A Crise Mundial e a Necessária Reforma Tributária
Edilson Pereira de Godoy*
A crise financeira mundial causada pela falta de liquidez das instituições financeiras teve seu nascedouro nos equívocos das políticas monetárias dos bancos centrais das principais economias mundiais. Para facilitar o consumo, seja de bens duráveis ou não-duráveis, as políticas monetárias desses países permitiram o alargamento do crédito, sem o devido controle por parte das autoridades monetárias. Não bastasse isso, criou-se o efeito dominó através da edição dos denominados derivativos, papéis lastreados em outros papéis.
Esse incentivo financeiro fez com que as pessoas aumentassem seu endividamento, sem as devidas garantias. Ai começa o tal efeito dominó. Quando o devedor não encontra mais crédito no mercado, esse passa a inadimplência, que se repetida em escala passa a atingir outros setores, até contaminar todo o mundo globalizado. Ou seja, o devedor faz o credor se tornar também um devedor e assim sucessivamente.
Neste cenário de quebradeira geral, o Brasil desponta com certa margem de manobra, pois após a edição do plano real em 1994, o país fortaleceu seu sistema financeiro e impôs as instituições financeiras regra severas para o controle do crédito.
Porém, a receita do crédito fácil também foi utilizada no país para incrementar o mercado interno. Os incentivos seguiram duas direções, o primeiro veio através do aumento do assistencialismo de programas sociais de governo, que embora coloque grande parcela da população fora da pobreza extrema, não gera riqueza nova, apenas consumo. Essa aplicação de receita não gera valor excedente, capaz de criar novas riquezas e aumentar o produto interno bruto. Não se prega aqui o abandono ou a extinção dos programas sociais, mas sim sua alteração, para que as famílias assistidas tenham a possibilidade de produzir algum tipo de riqueza excedente ao seu consumo, pois esta é a única forma de se distribuir renda de forma contínua.
O segundo incentivo veio com a ampliação do crédito em diversas modalidades, facilitando o acesso a produtos e serviços para aqueles que não dispunham de recursos à vista. O efeito deste incentivo é a antecipação do poder de compra no curto prazo, com a redução no longo prazo, haja vista o comprometimento da renda com o pagamento dos juros.
Nós estamos neste cenário, onde grande parte da população, ao invés de fazer poupança, comprometeu seus rendimentos futuros com o pagamento de financiamentos de longo prazo.
Neste caminho nebuloso, nós perdemos a chance de fazer a lição de casa, aprimorando o mercado interno e as regras empresariais. Não bastasse isso, entre outros tantos, temos problemas no setor previdenciário, na dívida interna, na infra-estrutura, na legislação fiscal, na regulamentação de diversos setores, na falta de controle dos gastos públicos, nas três esferas de governo e porque não dizer, nos três poderes.
Porém, a despeito de todos os equívocos cometidos pelo poder público, o setor privado acreditando na economia nacional se mobilizou para o aumento de suas atividades, num cenário de crescimento mínimo de 5% (cinco por cento) ao ano. O que fazer agora? Não temos consumo externo, não temos crédito internacional, não temos poupança suficiente para impulsionar sozinho o crescimento do país. A perdurar esta situação, em poucos meses o mercado interno refletirá a situação externa e também entrada na onda da recessão.
Uma das soluções urgentes está na desoneração tributária, capaz de impulsionar o consumo interno e assim promover o ciclo virtual do crescimento, com emprego e renda. Está na hora de promovermos o mercado interno e garantir que cada trabalhador produza riqueza excedente.
Está mais do que comprovado que o governo (seja de que partido ou ideologia for) é totalmente incompetente na aplicação de verbas públicas destinadas a propiciar o bem estar à população, de forma proporcional as receitas efetivamente arrecadadas.
A principal fonte de financiamento da atividade estatal é a receita derivada. A tributação da atividade econômica atingiu patamares obscenos, e não dá mostras de arrefecimento. O pior é que esta forma de tributação agrava a situação de pobreza, pois atinge diretamente os menos abastados, ou seja, aqueles que não têm possibilidade de escolha no consumo.
A reforma tributária iniciada pela emenda constitucional n° 42 de 19 de dezembro de 2003 ainda não deslanchou, e a proposta que se encontra na Câmara Federal não apresenta qualquer instrumento de redução séria da carga tributária. Além disso, padece de irracionalidade jurídica, vez que complica ainda mais o sinistro sistema tributário em vigor.
Para incrementar as atividades econômicas e o consumo no mercado interno, é necessário reduzir (de verdade) a carga tributária incidente sobre as atividades econômicas, principalmente na modalidade indireta, que, sendo objeto de translação, acaba por onerar o bolso do consumidor final e por via reflexa inibe um maior consumo.
O maior equívoco da reforma tributária é o posicionamento dos entes federativos, que não querem perder receita tributária. Com esse posicionamento questionamos, para que fazer reforma, se a carga tributária final não será alterada? Ou o que é pior, tem perspectivas de ser aumentada, como no caso da tributação da distribuição de lucros e da Contribuição Social para a saúde (mais uma fortuna para ser gasta de forma incompetente pelos entes federativos).
Neste momento de crise mundial os mentores da política fiscal do país precisam começar a pensar em um sistema tributário que incentive o consumo e por conseqüência a produção, o emprego e o bem estar em geral.
Esse sistema só pode ser pensado a partir de um modelo novo, sem vínculos com o teratológico sistema em vigor. Há a necessidade de se verificar os diversos sistemas de outros países, selecionar os melhores e mais compatíveis com nossos costumes e a partir daí construir um sistema racional. A distribuição de competências e receitas é etapa de discussão e definição posterior e não anterior a esse desenvolvimento, como os processos até então pensados. Daí nunca termos conseguido avançar significativamente em modernização do sistema tributário nacional.
Nosso sistema de impostos nasce de três segmentos diferentes, a saber: a renda, o patrimônio e as atividades econômicas. Porém, a maior parte da tributação está focada nas atividades econômicas, que em verdade não são signos presuntivos de riqueza, são apenas etapas que se consolidarão no resultado da atividade, que é tributado pelo imposto de renda.
Nesse diapasão, a tributação via impostos deveria ser direcionada ao destinatário final da riqueza, ou seja, aquele que fica com a renda ou o patrimônio e não onerar a cadeia produtiva, tornando o produto final mais caro e de difícil aquisição por aqueles que detêm menor capacidade contributiva.
Há a necessidade urgente de se diminuir a tributação nas etapas de produção e circulação de mercadorias, ao menos no início dos processos ou dos negócios. O empreendedor investe determinada quantia em um negócio, que passará a gerar lucro em data incerta, mas nunca no início da operação. Por vezes, a recuperação do capital investido demora anos para ter início e, somado a tributação insana das etapas de produção e circulação, acaba por condenar a extinção aquele empreendimento empresarial.
Precisamos, urgentemente, desenvolver um modelo tributário que estimule o empreendedorismo proativo e não apenas o reativo, este último, como pouca chance de sobreviver, como demonstram as estatísticas da área.
Não bastasse essa situação tormentosa da atividade econômica nacional, os agentes tributários se esmeram em criar novos dispositivos de controle, que por si só, já conseguem onerar as cadeias produtivas. Porém, além disso, esses deveres instrumentais impingidos aos contribuintes têm a missão de fulminar qualquer tentativa de planejamento tributário, tendente a minimizar a indecorosa carga tributária incidente sobre as atividades econômicas.
Ora, se as autoridades tributárias têm (como já demonstrado) capacidade para criar obrigações acessórias da envergadura do SPED (Serviço Público de Escrituração Digital), capaz de acompanhar em tempo real as transações econômicas e financeiras das empresas, por certo, também detêm capacidade de criar um sistema tributário mais inteligente e menos oneroso, sob o ângulo da atividade econômica.
A pior parte de tudo isso é que, mais uma vez, deveremos perder a oportunidade para evoluir, condenando assim todos os cidadãos brasileiros a uma recessão dolorosa, sobre todos os aspectos, mas principalmente sobre o prisma social. E ai, nossos pensadores colocarão a culpa na crise mundial, ignorando que podemos trabalhar com o enorme potencial de nosso mercado interno.
É preciso agir, e todos nós somos responsáveis por esta tarefa. Não se busca apenas dignidade na área tributária, se busca racionalidade, decência, respeito aos cidadãos e ao dinheiro público. A recessão tem de ocorrer nos entes federativos e não na atividade econômica. O aumento de receita tributária deve provir do aumento da atividade econômica e não apenas da melhora das técnicas de cobrança de tributos. Este sistema de “derrama” já foi motivo de revolução no país, agora esperamos que seja motivo de racionalidade e honestidade por parte de nossos dirigentes.
O aperfeiçoamento do modelo democrático passa, necessariamente, pelo aperfeiçoamento da relação Estado e cidadão. O Estado pode e deve, neste momento de crise mundial, efetuar os ajustes necessários para corrigir a tributação que impede o crescimento do mercado nacional. As liberações de crédito para as instituições financeiras, no caso brasileiro, não resultarão em aumento da produtividade, em face dos juros astronômicos que somos obrigados a pagar, para manter os investimentos internos. Como não é possível diminuir os juros, de forma a incentivar o consumo, devemos baixar a tributação sobre a atividade econômica e incentivar a produção (com preços menores) e assim, incrementar o consumo, a renda, e o bem estar de todos os brasileiros.
O momento é agora, não se pode esperar mais, não se pode ficar acorrentado a discutir esse falido sistema tributário que só trabalha a favor da arrecadação e contra a atividade empresarial. Então, vamos trabalhar em prol da reforma tributária necessária?
* Advogado tributarista, economista, contabilista, com pós-graduação em administração financeira e especialização em gestão da qualidade total. Empresário, consultor de empresas e de escritórios de contabilidade, professor e consultor da área tributária do Instituto Brasileiro de Administração Pública, professor de graduação, pós-graduação e MBA das áreas de tributária e finanças das Faculdades Anhanguera. Autor do Livro Manual Prático de Tributos Municipais e do Curso de Fiscalização Municipal à Distância.
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