Em razão do Brasil ter recebido grandes massas imigratórias, muitas pessoas que aqui vivem podem gozar do benefício da dupla-nacionalidade, que ocorre em sua maioria por vínculos sanguíneos, ou seja, a ascendência de algum nacional de outro país. Isso ocorre em razão do princípio jus sanguinis, que no direito internacional aborda a nacionalidade originária advinda da filiação, não importando o local de nascimento, conforme é destacado pelo jurista Valério Mazzuoli:
“A nacionalidade pode ser de duas espécies: originária (primária ou atribuída) e adquirida (secundária, derivada ou de eleição). A primeira (que indivíduo se vê atribuir ao nascer) é involuntária e resulta ou (a) do local de nascimento (jus soli), ou (b) da nacionalidade dos pais à época do nascimento (jus sanguinis), 36 ou ainda (c) de qualquer relação tida pelo Estado como suficiente para se atribuir a alguém a nacionalidade. A segunda, que se verifica sempre após o nascimento, se obtém mediante naturalização – voluntária ou, em outros tempos, imposta e, em alguns países, pelo casamento. Atualmente, a nacionalidade que se obtém mediante naturalização depende de um ato de vontade do indivíduo, que a adquire livremente no decorrer da vida, não podendo ser imposta pelo Estado. Este apenas a aceita e a concede, de acordo com o seu Direito interno, em substituição da nacionalidade de origem. “ (Mazzuoli 2019, p. 1016)
“Pelo sistema do jus sanguinis a nacionalidade é determinada pela filiação, não importando onde tenha nascido o indivíduo. Não se trata, em verdade, de atribuir a filiação pela consanguinidade, sob o aspecto biológico-racial, mas em determina-la pela filiação (daí ser esse sistema mais coerentemente chamado de critério da filiação). Por meio desse critério, será nacional do Estado o indivíduo que seja filho de um nacional desse Estado, politicamente considerado, independentemente de onde tenha nascido, em nada importando também o fato de esse filho estar ou não ligado por critérios raciais ou de sangue com os demais membros do grupo. Não importa também o fato de os pais terem mudado posteriormente de nacionalidade, uma vez que o critério se baseia na nacionalidade que tinham os pais à época do nascimento do filho. “ (Mazzuoli 2019, p. 1023)
Esse tipo de critério para a obtenção da nacionalidade é estabelecido em muitos países, principalmente os da Europa, onde em alguns só existe a possibilidade de obter a nacionalidade em razão do sangue. Muitos brasileiros recorrem à Portugal, onde a Lei da Nacionalidade do país permite que filhos e netos (ascendentes de 2° grau) em determinadas situações obtenham a nacionalidade portuguesa:
“Artigo 1°
1 – São portugueses de origem:
a) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no território português;
b) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no estrangeiro se o progenitor português aí se encontrar ao serviço do Estado Português;
c) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no estrangeiro se tiverem o seu nascimento inscrito no registo civil português ou se declararem que querem ser portugueses;
d) Os indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo menos, um ascendente de nacionalidade portuguesa do 2.º grau na linha reta que não tenha perdido essa nacionalidade, se declararem que querem ser portugueses, possuírem laços de efetiva ligação à comunidade nacional e, verificados tais requisitos, inscreverem o nascimento no registo civil português;[1] “
Outros países como Itália, Polônia e Espanha também são corriqueiramente conhecidos por conceder nacionalidades a brasileiros que cumprem o critério do jus sanguinis. Contudo, apesar do termo correto dado a quem possui outra nacionalidade seja dupla-nacionalidade, muitos confundem e chamam de “dupla-cidadania”, de modo que se tornou um senso comum.
No entanto, ambas as expressões não se confundem e tratam de coisas parecidas, porém ainda sim diferentes. A cidadania é conceituada como está ligada aos direitos do sujeito que vive em determinado local, como a liberdade de ir e vir, pensamento, religião, econômica, entre outras. A nacionalidade pode ser definida como o vínculo jurídico que une a pessoa e o Estado, conforme é desmistificado pelo doutrinador:
“A confusão entre nacionalidade e cidadania há de ser evitada antes de se continuar no estudo do direito da nacionalidade. Trata-se de duas matérias inter-relacionadas, mas que juridicamente não se confundem.
Pode-se considerar a nacionalidade como sendo o elo jurídico-político que liga o indivíduo a determinado Estado e a cidadania como a condição de exercício dos direitos constitucionalmente assegurados, que não mais se limita à mera atividade eleitoral ou ao voto, compreendendo também uma gama muito mais abrangente de direitos – por sua vez, oponíveis à ação dos poderes públicos – e, também, deveres para com toda a sociedade. A cidadania, assim considerada, consiste na consciência de participação dos indivíduos na vida da sociedade e nos negócios que envolvem o âmbito de seu Estado, alcançados, em igualdade de direitos e dignidade, pela construção da convivência coletiva com base num sentimento ético comum, capaz de torná-los partícipes no processo do poder e garantir-lhes o acesso ao espaço público. São atos que comprovam o exercício da cidadania o desempenho de funções públicas, de atividades comerciais ou empresariais, o exercício do voto, a participação na vida pública ou da sociedade civil etc.
As prerrogativas conferidas pela cidadania aos nacionais normalmente (mas nem sempre) excluem a participação dos estrangeiros, principalmente no que tange às questões políticas privativas dos cidadãos do Estado. Não obstante o texto constitucional brasileiro assegurar “aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País [isso não significando que os estrangeiros não residentes não disponham de quaisquer meios para tutelar situações subjetivas, como aponta a melhor doutrina a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (art. 5º, caput), a própria Constituição reserva aos brasileiros o exercício de certos direitos públicos e privados, excluindo a participação dos estrangeiros. “ (Mazzuoli 2019, p. 1012 – 1015)
A cidadania pode abranger estrangeiros, todavia, as da nacionalidade são dadas exclusivamente a indivíduos que possuem o vínculo político-jurídico de nacional daquele estado. Portanto, é possível observar que nacionalidade e cidadania são duas coisas que apesar de estarem conectadas, são diferentes. O senso comum trata então de uma maneira errada de tratar do termo dupla-nacionalidade, que seria o correto a ser utilizado para determinar uma pessoa que possui mais de uma nacionalidade.
Referências
https://dre.pt/legislacao-consolidada/-/lc/69738105/201708271544/diploma/1?rp=indice. s.d.
Mazzuoli, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
Autor:
Pedro Vitor Serodio de Abreu: Acadêmico em Direito pela Universidade Estácio de Sá, Ex-estagiário do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, auxiliar jurídico na área do Direito Empresarial, Família, Sucessões, Consumidor e Previdenciário no escritório CAS Assessoria Jurídica. Formação complementar em Relações Internacionais pela Fundação Getúlio Vargas e pelo Senado Federal, Negociação pela Universidade Estadual do Maranhão, Gestão das Finanças Públicas pela Organização das Nações Unidas e Conselhos de Direitos Humanos pela Escola Nacional de Administração Pública.