Contextualizando a questão, as guerras haviam provado a inviabilidade humana de qualquer convivência pacífica. A Primeira Guerra Mundial deixou
terrivelmente clara a capacidade do conflito armado mecanizado moderno, entre grandes poderes, de destruir vidas e condições de sobrevivência de modo
devastador e como é importante reduzir o risco de uma guerra como esta. A Segunda Guerra Mundial não apenas enfatizou a realidade dos perigos da guerra
entre grandes poderes, como revelou também a importância de se impedir qualquer potência de escapar do controle. Ruy Barbosa, amparado em Angell,
afirmou que a Europa havia alimentado uma política internacional falha nas últimas dezenas de anos. Ele afirmava isso sob a luz da teoria realista,
pois chamava essa política internacional de militarista.
As Relações Internacionais são um conjunto de sociedades humanas com finalidades específicas. Essas finalidades poderiam perfeitamente ser
companheiras, não necessariamente antagônicas. Qualquer sociedade tem ânsia de crescimento e não seria sensato viver permanentemente em estado de
tensão.
Mas então por que a dúvida? É, pois, necessária a retirada de empecilhos para alcançar-se o interesse comum entre as sociedades: promoção da vida,
erradicação da pobreza, esclarecimento da população. Se esses exemplos podem ser evocados como interesses em comum entre todos os povos, podemos
afirmar que existe entre os Estados uma interdependência. E a cooperação é ingrediente fundamental desse adensamento dos laços
internacionais.
A cooperação? Sim, ela existe. Contudo essa cooperação é difícil, efêmera, e restrita (na forma de alianças, por exemplo), sujeitando-se à conveniência
do ator nacional, o Estado.
Um bom ponto de partida para começarmos a responder ao questionamento é a teoria de Hobbes quando aplicada às Relações Internacionais. Existiria
cooperação entre os Estados dentro da criação hobbesiana? Sim, e apesar de parecer estranho aos nossos ouvidos, pois entendemos que os Estados no mundo
são como indivíduos no estado de natureza, o importante é fazê-los aprender com o sofrimento e a devastação da guerra como estabelecer entre eles um
regime legal que não se sustende pelo poder, mas pelo o que seja voluntariamente observado. Justamente por analogamente estarem em estado de natureza
de Hobbes que cooperariam sim, os Estados, entre si, quando essencial à sobrevivência deles. A palavra de ordem aqui é a conveniência política,
isto é, a cooperação existe só quando há interesse de conter dada ameaça (visão militarista).
Essa cooperação logo é volúvel devido à desconfiança mútua entre os Estados. A desconfiança se dá pelas informações assimétricas, a natureza
humana, a anarquia internacional – as três imagens tratadas por Kenneth Waltz em sua obra O homem, o Estado e a guerra, pois.
De acordo com a primeira imagem das relações internacionais, o local das causas importantes da guerra reside na natureza e no comportamento do homem. As guerras resultam do egoísmo, de impulsos agressivos mal canalizados, da estupidez. A eliminação desta tem de vir da
elevação e do esclarecimento dos homens ou de medidas que assegurem seu reajustamento psicossocial.
A primeira imagem não exclui a influência do Estado – segunda imagem –, mas o papel deste foi introduzido como uma consideração menos importante
do que o comportamento humano, e a ser explicada em seus termos. As guerras não existiriam se a natureza humana não fosse como é, mas os eventos a
serem explicados são tantos, e tão variados, que a natureza humana possivelmente não pode ser o único determinante. A conclusão é óbvia: para
compreender a guerra e a paz, tem-se de usar a análise política para complementar e organizar as descobertas da psicologia e da sociologia.
Mas o que dizer da situação entre os próprios Estados civis? Ao definir o estado de natureza como a situação na qual as unidades atuantes, homens ou
Estados, coexistem sem uma autoridade acima de si, pode-se aplicar a expressão a Estados do mundo moderno tanto quanto homens que viviam fora de um
Estado civil. Está claro que os Estados não reconhecem um superior comum; mas será possível descrevê-los como unidades atuantes?
Em suma, a unidade de uma nação é alimentada não somente por fatores internos como também pelos antagonismos tão frequentes nas relações
internacionais. Essa é a posição de Rousseau, que afirma que “se a guerra só é possível entre tais ‘seres morais’ [Estados], segue-se que os
beligerantes não têm nada de pessoal contra inimigos individuais”. Um Estado guerreia contra outro Estado. Tiramos do filósofo a análise
teórica da guerra como consequência da anarquia internacional – a terceira imagem.
Em primeiro lugar, não há uma relação lógica óbvia entre a proposição de que “na anarquia não há harmonia automática” e a proposição segundo a qual
“entre Estados autônomos, a guerra é inevitável”. Do atual sistema anárquico de organização internacional pode brotar a desconfiança e a descrença
internacional, guerra, na acepção do termo, ou isso pode influenciar as nações para a cooperação.
Para os realistas, as cooperações são possíveis na medida em que a convivência exige e o interesse existe. Não é equivocada a comparação militar aqui.
Para eles, o poder é um meio para alcançar-se um fim chamado sobrevivência, usando do ataque e arraso das demais nações na sociedade
internacional. Espinosa já afirmava que o fim de todo ato é a autopreservação do ator.
Em Morgenthau temos duas ideias: em primeiro lugar, a de que as lutas pela preferência surgem em situações competitivas e, na ausência de uma
autoridade capaz de militar os meios usados pelos competidores, é introduzida a força; em segundo, a de que as lutas pelo poder surgem porque os homens
nascem com a ânsia pelo poder. Num caso o poder é um fim; no outro, um instrumento.
A questão não é saber se o poder deve ou não ser “o valor supremo dos Estados”. Tem-se, em vez disso, de perguntar quando ele será o valor supremo, se
em algum momento for, e quando é mero meio.
Poder econômico, militar, diplomático, cultural, localização geográfica, avanço tecnológico, população, entre outros, são fatores que constituem o
poder de uma nação. Para que essa nação atinja seus interesses, ela deve utilizar desses fatores para se posicionar perante a sociedade internacional.
Hans Morgenthau identifica três padrões de política internacional que a nação pode adotar conforme mais interessante aos seus anseios: a política do status quo, a política imperialista e a política de prestígio.
Nessa lógica de freios e contrapesos conseguimos enxergar o que finalmente é o pilar mestre do realismo político: o equilíbrio de poder. Segundo
as palavras de Robert Bridges: “Nossa estabilidade não passa de um equilíbrio; e a nossa sabedoria está da administração magistral do imprevisto.”.
Hoje em dia alguns autores defendem que esse conceito de equilíbrio de poder está ultrapassado, principalmente no que concerne consertar as questões
ambientais e econômicas. Apenas ações conjuntas salvarão o meio-ambiente ou a economia mundial, relegando às questões militares a derradeira esfera
onde o equilíbrio de poder ainda encontra substrato para catálise de seus efeitos.
Entramos e entendemos então a partir daqui a teoria institucionalista neoliberal. Essa corrente tem dois grandes objetivos: indicar os
empecilhos à cooperação (e nisso dialogam muito com os realistas) e buscam objetivos para superá-los, para saná-los.
A corrente institucionalista surge na década de 60 trazendo essa nova teoria afirmando que todo e qualquer Estado influencia o conjunto final, a
sociedade internacional. Os Estados não são absolutos e soberanos, são partes dentro de um conjunto maior e precisam das outras partes para alcançar os
fins comuns. “A vida e a qualidade financeira em outros países influencia a vida e a qualidade financeira em nosso país”: esse é um senso comum criado
com a corrente institucionalista para dentro de nossa compreensão atual.
Para dar mais visibilidade ao que queremos colocar é preciso imaginar uma trama; uma cadeia que liga cada Estado na busca de coordenar as
atividades humanas em uma alusão a uma espécie de governança global.
O mundo passou por uma transformação. Essa transformação foi a criação de novas estruturas de interação, de aceleração da vida e mobilidade em
escala global, reduzindo até nosso conceito geográfico de mundo. O conceito que temos da influência de órgãos estatais, não estatais e paraestatais em
todo o sistema global é uma ideia surgida a partir da década de 60.
E para os institucionalistas neoliberais, é possível cooperar?
Eles observam a cooperação como um fato real da sociedade, verificável e possível. Como já citado, a teoria institucionalista visa identificar e
remediar os obstáculos à cooperação. Os problemas apontados quando os Estados vão cooperar podem ser elencados no problema da desconfiança, no dilema do prisioneiro e na inevitabilidade e sombra do futuro.
A percepção é basilar quando analisamos a questão da desconfiança.
Para os neoliberais os Estados cooperam sim, só que mais que os Estados, outras instituições cooperam internacionalmente. O aparecimento de novos atores e múltiplos canais de cooperação entre esses atores (surgidos a partir da década de 60) permitiu substrato para outras
relações que não apenas aquelas formais, entre Estados, mas também as informais, entre empresas, ONGs, paraestatais. É não pensar apenas a cooperação
com termos político-constitucionais, mas pensar a cooperação como regulamentação de todas as demais necessidades, funções sociais da sociedade –
educação, saúde, economia.
São as possibilidades maiores que temos hoje quando falamos em cooperar.
Gisele Witte
Acadêmica de Direito da UFSC
Estagiária no Tribunal de Justiça de Santa Catarina