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“Assédio Processual” e o Cavalo de Tróia

“Assédio Processual” e o Cavalo de Tróia

 

 

            Eulâmpio Rodrigues Filho*

 

 

            Vimos hoje, na «web», um informe sobre decisão confirmatória de sentença do primeiro grau, via da qual o juiz condenara alguém a pagar indenização, com fundamento em que esse alguém, acionado por seu credor, havia interposto inúmeros recursos e provocado óbices de natureza processual ao andamento de feito relativo a cobrança ou execução.

           

            Leitura do artigo leva a entender que o sujeito assim resistente à marcha do feito foi condenado a pagar cerca de R$ – 50.000,00 – a título de indenização à contraparte, por dano moral, por haver praticado o que restou considerando na sentença como «assédio processual» («sic»).

 

            De fato, entendido nesse meio, que a violação do «princípio constitucional» da «efetividade processual, da celeridade da tramitação do processo» traduz o ilícito com «nomen iuris» correspondente ao neologismo curioso: «assédio processual».

 

            De início impende ponderar que a denominação jurídica atribuída ao indicado ilícito poderia não ser a mais adequada para representá-lo cientificamente.

 

            Não há dúvida de que o «assédio», de ordinário, deve ocorrer de fora para dentro. Vem do verbo assediar.

 

            Caldas Aulete («in» Dicionário, vol. I) define o termo como correspondente a «operações de um exército em volta ou em frente de uma praça para se apossar dela; cerco, sítio».

 

            Dizem também os autores, a exemplo de Houaiss, que «assediar» é importunar, molestar.

 

            O marido, p. ex., juridicamente não assedia a mulher, porque vive com ela, está em meio à sua vida.

 

            Assim a parte, em procedimento judicial não assedia a outra através de recursos e expedientes processuais, porque ambas (autor e réu) estariam em mesma ambiência, com idênticos direitos e poderes. Ambas convivem no processo, pela relação jurídica apropositada.

 

            De sorte que parece não haver como uma parte «assediar o processo», se está inserida na relação por ele albergada, e através de seus expedientes não há como assediar seu adversário, porque ela, a parte, não se dirige diretamente a ele, adversário, mas ao juiz.

 

            Se se for contemplar o termo assediar como importunar ou molestar (o juiz?), tal forma de atuar, pelo que se vê do Direito Científico não deve constituir substrato para sugerir condenação ao pagamento por danos morais.

 

            Se, em tese, o destinatário dos atos é o juiz, este torna-se impedido para julgar ação a envolver «assédio processual» ocorrido no processo primevo, a que presidiu.

 

  Isto decorre do surgimento da situação de impedimento em que envolve-se  o Juiz.

 

Esse entendimento encontra ressonância no Direito estrangeiro, como se vê na obra de Fernando Luso Soares, Responsabilidade Processual Civil, Coimbra, Almedina, 1987, pág. 200:

 

«Mas ainda a uma observação mais me permito, quanto à posição do mesmo mestre Manuel de Andrade enquanto afirma que ‘a aplicação destas sanções (indenização e multa) compete ao juiz que tiver de proferir a sentença final no processo a que respeita a má-fé …’. E no que compete à multa, que tem natureza estritamente processual civil, aí conforme estou; mas a indenização, como aliás já disse noutro ponto, pode ser arbitrada, não pelo juiz do processo onde se exerceu a litigância de má-fé, mas, de acordo com os artigos 1º e 29º do Código de Processo Penal, no processo-crime onde se aprecie o instrumento que serviu essa má-fé. Em tal hipótese, o juiz do crime, ex vi do artigo 128, do Código Penal, fará o cômputo da indenização; e fá-la-á nos termos dos nº 1 e 2 do artigo 457 do Código de Processo Civil que, não obstante ser norma de um diploma processual, é ‘lei civil’ para tal efeito.»

 

            E o juiz, acima de todas as suspeitas, não sofre danos morais ao ponto de constituir crédito em favor da parte se dizente credora.

 

            Mas parece que a condenação no caso concreto em referência deu-se por apontada prática de excesso de defesa de molde a causar emperramento da marcha processual, a prejudicar a sacrossanta celeridade da tramitação do processo.

 

            Todavia, imagina-se que nesse caso a parte teria tolhido ação do órgão judiciário, e não do seu adversário, o que faria, em tese, ilegítima a parte beneficiada com tais decisões.

 

            Diante de semelhantes considerações, permitimo-nos concluir, seguindo sentido figurado, que no caso, a levar a sério o motivo determinante da indenização: «assédio processual», e, a considerar as definições atribuídas pelos doutos ao vocábulo «assediar», que diz sobre aproximação a fortaleza para ocupação, no episódio houve descoberta do «Cavalo de Tróia», cujo bojo veio a ser surpreendentemente aberto depois de restabelecida a paz, para que os soldados dele expelidos massacrassem o derrotado, praticando vingança, cobrando-lhe em razão da sua maneira de combater, e declarando, assim, «guerra sem fim», em homenagem ao princípio da celeridade, sobretudo se o indigitado procrastinador reincidir com suas táticas malevolentes nas sucessivas indenizatórias que segundo esse raciocínio hão de vir, não se falando nas rescisórias!

 

            Tudo, a despeito do texto do art. 262 do Código de Processo Civil, c/c o art. 125, «caput» e incs. I e II.

 

 

* Doutorando em Direito. Professor titulado de Direito e Advogado

 

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Como citar e referenciar este artigo:
FILHO, Eulâmpio Rodrigues. “Assédio Processual” e o Cavalo de Tróia. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-e-tecnologia/assedio-processual-e-o-cavalo-de-troia/ Acesso em: 16 mar. 2025