preceito, como rótulo, da pederastia”. (BRASIL, 2015, p. 48).
O ministro Luiz Edson Fachin argumentou o seu voto consignando que:
[…] a tipificação de tal conduta decorreu de uma opção por um estado de exceção em que imperava o controle da liberdades e a garantia aos direitos fundamentais não representava uma opção sempre à disposição dos cidadãos. Com o advento da ordem constitucional atual, um novo marco político e normativo surgiu, sobressaindo-se nessa seara o catálogo direitos fundamentais (BRASIL, 2015, p. 57).
Portanto, infere-se que há divergência estabelecida em volta da constitucionalidade e não recepção do tipo previsto no art. 235 do CPM, “os referidos termos (pederastia e homossexual) atraem sentidos preconceituosos e pejorativos não mais aceitos pela vigente ordem constitucional” (BRASIL, 2015, p. 59).
O ministro Luiz Edson Fachin aponta ainda que a rubrica que enuncia o tipo penal (pederastia) manifesta “uma postura discriminatória que não mais encontra abrigo no ordenamento jurídico vigente” (BRASIL, 2015, p. 62). Do mesmo modo, “o substantivo que complementa o tipo penal “homossexual ou não” também traz forte carga discriminatória, não passando pela filtragem constitucional de que se deve fazer das normas anteriores à CRFB/88” (BRASIL, 2015, p. 62).
Nesse sentido, o ministro Luiz Edson Fachin julgou “parcialmente procedente o pedido da ADPF, para declarar não recepcionada pela CRFB/88 a rubrica enunciativa ‘pederastia’ do tipo penal contido no art. 235 do CPM, bem como a expressão ‘homossexual ou não’ contida no mesmo tipo” (BRASIL, 2015, p. 63).
Nesse interim, o ministro Teori Zavascki alegou:
[…] que sem dúvida nenhuma a expressão ‘pederastia’ e as referências a homossexualidade têm sentido homofóbico e preconceituoso, que é incompatível com a CRFB/88. Todavia, não penso que seja incompatível com a CRFB/88 o restante do referido dispositivo, que prevê um tipo penal para atos libidinosos, em ambiente sujeito à administração militar, assim considerados os espaços destinados ao exercício da atividade militar típica (BRASIL, 2015, p. 65).
O ministro Teori Zavascki declara que:
[…] ato libidinoso não é sinônimo de ato sexual, muito menos de ato homossexual; libidinoso é um adjetivo qualificativo, que tem um sentido próprio, e como tal deve ser entendido. Tem um significado de ato devasso, de um ato dissoluto, de um ato despudorado, de um ato lascivo, de um ato libertino, de um ato obsceno, de um ato depravado. É esse sentido que nossos dicionaristas atribuem a esse termo (BRASIL, 2015, p. 65).
Razão pela qual, Teori Zavascki acompanhou os votos para atender os pedidos sucessivos da inicial, declarando apenas a não recepção das expressões “pederastia” e “homossexual ou não” pela CRFB/88 (BRASIL, 2015).
Já a ministra Rosa Weber acolheu a proposição originaria e votou pela improcedência integral da presente ADPF, para declarar a não recepção do art. 235 do CPM pela ordem constitucional de 1988.
A ministra Rosa Weber utilizou os mesmos argumentos do Ministro relator, Luís Roberto Barroso, ao proferir o seu primeiro voto, “nota-se inequivocamente a pretensão de utilizar o dispositivo para impedir o acesso ou provocar a exclusão de homossexuais das Forças Armadas” (BRASIL, 2015, p. 67).
A aplicação prática do art. 235 o transforma em um instrumento de criminalização e discriminação de uma determinada opção sexual, de modo a violar a isonomia (CRFB/88, art. 5º, caput). Além de violar o princípio da igualdade, a diferenciação baseada na orientação sexual é inválida, por violação aos princípios da dignidade da pessoas humana e da vedação às discriminações odiosas (CRFB/88, art. 1º, III; 3º, IV) (BRASIL, 2015, p. 67).
A ministra Carmem Lúcia acompanhou os votos que atendiam ao pedido sucessivo da inicial. E justificou o seu voto dizendo:
Não tenho dúvidas de que no texto, a expressão ‘homossexual ou não’ significa uma opção atentatória à liberdade sexual, discriminatória, fruto de preconceito. A humanidade já sofreu e continua a sofrer por tantas e tão graves formas de preconceitos, um dos quais é exatamente esse (BRASIL, 2015, p. 70).
O ministro Gilmar Mendes não fundamentou o seu voto, apenas acompanhou os votos da maioria, julgando procedente o pedido sucessivo da inicial (BRASIL, 2015).
Já o ministro Celso de Mello acompanhou o voto da ministra Rosa Weber e julgou integralmente procedente a presente ADPF (BRASIL, 2015). Fundamentou o seu voto proferindo que:
A questão da homossexualidade tem assumido, em nosso Pais, ao longo de séculos de repressão, de intolerância e de preconceito, graves proporções que tanto afetam as pessoas em virtude de sua orientação sexual, marginalizando-os, estigmatizando-as e privando-as de direitos básicos, em contexto social que lhes é claramente hostil e vulnerador do postulado da essencial dignidade do ser humano (BRASIL, 2015, p. 73).
O ministro Celso de Mello finaliza expressando que “com esse julgamento, o Brasil dá um passo significativo contra a discriminação e contra o tratamento excludente que têm marginalizado grupos minoritários em nosso Pais” (BRASIL, 2015, p. 80).
Dentro dessa quadra de raciocínio, o Tribunal, por maioria e nos termos do voto do relator, conheceu da ação e julgou parcialmente procedente, a arguição para declarar não recepcionadas pela CRFB/88 a expressão “pederastia ou outro”, mencionada da rubrica no mencionado artigo, e a expressão “homossexual ou não”, contida no dispositivo. Sendo vencidos os ministros Rosa Weber e Celso de Mello que julgavam integralmente procedente (BRASIL, 2015).
Destarte, ficou prevalecendo, no CPM, a seguinte redação do art. 235, com a rubrica “ato libidinoso”, ficou mantido da seguinte maneira “praticar ou permitir o militar que com ele se pratique ato libidinoso em lugar sujeito à administração militar: Pena – detenção de seis meses a um ano”.
Considerações Finais
A ADPF é uma ação de controle concentrado que combate o desrespeito aos conteúdos mais relevantes da CRFB/88, praticados quer seja por atos normativos ou não normativos. O presente artigo verificou a (in) constitucionalidade no artigo 235 do CPM tendo em vista o ajuizamento da ADPF 291.
Salienta-se que, o Direito Penal e o Direito Processual Penal são um conjunto de normas que interligam a conduta criminosa e a consequência desta ação, disciplinando também as relações jurídicas que derivem disso, possuindo por vezes nuances especiais como no Direito Penal Militar.
Vale frisar que, em caso de lacunas ou possíveis inseguranças jurídicas devem os códigos se pautar pelas disposições abarcadas através dos princípios que constituem o direito pátrio positivado.
Especificamente analisando o artigo 235 do CPM frente ao ajuizamento e julgamento da ADPF 291, em que se questionava a violação aos princípios da liberdade, isonomia, dignidade da pessoa humana e direito à privacidade, bem como, a declaração de inconstitucionalidade dos termos “pederastia” e “homossexual” na esfera penal, infere-se que há um claro ataque as bases constitucionais vigentes. Tal afronte foi reconhecido por maioria do Plenário do STF, sendo a ADPF 291 julgada parcialmente procedente.
Visando a uma justiça que se embase na correta aplicação do direito aos indivíduos parte-se da premissa da não existência de preconceitos e discriminação nas normas cuja intenção seria proteger de forma explícita e ampla as minorias que existam nos mais diversos grupos sociais.
Portanto, o fato de existir termos que segreguem alguns indivíduos dentro dos dispositivos legais ratifica possibilidade subsistência de insegurança jurídica para os sobreditos cidadãos, uma vez que, no caso especifico do artigo 235 do CPM existe a possibilidade de punição na seara penal pela orientação sexual.
Consigna pontuar por conseguinte que, ao se aplicar a punição interligada ao desrespeito do artigo 235 do CPM apenas em decorrência e razão da orientação sexual existe um tratamento desigual entre os indivíduos lesionando princípios constitucionais.
Não obstante, essa pesquisa não tem o intuito de criticar a aplicabilidade da Lei n. 1.001/69 com o fito de desqualifica-la, mas, sim, intenciona-se a analisar a relevância da propositura da ADPF 291, bem como de seu julgamento.
É de todo conveniente assentar portanto que, existe uma real necessidade da modificação do artigo 235 do CPM com a retirada dos termos que afrontem a constituição, vez que, assim, a aplicabilidade fática da lei não faria acepções dentre as mais diversas orientações sexuais e evitaria a discricionariedade das decisões, bem como, o possível caráter discriminatório de homossexualidade dos militares nas Forças Armadas.
Referências
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[1]Discente das Faculdades Integradas do Norte de Minas – FUNORTE. talitaemanuelle97@outlook.com
[2]Estudante regular do programa de curso para doutorado em direito constitucional da Facultad de Derecho de La Universidad de Buenos Aires – UBA (2019). Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela UMSA – Universidad Del Museo Social Argentino (2017). edmilson.rodrigues@funorte.edu.br
[3]LGBTQI+: é a sigla para definir Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros, Queer (atua com a ideia que abrange as pessoas de ambos os gêneros que possuem uma variedade de orientações, preferências e hábitos sexuais, ou seja, um termo neutro que possa ser utilizado por todos os adeptos desse movimento), Intersexo (pessoas em que a sua característica física não é expressa por características sexuais exclusivamente masculinas ou femininas) e assexual (pessoa que não possui atração sexual nem por homens e nem por mulheres ou que não possua orientação sexual definida). Disponível em: http://prceu.usp.br/uspdiversidade/lgbtqia/o-que-e-lgbtqia/. Acesso em: 27 maio 2019.
[4]No que diz respeito a ratione materiae, é a determinação da competência em razão do direito material que rege a relação jurídica levada a apreciação do Poder Judiciário, é adotado por exemplo para atribuir competência aos órgão do judiciário, como no caso das Justiças Especiais. Disponível em:https://rhamachado.jusbrasil.com.br/artigos/265175358/competencia-no-processo-penal. Acesso em: 28 maio 19.
[5]Na ratione personae, está relacionada a alguma característica circunstancial das pessoas envolvidas no litígio. Por questões de política criminal, entende-se que determinadas pessoas, ao desempenhar certas funções ou ocupar certos cargos devem ser julgados por órgãos diferentes daqueles que ordinariamente julgariam os demais infratores. Disponível em: https://rhamachado.jusbrasil.com.br/artigos/265175358/competencia-no-processo-penal. Acesso em: 28 maio 19.
[6]Sodomia é a relação sexual anal entre um homem e outro; sexo anal entre um homem e uma mulher. Disponível em: https://www.dicio.com.br/sodomia/. Acesso em: 17 jul. 19.
[7]“Todo o indivíduo ao serviço da marinha de guerra (ou do exército) que atentar contra a honestidade de pessoa de um ou outro sexo por meio de violência ou ameaças, com o fim de saciar paixões lascivas, ou por depravação moral, ou por inversão de instinto sexual” (BRASIL, 1981).
[8]Ultima ratio é o último recurso a ser usado pelo Estado em situações de punição por condutas punitivas, recorrendo-se apenas quando não seja possível a aplicação de outro tipo de direito, por exemplo, civil, trabalhista, administrativo, etc. Disponível em: https://www.significados.com.br/ultima-ratio/. Acesso em: 27 maio 19.
[9]O Lampião da Esquina foi umjornal homossexual brasileiroque circulou durante os anos de 1978 e 1981. Nasceu dentro do contexto de imprensa alternativa na época da abertura política de 1970, durante o abrandamento de anos de censura promovida pelo Golpe Militar de 1964 […]O subsidio para a circulação veio por meio da criação de uma editora também chamada de Lampião e de colaboradores que doaram algumas quantias em moeda. No total teve 38 edições, incluindo o número zero. Inicialmente, cada edição, teve uma circulação aproximada de 10 a 15 mil exemplares em todo o país. Disponível em: http://www.grupodignidade.org.br/projetos/lampiao-da-esquina/. Acesso em: 28 ago. 19.
[10]A AIDS, sigla em inglês para a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Acquired Immunodeficiency Syndrome), é uma doença do sistema imunológico humano resultante da infecção pelo vírus HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana – da sigla em inglês). Disponível em: http://giv.org.br/HIV-e-AIDS/O-Que-%C3%A9-a-AIDS/index.html. Acesso em: 03 set 19.
[11]O Grupo Gay da Bahia é a mais antiga associação de defesa dos direitos humanos dos homossexuais no Brasil. Fundado em 1980, registrou-se como sociedade civil sem fins lucrativos em 1983, sendo declarado de utilidade pública municipal em 1987[…] O GGB é uma entidade guarda-chuva que oferece espaço para outras entidades da sociedade civil que trabalham em áreas similares especialmente no combate a homofobia e prevenção do HIV e AIDS entre a comunidade e a população geral. Disponível em: https://grupogaydabahia.com.br/. Acesso em: 03 set 19.
[12]A Convenção Americana de Direitos Humanos, popularmente conhecida como Pacto de São José da Costa Rica é um tratado celebrado pelos integrantes da Organização de Estados Americanos (OEA), adotada e aberta à assinatura durante a Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em San José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969 e tendo entrado em vigor a 18 de julho de 1978 […] e tem como objetivo estabelecer os direitos fundamentais da pessoa humana, como o direito à vida, à liberdade, à dignidade, à integridade pessoal e moral, à educação, entre outros similares. Disponível em: https://www.infoescola.com/direito/pacto-de-sao-jose-da-costa-rica/. Acesso em: 14 set. 2019.