Direito do Trabalho

Uma análise acerca da prática de terceirização trabalhista no Brasil

Elisson Ricardo Dias Pereira[1]

RESUMO

Este presente trabalho tem como objetivo realizar uma análise acerca da prática da terceirização dentro do contexto trabalhista brasileiro. Buscou-se trazer os elementos essenciais para o aprofundamento necessário da temática, tendo em vista a sua cada vez mais recorrente utilização na prática trabalhista.

Palavras-chave: terceirização, regulamentação, atividade-meio, atividade-fim, intermediação de mão de obra, tomador de serviços, prestador de serviços, empregado, súmula 331, responsabilidade subsidiária, responsabilidade solidária, administração pública, vínculo empregatício.

ABSTRACT

This paper aims to analyze the practice of outsourcing within the Brazilian labor context. It was tried to bring the essential elements for the necessary deepening of the thematic, in view of its increasingly recurrent use in the labor practice.

Keywords: Outsourcing, regulation, activity-means, end-activity, labor intermediation, service provider, service provider, employee, summary 331, subsidiary liability, joint liability, public administration, employment relationship.

1 INTRODUÇÃO

Diante dos inúmeros elementos que compõe as relações trabalhistas atualmente, verifica-se que a prática da terceirização é mais um fator que visa dar maior dinamicidade, bem como diminuir os custos e perigos que são inerentes à realização da atividade empresarial.

Entretanto, o que se observa em grande parte dos casos é uma tentativa ilegal de subverter a lógica desse instituto, com o intuito, justamente, de conseguir vantagens indevidas e subjugar os trabalhadores em prol de lucros, em detrimento da valorização do trabalho humano.

Essa prática desvirtuada se torna cada vez mais habitual, uma vez que um dos grandes óbices que impedem a realização da prática da terceirização de forma legal é a ausência de uma regulamentação ampla e efetiva que imponha limites naquilo que pode ser ou não objeto de terceirização.

Nesse sentido, existem apenas alguns poucos dispositivos que regulam de forma muito tímida a prática da terceirização, como orientações jurisprudenciais, a doutrina e, com grande destaque, a Súmula 331. Este dispositivo, na verdade, é, até hoje, considerado o grande parâmetro, no que diz respeito às hipóteses que possibilitam a utilização da terceirização.

No decorrer deste presente trabalho, será explorado de forma bastante minuciosa a importância da Súmula 331 e todas as suas hipóteses que autorizam a prática da terceirização, como os serviços de vigilância, o trabalho voluntário, bem como a natureza das relações envolvendo entes públicos e particulares, quando do contrato firmado para a transferência da atividade especializada.

Além disso, será abordado as figuras presentes nas relações trabalhistas que envolvem a terceirização como o tomador de serviços, o prestador de serviços e o trabalhador, assim como a natureza jurídica contratual e os vínculos empregatícios que ambos possuem entre si e, também, a natureza da responsabilidade pelo não cumprimento das obrigações trabalhistas devidas ao trabalhador.

Desse modo, para a elaboração deste presente trabalho, utilizou-se de fontes bibliográficas, como livros de autores renomados, bem como do entendimento jurisprudencial acerca do tema, como julgados e súmulas do Tribunal Superior do Trabalho.

2 CONCEITO

Sendo a terceirização um fenômeno de grande relevância, no que diz respeito a sua visualização prática presente nas relações trabalhistas, cumpre informar que esse instituto carece, ainda hoje, de regulamentação própria, cabendo apenas à doutrina a tarefa de sua conceituação.

Assim, dada a ausência de uma legislação capaz de estabelecer padrões para os limites da terceirização, a doutrina, ao longo do tempo, avocou para si a tarefa de conceituação construindo diversos tipos de entendimentos sobre o tema. Destarte, para Ciro Pereira da Silva (1997) a terceirização seguiria o seguinte conceito:

É a transferência de atividades para fornecedores especializados, detentores de tecnologia própria e moderna, que tenham esta atividade terceirizada como sua atividade-fim, liberando a tomadora para concentrar seus esforços gerenciais em seu negócio principal, preservando e evoluindo em qualidade e produtividade, reduzindo custos e ganhando competitividade.

Desse modo, percebe-se que a terceirização constitui o fornecimento de atividade especializada, e não o fornecimento de trabalhadores, como poderia se cogitar à primeira vista.

Ainda nesse sentido, Alice Monteiro de Barros (2003, p. 67) entende que a terceirização é um fenômeno que consiste em transferir para outrem atividades consideradas secundárias, ou de suporte, mais propriamente denominadas de atividades-meio, dedicando-se a empresa à sua atividade principal, isto é, à sua atividade-fim.

Já Lívio Giosa (2003, p. 64) argumenta que terceirização é um processo de gestão pelo qual se repassam algumas atividades para terceiros, com os quais se estabelece uma relação de parceria, ficando a empresa concentrada apenas em tarefas essencialmente ligadas ao negócio em que atua.

Dessa forma, podemos visualizar a aplicação desses conceitos quando tomamos como exemplo as atividades de contabilidade e controle de departamento de pessoal que, normalmente, são desenvolvidas por escritórios de contabilidade especializados nesse ramo. Assim, para uma pequena empresa de roupas que tenha poucos empregados, por exemplo, não seria economicamente viável designar um empregado para ficar responsável por toda escrituração contábil e pela organização do departamento de pessoal. Por essa razão, é muito mais rentável e dinâmico que se realize a terceirização dessa atividade para um prestador de serviços que a tenha como atividade-fim, enquanto o tomador de serviços possa focar na realização de seu objeto social principal.

Nesse contexto, com a presença da terceirização pode-se afirmar que há uma quebra na relação tradicional bilateral entre empregador e empregado, uma vez que a figura do prestador de serviços insere uma nova concepção nessa relação. Assim, temos, na verdade, uma verdadeira tríade composta pelo empregado, de um lado, quem mantém o vínculo empregatício com o prestador de serviços (terceiro ou empregador aparente), mas que disponibiliza sua força de trabalho para o tomador de serviços (empregador real). Por outro lado temos uma verdadeira relação de direito civil, na medida em que entre o tomador e o prestador de serviços firma-se um contrato de prestação de serviços, podendo ainda ser um contrato administrativo, caso o tomador seja uma entidade da Administração Pública.

Por outro lado, cumpre ressaltar a importância do princípio da não mercantilização do trabalho, que consiste na vedação de transformação do trabalho humano em mercadoria. Esse princípio, além de estar em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana, encontra sua gênese na criação da OIT, pela Convenção da Filadélfia de 1944, quando ficou estatuído que “o trabalho humano não é uma mercadoria”.

Nesse sentindo, quando uma determinada empresa pretende terceirizar sua atividade-meio, como no exemplo que foi apresentado, somente lhe é permitido transferir a atividade e não os trabalhadores, uma vez que se estaria desrespeitando o direito laboral e o direito fundamental do trabalhador à sua dignidade.

Cumpre salientar que é de fundamental importância impor limites à prática da terceirização, uma vez que, como já mencionado, não há, a rigor, norma jurídica que regulamente essa atividade, dando espaço muitas vezes para aqueles que, utilizando-se desse argumento, defendem a utilização dessa prática de forma ilimitada. Segundo os defensores do uso da terceirização de forma ilimitada, não se estaria violando a Constituição Federal de 1988, uma vez que, segundo o art. 5º, II, ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

2 NATUREZA JURÍDICA DA TERCEIRIZAÇÃO

Por mais que sua prática seja extremamente presente no ramo do Direito do Trabalho, a terceirização é um instituto que pertence a Ciência da Administração. Assim, a relação constituída entre o tomador e o prestador de serviços é eminentemente privada, podendo ser o contrato, como já mencionado, de natureza civil (particular e particular) ou administrativa (Administração e particular).

Nesse sentido, com precisão, enuncia Ricardo Resende (2014, p. 198) que:

É natural que a legislação trabalhista não aborde a questão da terceirização, simplesmente porque seria descabida tal intromissão no âmbito gerencial da empresa (livre iniciativa). Com efeito, os empresários têm a liberdade de firmar qualquer tipo de contrato lícito no âmbito do direito privado, sendo vedado a qualquer ramo especializado impedir tais pactuações, sob pena de cerceamento da livre-iniciativa, que também é um fundamento da República Federativa do Brasil. A questão se resolve pelo estudo e delimitação dos efeitos de tais contratos no âmbito trabalhista.

No entanto, como o Direito do Trabalho é regido por normas cogentes, a autonomia das relações privadas sofre redução sempre que estiver em pauta a proteção do trabalhador. Desse modo, caso estejam presentes os requisitos caracterizadores das figuras do empregado e do empregador, não há que se falar em autonomia plena das pactuações realizadas no âmbito das relações privadas, uma vez que estará consumada a relação empregatícia e, portanto, a incidência das normas trabalhistas.

No que diz respeito a natureza da relação estabelecida entre a empresa prestadora de serviços e os trabalhadores é, em princípio, uma relação de emprego. Por outro lado, a relação que se verifica entre os trabalhadores da prestadora e o tomador se configura como uma relação de trabalho.

Entretanto, caso se verifique que está havendo uma relação de subordinação direta desses trabalhadores para com a tomadora de serviços, ou ainda, que a atividade-fim esteja sendo realizada pelos trabalhadores da prestadora de serviços, restará caracterizada a terceirização ilícita e, portanto, vínculo empregatício direto com a tomadora.

Outro fenômeno que merece destaque é a diferenciação entre terceirização e intermediação de mão de obra. Como já mencionado, a terceirização é uma prática recorrente e lícita, desde que utilizada de forma limitada, que visa proporcionar redução de custos, dinamização e foco no objeto social principal da atividade desenvolvida.

A intermediação de mão de obra é uma prática vedada pelo Direito do Trabalho, uma vez que consiste no aluguel dos trabalhadores, levando a uma espécie de “coisificação” do empregado e ferindo o princípio da dignidade da pessoa humana.

Não obstante, há apenas uma única exceção quanto a prática da intermediação de mão de obra, que se verifica na utilização do trabalho temporário, regido pela Lei nº 6.019­/1974. Segundo o art. 2º da referida lei, trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física a uma empresa, para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços.

3 PREVISÃO LEGAL DE HIPÓTESES DE TERCEIRIZAÇÃO

O fenômeno da terceirização no Brasil é considerado relativamente atual, já que sua gênese é datada de 1970, quando da edição do Decreto-Lei nº 200, de 1967 que regulamentou a descentralização dos serviços públicos. Assim, dada a ausência de norma geral capaz de regular toda a prática ora em comento, a terceirização é alcançada por umas poucas normas e dispositivos que estabelecem hipóteses dessa atividade.

O primeiro dispositivo que estabelece uma hipótese de terceirização é o art. 455 da CLT, que trata sobre a realização de empreitada e subempreitada, com a seguinte redação:

Art. 455 – Nos contratos de subempreitada responderá o subempreiteiro pelas obrigações derivadas do contrato de trabalho que celebrar, cabendo, todavia, aos empregados, o direito de reclamação contra o empreiteiro principal pelo inadimplemento daquelas obrigações por parte do primeiro.

Parágrafo único – Ao empreiteiro principal fica ressalvada, nos termos da lei civil, ação regressiva contra o subempreiteiro e a retenção de importâncias a este devidas, para a garantia das obrigações previstas neste artigo.

Do disposto no artigo, pode-se visualizar a incidência desse dispositivo da seguinte maneira: imagine-se que um médico (dona da obra) contrate uma empresa (empreiteiro) para a construção de sua clínica médica. Por sua vez, o empreiteiro firma um contrato com um terceiro agente (subempreiteiro) para a realização de obras de acabamento. Assim, caso os empregados da subempreiteira queiram reivindicar eventuais dívidas trabalhistas, a reclamação pode ser proposta em face tanto do subempreiteiro, quanto do empreiteiro principal.

Importante questão acerca do tema diz respeito à natureza da responsabilidade do empreiteiro. Nesse quesito há divergência doutrinária, sendo dividida em duas grandes correntes, em que pese uma maioria entendendo ser a responsabilidade, nesse caso, subsidiária.

Os adeptos da primeira corrente argumentam que ao subempreiteiro caberia os débitos trabalhistas, mas ambos, empreiteiro e subempreiteiro, responderiam solidariamente pelo inadimplemento do subempreiteiro em relação aos seus empregados. Assim essa interpretação estaria de acordo com o que preleciona a parte final do art. 455, quando diz que cabe aos empregados o direito de reclamação contra o empreiteiro principal pelo inadimplemento daquelas obrigações por parte do primeiro.

Já aqueles que aderem à segunda corrente explanam que o empreiteiro responde apenas subsidiariamente, em decorrência da edição da súmula 331 do TST, que em seu inciso IV enuncia que “o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial”.

Por outro lado, vale ressaltar que, segundo grande parte da doutrina, o dono da obra não responde pelos débitos devidos pelo empreiteiro à seus empregados. É o que enuncia o TST na OJ 191 da SDI-1:

CONTRATO DE EMPREITADA. DONO DA OBRA DE CONSTRUÇÃO CIVIL.  RESPONSABILIDADE. (nova redação) – Res. 175/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011.

Diante da inexistência de previsão legal específica, o contrato de empreitada de construção civil entre o dono da obra e o empreiteiro não enseja responsabilidade solidária ou subsidiária nas obrigações trabalhistas contraídas pelo empreiteiro, salvo sendo o dono da obra uma empresa construtora ou incorporadora.

Outra hipótese legal da prática da terceirização é a Lei nº 6.019/1974 que regulamenta o trabalho temporário. Vale destacar, como já mencionado, que é vedada a prática de intermediação de mão de obra, tendo em vista que esse instituto fere a dignidade do trabalhador, transformando-o em uma espécie de mercadoria.

No entanto, a Lei do Trabalho Temporário introduziu, de certa forma, uma exceção à regra da proibição de intermediação de mão de obra, já que sua prática consiste na transferência de trabalhadores, por parte de uma Empresa de Trabalho Temporário- ETT, por tempo determinado, à empresa contratante com o intuito de suprir o seu quadro de pessoal.

Nesse sentido, é o que define os artigos 2º e 4º da Lei do Trabalho Temporário:

Art. 2º – Trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física a uma empresa, para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços.

Art. 4º – Compreende-se como empresa de trabalho temporário a pessoa física ou jurídica urbana, cuja atividade consiste em colocar à disposição de outras empresas, temporariamente, trabalhadores, devidamente qualificados, por elas remunerados e assistidos.

No que diz respeito à natureza do vínculo entre o tomador de serviços e o trabalhador temporário, depreende-se, logicamente, que se trata de uma relação empregatícia, já que há uma subordinação direta do empregado em relação ao tomador, pois, neste caso, o que se transfere é o próprio trabalhador e não uma atividade especializada.

Já em relação aos direitos do trabalhador temporário, este não tem direito a todos os benefícios trabalhistas, mas tão somente àqueles previsto na Lei nº 6.019/1974. Desse modo, o art. 12 enuncia os direitos trabalhistas assegurados ao trabalhador temporário, como: remuneração equivalente, jornada de oito horas, férias proporcionais, repouso semanal remunerado, adicional por trabalho noturno, indenização por dispensa sem justa causa ou término normal do contrato, seguro contra acidente e proteção previdenciária.

Complementando esse entendimento, Vólia Bomfim Cassar (2010, p. 499) assevera o seguinte:

São aplicáveis todos os artigos da CLT e demais leis extravagantes ao temporário, ante sua condição de empregado, desde que compatíveis com a Lei nº 6.019/1974, como, por exemplo: adicional noturno (20%), de insalubridade ou periculosidade, repouso semanal remunerado, férias proporcionais + 1/3, 13º salário, assinatura na CTPS, bem como todos os demais direitos previstos como regra geral na CLT.

Outra atividade passível da prática da terceirização são os serviços de vigilância, regulamentado pela Lei nº 7.102/1983. Essa atividade, especificamente, diferencia-se das demais, pois, com a exceção dos bancos, a terceirização se impõe como obrigatória, uma vez que deve ser desenvolvida por uma empresa especializada.

As atividades da Administração Pública também podem ser terceirizadas, na medida em que essa prática é regulamentada pelo Decreto-Lei nº 200/1967. Não obstante, é imperioso ressaltar que somente as atividades de apoio, ou seja, atividade-meio podem ser passíveis de terceirização, como enuncia o art. 10 do referido Diploma Legal:

§ 7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e contrôle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução.

Por fim, temos a Lei nº 9.472/1997 que regulamenta os serviços de telecomunicações, sendo que este Diploma Legal teria criado uma hipótese de terceirização de atividade-fim, prática que, como já exposto, é vedada pelo nosso ordenamento jurídico, salvo nos casos de contratação para serviços temporários.

O fato é que a lei em comento vai justamente de encontro com aquilo que preconiza a mais importante súmula, no que diz respeito à regulamentação da prática da terceirização, que é a Súmula 331 do TST, já que esta proíbe a terceirização de atividade-fim. Assim, a Lei nº 9.472/1997 traz o seguinte teor:

Art. 94. No cumprimento de seus deveres, a concessionária poderá, observadas as condições e limites estabelecidos pela Agência:

I – empregar, na execução dos serviços, equipamentos e infra-estrutura que não lhe pertençam;

II – contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados.

Nesse sentido, entende-se que a realização de terceirização de atividades de call center nas empresas de telecomunicações é ilícita, na medida em que há o estabelecimento de vínculo empregatício entre o tomador e o trabalhador terceirizado e, logicamente, a existência de subordinação. É o que enuncia o TST em um dos seus julgados:

1. O serviço de call center é atividade-fim – e não atividade-meio – das empresas concessionárias de serviço de telecomunicações. Assim, em observância à Súmula nº 331, itens I e III, do TST, que consagrou o entendimento de que a terceirização só se justifica quando implicar na contratação da prestação de serviços especializados por terceiros em atividades-meio, que permitam a concentração dos esforços da empresa tomadora em suas atividades precípuas e essenciais, tem-se que a terceirização desses serviços de teleatendimento pelas empresas telefônicas configura intermediação ilícita de mão de obra, devendo ser reconhecido o vínculo de emprego desses trabalhadores terceirizados diretamente com os tomadores de seus serviços.

4 CONSTRUÇÃO JURISPRUDENCIAL SOBRE TERCEIRIZAÇÃO

Como já exaustivamente exposto, a prática da terceirização carece de uma regulamentação própria e ampla que possibilite assegurar uma segurança jurídica e uma maior uniformização de decisões pelos tribunais, bem como limitar a utilização dessa atividade de forma indevida.

Assim, somente alguns poucos dispositivos esparsos, como orientações jurisprudenciais, súmulas e entendimentos doutrinários, tentam dar soluções para as demandas acerca dessa prática tão recorrente no âmbito trabalhista.

Nesse sentido, o grande parâmetro acerca da regulamentação da terceirização foi a edição da Súmula 331, em 1994. Esse entendimento sumular foi de fundamental importância, na medida em que vedou a prática da utilização de intermediação de mão de obra, por meio de empresa interposta. A referida súmula servirá como parâmetro neste tópico e traz o seguinte teor, in verbis:

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011.

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. 
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

Como mencionado de forma exaustiva, o item I traz a vedação da prática de utilização de intermediação de mão de obra, uma vez que vai de encontro com o princípio da dignidade da pessoa humana ao transformar o trabalhador em “mercadoria”, restando como única exceção o uso do trabalho temporário.

Desse modo, caso verifique-se que se estabeleceu a prática da intermediação de mão de obra, a terceirização será considerada ilícita e o trabalhador, até então subordinado ao prestador de serviços, passará a ter vínculo empregatício diretamente com o tomador, uma vez que restará configurada a subordinação do trabalhador ao tomador.

Nesse sentido, não há que se falar em responsabilidade solidária ou subsidiária do tomador, mas sim responsabilidade direta, na medida em que se estabeleceu vínculo empregatício tão somente com aquele. As únicas ligações que ainda haverá com o prestador será o contrato de trabalho entre a empresa prestadora e o trabalhador, e o contrato de prestação de serviços entre o tomador e o prestador.

O item II enuncia que mesmo que haja a prática da intermediação de mão de obra, logo, terceirização irregular, não se estabelecerá vínculo empregatício sempre que se tratar de órgão da Administração Pública direta, indireta ou fundacional. Isso se deve por expressa vedação constitucional, presente no art. 37, II da CF/88, que diz que a investidura em cargo ou emprego público depende de prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo de comissão de livre nomeação e exoneração. Dessa forma, como não há aprovação prévia em concurso público, não há que se falar em vínculo empregatício, mesmo que se caracterize a terceirização irregular.

Por outro lado, o item III trata sobre a regularização das hipóteses de terceirização lícita. Desse modo, além da contratação de serviço temporário, três são as modalidades de terceirização lícita considerada por nossa jurisprudência: serviços de vigilância; serviços de conservação e limpeza; e serviços especializados ligados à atividade meio do tomador.

O que há de mais relevante neste item é que para que a terceirização continue ostentando o título de lícita é fundamental a ausência de subordinação direta e pessoalidade entre o trabalhador e o tomador de serviços.

Em relação à atividade-fim e atividade-meio, não se admite a terceirização da primeira, tendo em vista que se trata do objeto social da empresa. Nesse sentido, preleciona Alice Monteiro de Barros (2006, p. 428):

Vários são os malefícios da terceirização ilegal, na atividade-fim da empresa, dentre eles: violação ao princípio da isonomia, impossibilidade de acesso pelo trabalhador ao quadro de carreira da empresa usuária do serviço terceirizado, além do esfacelamento da categoria profissional.

O item IV trata sobre a responsabilidade do tomador de serviços perante o trabalhador, em decorrência de obrigações trabalhistas devidas pela empesa prestadora. Segundo este item, a responsabilidade será subsidiária, devendo, entretanto, atender as condicionantes: participação da relação processual e presença no título executivo judicial.

O item V trata, especificamente, sobre a modalidade de responsabilidade da Administração Pública direta e indireta. Antes da atual redação deste item, entendia-se que os entes integrantes da Administração Pública também respondiam subsidiariamente pela inobservância das obrigações trabalhistas devidas pelo prestador de serviços.

Entretanto, em virtude de uma Ação Direta de Constitucionalidade ajuizada pelo Governador do Distrito Federal, que requeria o afastamento da responsabilidade subsidiária da Administração Pública pelo descumprimento de obrigações trabalhistas, o STF, em 24 de novembro de 2010, julgou procedente a demanda.

Em mais uma reviravolta, o TST, em maio de 2011, editou o atual item V na tentativa de dar correspondência ao entendimento do STF, preconizando, no entanto, que a responsabilidade continuaria sendo subsidiária, desde que evidenciada a conduta culposa da Administração Pública, quando da não fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço.

Por fim, o item VI tratando ainda sobre o tema da responsabilidade subsidiária, enuncia que o tomador de serviços irá responder por todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período de prestação do trabalho. Nesse sentido é o seguinte julgado do TST:

(…) 2. RESPONSABILIDADE DA TOMADORA PELO PAGAMENTO DAS MULTAS PREVISTAS NOS ARTS.467 477 DA CLT.A jurisprudência desta Corte pacificou o entendimento de que a condenação do tomador de serviços abrange todas as verbas não adimplidas pelo devedor principal, inclusive as multas previstas nos arts.467 477 da CLT, uma vez que se trata de verbas vinculadas ao contrato de trabalho.

Desse modo, caso um prestador de serviços seja condenado a pagar ao empregado os valores referentes às férias e demais verbas, o tomador de serviços responderá de forma subsidiária a toda condenação.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ante o exposto, percebe-se que a falta de uma regulamentação ampla em relação à prática da terceirização ainda é o principal óbice para que se evite eventuais excessos dessa atividade. Mesmo os dispositivos e orientações existentes são ínfimos para conter as práticas ilícitas.

A intermediação de mão de obra, prática vedada pelo nosso ordenamento, porém, muito presente nas relações trabalhistas, é uma atividade que deve ter como parâmetro as hipóteses legais previstas, na medida em que possibilita a desvalorização da dignidade do trabalhador, transformando-o em mero instrumento de transação.

Deve-se ter em mente, entretanto, que a terceirização praticada dentro dos limites e parâmetros impostos é um importante aliado do empregador, já que permite uma descentralização das atividades, ganho com redução de custos e maior dinamicidade na gestão dos negócios. Além disso, o empresário fica livre para se concentrar no desenvolvimento de seu objeto social.

Nesse sentido, a edição da Súmula 331 pelo TST é considerada o dispositivo de maior relevância, no que diz respeito à criação de hipóteses de terceirização. Com a fixação dos parâmetros legais que permitem a terceirização, a súmula exerce papel indispensável, uma vez que estabelece as modalidades de terceirização, o tipo de responsabilidade imposta ao tomador de serviços ou ao ente da Administração Pública, além de vedar a prática da intermediação de mão de obra, fora dos casos legalmente impostos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

SILVA, Ciro Pereira da. A terceirização responsável: modernidade e modismo. São Paulo: LTr, 1997, p.30

BARROS, Alice Monteiro.Curso de direito do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2003.

GIOSA, Lívio A. Terceirização: uma abordagem estratégica. São Paulo: Pioneira, 2003.

RESENDE, Ricardo. Direito do Trabalho Esquematizado. 4. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014.

CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 4. ed. Niterói: Impetus, 2010.


[1] Discente do curso de Direito da Universidade Estadual do Maranhão.

Como citar e referenciar este artigo:
PEREIRA, Elisson Ricardo Dias. Uma análise acerca da prática de terceirização trabalhista no Brasil. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2018. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-do-trabalho/uma-analise-acerca-da-pratica-de-terceirizacao-trabalhista-no-brasil/ Acesso em: 18 dez. 2024