Direito do Trabalho

A Problemática da Negociação Coletiva no Brasil

Daniel Henrique Sprotte Lima, Filipe A. B. Siviero e Lucas Mussi*

 

 

Introdução

 

A Constituição da República coloca entre os direitos dos trabalhadores o “reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho” (art. 7°, XXVI), ou seja, prioriza-se a negociação coletiva para a solução pacífica das controvérsias. A negociação coletiva de trabalho exige obrigatoriamente a participação dos sindicatos (art. 8°, VI), valorizando a atuação sindical organizada.

Se a negociação não lograr êxito, exsurgirá a necessidade das partes elegerem árbitros (arbitragem), ou ajuizarem de comum acordo ou o Ministério Público do Trabalho, em caso de greve em atividade essencial, o dissídio coletivo perante a Justiça do Trabalho, tudo nos exatos termos dos §§ do artigo 114 da Carta Magna, consoante Emenda Constitucional n° 45/2004.

Pretende-se, nesta singela exposição, de forma objetiva e direta, demonstrar como se dá a negociação coletiva do trabalho no Brasil, focalizando-se o direito de greve e a Justiça do Trabalho. Definir-se-á, primeiramente, a negociação coletiva e suas peculiaridades, seguida da contextualização no âmbito nacional e, por fim, enfocar-se-á o direito de greve e a Justiça do Trabalho. Na conclusão, de crítica, analisar-se-á o trabalho realizado. 

 

 

  • 1. Negociação coletiva

 

  • Conceito.

A Convenção 154 da OIT esclarece:

Artigo 2 – […] a expressão “negociação coletiva” compreende todas as negociações que tenham lugar entre, de uma parte, um empregador, um grupo de empregadores ou uma organização ou várias organizações de empregadores, e, de outra parte, uma ou várias organizações de trabalhadores, com o fim de:

(a) fixar as condições de trabalho e emprego; ou

(b) regular as relações entre empregadores e trabalhadores; ou

(c) regular as relações entre os empregadores ou suas organizações e uma ou várias organizações de trabalhadores, ou alcançar todos estes objetivos de uma só vez. (http://www.institutoamp.com.br /oit154.htm, acesso em 01/07/2007).

 

Conforme aduz o Magistrado Sérgio Pinto Martins, “a negociação coletiva é uma forma de ajuste de interesses entre as partes, que acertam os diferentes entendimentos existentes, visando encontrar uma solução capaz de compor suas posições” (MARTINS, p. 779). Envolve um processo que objetiva a realização da convenção ou do acordo coletivo de trabalho.

A Recomendação 91 da OIT, de 1951, por sua vez, define a convenção coletiva:

Todo acordo escrito relativo às condições de trabalho e de emprego, celebrado entre um empregador, um grupo de empregadores, de um lado, e, de outro, uma ou várias organizações representativas de trabalhadores, ou, na falta dessas organizações, representantes dos trabalhadores interessados por eles devidamente eleitos e credenciados, de acordo com a legislação nacional (http://www.ucg.br/site_docente/jur/edson/pdf/novo/ unidade12.pdf, acesso e, 01/07/2007).

 

 

  • Princípios.

Segundo Arnaldo Sussekind, a negociação coletiva possui os seguintes princípios que lhe são imanentes e constituem postulados éticos ou normas de conduta das partes envolvidas no processo negocial:

a) Princípios da boa-fé. Trata-se de princípio inerente aos atos jurídicos em geral. Sua existência resulta até de presunção juris tantum. A boa-fé na negociação coletiva deve estar presente não só na fase de confecção do assenso, pela concentração de esforços para a conclusão com êxito da negociação, mas também na fase de fiel execução do que pactuado. Uma conduta claramente de má-fé na negociação coletiva é a do empregador que assume concessões mais onerosas por poder repassá-las a terceiros, que pagam a conta sem ter participado das discussões.

b) Direito de informação. Para que o sindicato dos trabalhadores possa formular a pauta de reivindicações, a fim de iniciar a negociação, é necessário conhecer as reais condições da empresa e a capacidade desta de assumir determinados pleitos que a categoria julga cabíveis. Não é crível o empregador adotar atitude de recusa às reivindicações escudando-se em informações pretensamente secretas. Também não é possível que informações estratégicas da empresa possam ser colocadas em risco a pretexto de terem a ver com o processo negocial. A questão é, sem dúvida delicada.

c) Princípio da razoabilidade. Corolário do direito de informação é o princípio da razoabilidade das reivindicações a serem negociadas. Compromete a eficácia do processo negocial a formulação de pleitos que não têm a mínima condição de serem atendidos, assim como a apresentação de contraproposta pela empresa muito aquém das suas reais possibilidades de dar a justa recompensa aos trabalhadores na negociação coletiva.

d) Princípio da paz social. Consiste na trégua implicitamente assumida pelas partes ao assinarem o instrumento normativo que compõe os interesses transacionados na negociação coletiva concluída com sucesso. A obrigação de manter a paz persiste enquanto concluída com sucesso normativo. Néstor de Buen remarca: “O contrato coletivo de trabalho é instrumento de equilíbrio e, no fundo, de paz social. É conquistado com a guerra, na qual desempenha importante papel o exercício possível do direito de greve. Contudo, esta regra não é inflexível. Ela não prevalece quando o cenário econômico sofre modificação superveniente, imprevisível e substancial, geradora do desequilíbrio das prestações pactuadas. Nesse caso, compromete-se a paz social caso a negociação coletiva não seja reaberta para restabelecer o equilíbrio da equação anteriormente ajustada pelos interlocutores sociais (Süssekind Arnaldo, Maranhão Délio, Vianna Segadas e Lima Teixeira – Instituições de Direito do Trabalho. 17ª ed. Vol.2 São Paulo: LTr, 1997 p. 1151/2).

 

 

  • Distinção.

Distingue-se a negociação coletiva da convenção e do acordo coletivo. Conforme o professor Martins: “a negociação é um procedimento que visa superar as divergências entre as partes. O resultado desse procedimento é a convenção ou o acordo coletivo” (MARTINS, p. 780). Caso, então, a negociação coletiva resulte frustrada, não haverá produção da norma coletiva.

O art. 611 da CLT aduz:

Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho.

§ 1º É facultado aos Sindicatos representativos de categorias profissionais celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das acordantes respectivas relações de trabalho.

§ 2º As Federações e, na falta desta, as Confederações representativas de categorias econômicas ou profissionais poderão celebrar convenções coletivas de trabalho para reger as relações das categorias a elas vinculadas, inorganizadas em Sindicatos, no âmbito de   suas representações.

 

Em relação ao sistema jurídico brasileiro, a negociação é obrigatória, enquanto a convenção e o acordo coletivo são facultativos. Conforme aduz o art. 114, §2º, da Lei Maior: “recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do  Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente”. A problemática da negociação coletiva no Brasil será aprofundada no próximo ponto.

 

  • Espécies.

Há várias espécies:

(a) em relação a qualquer direito trabalhista, porém depende da existência de sindicatos forte para sua implementação, pois, do contrário, o empregado é prejudicado;

(b) só se permite a negociação coletiva com a existência de uma legislação mínima, como ocorre na França;

(c) só se admite a negociação coletiva para certos direitos e não para todos, como para redução de salários e da jornada de trabalho.

 

 

  • Causas.

A partir do momento em que o direito de coalizão dos trabalhadores foi permitido, são negociadas condições de trabalho. Como o Estado inicialmente não cuidava de estabelecer um sistema de proteção aos trabalhadores, os próprios interessados passaram a reunir-se e a criar as normas de trabalho. Desde que o Estado passou a intervir na relação laboral, a negociação coletiva acabou suprindo as lacunas da legislação estatal.

 

 

  • Funções.

Conforme Sérgio Pinto Martins, a negociação coletiva possui várias funções:

I – jurídicas: (a) normativa, criando normas aplicáveis à relações individuais de trabalho, até mesmo para pior, como nas crises econômicas […]. Atua a negociação coletiva no espaço em branco deixado pela lei; (b) obrigacional, determinando obrigações e direitos para as partes […]; (c) compositiva, como forma de superação dos conflitos entre as partes;

II – políticas, de incentivas o diálogo, devendo as partes resolver suas divergências entre si;

III – econômicas, de distribuição de riquezas […];

IV – ordenadora, quando ocorrem crises, ou de recomposição de salários;

V – social, ao garantir aos trabalhadores participação nas decisões empresariais (MARTINS, p. 781).

 

O direito de negociar livremente constitui elemento essencial da liberdade sindical. A negociação deve ser feita não só pelos sindicatos, como pelas federações e confederações, ou, ainda, por entidades sindicais registradas ou não registradas. As autoridades públicas, entretanto, não poderão restringir o direito de negociação, assim como não se deve exigir a dependência de homologação pela autoridade pública, pois a negociação concretizada se constitui em lei entre as partes.

 

  • Validade.

O fundamento da validade da negociação coletiva é a lei estatal ou então a tolerância do Estado. No Brasil, por exemplo, o inciso XXVI do art. 7º da Constituição federal reconhece as convenções ou acordos coletivos e, consequentemente e indiretamente, o conteúdo dessas normas. A negociação coletiva só não terá validade se for expressamente proibida pela legislação estadual.

 

  • Condições.

Conforme o mestre Martins defende, para chegar ao resultado final da negociação, que culmina com a norma coletiva, é preciso o atendimento de certas regras:

(a) de garantia de segurança aos negociadores, para que, com liberdade, possam expor suas idéias; (b) deve haver disciplina e respeito; (c) as partes devem agir com lealdade e boa-fé, como se deve proceder em qualquer contrato […].

Funda-se a negociação na teoria da autonomia privada coletiva, visando suprir a insuficiência do contrato individual do trabalho. Tem um procedimento mais simplificado, mais rápido, com trâmites mínimos se comparados com os de elaboração da lei […]. Demonstra ser um instrumento ágil, adequado, maleável, flexível, voluntário, sendo possível sua aceitação plena pelos interessados. O Brasil adota um método contratual de negociação e, concluído este, as partes somente voltam a negociar depois de decorrido certo período, que usualmente é de um ano (MARTINS, p. 782).

 

O art. 616 da CLT, por sua vez, prescreve: “os Sindicatos representativos de categorias econômicas ou profissionais e as empresas, inclusive as que não tenham representação sindical, quando provocados, não podem recusar-se à negociação coletiva”. A legitimação para celebrar convenções e acordos coletivos é do sindicato ou da empresa, mas não da associação, que não é sindicato.

 

  • Obrigatoriedade.

Na maioria dos países, a negociação coletiva é obrigatória por força de lei. No Brasil, conforme o artigo supracitado, os sindicatos e as empresas, mesmos sem representação sindical, não podem recusar-se à negociação. Contudo, não há a obrigação de concluir o referido acordo.

 

  • Generalidades.

“O direito de negociar livremente constitui elemento essencial da liberdade sindical. A negociação deve ser feita não só pelos sindicatos, como pelas federações e confederações, ou, ainda, por entidades sindicais registradas ou não registradas. As autoridades públicas, entretanto, não poderão restringir o direito de negociação, assim como não se deve exigir a dependência de homologação pela autoridade pública, pois a negociação concretizada se constitui em lei entre as partes” (MARTINS, p. 784).

A OIT, por sua vez, estimula a prática da negociação coletiva, incentivando-a entusiasticamente, tal é sua importância. Há duas convenções fundamentais sobre o tema. A Convenção 98 assim dispõe:

Artigo 4 – Medidas apropriadas às condições nacionais serão tomadas, se necessário, para estimular e promover o pleno desenvolvimento e utilização de mecanismos de negociação voluntária entre empregadores ou organizações de empregadores e organizações de trabalhadores, com o objetivo de regular, mediante acordos coletivos, termos e condições de emprego (http://www.ilo.org/ilolex/portug/docs/C098.htm, acesso em 01/07/2007).

 

A Convenção 154 da OIT, por sua vez, versa sobre o fomento à negociação coletiva, prevendo que esta deve ser possibilitada a todos os empregadores e a todas as categorias de trabalhadores dos ramos de atividades, nos seguintes termos:

Artigo 4 – Na medida em que não se apliquem por meio de contratos coletivos, laudos arbitrais ou qualquer outro meio adequado à pratica nacional, as disposições da presente Convenção deverão ser aplicadas por meio da legislação nacional.

a) a negociação coletiva seja possibilitada a todos os empregadores e a todas as categorias de trabalhadores dos ramos de atividade a que se aplique a presente Convenção;

b) a negociação coletiva seja progressivamente estendida a todas as matérias a que se referem os anexos a), b) e c) do artigo 2 da presente Convenção;

c) seja estimulado o estabelecimento de normas de procedimento acordas entre as organizações de empregadores e as organizações de trabalhadores;

a negociação coletiva não seja impedida devido à inexistência ou ao caráter impróprio de tais normas;

os órgãos e os procedimentos de resolução dos conflitos trabalhistas sejam concedidos de tal maneira que possam contribuir para o estimulo à negociação coletiva.

Artigo 6 – As disposições da presente Convenção não obstruirão o funcionamento de sistemas de relações de trabalho, nos quais a negociação coletiva ocorra em um quadro de mecanismos ou PARTE III. ESTÍMULO À NEGOCIAÇÃO COLETIVA

Artigo 5

1. Deverão ser adotadas medidas adequadas às condições nacionais no estímulo à negociação coletiva.

2. As medidas a que se refere o parágrafo 1 deste artigo devem prover que:

de instituições de conciliação de arbitragem, ou de ambos, nos quais tomem parte voluntariamente as partes na negociação coletiva.

Artigo 7 – As medidas adotadas pelas autoridades públicas para estimular o desenvolvimento da negociação coletiva deverão ser objeto de consultas prévias e, quando possível, de acordos entre as autoridades públicas e as organizações patronais e as de trabalhadores.

Artigo 8 – As Medidas previstas com o fito de estimular a negociação coletiva não deverão ser concedidas ou aplicadas de modo a obstruir a liberdade de nego de negociação coletiva (http://www.institutoamp.com.br /oit154.htm, acesso em 01/07/2007).

 

 

  • 2. A negociação coletiva no Brasil

 

Atualmente, a Constituição Federal de 1988 regula a negociação coletiva, o que traz aspectos positivos e negativos, pois, em diversos dispositivos estimulam-na, mas, em outros, dificultam-na.

Como ponto positivo, exemplifique-se com a valorização das negociações coletivas previstas no Art.7º, incisos VI (irredutibilidade do salário, salvo disposto em convenção ou acordo coletivo), XIII (duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horário e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho) e XIV (jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva) – destaques inseridos, não constantes do texto da norma transcrita.

Dentre os aspectos negativos, que desestimulam a negociação coletiva, os principais são: a Unicidade Sindical (Art.8º) e a manutenção do Poder Normativo da Justiça do Trabalho (Art.114, § 2º).

Algumas diferenças se fazem sentir entre a negociação e a convenção coletiva e o acordo coletivo, conforme assevera o professo Pinto Martins:

A negociação visa a um procedimento de discussões sobre divergências entre as partes, procurando um resultado. A convenção e o acordo coletivo são o resultado desse procedimento. Se a negociação for frustrada, não haverá a norma coletiva. A negociação é, atualmente, obrigatória; já a convenção e o acordo coletivo são facultativos. A negociação é o meio que vai conduzir à norma coletiva, sendo uma das fases necessárias para a instauração do dissídio coletivo (art. 114 da CF), em que, se ela restar frustrada, as partes poderão eleger árbitros (art. 114, § 1°). Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado aos sindicatos (§ 2° do art. 114 da CF) ou empresas (§ 2° do art. 616 da CLT) ajuizar o dissídio coletivo. A tentativa de mediação da DRT não é obrigatória, o que é obrigatório é a negociação coletiva. Caso essa reste frustrada é que as partes poderão ajuizar dissídio coletivo. Declara, ainda, o § 4° do art. 616 da CLT que nenhum processo de dissídio coletivo de natureza econômica será admitido sem antes se esgotarem as medidas tendentes à formalização de acordo ou convenção coletiva (MARTINS, p. 781).

 

A negociação coletiva inicia-se pela convocação por parte dos sindicatos, dos empregados  e dos empregadores, de suas respectivas categorias profissional ou econômica, e avança para discussão e deliberação sobre a conveniência da celebração de acordo ou convenção coletiva de trabalho.

O seu disciplinamento ocorre partindo daquilo que se encontra consubstanciado nos estatutos dos sindicatos convenientes, sem prejuízo do disposto em lei, os quais deverão expressar a real vontade dos trabalhadores que se encontram a eles vinculados em razão do comando legal existente. A vinculação legal obrigatória a determinado sindicato ocorre devido à manutenção, em nosso sistema, do ranço do modelo corporativista, que fez prevalecer, ainda após a edição do texto constitucional de 1988, do chamado “enquadramento sindical”, onde cada trabalhador encontra-se vinculado a determinado sindicato por força de lei e não de sua vontade de realmente estar vinculado àquela entidade sindical (http://www.unopar.br/portugues/revista_cientificaj/artigosoriginais/oresgate/body_oresgate.html, acesso em 01/07/2007).

 

Cabe frisar que o modelo de organização sindical é o legalista, com o princípio da unicidade sindical e os enquadramentos categoriais definidos por lei, que são destacados doutrinariamente enquanto sendo pontos de estrangulamento.

Não é encontrada a racionalização da negociação coletiva, que na maioria das vezes quer ser desenvolvida através do Ministério do Trabalho, enquanto órgão institucionalmente incumbido de buscar o acordo entre as partes em uma mesa de negociação.

Ocorre que o Ministério do Trabalho não é dotado das mínimas condições para que se chegue ao desenvolvimento do processo de negociação, partindo do pressuposto que a negociação coletiva exige que as partes envolvidas estejam satisfatoriamente esclarecidas sobre o mercado de trabalho, as alterações na produção, a situação econômica da empresa ou da categoria econômica representada pelo sindicato patronal para, somente após feita a tabulação desses dados, desenhar um quadro com as alternativas de negociação. O Ministério do Trabalho não tem apresentado estas condições para propor bases para uma negociação, fazendo com que seja mais uma ficção científica do que um estatuto realmente existente na prática (http://www.unopar.br/portugues/revista_cientificaj/artigosoriginais/oresgate/body_oresgate.html, acesso em 01/07/2007).

 

Os sindicatos devem participar obrigatoriamente das negociações coletivas de trabalho (art. 8°, VI, da CF), prestigiando a autonomia privada coletiva. Haveria, assim, a participação obrigatória do sindicato patronal nos acordos coletivos. Entretanto, a interpretação sistemática da Lei Maior leva o intérprete a verificar que o sindicato profissional é que deve participar obrigatoriamente das negociações coletivas, pois nos acordos coletivos só ele participa juntamente com as empresas e não o sindicato da categoria econômica.

“A norma coletiva não é um contrato de execução, criando imediatamente um contrato individual de trabalho. Ela prescreve condições gerais de trabalho, encerrando cláusulas que irão regular os contratos individuais de trabalho em curso ou futuros” (MARTINS, p. 781).

Inicialmente, os acordos estabelecidos entre os grupos profissionais e empregadores determinavam obrigações puramente morais, de vez que não existiam, então, agrupamentos permanentes ou reconhecidos para lhes assegurar o cumprimento, além do que, agora, existe a estipulação de penalidades para as partes que descumprirem o acordado, com disposição expressa na lei:

Art. 613 – As Convenções e os Acordos deverão conter obrigatòriamente:

I – Designação dos Sindicatos convenentes ou dos Sindicatos e emprêsas acordantes;

II – Prazo de vigência;

III – Categorias ou classes de trabalhadores abrangidas pelos respectivos dispositivos;

IV – Condições ajustadas para reger as relações individuais de trabalho durante sua vigência;

V – Normas para a conciliação das divergências sugeridas entre os convenentes por motivos da aplicação de seus dispositivos;

VI – Disposições sôbre o processo de sua prorrogação e de revisão total ou parcial de seus dispositivos;

VII – Direitos e deveres dos empregados e emprêsas;

VIII – Penalidades para os Sindicatos convenentes, os empregados e as emprêsas em caso de violação de seus dispositivos.

Parágrafo único. As convenções e os Acordos serão celebrados por escrito, sem emendas nem rasuras, em tantas vias quantos forem os Sindicatos convenentes ou as emprêsas acordantes, além de uma destinada a registro (grifou-se).

 

 “As normas oriundas do sindicato são de coordenação, pois não podem contrariar o ordenamento do Estado. Apesar da existência de uma pluralidade de normas trabalhistas, elas estão inseridas num sistema, cuja validade deriva do reconhecimento do Estado, estando a ele subordinadas” (MARTINS, p. 785).

A intensificação da negociação coletiva de trabalho encontra-se ligada umbilicalmente ao processo de flexibilização do direito do trabalho.

 

O direito nacional laboral encontra-se ainda com fortes amarras presas ao modelo corporativista italiano, onde o sistema legalista impera de forma que o espaço reservado para manifestação da vontade das partes é diminuto, cabendo ao Estado reger quase que inteiramente o contrato de trabalho ou a relação de trabalho propriamente dita. A flexibilização do direito laboral pressupõe a amenização do rigor público, onde situações trabalhistas antes regradas por normas cogentes de ordem pública passam a dar condições para a manifestação privada da vontade das partes (http://www.unopar.br/portugues/revista_cientificaj/artigosoriginais/oresgate/body_oresgate.html, acesso em 01/07/2007).

 

 

  • 3. O direito de greve
  • Conceito e natureza jurídica.

 

Conforme ensina Martins, “a greve pode ser considerada antes de tudo um fato social, estudado também pela Sociologia. Seria um fato social que não estaria sujeito à regulamentação jurídica. A greve de fome é um comportamento individual que não tem relação com o trabalho. Ocorre que da greve resultam efeitos que vão ser irradiados nas relações jurídicas, havendo, assim, necessidade de estudo por parte do Direito” (MARTINS, p. 834).

O conceito de greve, entretanto, dependerá de cada legislação, se a entender como direito ou liberdade, no caso de a admitir, ou como delito, na hipótese de a proibir.

A greve é considerada, em nossa legislação, conforme o art. 2.° da Lei n.° 7.783/89, como: “Para os fins desta Lei, considera-se legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador”.

“Trata-se de suspensão coletiva, pois a suspensão do trabalho por apenas uma pessoa não irá constituir greve, mas poderá dar ensejo a dispensa por justa causa. A greve é, portanto, um direito coletivo e não de uma única pessoa. Só o grupo, que é o titular do direito, e que irá fazer greve. Deve haver, portanto, paralisação dos serviços, pois, de acordo com a lei, se inexistir a suspensão do trabalho não há greve” (MARTINS, 835).

 

De acordo com a atual Constituição, a greve é, portanto, considerada um direito, um direito social dos trabalhadores, tratando-se de uma garantia fundamental, por estar no Título II, “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, da Lei Maior.

Para Sérgio Pinto Martins, em sua festejada obra sobre Direito do Trabalho, enquadra inicialmente a greve como “[…] liberdade, decorrente do exercício de uma determinação lícita. Sob o ponto de vista da pessoa, do indivíduo, podemos considerá-la como uma liberdade pública, pois o Estado deve garantir seu exercício. No que diz respeito à coletividade, seria um poder” (MARTINS, p. 835).

       A greve envolve um fato jurídico. Não é uma declaração de vontade, mas um comportamento do trabalhador. Envolve um direito subjetivo. É, assim, um direito de coerção visando à solução do conflito coletivo.

 

 

  • Direito de greve e negociação coletiva.

 

Antes de se deliberar sobre a greve, deverá haver negociação coletiva para a tentativa de solução do conflito coletivo. É possível se afirmar, então, que a negociação coletiva é uma fase antecedente e necessária da greve, ou seja: é uma condição para o exercício do direito de greve. As partes também poderão eleger árbitros para solucionar a pendência entre elas. Frustrada a negociação coletiva ou verificada a impossibilidade da arbitragem, será facultada a cessação coletiva do trabalho (art. 3.° da Lei n.° 7.783/89). A exigência da negociação ou da arbitragem como procedimento obrigatório ou como etapa preliminar pode ser realçada com o exame do §2° do art. 114 da Lei Maior, ao mencionar que, se as partes se recusarem à negociação ou à arbitragem, será facultada a instauração do dissídio coletivo (MARTINS, p. 839).

A arbitragem vem a ser, aqui, um procedimento alternativo de tentar solucionar o conflito coletivo. Frustrada a tentativa de arbitragem, em que já se verifica que a outra parte não tem interesse na negociação, já é possível a paralisação coletiva.

Poderá a Delegacia Regional do Trabalho convocar as partes para mesa-redonda com o objetivo de resolver o conflito. A mesa-redonda convocada pela DRT não vem a se configurar numa interferência ou intervenção do Estado no sindicato, apenas uma forma de cumprir as determinações da lei, que exige a negociação, tanto que a intervenção da DRT não é obrigatória para efeito de negociação (§1° do art. 616 da CLT). O objetivo da DRT é apenas fazer mediação ou servir de mediador para solucionar a controvérsia coletiva, aproximando as partes. Não se trata, assim, de imposição. Inexistindo acordo, mesmo com a mediação da DRT, é faculdade das partes a instauração do dissídio coletivo.

O que precisa haver é a negociação frustrada para ser instaurado o dissídio coletivo, não importa onde ela seja realizada (§2° do art. 114 da Constituição).

 

 

  • 4. A Justiça do Trabalho

 

A origem do poder normativo da Justiça do Trabalho remonta sua própria criação,  em 1939,  uma época marcada pelo autoritarismo e cuja inspiração se deu com a  Carta del Lavoro  do  regime italiano fascista de Mussolini e representava uma forma que dava ao Estado poderes para superar a concepção da luta de classe, evitando-se,  assim,  manifestações de antagonismo que pudessem pôr em risco uma suposta concepção de equilíbrio social (http://www.apcefrj.org.br/online/060711-jur-02.doc, acesso em 01/07/2007).

            A Constituição Federal de 1988 veio a pôr limites no poder normativo,  permanecendo ainda, no entanto,  certas nódoas dos regimes autoritários,  o que fez com que continuasse a ser fator impeditivo de melhoria de condições de vida da massa dos trabalhadores.

            Com a evolução natural da sociedade brasileira como Estado democrático de Direito,  o poder normativo foi perdendo força até que hoje ficou limitado o seu exercício à solicitação conjunta das partes em conflitos,  isto é,  o  poder normativo ficaria reservado às partes como uma espécie de arbitragem judicial.

            Por força da Emenda Constitucional nº 45/04,  o  poder normativo deixou de ser um instrumento antidemocrático e coercitivo do sistema sindical corporativista,  sendo hoje reconhecido pelo próprio STF que esse poder só pode atuar no  “vazio da lei”  com absoluta sujeição aos parâmetros legais. Assim sendo, valoriza-se a premissa defendida pela OIT que recomenda que os Estados venham a privilegiar a negociação coletiva de trabalho, considerado a forma mais eficaz de resolução dos conflitos coletivos entre capital e trabalho. 

A Justiça do Trabalho pode estabelecer normas e condições de trabalho através de sentenças normativas, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho, o que se traduz não só pela impossibilidade de redução do patamar mínimo convencional ou legal, mas, também, como possibilidade da Justiça do Trabalho criar, como de fato cria, através de Precedentes Normativos e Orientações Jurisprudenciais, condições mais favoráveis aos trabalhadores. A conseqüência disto é o “engordamento” das pautas de reivindicações com a simples repetição dos Precedentes, impossibilitando a negociação coletiva.

É importante notar que os Precedentes/Orientações Jurisprudenciais desconsideram a questão fática das partes litigantes, olvidando-se das reais condições da empresa para suportar tal ou qual imposição.

“Não raro, já se presenciou a concessão de benefícios que superam a força do empreendimento, tais como: aumento real de 100%, produtividade de 30%, isto no passado e, hoje, tem-se visto aumentos reais acima da inflação e, ainda, a concessão de produtividade, esta em torno de 3 a 4%. Isto sem dizer das cláusulas que aparentemente beneficiam o trabalhador, mas, que, no fundo, implicam em mais um fator de discriminação, em um óbice no momento da contratação, como por exemplo a concessão de licenças e abonos salariais para os trabalhadores que tenham filhos portadores de deficiência. A intenção é ótima, mas, o resultado, lamentável” (http://www.prt17.mpt.gov.br/n_proposta.html, acesso em 01/07/2007).

 

Considerações finais

A nosso ver o modelo sindical brasileiro, aliado ao Poder Normativo da Justiça do Trabalho, são os principais entraves à Negociação Coletiva pois não incentivam as partes a exercitarem a arte da negociação, seja por que os sindicatos detêm o monopólio da negociação e, em conseqüência, não têm necessidade de demonstrar empenho na representação da categoria, seja por que já conhecem previamente o mínimo que será concedido pelo Poder Judiciário, ou seja, conhecem os Precedentes Normativos do Tribunal Superior do Trabalho.

Sintetizando o nosso pensamento, entendemos necessárias as seguintes providências para melhorar a negociação coletiva no Brasil:

 

1) Ratificação da Convenção Nº87/OIT e adoção da pluralidade sindical;

2) Conseqüente extinção da Unicidade sindical;

3) Ampliação da legitimação para negociar;

4) Redefinição do conteúdo mínimo dos instrumentos coletivos;

5) Extinção do Poder Normativo da Justiça do Trabalho;

6) Edição de novas regras negociais tornando-as obrigatórias e passíveis de sanções em caso de descumprimento;

7) A instituição da obrigação de negociar com os ônus decorrentes da omissão, tais como: a ultratividade das cláusulas normativas e o aumento do prazo para apresentação da pauta de reivindicações, como ocorre no Direito Espanhol e a previsão de indenização ao trabalhador, a exemplo do que ocorre no Direito Italiano;

8) Extinção das contribuições sindicais compulsórias, adotando-se um lapso temporal de transição de um ano para adaptação das entidades sindicais, período no qual poderia ser mantido o chamado ‘imposto sindical’;

9) Ratificação da Convenção Nº151/OIT, reconhecimento da negociação coletiva no Setor Público e a criação de uma Repartição/Agência legitimada para negociar em nome do Governo, em cada esfera (Federal, Estadual e Municipal).

 

 

Referências

MARTINS, Sérgio Pinto – Direito do Trabalho. 22ª ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2006.

SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; e LIMA, Teixeira – Instituições de Direito do Trabalho. 17ª ed. vol. 2 São Paulo: LTr, 1997.

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* Acadêmicos de Direito da UFSC

 

 

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Como citar e referenciar este artigo:
MUSSI, Daniel Henrique Sprotte Lima, Filipe A. B. Siviero e Lucas. A Problemática da Negociação Coletiva no Brasil. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-do-trabalho/aproblematica/ Acesso em: 22 nov. 2024