Anna Luiza Cunha Lindoso
Hênio Antônio Nunes de Sá Leitão
Resumo
O presente artigo versa sobre a matéria de Direitos Humanos e suas implicações para o Direito do Trabalho sob a perspectiva de normas elencadas por diversas convenções e como elas se adequam ao ordenamento jurídico brasileiro. Pretendemos também, fazer uma breve exposição do contexto histórico a respeito de Direitos Humanos e do Direito do Trabalho e avaliar de que maneira tais assuntos aparecem no contexto social brasileiro, visto que violações de direitos humanos e trabalhistas ainda são comuns no país.
Palavras-chave: direitos humanos, trabalho, normas, convenções.
1. INTRODUÇÃO
A exploração da mão de obra humana é uma realidade que existiu em todos os momentos da história, apenas mudando de aparência com o passar dos anos, a escravidão existiu em todos os momentos da história e se faz presente até hoje, na contemporaneidade, com um novo fator motivador: a desigualdade social e concentração de renda. Além disso, percebe-se que há uma grande situação de desemprego e pobreza existente no mundo.
Para lutar contra essas tristes realidades, tão comuns no mundo, muitos institutos legais foram criados, entre eles a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que em seu artigo 23, determina o direito universal de cada indivíduo ao trabalho: “Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego. Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual. Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e completada, se possível, por todos os outros meios de proteção social. Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar em sindicatos para defesa dos seus interesses”. (ONU, 1948).
Ademais, a Organização Internacional do Trabalho, OIT, foi criada em 1919 em decorrência da assinatura do Tratado de Versalhes, e busca promover para todos os cidadãos condições decentes de trabalho e teve inúmeras convenções que versam sobre o referido assunto, sendo algumas delas ratificadas como lei pelo Brasil.
Em miúdos, este trabalho pretende tratar sobre o assunto de Direitos Humanos com o enfoque em direitos trabalhistas, tema que se prova extremamente relevante nos dias de hoje.
2. DIREITOS HUMANOS
Direitos humanos são garantias essenciais conquistadas historicamente e se adaptam às necessidades de cada época. Os direitos humanos como conhecemos surgiram em 1948 com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, porém os documentos norteadores da independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa de 1776 e 1789, respectivamente, já vieram buscando garantir esses direitos individuais fundamentais para seus cidadãos. Da Revolução Francesa nasceu a chamada Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e serviu como precursor da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos tem como contexto histórico o mundo pós-Segunda Guerra Mundial, que foi repleto de violações de direitos fundamentais e atos bárbaros que são e sempre serão uma grande mancha na história humana. e a sociedade necessitava de um órgão para gerir sobre essa temática, assim nasceu a Organização das Nações Unidas (ONU) e mais tarde, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, ou DUDH.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos possui em seu bojo, 30 artigos e tem como principal meta definir os objetivos a serem alcançados por todos os povos e nações, entre os direitos determinados em seu texto, destaca-se o direito de não ser escravizado, em seu artigo IV: “Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas” (ONU, 1948)
3. DIREITOS HUMANOS NO ÂMBITO DO DIREITO DO TRABALHO
Um direito fundamental essencial existente é o direito ao trabalho digno e decente. O trabalho considerado como decente, segundo a Organização Internacional do Trabalho, é aquele que garante para homens e mulheres oportunidades, condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humana e é condição primordial para a superação da pobreza, redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável (OIT).
No âmbito trabalhista a defesa desses direitos ao trabalhador se deu pela condição de hierarquia entre empregado e empregador, para que se pudesse em certo nível, impedir arbitrariedades dos empregadores de modo que esses não tratassem seus funcionários como inferiores, e nem que impusessem situações de trabalho absurdas, análogas à escravidão para essas pessoas. Na prática, sabemos que tais situações acontecem e são corriqueiras, porém, o Poder Público detém de mecanismos e textos normativos com o intuito de mitigar essas ações e toma para si a obrigação de punir empregadores que cometem tais atos.
O principal texto normativo brasileiro é a Constituição Federal de 1988, que é fruto da conquista de inúmeras garantias antes ignoradas pela anterior Carta Magna do país. Algumas dessas conquistas tem como intuito proteger as relações trabalhistas e no corpo da Constituição Federal brasileira, há previsão direta de proteção de direitos específicos à essa temática.
Como exemplo de previsão de direito especifico à temática de Direito do Trabalho temos vários artigos, entre eles os art. 7°, 8° e 9°, cada um com suas peculiaridades e especificidades:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;
II – seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário; III – fundo de garantia do tempo de serviço;
III – salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;
IV – piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho;
V – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
VI – garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;
VII – décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;
VIII – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
IX – proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;
Percebe-se que o Direito do Trabalho, além de ser Direito Humano, elenca o rol de Direitos Fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro.
4. O PAPEL DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO
Criada em 1919, como instituição proposta pelo Tratado de Versalhes, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) surgiu no contexto pós Primeira Guerra Mundial, adquirindo uma missão de extrema importância no contexto da justiça social. A OIT é a única agência das Nações Unidas que tem por base uma estrutura tripartite, pois nela está caracterizado a busca de uma maior representatividade dos grupos sociais e dos trabalhadores.
Segundo a própria instituição, a missão da OIT é promover oportunidades para que homens e mulheres possam ter acesso a um trabalho decente e produtivo, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade. Para a OIT, o trabalho decente é condição fundamental para a superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável. (OIT, 2020).
A organização reúne, no seu corpo, “representantes de governos, de organizações de empregadores e de trabalhadores dos 187 Estados-membros que participam em situação de igualdade das suas diversas instâncias” (OIT, 2020). Dessa forma, o atendimento as necessidades dos trabalhadores e trabalhadoras é alcançado com maior firmeza, uma vez que o tripartismo e o diálogo social estão presentes no alicerce de sua estruturação, ampliando as maneiras com que os conflitos presentes no Brasil e no mundo possam ser resolvidos.
Adentrando prioritariamente no papel que exerce a instituição atualmente, seus textos e convenções baseiam-se em 4 objetivos principais na batalha pela liberdade, equidade e dignidade da classe trabalhadora:
– Definir e promover normas e princípios e direitos fundamentais no trabalho;
– Criar maiores oportunidades de emprego e renda decentes para mulheres e homens;
– Melhorar a cobertura e a eficácia da proteção social para todos;
– Fortalecer o tripartismo e o diálogo social.
É por meio das recomendações e convenções que a Organização Internacional do Trabalho age para positivar e garantir os direitos fundamentais no trabalho, as Normas Internacionais do Trabalho são apoiadas por um sistema de controle que é único no nível internacional e “que ajuda a assegurar que os países implementem as convenções que ratificam” (OIT, 2020). Sendo assim, por meio de uma legitimidade internacional, suplementada pelos seus órgãos de administração e fiscalização, a OIT consegue poder em nível mundial para sustentar que os direitos humanos estejam sendo garantidos plenamente.
Na data de sua criação, a OIT enfrentava um cenário de guerra e depressão. Para resolve-lo, desde o começo, houve uma grande dedicação para o desenvolvimento de normas internacionais do trabalho, fiscalização das suas aplicações e complementação por meio de recomendações voltadas aos direitos humanos. O papel da instituição foi de importância tamanha, resultando até no cenário que permitiu o surgimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948.
Dentre seus primeiros 40 anos de criação, surge a Declaração da Filadélfia, reafirmando os princípios da paz permamente, tendo consequência direta no contexto vivido pelos trabalhadores brasileiros. Assim, a OIT estabeleceu princípios básicos do trabalho – algo que teve consequência direta no contexto brasileiro – onde:
o trabalho não é uma mercadoria; que a pobreza, em qualquer lugar, é uma ameaça à prosperidade de todos; e que todos os seres humanos tem o direito de perseguir o seu bem estar material em condições de liberdade e dignidade, segurança econômica e igualdade de oportunidades. (OIT,1940)
Ademais se buscará fazer uma análise das dificuldades que a OIT e os direitos humanos em geral enfrentam nos dias atuais, e as possibilidades de mudanças constantes vividas no cenário brasileiro.
5. A LUTA PELA GARANTIA DOS DIRETOS HUMANOS
A primeira consequência direta dos atos da OIT e com uma das maiores visibilidades, se concretizou na criação da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), em 1943. Como configuração das constantes lutas nacionais e internacionais pelos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, o surgimento dessa lei (Decreto-Lei nº 5.452/43) consolidou o avanço dos direitos humanos no contexto dos direitos trabalhistas em que vivia o mundo e pelo qual o Brasil passava.
Infelizmente, a normatização eminentemente protetiva do trabalhador, na atualidade, vem sofrendo duras influências mercantilistas, assim como disse Marcelino Meleu na revista Direito e Praxis:
A normatização eminentemente protetiva do trabalhador, na atualidade, vem sofrendo duras influências mercantilistas, que priorizam resultados econômicos, perdendo a conexão dos fatores originários que demandaram sua evolução, para dar lugar a um fenômeno internacionalizante inverso, que não mais busca defender os interesses e a melhoria das condições de vida da classe operária, mas sim os valores e interesses do capital internacional que domina os mercados mundiais e pressiona os países, em nome da competitividade, a retroceder na sua legislação protetiva e voltar para os moldes liberais de outrora. É o fenômeno da internacionalização normativa na era da globalização (MELEU, 2017).
Hoje a Organização Internacional do Trabalho tem um papel mais importante ainda a ser exercido. Como mostrou, na sua 87ª Conferência Internacional do Trabalho, os direitos em busca do respeito à liberdade sindical, liberdade de associação, do reconhecimento dos direitos coletivos e de negociação, além da eliminação de qualquer forma de trabalho forçado ou em condições contrárias ao direito à dignidade humana, são as dificuldades hoje apresentadas no século XXI e que precisam receber atenção redobrada pelos países e organizações que pretendem lutar pelos direitos fundamentais.
A própria Constituição Federal, em seu art. 170, afirma que a valorização do trabalho humano é base de fundação da ordem econômica do país, o que indica que nenhum interesse econômico deve estar sendo tratado como prioridade, uma vez que esteja em posição superior em detrimento dos direitos da classe trabalhadora e da garantia dos direitos humanos.
A busca pela retomada do equilíbrio pode e deve passar pelo fortalecimento dos demais atores que fazem parte do universo que envolve o mundo do trabalho, dentre eles os trabalhadores e suas representações e a Organização Internacional do Trabalho, enquanto produtores do Direito.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante desse grande cenário de “garantismo” dos direitos humanos para os trabalhadores, é intolerável que violações aos direitos humanos, sejam elas implícitas ou até gravíssimas, se perpetrem nos mais variados Estados e outras regiões do mundo como um todo. Dessa maneira, muitas vezes o descaso com a sociedade de trabalhadores, apesar de ser bastante acentuado por injustiças e desigualdades gritantes, a defesa pelo Estado Democrático e Social de Direito sempre deverá prevalecer e ser uma constante a ser buscada de forma plena e genuína.
Sendo assim, tem-se como instrumento capaz de contribuir na alteração desse panorama a OIT que, com o apoio dos Estados e das sociedades, consiga efetivar o trabalho decente, tornando-se uma atividade adequadamente remunerada, com condições de trabalho no mínimo salubres e o exercício de atividades diante as condições de igualdade, liberdade e segurança. Concretizando desse modo uma vida digna ao trabalhador.
Portanto, a proteção internacional dos direitos do trabalhador, do trabalho digno e decente, deve ser feito por meio da colaboração constante entre os países e os organismos internacionais (como a OIT), além da adequação e respeito perante às convenções e recomendações que são aplicadas aos ordenamentos jurídicos de cada nação. Dessa forma, deve-se compreender que o desenvolvimento da sociedade trabalhadora contemporânea sempre tenderá à liberdade do indivíduo e sua vida digna como trabalhador.
Referências
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