Francisco Nelson de Alencar Junior*
Marisa Rossafa**
Resumo
Para o bom andamento das investigações criminais e, consequentemente, apurar quem foi o verdadeiro autor do crime, o Estado precisa se utilizar de ferramentas que estão a sua disposição, tais como a preservação do local, perícias, prisão temporária, esta última tem seus fundamentos e razões próprias de se decretar.
Vejamos quais são esses fundamentos e como a doutrina e os juízes estão entendendo a sua aplicabilidade, de acordo com os princípios basilares da justiça.
O importante será, sempre, manter a integridade física dos averiguados, bem como o regular andamento das investigações, uma vez que a garantia constitucional da presunção de inocência não pode ser desrespeitada.
Palavras-chave: prisão. efetividade. soltura. extrema. necessidade.
Abstract
For the good progress of criminal investigations and, consequently, to determine who was the real author of the crime, the State needs to use the tools that are at its disposal, such as the preservation of the place, expertise, temporary imprisonment, the latter has its foundations and proper reasons for decreeing.
Let’s see what these fundamentals are and how doctrine and judges are understanding their applicability, according to the basic principles of justice.
The important thing will always be to maintain the physical integrity of the investigated, as well as the regular progress of investigations, since the constitutional guarantee of the presumption of innocence cannot be disrespected.
Keywords: imprisonment. effectiveness. release. extreme. need.
Sumário. Introdução. 1. Aspectos gerais da prisão temporária. 2. Decisões. Conclusão. Referências
Introdução
Antes de nos adentrarmos ao tema que nos remetemos no título, é preciso contextualizar o leitor quanto às possíveis prisões em nosso sistema penal. Nosso despertar do interesse pela matéria criminal inicia-se com os noticiários televisivos, que raramente nos explicam o porquê de uma pessoa ser presa, confessar e logo depois sair pela porta da frente. O leigo – e muitas vezes algum estudante-, pode colocar na conta do nosso código penal que está vigente desde 1940. Esclarecemos, inicialmente, que a aludida norma já passou por várias reformas que não nos cabe aqui esgotar, mas convidamos a buscar o diploma normativo e verificar as remissões de reforma que costumam aparecer em links azuis quando consultamos o site do Planalto.
Sem perder o rumo, vamos voltar ao noticiário da tevê que colocamos acima. A explicação da repentina e, para muitos descabida, soltura não está na senilidade da lei, mas em um princípio consagrado pela constituição e por normas internacionais de direitos humanos aceitos por nossa legislação, é o chamado princípio da presunção de inocência. Este é um dos pilares da matéria penal e incompreendido por muitos. Explicamos. Para que uma pessoa seja considerada culpada e assim cumpra a pena estabelecida na lei, é preciso que um poder estatal, no caso o judiciário, a condene definitivamente, mas garantindo a ela o direito de ser ouvida.
Dessa forma, mesmo aquele que foi preso no momento que cometia o crime ainda não passou pelo judiciário, tampouco realizou a sua defesa, razão pela qual não é ainda um culpado para o direito. Sendo assim, a pena ainda não pode ser aplicada a ele.
Assim, temos a chamada prisão decorrente de sentença condenatória transitada em julgado. A pessoa que cometeu o crime passa por um julgamento justo, realizado por um juiz imparcial, defendida por um profissional habilitado e lhe é garantido todas os meios de defesa. Esse caminho percorrido até a condenação, chama-se me jurisdiquês de devido processo legal.
Estabelecida essa premissa básica, esclarecemos que há exceções legítimas que autorizam a prisão do indivíduo antes mesmo de sua decretação de culpa, como manda a Constituição. Essas prisões fora do contexto da presunção de inocência são aplicadas apenas em caso de extrema necessidade, visto que vão de encontro com o princípio master da presunção de inocência. Por tratar-se de exceção deve ser obrigatoriamente fundamentada pela autoridade judiciária, desaparecendo sua legalidade quando os motivos que sustentaram sua decretação desaparecerem. Uma dessas prisões antes do final do processo é a famigerada prisão temporária, que buscaremos explicar nessas breves linhas.
1. Aspectos gerais da prisão temporária
Há rumores na doutrina de que a prisão temporária, veio para substituir a antiga prisão para averiguação. Prende-se, identifica-se para depois decidir o que fazer com o cidadão. Nem de longe a prisão temporária lembra a aludida prisão, visto que é necessária a decretação pela autoridade judiciária, preenchendo os requisitos legais que iremos esclarecer.
Nas palavras de Nucci[1] é uma modalidade de prisão cautelar, cuja finalidade é assegurar uma eficaz investigação policial, quando se tratar de apuração de infração penal de natureza grave. Ainda ausente o contraditório, há apenas duas situações que autorizam a sua decretação:
1. “quando imprescindível para as investigações do inquérito policial” (inc. I), associando-se ao fato de haver “fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes: a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2.º, …); 2. “quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade” (inciso II) em combinação com os crimes escritos no referido inciso III.
Trazida pela Lei nº 7.960/89, veio para salvaguardar as investigações que antecedem o oferecimento da denúncia. Melhor dizendo, seria uma prisão para investigação, seja ela conduzida pela autoridade policial ou não.
Algumas peculiaridades que temos nesse cautelar é o rol taxativo de tipos penais que admitem essa prisão. Sim, leitor. Não é qualquer crime que se imagine que podemos prender o suposto autor para a investigação. É necessário que a conduta esteja descrita lá no inciso III, do artigo primeiro da Lei. Em síntese, para que uma prisão temporária seja decretada, o inciso III do art. 1º (Lei 7.960/1989) sempre deverá estar presente, ora combinado com o inciso I (“quando imprescindível para as investigações do inquérito policial”), ora combinado com o inciso II (“quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade”), todos da Lei 7.960/1989.
Atente-se para o momento para a decretação da prisão temporária: durante as investigações, que são as manobras realizadas para servirem de suporte para o titular da ação se convencer da autoria e materialidade do crime e promover a inicial acusatória. Nesta senda, somente o delegado de polícia e o ministério público podem requerer a prisão temporária. Ela não pode ser decretada de ofício. Agindo assim, o juiz contaminaria sua imparcialidade, ao fazer prejulgamentos que não são possíveis diante da separação das funções no sistema acusatório vigente.
Para que a autoridade peça ao juiz a decretação desta prisão, a lei aponta que deve se tratar de solução imprescindível para o deslinde as investigações, assim podemos anotar como pressupostos da prisão temporária, o fumus comissi delicti, que se trata da grande probabilidade de que aquela pessoa realimente cometeu alguns dos crimes descritos no inciso III do art. 1º da Lei 7.960/1989, ora combinado com o inciso I (“quando imprescindível para as investigações do inquérito policial”), ora combinado com o inciso II (“quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade”), todos da Lei 7.960/1989, o periculum libertatis, que significa que esta pessoa solta está impossibilitando a ação do Estado porque destrói provas, por exemplo. Por fim, deve-se demonstrar a insuficiência das cautelares diversas da prisão, constantes do artigo 319 do Código de Processo Penal. São medidas que restringem a liberdade do indivíduo apenas em parte, como a proibição de frequentar determinados lugares, o uso de tornozeleira eletrônica, entre outras.
Verificados os pressupostos, o juiz determinará a prisão pelo tempo que a lei determinar, podendo haver prorrogação, desde que em decisão fundamentada. Para os crimes comuns, a prisão será de 5 (cinco) dias prorrogáveis por igual período e para os crimes hediondos, Lei nº 8.072/90, o tempo salta para 30 (trinta) dias prorrogáveis por mais 30 (trinta) dias.
Importante notar que o mandado de prisão conterá necessariamente o período de duração da prisão temporária, bem como o dia em que o preso deverá ser libertado, não necessitando de nova ordem para a soltura, conforme descreve o § 7°, do artigo 2º da lei, que dispõe que decorrido o prazo contido no mandado de prisão, a autoridade responsável pela custódia deverá, independentemente de nova ordem da autoridade judicial, pôr imediatamente o preso em liberdade, salvo se já tiver sido comunicada da prorrogação da prisão temporária ou da decretação da prisão preventiva.
2. Decisões.
Ainda, nunca se pode determinar a prisão temporária de um suspeito somente para colher suas declarações, ou não deveria. Ou ele atrapalha a investigação e deve ser preso temporariamente por 5 ou mais dias[2], ou não. Outro desvio de finalidade do propósito da lei processual penal, que não dignifica a Justiça. Sob pena de configurar crime de abuso de autoridade, conforme prevê o art. 10 da Lei 13.869/2019 (TJSP; 2204244-27.2018.8.26.0000; Relator (a): Cardoso Perpétuo; Data do julgamento: 18/10/2018).
Apesar de algumas decisões de primeira instância apresentarem, ainda, justificativas vagas para justificar a prisão temporária, não apresentar algo de forma concreta, muitas decisões seguem e são prolatadas desta forma, o que deveria ser inadmissível em nosso sistema.
A doutrina já nos orienta no sentido de que é imprescindível estarem presentes os requisitos da temporária em seus incisos I e II cominados com o III da lei da temporária, a jurisprudência também é neste mesmo sentido, razão pela qual a ordem de prisão temporária deveria ser imediatamente revogada. Vejamos.
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO TEMPORÁRIA. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO ESPECÍFICA QUANTO À IMPRESCINDIBILIDADE DA CUSTÓDIA PARA AS INVESTIGAÇÕES. INEXISTÊNCIA DOS REQUISITOS AUTORIZATIVOS EXPRESSOS NA LEI N.º 7.960/89. ORDEM CONCEDIDA. 1. A prisão temporária, diversamente da prisão preventiva, objetiva resguardar, tão somente, as investigações a serem realizadas no inquérito policial. No caso dos autos, não foram enunciados dados concretos acerca da necessidade da prisão temporária para a conclusão das investigações. 2. Com efeito, o decreto prisional não apresentou nenhuma motivação referente a eventuais obstáculos que o Paciente pudesse oferecer às investigações realizadas no inquérito policial, que justificassem a segregação temporária, nos termos do art. 1.º, incisos I e III, alínea “a”, da Lei n.º 7.960/89. 3. Ordem concedida, para revogar a prisão temporária decretada em desfavor do Paciente, sem prejuízo de eventual decretação da prisão preventiva, desde que presentes os seus requisitos.
Decisão: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ) e Gilson Dipp votaram com a Sra. Ministra Relatora. (STJ; 2009/0205553-3; Órgão Julgador: 5ª Turma; Relator (a): Laurita Vaz; Data do julgamento: 23/08/2011)
Por fim, nunca é demais lembrarmos que, a prisão temporária deve ser entendida como extrema exceção ou a última ratio e imprescindível à investigação, sob pena de banalizar o instituto da presunção de inocência (TJDFT; 0727168-66.2020.8.07.0000; Órgão Julgador: 2ª Turma Criminal; Relator (a): Robson Barbosa De Azevedo; Data do julgamento: 03/09/2020). Caso o investigado vem colaborando desde o primeiro dia com as investigações, não teve contato nem ameaçou nenhuma testemunha, por exemplo, entregou o seu celular e da esposa, vítima, retirando a senha do seu (só não da esposa pois não sabia), demonstrando total respeito a investigação, não deveria ter o decreto de prisão temporária.
Conclusão
As prisões cautelares, por serem de extrema excepcionalidade, devem ser adequadamente especificadas na lei, sob pena de ferirem o princípio da presunção de inocência. Assim, para que uma pessoa tenha seu sagrado direito de ir e vir cerceado, é necessário que a autoridade judicial analise a necessidade com base na disposição da lei, que especifica as situações em que são permitidas para aquele caso específico.
A prisão temporária só pode ser decretada nas investigações e a pedido do ministério público e delegado de polícia, sendo vedado à autoridade judiciária sua decretação de ofício e fora das possibilidades elencadas na lei, devendo ser imprescindível às investigações.
Concluímos que se trata de uma medida em total consonância com os ditames constitucionais que, ao mesmo tempo que busca a aplicação da lei penal, também preserva o direito de liberdade do cidadão que deve passar pelo processo penal e ter uma sentença penal transitada em julgado para ser considerado culpado.
REFERÊNCIAS
JUNQUEIRA, Gustavo. Manual de direito penal: parte geral / Gustavo Junqueira e Patrícia Vanzolini. – 5. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2019.
Nucci, Guilherme de Souza. Curso de direito processual penal / Guilherme de Souza Nucci. – 17. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2020.
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120) – vol. 1 / Cleber Masson. – 13. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2019.
* Mestre em Direitos Fundamentais pela UNIFIEO. Advogado. Coordenador do curso de Direito e professor na Faculdade Anhanguera de Taboão da Serra.
** Especialista em Direito Criminal pela LFG. Advogada. Professora do curso de Direito na Faculdade Anhanguera de Taboão da Serra.
[1]Nucci, Guilherme de Souza. Curso de direito processual penal / Guilherme de Souza Nucci. – 17. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2020, pp. 953 – 958.
[2]Para os crimes hediondos – Lei nº 8.072/90 – 4o A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei no 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.