Direito Internacional

Sobre os “ataques preventivos”

Sobre os “ataques preventivos”

 

 

Francisco César Pinheiro Rodrigues*

 

 

Em fins de 2003 escrevi um artigo, com título deliberadamente provocador, “Inevitabilidade e necessidade de um governo mundial”. Provocador, porque já naquele momento havia um forte sentimento universal de rejeição contra a política externa do governo Bush, invadindo o Iraque com falsos ou discutíveis fundamentos legais e morais. Muitos viam, na atuação de Bush, algo bem parecido com um governo mundial de fato, imposto pelos EUA, não havendo porque apoiar tal idéia. O artigo foi publicado — talvez por relutante cortesia — na sisuda Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, n.13, janeiro-junho de 2004, págs. 70-89.

 

Nesse artigo eu tentava convencer — quanta pretensão… — a comunidade internacional que todos os principais problemas da humanidade — desemprego, superpopulação, guerra bélica ou comercial, poluição, crime organizado internacionalmente, — só poderiam ser realmente solucionados com um governo mundial, obviamente democrático.

 

Lendo, hoje, que a Casa Branca reitera a doutrina dos ataques preventivos, cabe, aqui, argumentar que uma das razões que me levaram a sustentar a necessidade de um governo mundial está na necessidade, em casos urgentes, do “ataque preventivo”, embora em contexto diferente do armado pelo governo Bush.

 

Por quê digo que o ataque preventivo já se tornou uma necessidade, se usado com absoluta honestidade intelectual?

 

Porque o avanço tecnológico já não permite que, disparados os foguetes com cargas nucleares, químicas ou bacteriológicas, possa o país atacado, ou a comunidade internacional, deter o ataque e sanear a área devastada na invasão.

 

O Direito Internacional Público sempre encarou com aversão o ataque preventivo de nação contra nação, porque esse “prevenção” sempre poderia ser um pretexto para intimidação, conquista e dominação de país mais fraco. Não se ouve falar de ataques preventivos de cordeiros contra lobos. Quando ocorriam, no passado, as invasões “preventivas”, estas se realizavam com aviões, tanques e infantaria. Havia, portanto, tempo para alguma reação do país invadido, ou de seus aliados, ou da comunidade internacional. O invasor, se inferiorizado pela reação inesperada, parava ou recuava e os danos não eram tão extensos e permanentes como ocorrem hoje, com a contaminação radioativa, química ou bacteriológica e que não conhece fronteiras.

 

Agora é diferente, conseqüência do “lado mau” da tecnologia. É preciso legitimar, legalizar, o ataque preventivo, se intelectualmente honesto, evitando o massacre irreparável antes que ocorra.

 

Entretanto, a “moralidade” do ataque preventivo não pode ficar ao exclusivo juízo do país atacante, principalmente considerando que a experiência provou uma incrível coincidência: somente os mais poderosos é que exercem a “força preventiva”. E ninguém é bom juiz em causa própria. Uma cabeça presidencial não muito inteligente pode ser “moldada” por um astuto lobby da indústria armamentista, que lhe apresentará mil argumentos — falsos ou só parcialmente verdadeiros — para ataques bélicos preventivos que propiciarão gordos lucros aos acionistas e bem-vindos empregos a uma população preocupada com o desemprego. E a área invadida pode ter algumas riquezas de grande interesse econômico ou estratégico.

 

Uma indagação de aparentemente difícil: se um país constatar, através de seu serviço secreto — e constatar com absoluta honestidade intelectual, artigo escasso — que um país vizinho, ou próximo, está para lhe desfechar, dentro de horas, um devastador ataque nuclear, não teria ele o direito de se defender, destruindo as rampas de lançamento dos mísseis, antes de obter uma decisão (“liminar”) do tal tribunal de jurisdição internacional?

 

A resposta é de que teria, claro, tal direito, à semelhança do ocorre na legítima defesa putativa, na área do direito penal. Se meu inimigo declarado me avisa, aos gritos, que vem me matar e logo depois invade minha casa com uma arma de brinquedo que pareça verdadeira, nenhum júri me condenará se eu o matar antes que ele aperte o gatilho.

 

Situação equivalente — e rara — pode ocorrer na área internacional, mas nesse caso o ataque preventivo será julgado depois e, constatada a má-fé, o país atacante sofreria graves sanções. Isso não ocorre hoje.

 

É necessário, essencial, que haja uma jurisdição superior aos estados, uma corte escolhida pela comunidade internacional, de modo a afasta a natural desconfiança que cerca a real motivação do ataque preventivo.

 

Dirá alguém que a Corte Internacional de Justiça está aí pra isso. Na verdade, não está. Essa corte, quando julga, emite mais um “parecer”. Os países não são obrigados a cumprir sua decisão. É a tal soberania. A conseqüência da decisão tem — teria… — apenas um efeito moral, psicológico, de fazer o país invasor sentir-se desconfortável perante a opinião pública mundial. Mas esse desconforto pode não gerar efeito “concreto”. É o caso do concreto do muro erguido por Sharon.

 

Por que existe tal impunidade nas relações internacionais? Porque a humanidade ainda valoriza dois conceito que já tiveram grande nobreza e utilidade no passado mas que, agora, revelam-se um empecilho para o funcionamento harmoniosos do planeta. Esses conceitos chamam-se patriotismo e soberania.

 

Alexandre, Júlio César, Cortez, Napoleão, Hitler, Mussolini, Stalin, George W. Bush, Sharon, Milosevic, e outros, foram, ou são, grandes patriotas. Amavam sinceramente seus países. Ocorre que esse amor unilateral, acaba ferindo os vizinhos não amados, e a ferida infecciona, transformada em ódio e terrorismo. Por isso, é indispensável que o mundo reveja alguns belos conceitos patrióticos, e não apenas por motivos sentimentais, mas também práticos, de segurança geral.

 

 

* Advogado, desembargador aposentado e escritor. É membro do IASP Instituto dos Advogados de São Paulo.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
RODRIGUES, Francisco César Pinheiro. Sobre os “ataques preventivos”. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-internacional/sobreosataques/ Acesso em: 16 jun. 2025