Direito Internacional

Justiça e Direito Americanos e o Brasil

 

Pretendo abordar aqui apenas alguns aspectos não encontráveis nos raros compêndios brasileiros que tratam da Justiça e do Direito americanos. Não vale a pena repetir aquilo que já se conhece. A idéia deste peque no estudo é priorizar os aspectos que interessam a nós, brasileiros, sobretudo, como sugestões para o aperfeiçoamento das nossas estruturas judiciária e jurídica.

 

Como todo mundo sabe, tratam-se os EUA de um país onde o senso prático predomina, prevalecendo sempre a idéia de utilidade acima das teorizações bizantinas e inúteis. Se formos comparar os EUA com algum povo antigo, acredito que se comparam aos antigos romanos.

 

Quanto a nós, brasileiros, infelizmente, a objetividade não é nossa característica, uma vez que perdemos um tempo enorme com discussões desnecessárias ao invés de agirmos para melhorar nossa realidade.

 

A partir da compreensão dessa primeira formulação, ou seja, a objetividade americana, podemos entender o porquê dos EUA serem um país bem-sucedido, seu Direito ser simples e acessível e sua Justiça funcionar muito bem.

 

1) a Constituição

 

Elaborada há mais de 200 anos, contém, até hoje, apenas os 7 artigos originais, (que nunca tiveram sua redação alterada), mas foi sendo acrescentada gradativamente através de algumas Emendas, perfazendo atualmente, 26 Emendas.

 

Não fosse o senso prático americano, a Constituição original já teria sido substituída por outras sucessivas, com perda de tempo, dinheiro e, sobretudo, não seria suficientemente conhecida pelos cidadãos em geral e por grande parte dos operadores do Direito, o que, infelizmente, acontece conosco…

 

2) a divisão de competências entre a União e as unidades federadas

 

No começo, o poder central era relativamente fraco diante das unidades federadas. Todavia, com a necessidade do fortalecimento do país para enfrentar as adversidades do relacionamento internacional (atualmente, a ampliação da União Européia, o crescimento econômico da China e a ameaça representada por alguns países árabes etc.) foi ocorrendo o alargamento cada vez maior do poder central em detrimento da autonomia das unidades federadas.

 

Atualmente existe uma supremacia federal cada vez maior, sendo um dos exemplos a força do Direito federal e da Justiça Federal (versando sobre os casos e assuntos de interesse supra-regionais).

 

3) a extrema força dos Direitos Administrativo e Tributário

 

O Direito Administrativo representa a criação de um imenso organismo desenhado e construído com requintes de planejamento, visando a funcionalidade. Comparemos com uma máquina complexa em que cada detalhe tem de ser pensado para não falhar em hipótese.

 

O que mais chama a atenção nesse ponto é a existência dos Tribunais Administrativos (misto de Executivo e Judiciário) e a força que as agências vão adquirindo, sendo consideradas o 4º Poder.

 

O Direito Tributário representa o combustível que sustenta a máquina. Todas as formas possíveis de cobrar tributos são utilizadas sem nenhum receio de desagradar, pois seu reinvestimento em benefícios públicos é reconhecido pela população, sem desvio de verbas para beneficiar políticos ou empresas desonestos.

 

Aqui temos de destacar os crimes da área financeira (principalmente os relacionados com a área tributária), cujas punições são rigorosas. Não se pode admitir que o sangue do país deixe de ser abundante e permanente.

 

Esses dois ramos do Direito estão colocados muito acima do que fazemos aqui no Brasil. Aqui perdemos tempo demais com os Direitos Civil, Comercial, Penal, Processo Civil, Processo Penal, Trabalhista, Processo do Trabalho etc., enquanto que o que importa para a solução dos nossos problemas como coletividade são os Direitos Administrativo e Tributário, e, sobretudo, tudo sendo feito sem corrupção e com verdadeiro espírito público.

 

Aliás, na Europa, depois da 2ª Guerra Mundial, o Direito Público (Administrativo, Tributário etc.) foi colocado muito acima das questões transindididuais (Direitos Civil etc.)

 

4) a valorização das soluções amigáveis das lides

 

Em qualquer área do Direito, preocupa-se o Governo americano em que as lides sejam resolvidas a nível de acordo, como forma de pacificação social imediata, não se admitindo como aceitável que nenhum processo se eternize, com gastos inúteis e nenhuma vantagem para a coletividade.

 

São idealizados vários meios de soluções de lides sem processo judicial e, mesmo nos casos de chegar-se ao ajuizamento de uma ação, o número de acordos chega a uma média de 95% dos casos ajuizados.

 

(Merece uma nota especial a simplicidade das regras processuais, inclusive o fato de haver praticamente um único recurso – apelação – assim mesmo inaplicável a determinados tipos de sentenças.)

 

Não se admite como razoável estarem as pessoas e os Governos gastando recursos importantes com demandas judiciais. Os juízes e os demais operadores do Direito devem ser utilizados para resolverem questões realmente graves e não disputas que podem ser solucionadas de forma mais simples e direta. O dinheiro das pessoas e do Governo tem de ser investido em melhorias importantes.

 

5) Judiciário forte

 

Cada unidade federada tem liberdade de estabelecer se seus juízes serão eleitos pelo voto popular ou nomeados pelo respectivo Governador.

 

Por que isso? Simplesmente porque isso não é matéria de interesse do país como um todo. O que importa realmente é que esses juízes, recrutados por qualquer forma que seja, sejam honestos e produtivos.

 

O Judiciário, a não ser nas hipóteses de relevante interesse coletivo (casos em que o legislador edita leis) tem a liberdade de decidir de acordo com regras que ele mesmo vai estabelecendo através da Jurisprudência.

 

Especial destaque merece a Suprema Corte, que só julga os casos realmente importantes, que ela seleciona como de relevante interesse coletivo, dentre os inúmeros que lhe chegam e por ela são recusados sumariamente.

 

Não só o Judiciário é forte como também todos os demais operadores do Direito e as demais instituições, pois, se assim não acontecer, o país se enfraquecerá e perderá sua hegemonia internacional e todos os americanos perderão com isso…

 

6) Legislativo comedido na edição de leis

 

Ao contrário do legislador brasileiro, afoito muitas vezes na edição de leis, o legislador americano costuma ser extremamente cauteloso no seu mister de traçar regras de aplicação geral. Assim, o número de leis é pequeno, mas suficiente. A lei mais extensa é o Código Tributário, aliás, compreensível pelo que já vimos linhas atrás.

 

6) o Executivo

 

Ao invés de intrometer-se nas áreas de atuação dos demais Poderes, preocupa-se com suas atribuições primordiais de planejar medidas de largo alcance comunitário e implementá-las.

 

O que os juízes decidem não lhe interessa, pois têm alcance restrito geralmente a poucas pessoas (a não ser nos casos de class actions) e o que os membros do Legislativo traçam legislativamente, preocupam-no um pouco mais.

 

Em resumo, fica para nós, operadores do Direito, a dica de dispensarmos as discussões bizantinas sobre as regras processuais e passarmos a pensar em simplificar nosso trabalho e concentrar a atenção sobre o que possa representar em termos de pacificação social.

 

A indústria das demandas somente enriquece os operadores do Direito que vivem das causas intermináveis do foro e que alimentam a rica doutrina nacional com teses cada vez mais complexas porém inúteis…

 

Quanto aos nossos Executivo e Legislativo, o primeiro deve se preocupar em investir de forma inteligente os imensos recursos que arrecada e o segundo deve atentar em legislar pouco, mas racionalmente, ao invés de ambos trabalharem para achatar e inviabilizar o Judiciário, este que exerce uma função importante de pacificador social, apesar de todas as dificuldades que procuram colocar no seu caminho.

 

 

* Luiz Guilherme Marques, Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora (MG).

Como citar e referenciar este artigo:
MARQUES, Luiz Guilherme. Justiça e Direito Americanos e o Brasil. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-internacional/justica-e-direito-americanos-e-o-brasil/ Acesso em: 15 jun. 2025