Direito Internacional

A Proteção do Direito à Saúde no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais: breves considerações sobre o sistema de monitoramento do direito humano de segunda dimensão

Manoel Carlos Batista Mota

RESUMO

A internacionalização dos direitos humanos ampliou o horizonte de proteção dos direitos que decorrem da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, destacar a importância do direito internacional dos direitos humanos, bem como os mecanismos de proteção a tais direitos na ordem internacional auxilia na compreensão da responsabilização internacional por violações aos direitos humanos, em especial, destacando-se o direito à saúde, sem o qual se torna impossível o gozo dos demais direitos civis e políticos.

Palavras-chave: saúde, pidesc, direitos humanos

1 INTRODUÇÃO

A internacionalização dos direitos humanos exige o devido comprometimento dos Estados com a aplicabilidade dos direitos que decorrem dos compromissos assumidos no âmbito internacional.

Nesse passo, importa salientar a importância do recente Direito Internacional dos Direitos Humanos, bem como o sistema de monitoramento dos direitos humanos, o que permite a responsabilização do Estado por quaisquer violações perpetradas contra os direitos que decorrem da própria dignidade da pessoa humana.

Assim, escolhido o direito à saúde pois se considera direito social essencial para o gozo dos demais direitos civis e políticos, verificar-se-á seu conteúdo jurídico no âmbito do Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos, especificamente na seara do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, bem como o sistema de envio de relatórios ao Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais como mecanismo de monitoramento desse direito social.

2 O DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS

A hecatombe da Segunda Guerra Mundial é o substrato histórico para gênese da proteção internacional dos direitos humanos. Não se trata do começo desses direitos, mas da necessidade de, para além da jurisdição doméstica, proteger-se direitos que estão além da concepção política de Estado, pois anteriores a qualquer concepção de sociedade.[1]

Dessa forma, o breve século XX[2] fora marcado, para além da nova geografia pós guerra, principalmente na Europa, por acordos, na tentativa de impedir outras catástrofes mundiais.

Conforme ensina GUERRA[3], inaugurou-se um novo momento no que toca aos direitos humanos, com a Declaração Universal de Direitos Humanos, haja vista a proclamação para todas as pessoas, independente de cor, sexo, raça idioma, religião, opinião etc.

Não se protegia mais o indivíduo sob certas condições ou situações circunscritas como outrora, a exemplo da proteção de minorias, trabalhadores sob a égide das primeiras convenções da OIT, todavia, trata-se, agora, de proteger o ser humano como tal.[4]

A partir, pois, da segunda metade do século XX, a análise da dignidade da pessoa humana ganha proporções para além do Estado, consolidando-se a ideia de limitação da soberania nacional.[5]

Dessa forma, o Direito Internacional dos Direitos Humanos, no entendimento de GUERRA, tem por objeto:

o conjunto de regras jurídicas internacionais (convencionais ou consuetudinárias) que reconhecem aos indivíduos, sem discriminação, direitos e liberdades fundamentais que assegurem a dignidade da pessoa humana e que consagrem as respectivas garantias desses direitos[6]

Com efeito, conforme destaca ANDRE RAMOS[7] a consolidação do Direito Internacional dos Direitos Humanos se deu graças à edição de inúmeros tratados sobre o tema e ao funcionamento das Cortes Internacionais de Direitos Humanos e órgãos similares.

Nesse aspecto, destaca RAMOS[8] que a proteção dos direitos humanos na ordem internacional conta com três sub-ramos específicos do Direito Internacional Público, os quais não devem ser segregados: o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH), após a emergência da Carta da Organização das Nações Unidas e da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Direito Internacional Humanitário (DIH)[9] e o Direito Internacional dos Refugiados (DIR)[10]. Estes dois últimos ramos funcionam como lex specialis em relação ao DIDH, o qual é lex generalis , aplicável subsidiariamente a todas as situações, na falta de previsão específica.

Nesse aspecto, em razão do gênero humano há direitos, cujo ponto nevrálgico é a dignidade da pessoa humana. A nossa construção jurídica, pois, encontra um capítulo importante nessa delimitação histórica de afirmações das dimensões desses direitos, a despeito de, infelizmente, não haver, em sua vivência, uma realidade já concretizada e plenificada.[11]

Não há um rol predeterminado do conjunto mínimo de direitos que asseguram essa dignidade, pois que variam conforme o contexto histórico de suas afirmações, tendo em vista as traduções das demandas sociais pelo fenômeno jurídico.[12]

Ademais, exatamente por não serem predeterminados não se quer dizer que estão em um plano abstrato[13] impossível de aplicação e (re)conhecimento. Nesse passo, foram concebidos como verdades cuja evidência poderia ser demonstrada através dos ditames da reta razão.[14]

Com efeito, para os direitos sociais devem (co)existir instrumentos de proteção tais quais para os direitos civis e político, e o Estado, na sua função de garantidor desses direitos, deve ratificar todo e qualquer protocolo que permita aos indivíduos o amplo espectro protetivo, sob pena de se tornar violador dos direitos humanos, pois de nada adianta o reconhecimento na ordem jurídica interna se não houver a possibilidade de se recorrer ao Direito Internacional no caso dessa proteção se tornar ineficiente. Eis a necessidade do Direito Internacional dos Direitos Humanos.

3 O SISTEMA GLOBAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS: uma breve análise sobre o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e seu sistema de monitoramento do direito humano à saúde

Inicialmente, é bom que se mencione que o Sistema Onusiano (ou Global) de Proteção dos Direitos Humanos faz parte dos Mecanismos Internacionais de Proteção e Monitoramento desses direitos. Além disso, como se nota, não é o único, pois acompanhado dos sistemas regionais, tais como o americano, o europeu e africano. Como ensina PORTELA: “Há dois tipos de sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos – o global e os regionais”[15]

O diploma internacional sobre os direitos econômicos, sociais e culturais que compõe o sistema global de proteção dos direitos humanos entrou em vigor em 1976, após três meses a data do depósito do 35º instrumento de ratificação ou de adesão.[16]

Com efeito, a proteção internacional aos direitos sociais é um desafio, pois é histórica a compreensão de que tais são construídos em normas programáticas, as quais projetam para o futuro, em respeito, também, à discricionariedade administrativa do estado na implementação de políticas públicas que visem a eficácia das normas delimitadoras desses direitos.

Contudo, por também ser direito humano e como tal marcado pela indivisibilidade, os direitos sociais não devem ser vistos como meras recomendações ou exortações, pois não há gozo de direitos políticos e civis sem manutenção digna das condições sociais que permitam a fruição dos direitos humanos de primeira dimensão.

Nesse sentido, vale mencionar que o Estado Brasileiro, apesar de ter participado da elaboração do PIDESC, apenas aprovou o tratado por meio do Decreto Legislativo n. 226 de 12 de Dezembro de 1991, sendo que a Carta de Adesão foi depositada em 24 de abril de 1992, entrando em vigor no direito interno brasileiro somente com a promulgação do Decreto n. 591, em 07 de julho de 1992.[17]

Quanto ao sistema de responsabilidade previsto no PIDESC, há o de relatórios, com base no mecanismo convencional não contencioso.

De fato, assim dispõe o art. 16 do mencionado Pacto:

1. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a apresentar, de acordo com as disposições da presente parte do Pacto, relatórios sobre as medidas que tenham adotado e sobre o progresso realizado com o objetivo de assegurar a observância dos direitos reconhecidos no Pacto.

2. a) Todos os relatórios deverão ser encaminhados ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, o qual enviará cópias dos mesmos ao Conselho Econômico e Social, para exame, de acordo com as disposições do presente Pacto.

b) O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas encaminhará também às agências especializadas cópias dos relatórios – ou de todas as partes pertinentes dos mesmos enviados pelos Estados Partes do presente Pacto que sejam igualmente membros das referidas agências especializadas, na medida em que os relatórios, ou partes deles, guardem relação com questão que sejam da competência de tais agências, nos termos de seus respectivos instrumentos constitutivos (PIDESC)

Além disso, quanto a periodicidade, o PIDESC prevê a possibilidade de apresentação do relatório por etapas, conforme programa estruturado pelo Conselho de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, indicando-se possíveis fatores e dificuldades na produção do mesmo, nos termos do art. 17., itens 1, 2, PIDESC.

Com essa estrutura, percebe-se que o PIDESC adotou o sistema de relatórios periódicos, em que os Estados, ao ratificarem os Tratados elaborados sob a supervisão onusiana, comprometem-se na elaboração e envio de informes, nos quais devam constar as ações desenvolvidas por eles na consecução dos objetivos pactuados.

Conforme aduz RAMOS, o princípio informador do sistema de relatórios é a cooperação internacional e a busca de evolução, na proteção desses direitos, com base na atuação conjunta de Estado e órgão internacional.[18]Como sabido, no âmbito do PIDESC, houve estabelecimento do CDESC, enquanto zelador dos relatórios periódicos (treaty bodies).

Conforme ensina MORETTI:

Além disso, a obrigação internacional de produzir o relatório periódico existe mesmo quando não há descumprimento de qualquer direito. Os principais objetivos deste sistema são prevenir violações e forçar os Estados a dedicarem atenção às políticas internas de defesa dos direitos humanos. Com base no relatório analisado, a Assembléia Geral poderá editar resoluções condenando o Estado por repetidas violações de direitos humanos e também pode acionar o Conselho de Segurança para que edite atos vinculantes para a preservação dos direitos humanos em nome da paz e segurança mundiais

Ressalte-se, contudo, que as observações e recomendações produzidas pelo CDESC, a despeito de não serem vinculantes, possuem força política e moral relevante. É o chamado poder de constrangimento político e moral que causam ao Estado violador de direitos humanos, no âmbito da opinião pública internacional[19].

Vale mencionar que o sistema de relatórios não é imune a críticas, além de ser considerado insuficiente para proteção de direitos econômicos, sociais e culturais.[20]

RAMOS, nesse aspecto, destaca a pouca flexibilidade para combater situações emergenciais de violações aos direitos humanos, além da concentração das informações nas mãos do Estado, a despeito da participação da sociedade civil.[21]

Por conta dessas críticas, destaca MORETTI, que a Declaração e o Programa de Ação de Viena de 1993 recomendaram a incorporação do sistema quase-judicial ao PIDESC, através da inclusão no Pacto, por meio de protocolo adicional, do direito de petição individual, o que fora adotado por meio da Resolução A/RES/63/117, por meio da aprovação da Assembleia Geral da ONU, permitindo, por exemplo, o que o CDESC, após analisar as petições, determinar medidas a serem adotadas pelo Estado, bem como medidas de reparação às vitimas, sendo que tal Protocolo, até o momento, não fora assinado nem ratificado pelo Estado Brasileiro[22], representando um retrocesso na proteção dos direitos previstos no PIDESC.

3.1 O Conteúdo do Direito à Saúde no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

Especificamente, no que toca ao PIDESC, a despeito dos seus trinta e um artigos, apenas interessa para este trabalho o direito capitaneado pelo art. 12 que traz o direito de toda a pessoa desfrutar do mais elevado nível possível de saúde física e mental, devendo o Estado Brasileiro, no caso, adotar as medidas necessárias para promoção da redução da mortalidade infantil, o índice de natimortos, além do desenvolvimento sadio das crianças, a melhor higiene do trabalho e do meio ambiente, prevenção e tratamento de enfermidades epidêmicas, endêmicas, profissionais, assim como condições que assegurem a todos assistência médica e serviços médicos em caso de doença.

Demais disso, interessa mencionar que, dos arts. 16 a 25 do PIDESC, há importante mecanismo de monitoramento dos direitos elencados pelo Pacto,  consubstanciado na apresentação de relatórios sobre medidas adotadas, o qual será enviado ao Comitê de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais – CDESC, criado em 2008 pela adoção do Protocolo Facultativo ao PIDESC[23].

Os órgãos criados por tratados internacionais de direitos humanos, sob a supervisão da ONU, são responsáveis pela supervisão e controle do cumprimento, pelos Estados, das cláusulas delineadoras de obrigações no que se refere aos direitos humanos.

Assim, criado por resolução do Conselho de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e previsto no Protocolo adicional de 2009, ainda não ratificado pelo Estado Brasileiro, o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – CDESC, através da orientação geral nº 14, abaixo tratada, delineou a interpretação dada ao direito à saúde, no âmbito, do Sistema Global, através do PIDESC[24].

Com o final da Segunda Guerra, no ocidente se cria a concepção de saúde enquanto direito de todos e dever do Estado.[25] Nesse aspecto, é direito humano de 2º dimensão, internalizado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, enquanto direito fundamental social, nos termos do art. 6º. Exige-se, pois, prestação estatal na consecução de políticas públicas que viabilizem o desfrutar do mais alto padrão de saúde, enquanto direito estruturante que permite a fruição das demais dimensões de direitos humanos.

A mundialização da saúde adquire importante destaque com a criação da Organização Mundial da Saúde e suas agências, em que se priorizam a prevenção e a partilha de responsabilidade de gestão nacional e local, baseando-se na promoção e controle da saúde.

Nesse sentido, caminhando-se para internacionalização do direito à saúde, pode-se destacar, no Direito Internacional: a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948; o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966; a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1965; a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, de 1979; a Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989; a Carta Social Europeia, de 1961; a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, de 1981; o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1988; a Comissão de Direitos Humanos; a Declaração de Viena e seu Programa de Ação, de 1993, entre outros instrumentos internacionais.

De fato, a Carta das Nações Unidas juntamente com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, tornam-se os grandes marcos para internacionalização dos direitos humanos. Elenca-se o direito à saúde, na DUDH, em seu artigo XXV:

Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circuns tâncias fora de seu controle. 2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social (NAÇÕES UNIDAS, 1948).

Apesar de a DUDH não possuir efeitos vinculantes, mas declarações a serem adotadas por todos os Estados que primam pelo respeito aos direitos humanos, no âmbito do Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais cumpre o papel da normatividade e efeito vinculante aos Estados que dele participam.

O impacto da DUDH foi grande nas Constituições Nacionais, de tal forma que, a exemplo de a Constituição da República Federativa do Brasil ter reconhecido ao direito à saúde caráter de fundamental, nos termos do art. 6º, dentre outros direitos sociais.

O Direito à Saúde recebeu espaço no PIDESC no pontual artigo 12 que assim dispõe:

Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental.

As medidas que os Estados Partes do presente Pacto deverão adotar com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar:

A diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem como o desenvolvimento é das crianças;

A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente;

A prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras, bem como a luta contra essas doenças;

A criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços médicos em caso de enfermidade.

De acordo com o conceito trazido pelo preâmbulo da Constituição da Organização Mundial da Saúde, “a saúde é um estado de completo bem estar físico, mental e social e não somente ausência de doenças ou enfermidades”[26].

Apesar de, na elaboração do artigo 12º do PIDESC a Terceira Comissão da Assembleia Geral das Nações Unidas não ter adotado a definição de saúde da OMS[27], o que se observa tanto no conteúdo trazido pelo PIDESC quanto no conceito delineado pela OMS é que saúde é estado de vida que deve ser garantido pelo Estado aos seus cidadãos, na forma que mais se aproxime do reconhecimento de um viver com dignidade.

A partir desse reconhecimento nos diplomas internacionais, especialmente no PIDESC, o direito sanitário não mais se restringe ao território de cada Estado, mas transporta-se para além das barreiras internas, demandando monitoramento internacional quanto ao cumprimento das disposições pactuadas. Em caso de descumprimento, por parte do Estado, este deve ser responsabilizado internacionalmente.

Quanto ao conteúdo do direito à saúde no PIDESC importa observar o Comentário Geral nº 14 – CG14 produzido na 22ª (vigésima segunda sessão) da ONU, em 2000[28].

Segundo o CG14, realiza-se o direito em comento através de numerosas abordagens, dentre a formulação de políticas públicas em matéria de saúde, implementação de programas desenvolvidos pela OMS ou adoção de instrumentos legais concretos.

Nesse sentido, sobre a amplitude de proteção internacional dada ao direito em tela, o CG14 apresenta um rol de diplomas internacionais que fazem referência à saúde do ser humano:

O artigo 25.o , n.º 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem afirma que “toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários”. O Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais apresenta o artigo mais exaustivo do direito internacional dos direitos humanos sobre o direito à saúde. Em conformidade com o artigo 12.o , n.º 1 do Pacto, os Estados Partes reconhecem o “direito de todas as pessoas de gozar do melhor estado de saúde física e mental possível de atingir”, enquanto que o artigo 12.o , n.º 2 enumera, a título de exemplo, “as medidas que os Estados Partes no presente Pacto tomarem com vista a assegurar o pleno exercício deste direito”. Além do mais, o direito à saúde é reconhecido, em particular, no artigo 5.o , alínea e) ponto (iv) da Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 1965; no artigo 11.o , n.º 1 alínea f) e no artigo 12.o da Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres de 1979 e no artigo 24.o da Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989. Vários instrumentos regionais de direitos humanos também reconhecem o direito à saúde, como a Carta Social Europeia de 1961 na sua forma revista (artigo 11.o ), a Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos de 1981 (artigo 16.o ) e o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Económicos, Sociais e Culturais, de 1988 (artigo 10.o ). Do mesmo modo, o direito à saúde foi proclamado pela Comissão de Direitos Humanos, bem como pela Declaração e Plano de Acção de Viena de 1993 e por outros instrumentos internacionais.

Percebe-se, contudo, que o direito à saúde se liga a outros direitos humanos, em particular, o direito à alimentação, ao alojamento, ao trabalho, à educação, à vida, à não discriminação, à igualdade, à proibição da tortura, à privacidade, ao acesso à informação e às liberdades de associação e reunião, dentre outros (CG14).

O conteúdo normativo do art. 12, PIDESC, não estende o manto da imunidade sobre o ser humano, isto é, não quer dizer direito a ser saudável, mas há proteção à liberdades e direitos, como a liberdade no controle da própria saúde e o corpo, incluindo a liberdade sexual e reprodutiva, a não submissão a tortura, nem a tratamentos e experiências médicas não consensuais, assim como direito a um sistema de proteção à saúde, o qual proporcione oportunidades iguais de gozo do melhor estado possível que se aproxime da vida saudável.[29]

Vale mencionar que a expressão “melhor estado de saúde (…) possível de atingir” deve ser compreendida pelo esforço conjunto entre as condições biológicas e socioeconômicas essenciais da pessoa, além dos recursos que o Estado dispõe. Nesse aspecto, destaca o CG14:

Existem vários aspectos que não podem ser abordados unicamente do ponto de vista da relação entre o Estado e os indivíduos; em particular, um Estado não pode garantir uma boa saúde nem pode proteger contra todas as causas possíveis de má saúde do ser humano. Assim, os factores genéticos, a propensão individual à doença e a adopção de estilos de vida doentios ou perigosos podem desempenhar um papel importante no que respeita a saúde da pessoa. Deste modo, o direito à saúde deve entender-se como um direito a desfrutar de toda uma gama de facilidades, bens, serviços e condições necessárias para alcançar o melhor estado de saúde possível de atingir.

A interpretação do art. 12º PIDESC deve levar em consideração, também, que a situação da saúde, desde 1966, até hoje, modificou-se de forma substancial. Novos conceitos, bem como novas situações que despertam o interesse da saúde pública, como o HIV e AIDS, o câncer, outrora não tinham o destaque de hoje, erguendo-se novos obstáculos ao exercício do direito à saúde.[30]

Nesse passo, o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais interpreta o art. 12º, com atenção aos cuidados de saúde oportunos e apropriados, bem como aos fatores determinantes que perpassam o acesso à água limpa e potável, condições sanitárias adequadas, fornecimento adequado de alimentos, nutrição adequada, alojamento adequado, condições dignas de trabalho, meio ambiente saudável, acesso à educação, principalmente educação sexual e reprodutiva.[31]

Demais disso, o CG14 apresenta elementos essenciais do direito à saúde, em todas as suas formas e níveis, cuja aplicação dependerá das condições predominantes em um determinado Estado[32]:

Disponibilidade: atento ao seu nível de desenvolvimento, cada Estado deve disponibilizar número suficiente de estabelecimentos, bens e serviços públicos de saúde, com todos os insumos necessários a consecução dessa finalidade;

Acessibilidade: os estabelecimentos de saúde devem a todos serem acessíveis, sem quaisquer discriminações. As dimensões dessa acessibilidade são, pois, a não discriminação[33], acessibilidade física (alcance geográfico seguro por parte de todos os setores da população), acessibilidade econômica (pagamentos por serviços de cuidado de saúde deve se basear no princípio da equidade, incluindo-se, para alcance de todos, os grupos socialmente desfavorecidos e o acesso a informação, como direito de solicitar, receber e difundir informações e ideais sobre questões de saúde;

Aceitabilidade: todos estabelecimentos devem respeito à ética médica e ser culturalmente apropriados, no respeito a cultura dos indivíduos[34], minorias, povos e comunidades, requisitos de gênero[35] e do ciclo de vida, além do respeito á confidencialidade das pessoas em questão;

Qualidade: os estabelecimentos, bens e serviços de saúde devem ser apropriados, desde o ponto de vista científico e médico, o que exige equipe qualificada, medicamentos e equipamentos cientificamente aprovados e dentro da validade, água limpa e potável, além das condições sanitárias adequadas.

Demais disso, as alíneas do art. 12º, n II, permitem a compreensão da amplitude de proteção ao direito à saúde, no sistema Global, por parte do PIDESC. Assim é que, o direito à saúde materna, infantil e reprodutiva (art. 12, nº 2, “a”, PIDESC)  leva em consideração a adoção de medidas para melhorar a saúde infantil e materna, além dos cuidados de saúde sexuais e reprodutivos, planejamento familiar, cuidados pré e pós parto, bem como serviços obstétricos.[36]

Por sua vez, o direito à higiene no trabalho e no meio ambiente (art. 12, n.2, “b”, PIDESC), inclui medidas preventivas no que toca a acidentes e doenças profissionais, ao fornecimento adequado de água limpa e potável, condições sanitárias básicas, prevenção e redução da exposição da população a substâncias nocivas, redução de acidades laborais, além de englobar também alojamento adequado, fornecimento apropriado de alimentos, desencorajamento ao abuso de ingestão de bebidas alcoolicas e tabaco e demais substância nocivas.[37]

Em relação ao direito à profilaxia, tratamento e controle de doenças (art. 12º, n.2, “c”), exige-se o estabelecimento de programas de prevenção e educação para fazer frente a questões de saúde, como doenças sexualmente transmissíveis, AIDS, as que afetam a saúde sexual e reprodutiva, além da promoção de fatores sociais, como a segurança ambiental, educação e desenvolvimento econômico e igualdade dos sexos.[38]

Quanto ao direito a estabelecimentos, bens e serviços de saúde (art. 12, n. 2, “d”, PIDESC), inclui-se o acesso igualitário e oportuno a bens e serviços de saúde básicos, preventivos e curativos e de reabilitação, bem como educação em matéria de saúde, programa de reconhecimentos periódicos, tratamento apropriado de doenças, enfermidades, lesões e incapacidades frequentes. Quanto a esse aspecto, também destaca o CG14:

Outro tratamento importante é a melhoria e promoção da participação da população na prestação de serviços de saúde preventivos e curativos, como a organização do sector da saúde, o sistema de seguros e, em particular, a participação nas decisões políticas relativas ao direito à saúde, adoptadas nos planos comunitários e nacional

CONCLUSÃO

Isso posto, dada a internacionalização dos direitos humanos, a responsabilidade internacional por violação do direito humano social à saúde é interessante mecanismo de proteção do Sistema Global de Proteção, através do envio de relatórios periódicos por parte do Estado, a fim de que se verifique a necessária implantação do direito ao mais elevado nível possível de saúde, o que amplia a aplicabilidade desse direito para além da ordem nacional.

Assim, o entendimento do conteúdo jurídico do direito à saúde, por meio da delimitação efetuada pelo CG nº 14 permite aos Estados a compreensão que auxilia na aplicabilidade do direito em tela, sem o qual é impossível o gozo dos demais direitos civis e políticos.

REFERÊNCIAS

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HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos: o breve século XX 1914-1991. Companhia das Letras. 2ª ed. 36ª reimpressão. 2007.

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PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. Las Generaciones de Derechos Humanos. Revista Direitos Emergentes na Sociedade Global/REDESG. UFMS ISSN: 2316-3054. DOI 10.5902/2316305410183. V.2 , n.1, jan/jun 2013, p.164

PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado: incluindo noções de direitos humanos e direito comunitário. 8ª ed. Ed Juspodivm: Salvador, 2016, p. 846.

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RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 3ª ed. Editora Saraiva: São Paulo, 2016, p.29

RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 4ª ed. Saraiva: São Paulo, 2015, p. 329.

RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. 5ª ed. Saraiva: São Paulo, 2015, p. 183

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A Proteção Internacional dos direitos humanos e o Brasil (1948-1997): as primeiras cinco décadas. 2ª ed. Editora Universidade de Brasília: Brasília, 2000, p. 23



[1] Nesse ponto, aduz GUERRA: “O moderno Direito Internacional dos Direitos Humanos é um fenômeno do pós guerra e seu desenvolvimento pode ser atribuído às monstruosas violações de direitos humanos da era Hitler e à crença de que parte dessa violações poderia ser prevenida se um efetivo sistema de proteção internacional dos direitos humanos já existisse, o que motivou o surgimento da Organização das Nações Unidas, em 1945” (GUERRA, Sidney. Direito Internacional dos Direitos Humanos. Editora Saraiva: São Paulo, 2011, p. 73).

[2] A expressão é de Eric Hobsbawm, em a Era dos Extremos HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos: o breve século XX 1914-1991. Companhia das Letras. 2ª ed. 36ª reimpressão. 2007.

[3] Ob cit, GUERRA…, p. 73.

[4] TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A Proteção Internacional dos direitos humanos e o Brasil (1948-1997): as primeiras cinco décadas. 2ª ed. Editora Universidade de Brasília: Brasília, 2000, p. 23.

[5] Ob cit, GUERRA, p. 76.

[6] Ob cit, GUERRA, p 79.

[7] RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. 5ª ed. Saraiva: São Paulo, 2015, p. 183.

[8] RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. 5ª ed. Saraiva: São Paulo, 2015, p. 66.

[9] O Direito Internacional Humanitário, nas palavras de RAMOS consiste no conjunto de normas jurídicas internacionais de origem convencional ou consuetudinária, que disciplina os conflitos armados, internacionais ou não internacionais, restringindo os meios e os métodos utilizados na guerra, assegurando direitos aos não combatentes (feridos, prisioneiros de guerra e população civil) e também punindo aqueles que cometem violações a suas regras.( RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. 5ª ed. Saraiva: São Paulo, 2015, p. 69.)

[10] Aduz RAMOS: o grande impulso à proteção dos refugiados deu-se com a Declaração Universal de Direitos Humanos, que estabeleceu, em seu artigo 14 que ‘cada pessoa tem o direito a buscar e gozar de asilo em outros países sem sofrer perseguição’” (RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. 5ª ed. Saraiva: São Paulo, 2015, p. 83.)

[11] MASCARO, Alysson Leandro. Sobre os Direitos Humanos e sua Tutela. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. V. 97. ISSN: 2318-8235. São Paulo, 2002, p.267

[12] RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 3ª ed. Editora Saraiva: São Paulo, 2016, p.29

[13] Segundo PECES-BARBA “Siempre me há parecido arbitraria uma fundamentación de los derechos humanos cerrada en una pretendida reflexion racional y abstracta” (PECES-BARBA, Gregorio. Sobre el fundamento de los Derechos Humanos: um problema de Moral y Derecho. Madrid: Debate, 1989, p.267-268)

[14] PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. Las Generaciones de Derechos Humanos. Revista Direitos Emergentes na Sociedade Global/REDESG. UFMS ISSN: 2316-3054. DOI 10.5902/2316305410183. V.2 , n.1, jan/jun 2013, p.164

[15] PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado: incluindo noções de direitos humanos e direito comunitário. 8ª ed. Ed Juspodivm: Salvador, 2016. P. 849

[16] RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 3ª ed. Editora Saraiva: São Paulo, 2016,, p. 159.

[17] RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 3ª ed. Editora Saraiva: São Paulo, 2016, p. 159.

[18] RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 4ª ed. Saraiva: São Paulo, 2015, P. 80.

[19] MORETTI, D. M. A responsabilidade internacional do Estado Brasileiro por violações do direito à educação a partir do Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos. RDDP,vol. 1, n. 1, 2012, p. 30 – 59, p. 38.

[20] MORETTI, D. M. A responsabilidade internacional do Estado Brasileiro por violações do direito à educação a partir do Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos. RDDP,vol. 1, n. 1, 2012, p. 30 – 59, p. 38

[21] RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 4ª ed. Saraiva: São Paulo, 2015, P. p. 84/85

[22] MORETTI, D. M. A responsabilidade internacional do Estado Brasileiro por violações do direito à educação a partir do Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos. RDDP,vol. 1, n. 1, 2012, p. 30 – 59, p. 38

[23] RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 3ª ed. Editora Saraiva: São Paulo, 2016,. P. 163.

[24] Conforme aduz RAMOS: “Esses órgãos exercem o chamado monitoramento internacional das obrigações de respeito e garantia de direitos humanos contraídas pelos Estados. Grosso modo, são colegiados compostos de especialistas independentes, que têm, a princípio a competência de examinar os relatórios de Estados e da sociedade civil organizada sobre a situação dos direitos protegidos em cada tratada, podendo, após análise, exarar recomendações. (…) Além disso, tais Comitês podem elaborar comentários (também chamados observações) gerais sobre a interpretação dos direitos protegidos. Essas observações gerais são hoje repertório precioso sobre o alcance e sentido das normas de direitos humanos. RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. P. 164.

[25] Por uma Cultura de Direitos Humanos: Direito ao mais alto patamar de Saúde física e mental. Secretaria de Direitos Humanos. Brasília, 2013, p.16.

[26] Disponível em < http://www.who.int/about/mission/es/ > Acesso em 04/09/2017.

[28] Segundo o próprio CG14, no item 6: Tendo em vista ajudar os Estados Partes a aplicar o Pacto e a cumprir as suas obrigações no que respeita à apresentação de relatórios, este Comentário Geral centra-se no conteúdo normativo do artigo 12 (parte I), nas obrigações dos Estados Partes (parte II), nas violações (parte III) e na aplicação no plano nacional (parte IV), enquanto a parte V versa sobre as obrigações de agentes distintos dos Estados Partes. O Comentário Geral baseia-se na experiência adquirida pelo Comité ao examinar os relatórios dos Estados Partes ao longo de muitos anos.

[33] Quanto a não discriminação, assim dispõe o CG14: Em virtude do disposto no artigo 2.o , n.º 2 e no artigo 3.o , o Pacto proíbe toda a discriminação no que se refere ao acesso aos cuidados de saúde e os factores determinantes subjacentes da saúde, assim como aos meios e direitos para o conseguir, por motivos de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou qualquer outra opinião, origem nacional ou social, fortuna, nascimento, impedimentos físicos ou mentais, estado de saúde (incluindo VIH/ SIDA), orientação sexual e situação política, social ou qualquer outra situação, que tenham por objectivo invalidar ou prejudicar a igualdade na satisfação do exercício do direito à saúde. O Comité sublinha que se podem aplicar muitas medidas, como as relacionadas com a maioria das estratégias e programas destinados a eliminar a discriminação relacionada com a saúde, com consequências financeiras mínimas através da adopção, modificação e revogação de leis ou divulgação de informação. O Comité recorda o n.º 12 do Comentário Geral n.º 3, que afirma que mesmo em alturas de limitações graves de recursos é preciso proteger os membros vulneráveis da sociedade mediante a adopção de programas especiais de relativo baixo custo

[34] Conforme CG14: Tendo em vista o direito e práticas internacionais que estão a emergir, assim como as medidas recentes adoptadas pelos Estados no que respeita às populações indígenas o Comité estima ser conveniente a identificação de elementos que contribuiriam para a definição do direito à saúde das populações indígenas, de modo a que os Estados Partes com populações indígenas possam aplicar de forma mais adequada as disposições contidas no artigo 12.o do Pacto. O Comité considera que os povos indígenas têm direito a medidas específicas que lhes permitam melhorar o seu acesso aos serviços e cuidados de saúde. Estes serviços de saúde devem ser culturalmente apropriados, tendo em conta cuidados preventivos, práticas de cura e medicina tradicional. Os Estados devem proporcionar recursos para que os povos indígenas estabeleçam, organizem e controlem esses serviços, para que possam desfrutar do melhor estado possível de saúde física e mental. Também devem ser protegidas as plantas medicinais vitais, os animais e os minerais necessários para que os povos indígenas gozem da sua saúde em pleno. O Comité observa que, nas comunidades indígenas, a saúde do indivíduo está muitas vezes ligada à saúde da sociedade como um todo e que tem uma dimensão coletiva. A este respeito, o Comité considera que as atividades relacionadas com o desenvolvimento que levam à deslocação de populações indígenas contra a sua vontade, dos seus territórios e ambientes tradicionais, com a consequente perda por parte dessas populações dos seus recursos alimentares e a ruptura da sua relação simbiótica com a terra, exercem um efeito prejudicial sobre a saúde dessas populações.

[35] Assim dispõe o CG14: O Comité recomenda que os Estados integrem uma perspectiva de género nas suas políticas de planeamento, programas e investigação em matéria da saúde, a fim de promoverem melhor a saúde da mulher e do homem. Uma abordagem com base na perspectiva de género reconhece que os fatores biológicos e sócio culturais exercem uma influência importante na saúde do homem e da mulher. A desagregação, segundo o sexo, dos dados socioeconómicos e dos dados relativos à saúde, é indispensável para identificar e solucionar as desigualdades no campo da saúde. 

Como citar e referenciar este artigo:
MOTA, Manoel Carlos Batista. A Proteção do Direito à Saúde no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais: breves considerações sobre o sistema de monitoramento do direito humano de segunda dimensão. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2017. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-internacional/a-protecao-do-direito-a-saude-no-pacto-internacional-de-direitos-economicos-sociais-e-culturais-breves-consideracoes-sobre-o-sistema-de-monitoramento-do-direito-humano-de-segunda-dimensao/ Acesso em: 10 mar. 2025