Direito Tributário

Reforma (In)Constitucional Tributária

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo enfrentar algumas questões referentes a Reforma Tributária e as possíveis consequências que podem acarretar no nosso ordenamento jurídico.

Abordaremos o intuito das algumas das facetas da reforma pretendida pelos contribuintes, pelo Fisco, se ela é eficaz e atende aos reclamos previstos na Constituição Federal, com vistas à proteção de valores fundamentais da sociedade brasileira com a positivação de valores fundamentais.

De outro modo, verificaremos se há uma “carta em branco” para o poder da reforma constitucional e se isso não implicaria em alteração das discriminações das competências tributárias dos entes federados que integram o estado de direito, já que é por meio das competências tributárias fixadas a priori no Texto Maior, é que se encontra o poder de tributar.

Nesse contexto, analisaremos a possibilidade da reforma constitucional tributária atentar a princípios formadores do estado de direito e as consequências que advém de sua não observância, sempre reconhecendo as falhas do nosso sistema tributário e as distorções de seus mandamentos.

Outro ponto que iremos abordar é se de fato existe necessidade de criação de um Código de Contribuintes ou um Código de Processo Tributário que unifique toda a legislação esparsa a fim de simplificar o direito tributário, a relação entre fisco e contribuinte, com ênfase em resguardar direitos e garantias fundamentais declaradas na Constituição Federal

A escolha do tema se justifica pelo sentimento generalizado da sociedade brasileira de que uma reforma tributária seria imprescindível, bem como pelas recentes notícias de reforma tributária, bem como a alteração de leis e emendas, mitigando a competência tributária de provocando a desestabilização jurídica.

O nosso ponto de vista com relação a reforma, restringe tão somente a visão constitucional, partindo da premissa dos princípios fixados na Constituição Federal.

O poder de tributar do Estado também se baseia em competências previamente delimitadas e essas alterações somente podem ser efetuadas se não esbarrarem em cláusulas pétreas, ou seja, o poder reformador tem limite para proceder alterações, cuja matéria foi exaustivamente tratada pela Constituição Federal.

Assim que o Texto Magno coloca à disposição do poder derivado, objetos da reforma, sem que haja a quebra da ordem jurídica, consubstanciando uma reforma pacífica do sistema político, mantendo a rotatividade, a renovação.

Concluímos ser possível uma reforma tributária que mantenha a ordem jurídica desde que o poder reformador aja dentro dos limites a ele imposto pelo poder constituinte originário de forma a manter o princípio federativo, autonomia dos entes políticos e a segurança jurídica.

2. O SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO

Antes de discutir o possível sentido da reforma tributária, necessário apontar uma perspectiva teórica consubstanciada na definição do que vem a ser Sistema Constitucional Tributário e nesse viés, cabe ressaltar a importância da linguagem para a regulamentação das condutas sociais, pois é usada para delimitar o próprio ato de conhecimento, já que é constitutivo de todo saber humano.

Como o direito é objeto cultural, a linguagem tem extrema relevância pois carrega em si uma função de prescrever a realidade jurídica, através de recortes metodológicos, criando uma versão de eventos mediantes rastros e marcas.

Toda premissa de conhecimento pressupõe uma relação de linguagem que ocorre dentro de um processo comunicacional, no plano dos enunciados, onde essa linguagem determinará a diferença de cada instituto e a importância da verificação de cada norma válida dentro do direito positivo como objeto da ciência do direito, que irá descrevê-lo com cortes metodológicos precisos no intuito de entender e verificar a aplicação da norma jurídica existente no ordenamento jurídico.

O direito positivo tem sua importância se levada em consideração todo o aspecto histórico, consubstanciado no comportamento humano e convívio social especificamente na maneira prescritiva de regular as condutas.

Destarte, necessário debruçar e esmiuçar no universo dessas normas jurídicas, criando uma metodologia a fim de observar, investigar, descrever através de uma linguagem apta a conduzir conhecimentos.

Como o direito é constituído por linguagem, a expressão sistema jurídico também possui a vaguidade e ambiguidade, podendo tanto significar o sistema da ciência do direito, como o direito positivo, que por sua vez poderá causar ao intérprete erro na sua compreensão, principalmente da diversidade da apresentação de significações.

Como conjunto de enunciados prescritivos é aquele que visa regular condutas intersubjetivas, deve ser compreendida pelos sujeitos destinatários como condição de sua aplicabilidade.

Diante da multiplicidade de significados, escolhemos aquele significa de que o sistema pode ser um conjunto de elementos, de estrutura e relações que se estabelecem. Nos dizeres do professor Paulo – “a forma das formas”, a conjunção de elementos governados por uma ideia comum.

O vocábulo sistema quer significar a existência de um conjunto formado por elementos que se relacionam entre si, segundo certos padrões, ou seja, vários elementos reunidos por uma característica comum e organizados por determinados padrões.

Tácio Lacerda Gama, reproduzindo Robles Morchon[1] diz que:

“O sistema é o resultado de elaboração doutrinária ou científica de um texto bruto do ordenamento. O sistema implica a organização do material jurídico e sua interpretação. É a apresentação de maneira sistemática, conceitualmente depurada, livre de contradições e ambiguidades.”

O que interessa para o intérprete do direito é aquele sistema como instrumento constitutivo da realidade e sua autorreferenciabilidade.

Assim é o sistema de direito positivo como as variações terminológicas a fim de descrever o discurso jurídico, neste sentido não é somente descrever, mas também prescrever, tendo em vista que pode haver inúmeras construções hermenêuticas sobre o texto, visando interpretá-lo, compreendê-lo, reorganizá-lo, enfim a prerrogativa de sistema é tanto o discurso da ciência do direito como discurso do direito positivo.

Sistema pode ser entendido então como algo organizado, ordenado, estruturado, no sentido de manter-se a ordem e o sistema do direito positivo assim o é: “fundado em alguns poucos pilares, em normas de estrutura que organizam toda a tributação nacional. Esses poucos pilares determinam a reunião de normas jurídicas em traços comuns, os tributos[2]…”

Ademais, o direito positivo como objeto cultural há que ser regulado por normas, que se relacionam de várias maneiras, segundo princípios unificadores que dentro do sistema necessitam aparecer em estrutura hierarquizada e organizada, seja no sentido material ou no sentido formal.

Todas as normas convergem para uma norma fundamental que dá validade a todo o sistema, imprimindo unidade e homogeneidade ao sistema.

O sistema jurídico então se constitui pela linguagem.

Neste aspecto, podemos dizer que o movimento político, jurídico e ideológico que concebeu e até mesmo aperfeiçoou a ideia de restruturação racional do Estado e de limitação do poder de tributar foi concretizada por meio da elaboração da Constituição Federal, considerada como Lei Suprema.

Essas normas estão prescritas e organizadas na Constituição Federal do Brasil de 1988, especificamente no título da tributação e do orçamento regulando desde os princípios gerais até a repartição das receitas tributárias, sem prejuízo daquelas normas implícitas no sistema tributário como um todo.

Neste sentido, o sistema é legitimado pela Constituição, e a partir de então pelos demais escalões existentes no ordenamento jurídico a fim de verificadas sua análise e seu funcionamento diante das constantes mutações no que se refere à criação e transformação no complexo de normas existentes.

A Constituição é o espaço por excelência onde serão formadas as linhas gerais a fim de formar a organização do estado, formado por subsistemas que se entrecruzam em diversas direções.

Esses subsistemas deverão ser sempre integrados no sentido de norma; o sistema constitucional tributário é um subsistema formado pelo quadro que versa sobre matéria tributária, em nível constitucional, mantendo sempre uma relação de coordenação, subordinação, tecendo com mesmo grau de juridicidade, por meio do modal deôntico.

O subsistema constitucional tributário visa às funções do Estado no sentido de arrecadação para a manutenção de suas despesas e para usar visando satisfazer a necessidade da coletividade, possuindo medidas harmoniosas e conciliadoras visando atingir o valor supremo da certeza, segurança das relações jurídicas estabelecidas entre administração e administrados e ao fazê-lo enuncia princípios que influenciam outras regras que lhe são subordinadas.

Significa dizer que o sistema constitucional tributário é formado por princípios que se mostram hierarquizados, alguns implícitos e outros explícitos, com efeitos sobre outros, condicionando com novos princípios, fazendo com que o intérprete ingresse nesse universo para extrair o conteúdo da norma.

Todos os princípios devem estar coerentes com o contexto geral do sistema, do ordenamento jurídico. A Constituição Federal, por sua vez é a base de todo o ordenamento jurídico, principalmente do direito tributário, de tal sorte que as normas e princípios fundamentais estão consagrados na Lei Maior e devem manter consonância com esta, independentemente de estarem ou não expressamente previstas, devendo estar em uma relação de pertinencialidade ao sistema.

Segundo Renato Lopes Becho[3]:

“O direito tributário existe para proteger o contribuinte, o cidadão, a Força do Estado. As normas exacionais, antes serem autorizações para tributar são proteções contra a tributação sem limites. A justificativa para esse posicionamento é encontrada na história: sem a legislação, o soberano recolhia o quanto de bens queria do patrimônio de seus súditos. Também é possível imaginar-se o que aconteceria, atualmente, se não tivéssemos as leis tributárias: o Estado, pela atuação dos agentes do Fisco, exigiria a título de tributo o que quisesse, sem limites preestabelecidos.”

Então, o legislador constituinte originário estabeleceu que as normas inseridas na Constituição Federal se destinam a assegurar o Estado Democrático de Direito, tendo um dos princípios basilares a observância da segurança jurídica.

E como consequência da observância das normas fundamentais, a União, os Estados, Municípios e o Distrito Federal como entes autônomos necessitam de recursos como forma de receita própria e custeio do interesse público, tal qual a competência a eles atribuídas é uma forma de arrecadação.

Os entes tributantes titulares dessas aptidões de criar in absctrato tributos devem descrever de forma minuciosa suas referidas hipóteses de incidência, sujeito passivo, alíquota, base de cálculo, desde que esteja de acordo com o que delimitou previamente o comando constitucionais, por meio dessas normas de estruturas.

Diz-se norma de estrutura pois são preceitos de conduta direcionadas aos legisladores ordinários, de tal modo que a proposição normativa qualifica estados, pessoas e coisas e disciplina por inteiro o relacionamento intersubjetivo, afirmando e ora negando competência para criar imposição em relação a certos fatos especiais e determinados.

Segundo Aliomar Baleeiro, em Direito Tributário Brasileiro:

“O artigo 6º do CTN esclarece que a Pessoa de Direito Público Interno competente para decretar um tributo também é competente para a “legislação plena” sobre o mesmo, desde que qualquer delas não contrarie a Constituição Federal.” (BALEEIRO, 2010, p.75.)

Por outro lado, quis o constituinte originário conceder aos seus indivíduos a titularidade de diversos direitos e prerrogativas fundamentais, valores supremos também positivados na Lei Maior.

Esses direitos são uma das mais importantes conquistas, pois outrora o Estado ocupava definitivamente lugar privilegiado entre os demais cidadãos. Nos dizeres de ROQUE ANTONIO CARRAZZA, “isto decorreu em virtude do acolhimento das novas concepções do Homem no pensamento ocidental.”

3. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

O exercício do Poder de Tributar e a soberania do Estado Brasileiro está disciplinado na Constituição Federal de modo que a faixa de competência equivale a suas próprias regras de formação e estruturação.

Assim podemos dizer que a competência é um assunto constitucional na medida em que define a parcela de poder de cada pessoa política, com a possibilidade de criação de normas jurídicas sobre tributos.

O Brasil como um estado federado prevê a autonomia dos federativos numa repartição constitucionalmente estabelecida de competências tributárias, legislativas e administrativas; é um dos pontos nucleares do estado federal.

Em um estado do tipo federado a definição de competências dá equilíbrio entre os entes, conferindo autonomia política, assegurando isonomia entre eles, cada um possui o conjunto de atribuições desde o momento de sua fundação.

Esta definição deve obedecer ao conjunto de normas jurídicas constitucionais que definem o campo de atuação do legislador e este não age de forma livre, já que a norma de competência deve ser interpretada num conjunto sistemático.

Tácio Lacerda Gama[4] afirma que:

“A ideia de um poder único não se realiza numa situação concreta. Todos os Estados dividem competências entre agentes que concorrem na expressão de sua vontade. A forma dessa divisão, porém, varia intensamente. Segundo a existência da menor ou maior descentralização das funções estatais é possível afirmar a existência de um Estado Unitário ou Federal, respectivamente.”

Neste aspecto, dizemos que o Brasil tem como cláusula pétrea o princípio federativo, com autonomia dada a cada ente federado, sendo interdito anular ou mitigar quaisquer aspectos das competências, que a priori, estão estabelecidas na Constituição Federal elaborada pelo poder constituinte e por estar nela prevista, consubstancia uma garantia.

Uma das definições de competência que compartilhamos é aquela apresentada pelo mestre Roque Carrazza (2009, p.519) que é a aptidão atribuída aos entes políticos para a instituição de tributos que a Constituição lhes outorgou, como poder de imposição. Suas características são (i) privatividade, (ii) indelegabilidade, (iii) incaducabilidade, (iv) inalterabilidade, (v) irrenunciabilidade, (vi) facultatividade. Já o professor Paulo entende que são três características, tais como (i) indelegabilidade, (ii) irrenunciabilidade e (iii) incaducabilidade.

Competência legislativa é a aptidão de que são dotadas as pessoas políticas para expedir regras jurídicas, inovando o ordenamento positivo, operando-se pela observância de diversos atos caracterizando o procedimento legislativo e no âmbito tributário ela descreve suas hipóteses de incidência, sujeitos ativos, sujeitos passivos, suas bases de cálculos, suas alíquotas, consubstanciando no arquétipo da regra matriz de incidência tributária, obedecidos determinados aspectos formais.

Assim leciona Roque Antonio Carrazza[5]:

“Competência Tributária é a aptidão para criar, in abstracto tributos. No Brasil, por injunção do princípio da igualdade, os tributos são criados, in abstracto por meio de lei (artigo 150, da CF) que, dever descrever todos os elementos essenciais da norma jurídica tributaria os que, de algum modo, influem no an e no quantum do tributo (…) esses elementos somente podem ser veiculados por meio de lei.”

A Constituição então traz todos os pressupostos de tributação, todos os requisitos importantes dos tributos que podem ser cobrados dos contribuintes, ela traz o arquétipo tributário, a estrutura, reduzindo a discricionariedade dos legisladores ordinários dos entes federados.

Com efeito, na competência, há a autonomia para o ente político e isso pode ser compreendido como aquele conjunto de faculdades que possibilita a aquisição de recursos necessários para o seu desenvolvimento e para custeio dos serviços que visem o interesse público, visando assegurar sua autonomia, que resultaria sobremaneira enfraquecida à medida que desacompanhada de autonomia financeira.

Tudo se inicia pelo princípio da legalidade para imprimir normas jurídicas inaugurais no ordenamento, ou seja, a lei é o instrumento introdutor dos preceitos jurídicos que criam direitos e deveres correlatos.

O constituinte possui a faculdade para editar normas que disciplinem a matéria tributária em todos os seus aspectos, tornando possível a realização concreta dos direitos subjetivos de que é titular o sujeito passivo.

A competência já está delimitada na Constituição Federal, sempre a ela pertenceu de tal sorte que a distribuição à outras pessoas de direito público não fazem com que deixem de pertencer à competência originária da Constituição Federal. Segundo professor Paulo de Barros Carvalho, o mandamento constitucional não precisa ser reproduzido, apenas respeitado, nada há que justifique a repetição.

Para tanto, deverá o legislador pautar-se dentro dos ditames constitucionais, sempre observando a limitação de competência e os princípios demarcadores que regem a matéria.

A própria descrição dos aspectos da Regra Matriz de Incidência Tributária veiculadas de antemão no texto constitucional permite compreender os limites máximos das competências impositivas para instituição, majoração de tributos, isenção, entre outros.

Isto posto, claro dizer que qualquer reforma pretendida deve se coadunar com os princípios e diretrizes constitucionais para que seja válida e eficiente.

4. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E A VINCULAÇÃO AO PODER REFORMADOR

O artigo 1º da Constituição Federal do Brasil prevê que: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constituindo-se em Estado Democrático de Direito.

A forma de estado adotada no Brasil é a federação de tal forma que isso implica dizer que podem coexistir no mesmo território, unidades dotadas de autonomia política, as quais possuem competências próprias discriminadas constitucionalmente.

O mesmo diploma legal (CF, art. 18) preceitua que todos os entes são pessoas jurídicas de direito público, com autonomia, sujeitando-se ao princípio da indissolubilidade do vínculo federativo.

O pacto federativo é cláusula pétrea e não pode, sob hipótese alguma ser abolida, inclusive não pode ser objeto de deliberação qualquer proposta de emenda neste sentido (CF, art. 60, III).

O Brasil também é uma república, sendo considerada a forma de governo pautada na igualdade jurídica das pessoas políticas, levando à igualdade de tributação. Esse princípio exige que os contribuintes recebam tratamento isonômico, conforme a excepcional síntese de Roque Carrazza.

A propósito, são as lições de Roque Carrazza:[6]

“O princípio republicano, embora não tipifique mais uma cláusula pétrea, continua a ser um dos mais importantes do nosso direito positivo (…), o desrespeito ao regime republicano acarreta (ou pode acarretar) a declaração de inconstitucionalidade de todo e qualquer ato emanado do Poder Público que, de modo efetivo ou potencial, venha a lesá-lo. A par disto, a vulneração deste princípio pode ensejar a decretação de intervenção federal nos Estados-membros…”

A segurança jurídica é decorrência do próprio Estado de Direito, de tal maneira que a tributação deve ser examinada sempre com o suporte constitucional, com os princípios e garantias identificadas em nível constitucional.

Uma perspectiva principiológica do sistema tributário é necessária na medida em que viabiliza o entendimento do direito tributário como um todo, a fim de verificar a instituição e majoração de tributos mediante lei e sua coerência com os valores máximos como estabilidade das relações jurídicas, intangibilidade das decisões, princípio da legalidade, princípio da anterioridade, princípio da isonomia princípio federativo, entre outros.

A norma jurídica brasileira é composta de um sistema de normas; de estrutura e norma de comportamento que por sua vez é composto de subsistemas que se cruzam e indicam múltiplas direções, mas sempre buscando o fundamento de validade da constituição, pairando por sobre os demais sistemas existentes no direito positivo, em razão da sua posição hierárquica, ocupando o ápice do ordenamento jurídico.

E nesse ponto a instrumentalização de garantias constitucionais deve andar com a pretendida reforma, visando inclusive atender ao princípio da segurança jurídica, já que segurança jurídica diz respeito a própria existência do sistema, pois ela vive no âmago das divergências, dos conflitos, das opiniões contrárias, outorgando certeza acerca da estabilidade da relação jurídico tributária, determinando o dever ser, como pauta cogente de previsibilidade.

Ademais, os princípios são tidos por alguns autores como normas dirigidas ao comportamento humano e sua orientação ao legislador, ocupando lugar importante no ordenamento jurídico, com características de norma jurídicas, muitas vezes difícil de individualizar.

Ricardo Guastini[7] apud Giufré assim entende:

“Os princípios são aquelas normas consideradas pelo legislador, pela doutrina, e/ou pela jurisprudência como o fundamento (num dos possíveis sentidos do termo […] de um conjunto de outras. Em síntese, são princípios as normas que, aos olhos de quem como caracterizantes do ordenamento ou de uma sua parte.”

Por algumas vezes na própria doutrina e na jurisprudência o ordenamento jurídico possui princípios expressos e os implícitos, com valoração diferenciada, dependendo da interpretação, sendo inclusive as vezes entendido como regra, fruto da integração do direito.

O princípio da segurança jurídica está implícito na Constituição Federal e o seu particular uso em matéria tributária, se dá na concretização do direito, através das garantias constitucionais previstas na Constituição.

Adotando a distinção preconizada por PAULO DE BARROS CARVALHO[8], partimos da premissa segundo a qual o vocábulo “princípio” pode ser utilizado para designar limites objetivos ou valores, sendo o grau de objetividade das proposições que veiculam o critério para diferenciá-los. O significado de um valor está condicionado à subjetividade do intérprete, sendo um juízo de preferibilidade de cunho subjetivo; o conteúdo dos limites objetivos, em contrapartida, é construído a partir de parâmetros bem demarcados, objetividade esta que permite sejam identificados de plano os casos de violação.

Cumpre assinalar as lições do mestre Paulo de Barros Carvalho[9]:

“…o quadro de imposições tributárias no Brasil, encontra-se sob o influxo de muitos princípios constitucionais; princípios constitucionais genéricos, que irradiam por toda a ordem jurídica, ativando e mesmo tolhendo o Estado nas relações com seus súditos, e princípios constitucionais especialmente canalizados para o terreno dos tributos.”

Todo princípio remete ao signo “valor”, porque se reconhece no enunciado prescritivo a presença de um valor, que significa dizer que sempre há necessidade de uma tomada de posição do ser humano perante alguma coisa, sendo sempre construído ao longo do tempo, com o efeito de historicidade que as estruturam e transcendem para muitos outros objetos.

Ademais no direito, os princípios são linhas diretivas que direcionam e iluminam, atraindo em torno de si regras jurídicas, que uma vez sob a sua influência manifesta a força de sua presença. Algumas vezes são expressas, podendo o legislador enunciá-los com clareza e determinação. Outras vezes, ficam omissas, implícitas, cabendo ao legislador uma força para que possa percebê-la, isolá-la, sendo por fim decisivo na concretude dos fenômenos jurídicos tributários.

A acepção do termo segurança diz respeito a não ter perigo e ter sua vida pautada na previsibilidade do que possa ocorrer, do que é certo, convicto.

De tal modo, o Congresso Nacional, no exercício do poder constituinte derivado, submete-se às limitações impostas pelo poder constituinte originário, concretizado na Constituição Federal e deve agir em estrita observância e consonância com seus termos, sob pena de incorrer em vício de inconstitucionalidade.

5. OS DIVERSOS MODELOS DE REFORMA TRIBUTÁRIA

As principais críticas à tributação atual no Brasil é que ela seria muito complexa, com alto custo para o Fisco e também para o Contribuinte. A complexidade está intrinsecamente ligada a várias espécies tributárias e as numerosas alíquotas, as diversas obrigações acessórias atribuídas ao contribuinte como a manutenção de livros fiscais, entre outros.

A sociedade tem e deve exigir um repensar de métodos, devem aspirar uma revolução na compreensão da Constituição, isso é ínsito da própria democracia – querer e exigir a eficácia dos direitos e garantias constitucionais, em face de novos fatos políticos e de novas demandas sociais e tecnológicas, bem como atual momento em que vivemos no Brasil, com a crise econômica instalada, a grande massa de desvios de recursos públicos noticiadas diariamente nos jornais, entre outros.

A propósito Márcio Púgiles[10] afirma:

“Vivemos uma etapa de incertezas, contradições, crises e, ao mesmo tempo, esse mais lento dos males, de esperança. Submetidos a transformações intensas no campo da cultura e as pressões de mesma estatura no campo econômico-financeiro, vemos um Direito, essa fronteira crítica submetida a toda variedade produzida nos sistemas sociais, buscando estabelecer situações de homeostase sistêmica por adaptações sucessivas de seus textos legais e pela tarefa hercúlea da busca de decisões que possam, na medida das possibilidades, se configurar como soluções – ainda que provisórias – aos inúmeros conflitos (…)

O novo é permanentemente criado e a novidade traz em si obsolescência do velho, que de fato, sempre persiste – gerando tensões de caráter organizacional extremamente complexas. O modo de produção transita do capitalismo industrial para a sociedade do conhecimento, ou como parece se impor: sociedade de dados. A produção de uma massa enorme de informações e informes, a possibilidade de armazenagem em nuvens, os motores de busca cada vez mais refinados e a onipresença de inteligência artificial no controle de processos – transformam o tempo, com a radicalidade tolerável a cada tempo. ”

As diversas emendas constitucionais no âmbito da tributação também é reflexo da crise social que passamos aos longos desses anos, ficando evidente a necessidade de uma reforma.

Indaga-se então se todos querem a mesma reforma tributária, não seriam os anseios dos fiscos e dos contribuintes conflitantes? A reforma constitucional seria legítima?

A respeito de uma possível mudança, Lourival Villanova[11], com ímpar maestria expõe:

“Podem surgir com o pregador da reforma social, ou com os portadores do saber institucional, novas teorias da política, teorias da sociedade, teorias do Estado, mas tais peripécias esbatem-se nos quadros firmes da legitimidade vigente, se provocam eficácia social: valem como sintomas de que a relação estabilidade/mudança acusa em algum ponto o fato emergente da crise. Mas, tão ponto a ponto é o fluxo do suceder histórico, que o futuro social está antecipado no presente social, como potencialidade bastante previsível.

(…)

“O Estado é uma entre outras estruturas políticas, justamente a que se sobrepõe, a que exerce o monopólio juridicamente legitimado do poder. Não digamos o poder de coação, pois deter poder político é deter poder de constituir ou desconstituir o direito, o poder de decisão jurisdicional dos conflitos de interesses que encontram qualificação relevante nas normas do direito, o poder de gerir os interesses coletivos na específica modalidade de exercício do poder é o poder de sancionar e coacionar. Poder que também é demarcado, limitado, delimitado normativamente como competência e não privilegio, ou uso arbitrário que precipita o poder em prepotência e converte seu titular em déspota. Mas poder despossuído de coação legitima é ineficaz. ”

(…)

“O que antecede server para confrontar os conceitos, nem sempre bem delimitados, de fato político, ato político e questões políticas. Os fatos políticos nem sempre canalizam-se nas vias normativas do direito político: ocorrem fatos políticos extraconstitucionalmente, por fora do direito fundamental de organização do Poder (em grupos de pressão, associação profissionais – sindicatos -, pode de crítica e de resistência de instituições universitárias, opinião pública, instituições religiosas).

Ainda que todos esses fatores de incidência no poder estatal constituam uma camada de crenças, convicções, atitudes, que ora assentem, ora dissentes da do Poder, não são fatos relevantes para os quadros normativos do direito público.”

Diante desse pequeno quadro de imperfeiçoes, várias propostas estão sendo discutidas atualmente e gerando grandes discussões entre juristas, economistas, políticos, Fiscos e Contribuintes.

Aqueles que são adeptos da reforma tributária no Brasil defendem um tipo de reforma estratégica pautada na reforma que compreende a mitigação de grandes litígios, do processo burocrático, eliminação da sonegação fiscal e a existência de um processo tributário, considerando um impedimento ao crescimento da economia, com cadastro único, eliminação das exigências de certidão negativa, compensação universal, integração dos processos tributários administrativo e judicial, extinção da execução fiscal judicial, gestão ampliada da dívida ativa, instituição do incidente de constitucionalidade no controle difuso de constitucionalidade em matéria tributária.

Esses adeptos possuem uma visão econômica, pois analisam o custo da burocracia no Brasil, com cálculo dos que refere aos impostos em contencioso judicial, administrativo, na esfera do CARF e aquelas derivada de matéria que estão ou serão analisadas pelo Supremo Tribunal Federal.

De fato, o sistema constitucional tributário é complexo; segundo estudos efetuados, no Brasil a estrutura que as empresas precisam para manter a burocracia referente ao cumprimento das obrigações é demasiado e custoso, atingindo o faturamento anual das empresas, ou seja, as empresas precisam se organizar e instrumentalizar-se a fim de cumprir determinadas regras com vistas ao pagamento de tributos.

Esses custos adicionais das empresas acabam sendo repassados ao consumidor no preço de produto e serviços.

Há aqueles que partilham do entendimento de extinção de alguns tributos como o IPI, IOF, CSLL, COFINS, PIS/PASEP, ICMS e ISS, e no lugar desses tributos seria criado um único tributo[12] – conhecido pela sigla IVA (Imposto sobre o Valor Agregado) – que ficaria sob a competência de um determinado ente político e o valor arrecadado seria repartido entre os demais entes federados que não estariam compreendidos como sujeito ativo.

Essa proposta de reforma[13]deve ser amplamente discutida, para que referidas alterações não apontem na direção errada que determina a Constituição Federal e cause insegurança jurídica e caos no sistema constitucional tributário.

Neste ponto, questionamos se com a reforma tributária entendida de tal maneira haveria obediência ao princípio federativo e o princípio da segurança jurídica, se haveria a diminuição dos litígios e conflitos entre contribuintes e fisco.

Isso porque a Constituição Federal foi incisiva e um marco em relação ao regime anterior (regime militar) e elevou os municípios ao status de ente político, ente federado, reforçando o princípio federativo. Podemos dizer que mesmo sendo elevados ao status de ente federado, a maior concentração da arrecadação tributária fica com a União, principalmente aquelas que se referem as contribuições.

Assim, a União constantemente efetua políticas tributárias que reduzem e até mesmo inviabilizam o repasse aos demais entes federados, gerando endividamento, fazendo com que necessitem inclusive de financiamentos.

O que acaba sendo unânime dentre os adeptos da reforma tributária é o anseio da simplificação do sistema tributário, aliado a tentar reequilibrar a desigualdade federativa, com mecanismos e relações cooperadas e coordenadas, aliada a uma mudança de cultura.

6. REFORMA TRIBUTÁRIA POSSÍVEL

Constatada a complexidade do sistema tributário, que é de fato um emaranhado de normas e leis esparsas, inclusive com técnicas jurídicas discutíveis, cuja demandas vem sendo levadas ao Judiciário tendo em vista o questionamento de sua eficácia e legitimidade.

Não sustentamos a inviabilidade de alteração no sistema constitucional brasileiro, não há que se negar uma plausível reforma tributária, pois a nosso ver é possível desde que mantido o respeito ao princípio federativo, a autonomia dos entes federados, os direitos e garantias individuais, desde que não extrapolem os limites constantes no seu artigo 60, § 4º – as chamadas cláusulas pétreas.

A nossa crítica no que se refere a alteração constitucional é prudente na medida em que tem se tornado corriqueiro em nosso sistema constitucional alterações que acabam por mitigar os princípios e diretrizes constitucionais.

Paulo de Barros Carvalho[14] assim declara:

“Ora a sociedade brasileira vive momentos de inquietação. O debate sobre matérias relativamente simples cuja solução já se encontrava sedimentada na experiência jurídica nacional, mercê de remansosa e pacifica jurisprudência, apoiada em sólida doutrina, conduziu nossas consequências, de maneira vertiginosa, ao questionamento de princípios fundamentais, sem que pudéssemos perceber o que estava se passando. Aquilo que há de mais caro para a dignidade de um sistema de direito positivo foi posto em tela de juízo, desafiando nosso espírito e estimulando nossas inteligências, ao reinvidicar uma tomada de posição firme e contundente. Chegando-se a esse ponto, não cabem mais tergiversações e os expedientes retóricos somente serão admitidos para fundamentar a decisão de manter a segurança jurídica, garantindo a estabilidade das relações já reconhecidas pelo direito…”

“Aspirar à simplificação, à racionalidade, à eficiência econômica, à eficiência administrativa, à progressividade, ao fortalecimento da federação e da autonomia municipal, é o lugar o comum de todos aqueles que se referem, em tom retorico, ao sistema tributário nacional. Considerá-lo, porém, como um eficiente produto da experiência jurídica, política e econômica do nosso país, curtido, demoradamente, no dia-a-dia das discussões administrativas e judiciais, bem como no pensamento aturado da dogmática, é algo que aponta para sugestões de muito equilíbrio e prudência. Mexer em alguma coisa que apresenta tal rendimento, com respostas ágeis e prontas aos estímulos da sociedade, como tem sido iterativamente demonstrado, é um passo difícil e que pode deixar marcas indesejadas.”

Os pilares de uma pretendida reforma tributária devem assentar na redução da complexidade, redução de isenções e incentivos fiscais setoriais, uma administração mais eficaz, redução de número de contribuições, a fim de realizar a justiça fiscal.

Com efeito, uma reforma imprescindível, ideal e possível é aquela que atende a todos os preceitos constitucionais, inclusive com possibilidade de corrigir a flagrante injustiça fiscal hoje existente como o imposto sobre a renda, onde a tabela está desatualizada, necessitando de forma urgente de uma correção monetária, conforme a variação de poder aquisitivo ao longo do tempo, o excessivo número de contribuições a cargo exclusivamente da União, dificultando a autonomia financeira dos demais entes políticos, prejudicando inclusive suas receitas.

Portanto, é necessária uma reforma que vise a eficiência, a eliminação de burocracia, eliminação de custos para o cumprimento de obrigação acessória pelas pessoas físicas e pessoas jurídicas, que são mais impactadas.

Entendemos que uma reforma tributária eficiente seria aquela que é alicerçada nos princípios constitucionais, principalmente na obediência ao princípio federativo, pois ele é um dos princípios valores da nossa Lei Maior, delimitada por meio de emenda constitucional, mas que obedeça aos direitos e garantias e que não haja quebra da ordem jurídica, por meios que a própria constituição federal coloca à disposição.

Caso contrário, tal reforma seria inconstitucional, ofendendo uma das cláusulas pétreas de nosso sistema constitucional, não podendo ser objeto de deliberação, conforme expressamente previsto no artigo 60, § 4º, inciso I da Constituição Federal.

Forçoso dizer que a abolição de um novo sistema tributário nos moldes propostos por uma das reformas é um ataque à Constituição Federal.

Assim partilham desse entendimento Cleide Regina Furlani:

“O pacto federativo permite que os municípios possam instituir e arrecadar seus próprios tributos, podendo destinar tais verbas da melhor forma que lhes aprouver, satisfazendo, assim, as necessidades de seu povo. Empobrecer o município, fazendo com que o mesmo perca o seu status e a sua autonomia na arrecadação do ISS como quer o deputado Hauly, é voltar aos tempos em que os municípios dependiam única e exclusivamente dos estados e da União.

A forma adotada pelo Estado brasileiro somente pode ser desfeita por um novo processo constituinte. Uma nova Constituição e não somente com uma emenda à Constituição Federal. Não se retira de um ente federado o seu poder de uma hora para outra, como querem fazer com a reforma tributária. A retirada do ISS para colocá-lo com outra roupagem nas mãos do Estado é ultrajante, mesmo havendo obrigação no repasse das parcelas da verba assim obtida para os municípios.

A verdade está em dizer que o município, com a aprovação da reforma como está pautada, perde o seu brio, a sua hombridade e a sua razão de ser. Volta a ser o patinho feio do Sistema Tributário Nacional, o primo pobre da Federação, que se quebra em face do enfraquecimento desses Entes Federados.

E não se diga que a medida não acaba com o modelo federativo, havendo quando muito um retrocesso existencial dos municípios. Acaba sim. Esses mais de 5 mil entes federados devem se sustentar e realizar atividades para dar guarida às necessidades básicas de uma população. Devem fazê-lo com autoridade e poder. Retirar o ISS da competência dos municípios é retirar o Poder do gestor público municipal, que será obrigado a mendigar a parcela que lhe é devida. É deixar o município à margem.

O respeito da União e dos estados para com os prefeitos municipais e para com os municípios em si, já não é algo que se desenha de forma natural, imagine-se então se esses deverão depender quase que totalmente da entrega do produto da arrecadação para fazer frente as suas necessidades. Perder poder é perder tudo. Sem o ISS não haverá mais a autonomia dos municípios, os quais já não estarão mais em pé de igualdade com os demais entes federados.

Isso sem adentrar na questão da cobrança da dívida ativa. Ou seja, os municípios, com a aprovação da reforma tributária, mais uma vez, ficarão à mercê dos Estados para a entrega do produto da arrecadação, como ocorre hoje em relação à parcela do produto do ICMS que lhe cabe, sendo este um calvário para os mesmos, nunca sabendo se o que estão lhe entregando é o que realmente deveria lhe ser entregue.

Estamos vivendo tempos ruins. Tempos anormais, diga-se de passagem. Tempos de crise existencial de nossa pátria. Não é possível que em meio a tudo isso, ainda permitamos que sejam os municípios os mais afetados com a reforma a ponto de perderem a sua real identidade. Não podemos deixar que a forma federativa se perca num caminho sem volta, depois de tanto esforço feito pelos mesmos para alcançarem o patamar a que conseguiram chegar.

De nada adianta uma hipotética simplificação tributária se essa medida já chega com uma forte mácula na Constituição Federal. Como já se disse acima, uma reforma tributária, para ser eficaz deve ser moderna e conduzida em modo ordenado, o que levará a uma ótima via para se obter as bases para o impulso da economia.

Sim Senhores. A reforma é inconstitucional!

A simplificação tributária é necessária na medida em que poderia dar mais eficiência às Administrações Tributárias e beneficiando os contribuintes, pois retiraria os obstáculos e burocracias.

7. CRIAÇÃO DO CODIGO DE DEFESA DO CONTRIBUINTE E CÓDIGO DE PROCESSO TRIBUTÁRIO

Nesse caminho de simplificação do sistema constitucional tributário, a correção de distorções, sem fulminar nosso sistema, como um plano operativo da ação estatal é, convém repetir, efetuada com observância as cláusulas pétreas, princípios expressos e implícitos, começando pelo princípio da igualdade e colocando o contribuinte em uma relação de igualdade jurídica com o Fisco.

Neste diapasão, a transparência democrática da origem e arrecadação do dinheiro público, deveres e direitos mútuos, implicando numa revolução cultural e reafirmando o teor da sociedade democrática.

Por tal motivo seria muito eficaz sistematizar e unificar as regras processuais tributárias, dando relevância aos direitos e garantias fundamentais do contribuinte frente ao poder fiscal, com uma transparência na estrutura, funcionamento e finalidade da tributação.

É preciso entender a importância das regras processuais no ordenamento jurídico brasileiro, com sua aplicabilidade afeta a diversas áreas do direito.

No âmbito tributário, avaliando que se trata de persecução do crédito tributário devido ao Estado e consistente na invasão no patrimônio do contribuinte, com ampla proteção do direito de propriedade, a necessidade de ter regras previamente estabelecidas, com atos vinculados com procedimento aptos a ensejar a igualdade entre esta relação entre fisco e contribuinte é medida de extrema relevância.

Neste aspecto, considerando a supremacia do interesse público sobre o particular, através da intensa discussão entre o direito à liberdade e o direito a propriedade, todos os seus atos devem ser pautados na lei.

A sistemática processual é tão necessária para garantir direitos e garantias às partes, e a garantia se dá com a legislação específica para tanto em todas as esferas estatais, promovendo de forma conjunta o controle de legalidade dos atos praticados no plano de gestão de tributos para atender ao interesse público. Atualmente o Código de Processo Civil por sua vez deve constituir naturalmente a fonte subsidiária e supletiva de regras processuais, quando houver normas especificas (microssistema).

Na persecução pelo crédito tributário, os contribuintes certamente arguem diversas matérias de defesas, diversas questões que devem estar submetidas a um devido processo legal.

De acordo com professor Cassio Scarpinella:

“O processo deve ser devido porque em um estado democrático de direito não baste que atue de qualquer forma, mas deve atuar de acordo com regras preestabelecidas (…)”

Neste diapasão, os princípios devem decorrer diretamente de princípios constitucionais reprisados na referida lei a fim de também serem respeitados no âmbito processual.

A relação-jurídico-tributária sofre influência direta da relação processual, visando a garantia da relação de direito material existente, havendo um liame entre as garantias processuais e garantias materiais, como fundamento de matriz constitucional, entretanto, não se confundem.

A importância também se mostra necessária na medida em que a legislação tributária sofreu ao longo do tempo significantes alterações legislativas e até mesmo mudanças de entendimento advindo de precedentes nas mais altas cortes do país, impactando a relação processual advinda de tal matéria.

Tais alterações legislativas não são capazes de acompanhar a dinamicidade do procedimento aptos a dar efetividade ao processo, seja administrativo, seja judicial, diante da variedade de conceitos e institutos próprios do direito tributário.

A solução das lides tributárias tem sido ao longo dos anos um procedimento complexo e esparsos por leis diversas no ordenamento jurídico não só brasileiro, mas de outros países, não sendo de hoje essa problematização.

Há de salientar que a visão sempre teve ênfase no ramo privado, talvez diante da problemática política existente nesse ramo, contudo o ordenamento do direito positivo sempre foi claro com relação aos elementos estruturantes do direito público, elementos estes que norteiam e regem a atuação dos entes federativos orientando de tal forma no manejo da coisa pública, dos recursos e na busca do interesse coletivo pelos seus magistrados.

Aqui pode-se dizer que está incluso o crédito tributário onde haverá a mantença da coisa pública, como corolário do princípio da indisponibilidade do interesse público e neste sentido a codificação das leis referente a matéria seria de bom grado pois guiaria de forma segura e balizaria a órbita de sua atuação.

Sendo que o interesse público não é figura autônoma de interesse, mas sim em prol do interesse coletivo, a diretriz consolidada num sistema positivo poderia trazer mais segurança jurídica e efetividade, na medida em que poderia acabar com regras supletivas e dúvidas a respeito de regras a serem seguidas, já que este seria então o norte.

Reforçamos de tal maneira que o CPC ficaria adstritas as relações jurídicas de natureza civil, pondo a salvo a sua interferência nos institutos do processo tributário e seus subsistemas, evitando a inaplicabilidade das regras processuais ao subsistema do direito tributário, com validade restrita a esse subsistema, salvo casos de integração sistemática, supletividade e subsidiariedade.

A base seria a diferenciação da lide tributária e o particularismo no direito privado e suas instituições.

Outro ponto que merece destaque refere-se às diferentes formalidades adotadas para a construção de conceitos normativos existentes nas leis esparsas, que não desprezaria a particularidades de conceitos vinculados ao tema do direito tributário, como por exemplo a decadência e prescrição.

Ao juiz, como órgão de organização da vida social, também facilitaria o julgamento dando previsibilidade as partes na medida em que a regra seria única, dando segurança jurídica, valor primordial consagrado na nossa Constituição, visando a estabilidade das situações jurídicas levadas a juízo.

No entanto, tal soberania não pode ser absoluta sob pena de desrespeitar princípios ditos como limites objetivos pela nossa Constituição, como por exemplo o contraditório e ampla defesa, isonomia das partes, devido processo legal entre outros, descaracterizando o princípio do estado de direito em que vivemos.

Pois bem, não se trata de problema terminológico apenas, mas de instrumentalização dos direitos e garantias fundamentais e todas as suas implicações no fenômeno judicial.

James Marin declara que por se tratar de matéria híbrida de direito público (direito administrativo, direito tributário e direito processual civil), com necessidade de manejo de postulados aparentemente autônomos e antagônicos (como por exemplo, soberania do estado e isonomia), prescinde de adequação dos entrelaçamentos desse processo, com múltiplas facetas.

Neste aspecto, a criação do Código de Defesa do Contribuinte e ou Código de Processo Tributário viabilizaria e estimularia a solução das lides em tempo razoável, com efetividade, buscando critérios jurídicos que assegurem a realização da justiça em seu sentido amplo, principalmente no que se refere a unicidade do sistema jurídico.

Assim, a afirmação da soberania do estado deverá fazer sentido na medida em que utilizado em harmonia com os demais princípios fundamentais que o próprio Código de Processo Civil, juntamente com os demais regramentos esparsos no direito positivo.

Isso se mostra de grande importância pois visa atender o princípio da igualdade, respeito ao contribuinte e principalmente a valorização e uniformização dos precedentes da matéria, criando jurisprudência uniforme em todo o território nacional especificamente em relação a um determinado tributo.

Sabemos ainda que com a criação deste código não se findará as rixas doutrinárias, divergências de jurisprudência, mas sob o influxo democrático da Constituição aliado ao momento atual em que vivemos, as condições implementadas teriam como objeto precípuo harmonizar os interesses coletivos e individuais em face do Estado.

O momento histórico atual no Brasil é o momento ideal para que se crie o CDC, pois democraticamente é o anseio da sociedade. Esse momento de fortalecimento dos direitos fundamentais no plano das nossas legislações (internas) como as dos tratados internacionais, marcando a relevância dos direitos fundamentais.

As limitações ao poder de tributar se consubstanciam em direitos básicos do cidadão frente a sanha arrecadatória do Estado e em razão disso a Constituição Federal do Brasil as elencou como direitos e garantias proclamados no artigo 5º e por isso precisam de harmonização e complementação via legislativa, adequando o texto supremo a atualidade.

Assim, direitos fundamentais aliados a justiça fiscal regulariam os direitos e garantias básicos do contribuinte e suas relações com as administrações tributárias, permitindo equilibrar as situações jurídicas de ambas as partes, estimulando o cumprimento voluntário das obrigações que em tese estariam todas sistematizadas e organizadas num único codex.

Outro aspecto importante é a “processualização” da matéria a fim de instrumentalizar o diálogo entre as partes, facilitando a jurisdição administrativa e judicial, desburocratizando os trâmites processuais, mostrando de forma coerente que a instrumentalidade processual é necessária no acesso a justiça.

Em que pese a unidade do sistema, o Código de Defesa do Contribuinte vem a instrumentalizar ações que tornem possível o equilíbrio entre o Fisco e o Contribuinte, para fazer valer o princípio da segurança jurídica estatuído na Carta Maior e não para criar mais um ramo autônomo ou inovar em matéria tributária.

Significa dizer que esses direitos e garantias afiançados ao Fisco e Contribuinte já estão em conformidade com a Constituição Federal e com os princípios de direito processual e administrativo, adequando aos diversos subsistemas existentes (infralegais e supralegais).

Ademais, entendemos que a criação do Código de Defesa do Contribuinte ou Código de Processo Tributário resolveria parte dos problemas sistemáticos na tributação e possibilitaria a aplicação do direito material, concretizando os critérios de justiça, numa sucessão harmônica supletiva e subsidiária, com a manifestação final da vontade do Estado, com aplicação correta dos preceitos da lei.

Com efeito, poderão ser aplicáveis quando compatíveis com os princípios específicos atinentes a matéria, bem como a singularidade do direito tributário.

Admitir ampla defesa ao contribuinte deve ser o primado para assegurar a correta aplicação da legalidade objetiva.

Haveria obediência dos princípios constitucionais, ou seja, a efetiva instrumentalização da aplicação da CF ao processo, como a igualdade de tratamentos entres as partes, o reforço do primado dos princípios da Administração Pública, publicidade e fundamentação como condição de validade de todos os julgamentos, duração razoável do processo e a efetividade.

A efetividade pode ser vista como uma via de mão dupla pois diante da ambiguidade de seu vocábulo pode significar para o estado a persecução de seu crédito tributário, ou seja, arrecadar mais e melhor e pelo viés do contribuinte, pode ser sinônimo de justiça tributária.

Ademais, em combinação com aquelas legislações que dispõe a respeito do processo administrativo tributário cuida-se de conferir estabilidade e previsibilidade a relação jurídica consolidada entre Fisco e Contribuinte.

8. CONCLUSÃO

O objetivo deste trabalho é verificar a possibilidade de uma reforma tributária sob o enfoque constitucional, com uma noção geral dos limites da reforma, principalmente no que se refere a alteração de competência tributárias das pessoas políticas- União, Estados, Distrito Federal e Municípios- que integram o ordenamento jurídico brasileiro.

Justifica-se sua importância com as notícias de uma próxima reforma tributária e com a unificação de impostos brasileiros e a mitigação do princípio federativo, reafirmamos que uma reforma tributária é válida, eis que manterá a rotatividade e o progresso da sociedade, contudo entendemos pela inviabilidade de uma reforma que pretende abolir a autonomia dos demais entes federados.

A hipótese central do trabalho baseia-se na obediência aos princípios estatuídos na Constituição Federal, que ao nosso ver são de extrema importância para dar previsibilidade e segurança jurídica as relações entre fisco e contribuinte, principalmente no que se refere as cláusulas pétreas descritas no artigo 60, § 4º da Constituição Federal.

Analisamos a questão sob a ótica da complexidade do sistema tributário nacional diante da imensas leis esparsas e multiplicidades de obrigações acessórias, numa abordagem sistêmica e compartilhamos a ideia da criação de um Código de Defesa do Contribuinte ou um Código Processual Tributário, que a nosso ver visa a unidade do sistema, mantém a obediência aos princípios constitucionais e direitos e garantias fundamentais.

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da república federativa do Brasil de 1988. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília, DF, 05 out. 1988.

______. Lei n° 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o sistema tributário nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à união, estados e municípios. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília, DF, 25 out. 1966.

BECHO. Renato Lopes. Lições de Direito Tributário.3. ed. São Paulo: Saraiva.2015.

BECKER. Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário.6. ed. São Paulo: Noeses.2013

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MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 30.ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

 

Autor:

Priscila de Fátima Cavalcanti Bueno Antunes – Advogada, especialista em Direito Tributário e mestranda em Direito Constitucional Tributário e Processo Tributário pela PUC/SP

 

 


[1] GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária Pg. 128-2. ed. São Paulo.Noeses.2011.

[2] BECHO. Renato Lopes. Lições de Direito Tributário. pg. 214. 3 ed. São Paulo: Saraiva

[3] Ibidem, pg.8

[4] Ibidem. Pg. 07.

[5]CARRAZA.Roque Antonio.Curso de Direito Tributário.p. 505. São Paulo.25 ed: Malheiros, 2009

[6] Ibidem. p 13.

[7][7] GUASTINI. Ricardo. Das fontes às normas. Quartier Latin. São Paulo.p.186

[8] CARVALHO.Paulo de Barros. Direito Linguagem e Metódo.p.323

[9] Idem. Curso de Direito Tributário.p.158

[10] PUGLIESI. Márcio Pugliesi. Teoria do Direito- Aspectos Macrossistêmicos.P.10

[11] VILANOVA.Lourival.Escritos Jurídicos e Filosóficos, Vol. 1. P. 342/345

[12] “…A ideia do relator é que a carga tributária atual, cerca de 35% do Produto Interno Bruto (PIB), na média dos últimos anos, seja mantida, inclusive na participação da União, dos estados e dos municípios.

Mas o relator propõe a extinção de vários tributos, entre os quais CSLL, ISS, ICMS, IPI, PIS e Cofins, Cide, IOF e salário educação.

Pela proposta de Hauly, seria criado o Imposto Sobre Valor Agregado (IVA), que englobaria vários tributos (PIS, Pasep, Cofins, IPI, ICMS estadual e ISS municipal, além da contribuição previdenciária) e seria administrado por uma Super Secretaria da Receita Federal, composta por técnicos da União, estados e municípios. ( https://g1.globo.com/economia/noticia/relator-da-reforma-tributaria-apresenta-sua-proposta-ao-governo.ghtml) acesso em 25 de novembro de 2017.

[13]A proposta de reforma tributária em discussão na Câmara dos Deputados prevê o fim de dez impostos. O relator do projeto, deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), informou que nove deles serão substituídos por um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) nacional e um deles pelo Imposto de Renda. Além disso, deverá ser criado um imposto seletivo para produto de setes setores.Segundo Hauly, a ideia é que ICMS, ISS, IPI, Cofins, Cide, Salário-educação, IOF, PIS e Pasep sejam absorvidos pelo novo IVA Nacional – este último com até cinco alíquotas conforme o setor. O Imposto de Renda, por sua vez, deverá substituir a CSLL. Já o imposto seletivo deverá incidir sobre os setores de energia elétrica, combustíveis, telecomunicação, cigarros, bebidas, veículos, pneus, autopeças.( http://www.valor.com.br/politica/5090296/proposta-de-reforma-tributaria-preve-fim-de-dez-impostos-diz-relator) acesso em 25 de novembro de 2017.

[14] CARVALHO.Paulo de Barros. Direito Linguagem e Método. P.227,Noeses: São Paulo.

Como citar e referenciar este artigo:
ANTUNES, Priscila de Fátima Cavalcanti Bueno. Reforma (In)Constitucional Tributária. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2018. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/reforma-inconstitucional-tributaria/ Acesso em: 21 nov. 2024