A chamada Guerra Fiscal já se arraigou na sociedade por conta da falta de vontade política no combate efetivo a essa prática predatória, que a
pretexto de atrair investimentos em um determinado Estado acaba por agravar o desequilíbrio socioeconômico das diferentes regiões do País, exatamente
em sentido oposto ao que está inscrito no inciso I,
do art. 151, da Constituição Federal.
Sabe-se que recentemente seis Estados-membros (Santa Catarina, Espírito Santo, Paraná, Goiás[1], Pernambuco e Alagoas) concederam incentivos
fiscais do ICMS com relação aos produtos e mercadorias desembaraçadas nos portos situados em seus respectivos territórios.
O Fisco de São Paulo reagiu, não só, exigindo o estorno do ICMS creditado, como também, determinando o recolhimento do imposto na sua integridade
(18%) em relação às empresas importadoras sediadas neste Estado.
Examinemos neste artigo, com abstração da questão da constitucionalidade ou não desses incentivos, objeto de outro artigo, a quem é devido o ICMS na
hipótese.
O art. 12 da Lei Complementar n° 87/96 dispõe que:
“Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:
…..
IX – do desembaraço aduaneiro de mercadorias ou bens importados do exterior.”
A se aplicar esse dispositivo, o ICMS seria devido no Estado onde foi desembaraçada a mercadoria importada, isto é, no território do Estado que
concedeu o incentivo fiscal.
Entretanto, a Lei Complementar n° 87/96 contém outro dispositivo, ou seja, o art. 11, d, in verbis:
“Art. 11. O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é:
….
d) importado do exterior, o do estabelecimento onde ocorrer a entrada física;
e) importado do exterior, o do domicílio do adquirente, quando não estabelecido.”
Há aparente contradição entre essas normas do art. 11 e do art. 12, mas, na verdade, são aspectos diferentes do fato gerador do ICMS.
O art. 12, IX fixa o aspecto temporal do ICMS em relação a produtos e mercadorias importados, apontando a legislação aplicável segundo o princípio
tempus regit factum.
O art. 11, por sua vez, corresponde ao aspecto espacial do fato gerador do ICMS, que define o sujeito ativo do imposto, ou seja, o Estado onde
estiver situado o estabelecimento importador, e na falta de estabelecimento, o Estado onde estiver domiciliado o importador. O aspecto espacial,
portanto, identifica um dos 27 Estados-membros como o sujeito ativo do ICMS.
Logo, se a empresa situada em São Paulo não dispuser de filial ou agência no local do Estado que instituiu o benefício tributário, o ICMS deverá ser
recolhido no momento do desembaraço da mercadoria a favor do fisco de São Paulo. Se tiver filial ou sucursal no local do porto incentivado nada obsta,
no nosso entender, promover a importação por intermédio daqueles estabelecimentos para posterior remessa à empresa situada em São Paulo. Nenhuma lei
pode proibir o planejamento tributário com base no parágrafo único, do art. 116 do CTN que nos parece inconstitucional.
Como se vê, impõe-se o exame de cada caso concreto não sendo possível firmar tese a priori neste ou naquele sentido. O certo é que o momento da
ocorrência do fato gerador não se confunde com o local da ocorrência do fato gerador.
Nota
[1] Há um porto seco no Município de Anápolis.
* Kiyoshi Harada. Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP. Professor de Direito Tributário,
Administrativo e Financeiro. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Membro do
Conselho Superior de Estudos Jurídicos da Fiesp. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo. Site:www.haradaadvogados.com.br